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Anatomia de uma Queda | Le Pacte |
Afinal, Sandra é culpada? Foi acidente? Nesse caso, pouco
importa!
Tudo em Anatomia de uma queda cai. A bolinha, no início,
descendo escada abaixo indicando que a relação do casal que há muito caiu. A
relação pais e filhos segue caindo. As expectativas do início já estão no
abismo desde o dia 1. O julgamento, teatral e terrivelmente feroz para a mulher,
tudo em queda.
Anatomia de uma queda conta a história de um casal com
um filho e um cachorro. O filme parece ter invertido os papéis, assim como em Cenas
de um casamento de 2021. Sandra, não esbanja feminilidade, é prática,
objetiva, trabalha fora, escritora de sucesso. Samuel, quase invisível, faz o
papel do que a sociedade considera feminino. Do lar, cuida do filho, do
cachorro e da casa, usa pano de prato no ombro, não se acha na carreira de
escritor. À sombra de Sandra, amarga dentro de casa, segundo ele, sobrecarregado,
sozinho, como o lagosta sem par.
O ressentimento era tempero constante na relação deles. A
cena inicial já deixa claro isso: ela tentando conceder uma entrevista na sala,
enquanto o som dele, em volume máximo, repetido e irritante, descia do andar de
cima atrapalhando o andamento daquela conversa – que também caiu, não vingou. A criança, o filho, Daniel, possui deficiência visual em
decorrência de um acidente acontecido outrora e que, como muitas outras coisas,
não fica claro de quem foi a culpa! Daniel decide assistir ao julgamento e ali,
sim ali, no meio do “teatro” fica conhecendo a ponta do iceberg do que
são seus pais. Afinal, que criança sabe verdadeiramente quem são seus pais?
Durante o julgamento, para elucidação do
ocorrido, o filme abusa de cenas de discussões anteriores ao fatídico dia.
Durante dias e sessões exaustivas, a sexualidade, o amor, a bondade, a devoção,
a lealdade, o caráter de Sandra são expostos à prova o tempo inteiro.
Em dado momento, a acusação expõe o áudio de uma discussão
entre o casal. Discussão calorosa que quem escuta com um “ouvido de Samuel”, encontra
um homem triste, traído, injustiçado. Quem escuta com um “ouvido de Sandra”, encontra
um homem covarde e uma mulher que fez da vida o que achava que devia ter feito.
Na discussão, ele, histérico, culpa Sandra pelo acidente do filho além de alegar
que nunca chegou aonde queria porque ela roubou a vida dele e a ideia do seu
livro. Ela, calma, claro!, diz que ele não fez o que quis porque não teve
coragem. Não só não bancou o próprio desejo, como ainda imputou culpa a
terceiro.
Antes do veredito, Daniel informa que vai depor. O julgamento
é adiado para o dia seguinte e, em casa, Daniel pede para ficar apenas com a
tutora designada pelo juízo. Em um determinado passeio frio, conversando, Daniel
pergunta à tutora como se toma uma decisão difícil. Ela não sabe, mas supõe que
às vezes é uma questão de escolha. Pronto! Ali estava desenhado o filme. Cortando para Daniel tocando no piano a mesma música que tocava junto com Sandra no
início do filme. Ele escolheu! Fez o que foi possível.
Fim de julgamento! Sandra inocentada, comemora com os
advogados sua liberdade ao mesmo tempo em que chora por ter sido nessas
circunstâncias. Vai para casa. Sobe ao quarto do filho. Ele dorme! Antes
que ela se retire, ele a chama. Eles se abraçam. Um ato de cumplicidade? Um
conforto de terem um ao outro? Jamais saberemos. Ato final, no escritório, Sandra, deitada, abraça o
cachorro. Toca a mesma música que mãe e filho costumavam tocar juntos, em par.
Assassinato? Suicídio? Acidente? Nesse caso, de novo, pouco importa! Anatomia de uma queda, parafraseando a psicanalista Maria Homem, é sobre um homem que cai, mas também, ouso dizer, sobre escolher o que se aguenta sustentar.
Autora:
Lá em 2004 participei do meu primeiro filme. Ali apaixonei pelo cinema, mas como toda boa paixão, à la Jack e Rose, naufragou. A vida toma rumos e acabei seguindo outra área. Mas nada apaga uma boa paixão, né isso? Me chamo Carol Sousa e hoje falo e escrevo sobre cinema, quem sabe isso quer dizer amor...