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quinta-feira, 20 de novembro de 2025

Sombras no Deserto (2025) fica em cima do muro

 

Sombras no Deserto (2025) | Imagem Filmes


Crescer é um inferno: a passagem da infância à vida adulta é um ritual bastante natural e transformador, a pessoa que você era antes deixa de existir e começa a ficar exposta as mudanças interiores e exteriores que todes sofrem com este amadurecimento. É como uma troca de pele, seu corpo muda, suas percepções e crenças também... A reação é assustadora. No entanto, ao retratar esse momento específico da vida de uma figura mitológica/religiosa pode abrir espaço para debates e (não como me importasse muito) controvérsias.

Em Sombras no Deserto (The Carpenter's Son, no original, 2025) retrata a adolescência da figura de Jesus Cristo dentro de um gênero cinematográfico inusitado para esse tipo de estória ligado a tradição eclesiástica: o terror. O filme é dirigido por Lotfy Nathan e tem o dedo de Nicolas Cage na produção, que também interpreta José de Nazaré, o pai adotivo de Jesus. Enquanto o título nacional tem um nome genérico, o original explicita sua relação com a teologia.

Quando este projeto foi anunciado muitas pessoas ficaram ou com uma curiosidade mórbida ou completamente ultrajadas por alguém adaptar a vida de um símbolo cristão em filme de terror; afinal, para um crente, a ideia de retratá-lo de uma "forma negativa" seria uma blasfêmia. E até semanas antes do lançamento o projeto está sofrendo com um boicote online em portais e agregadores de cinema (uma semana antes do lançamento oficial, no IMDB, a nota está em 3.5). 

Como um bom agnóstico/ateu que este crítico é, me enquadro no primeiro grupo; pois é muito raro ver este tipo de abordagem sendo feita, porém, como não é muito comum, as chances do longa ser um desastre incompreensível são altas. De fato, Nathan se baseia em textos apócrifos, que não fazem parte do cânone do cristianismo, dando uma liberdade de contar algo, digamos, extraoficial, ou seja, indo em direção ao paródico, ao paralelo de tal cânone já consolidado.

Nathan não dá nomes aos seus personagens de cara, e, quando dá, utiliza os nomes em judaico, mas codifica as personagens mitológicas de forma que o público os identifique de cara: o Carpinteiro (Cage), a Esposa (FKA Twigs) e o Filho (Noah Jupe). José, Maria e Jesus. Simples assim. Não é preciso muitas explicações.

O longa começa com um prólogo que retrata o nascimento de Jesus no dia de Natal e a fuga de seus pais das tropas romanas. Depois, a narrativa corta para anos depois. O Carpinteiro e sua família são nômades, com medo de descobrirem a verdade sobre o Filho. Eles se instalam em uma vila egípcia, cujas as habilidades do patriarca da família são necessárias. Mas o Filho não é mais nenhuma criança e seus pais sentem um medo de que ele logo caia em tentações e atraia a presença de Satanás. O Carpinteiro é rude e ríspido em sua educação, alienando mais o filho do que o ajudando. Enquanto isso, o jovem é assolado por sonhos que preconizam sua morte.

A situação complica quando o Filho conhece uma Criança (Isla Jonhston) muito estranha e de estilo bastante andrógeno, talvez Satanás em pessoa ou não, que empurra Jesus para fora da faceta construída pelos pais e sim para o santo milagroso do qual seria conhecido: seja por curar leprosos ou exorcizar espíritos demoníacos em pessoas inocentes. Porém, isso pode, em contrapartida, acarretar em acusações de bruxaria e paganismo contra o jovem, já que a população local não sabe de seu verdadeiro destino. Causando, deste modo, aflição e medo no seio familiar.

Partindo de uma abordagem histórica, querendo ou não, o cinema bíblico está presente no cinema, desde a época dos filmes mudos, com os épicos de DeMille, por exemplo. Mas o que antes era visto como algo épico e luxuoso, hoje em dia virou em um gênero escabrosamente decadente que serve mais converter os espectadores ao cristianismo e reforçar as temáticas religiosas para o público protestante. O que era um subtexto, virou algo muito maior, mais aborrecido e pedante: uma obra planfetária para vender uma ideologia, flertando com um fascismo religioso. E talvez, esteja uma das controvérsias do filme. Ele foge desse roteiro. Ao retratar os poderes de Cristo como algo assustador e que causa pânico, automaticamente, o projeto rejeita o discurso engessado de produções recentes. Foge do estilo da Angel Studios e da Affirm Films que protestantes estadunidenses querem enfiar goela abaixo nos espectadores, junto de sua agenda. E nem chega a ter tons ofensivos a outras religiões como A Paixão de Gibson, em que há um subtexto antissemita.

Nathan abraça o caráter humanístico de Jesus, descrevendo-o como ele é: um ser divino, mas mortal, como qualquer ser humano. Tem muito como um referencial temático os trabalhos de Scorsese e (o saudoso) Pasolini, de certa forma. A narrativa de horror se desenvolve dentro da lógica do bildungsroman, com Cristo desconhecendo de seus poderes e do terror que isto possa causar na psique. Há um certo fascínio, quanto uma realização temerosa ao mesmo tempo. Cristo, influenciado pela Criança demoníaca, quer descobrir suas próprias tentações e poderes. Mas José, difícil e controlador, é o único obstáculo em seu caminho. 

Aqui não há só uma batalha entre o bem e o mal, mas também geracional, entre a fé e o desespero, o etéreo e a carne. Existe uma linha tênue entre a teologia e a psicanálise que é anunciada, mas nem sempre tem algo a dizer de inovador ou de perspicaz. Deste modo apresentando ideias interessantes, que parecem mais inteligentes e profundas do que elas são de verdade. Essa dicotomia entre bem e mal ou pai e filho é um dos dispositivos mais antigos do mundo. Existe uma gravidade nesta relação, dando um peso à narrativa; a figura bíblica da serpente como uma figuração do pecado, do mau caminho, da perdição, é recorrente, embora que seja repetitiva. O problema aqui é que a direção e a construção de mundo estão intrinsecamente ligadas a tradição mitológica e, mesmo brincando com seus signos, nem sempre consegue escapar da sensação de que a trama está "chovendo no molhado". 

Se em termos temáticos, o filme não acrescente nada de novo, apesar do gênero escolhido, também sofre com algumas decisões que afetam a estética da obra. Talvez o maior pecado do filme é pegar o trabalho do diretor de fotografia Simon Beaufils (de Anatomia de uma queda (2023) e Faca no coração (2018), um favorito meu, por exemplo), com seu trabalho de cores e texturas, para, provavelmente na pós, escurecer algumas cenas que prejudicam o trabalho de fotografia naturalista realizado aqui. Algumas cenas noturnas são demasiadamente escuras, sem a necessidade tal escolha, sem que haja uma sombra e luz para contrabalancear.

Nathan consegue dirigir o longa ao redor da figura de Cage, mesmo que este seja o único dentre os atores com um "sotaque europeu" no projeto, com certa competência que deixa o nível da trama com as batidas de desenvolvimento necessárias para seu desenvolvimento: não deixá-lo roubar a cena. O ator conhecido pelo seu estilo hiperbólico conseguiu dar, na última década, uma reviravolta na carreira ao embarcar em projetos que contemplassem seu estilo de performance e com realizadores que conseguiriam trabalhar em volta dessa figura na direção. Há momentos que vemos o Cage explosivo, no qual, por muitos anos, ele infamemente ficou conhecido; mas são bem espalhados, no mar de contenção e de naturalidade, e contribuem para o arco narrativo da narrativa e de sua personagem. 

Além disso, o diretor consegue com que haja um diálogo de cena entre Nic Cage e seus colegas, de modo que as interações não fiquem exageradas ou beirando ao território do camp. Por mais que o filme se venda na figura de Cage, o foco de toda trama é o desenvolvimento de Jesus que é está bem nas mãos de Noah Jupe, que consegue vender sua versão, esforçada até, de um Cristo infante, ainda ingênuo. Já FKA Twigs, que foi de Maria Madalena para Maria de Nazaré (quem entendeu a referência, entendeu), não está em uma posição vulnerável em cena, como foi o caso da versão de O Corvo do ano passado, no qual a diva do pop indie sofreu com uma péssima direção, prejudicando seu trabalho no projeto que foi severamente criticado na época; aqui ela consegue estar a par da cena. Porém, sua personagem é retratada de uma forma bastante passiva, quase tornando a sua presença um acessório narrativo, do que como parte integral da trama.

Em suma, Sombras no Deserto causa pela ideia, no campo do discurso, pela ousadia de um terror bíblico, como uma vertente dos filmes de terror religiosos, como Exorcista e Invocação do Mal, por exemplo. Mas o longa-metragem propõe uma transgressão de valores do qual não a assume, com um desenvolvimento temático, já feito no passado, que flerta com o genérico e o mediano. A balança entre naturalismo e a teologia está voltada ao espetáculo abrasivo que tenta ser "desconstruído", sem sê-lo. É uma mistura de um filme europeu pretencioso com um filme B. Talvez o pior pecado, se podemos chamá-lo assim, deste projeto seja uma ambivalência de valores transgressores e conservadores que fazem o filme pairar dentro de um limbo para agradar vários gostos e visões polarizadas de mundo. Em outras palavras, é uma obra que fica em cima do muro em um mar de mesmice autoral. Interessante, mas um pouco esquecível. Contudo, não merece esse hate episcopal.

Autor:
                                  

Eduardo Cardoso é natural do Rio de Janeiro, Cidade Maravilhosa. Cardoso é graduado em Letras pela Universidade Federal Fluminense e mestre em Estudos de Linguagem na mesma instituição, ao investigar a relação entre a tragédia clássica com a filmografia de Yorgos Lanthimos. Também é escritor, tradutor e realizador queer. Durante a pandemia, trabalhou no projeto pessoal de tradução poética intitulado "Traduzindo Poesia Vozes Queer", com divulgação nas minhas redes sociais. E dirigiu, em 2025, seu primeiro curta-metragem, intitulado "atopos". Além disso, é viciado no letterboxd. 


quinta-feira, 6 de novembro de 2025

Frankenstein (2025) - Pense duas vezes antes de rejeitar alguém

 

Frankestein (2025) | Netflix

Publicado em 1818, Frankenstein, de Mary Shelley, apresenta uma visão crítica da sociedade a partir do paradigma criador/criatura, tornando-se, desde então, um clássico aclamado com diversas adaptações. De outro lado, temos o diretor Guillermo Del Toro, conhecido por levar às telas criaturas e monstros visualmente inesquecíveis, atrelados quase sempre a narrativas que buscam refletir sobre um período histórico de seu país de origem: a Espanha. Dessa forma, o anúncio de que a obra de Frankenstein seria adaptada por Guillermo Del Toro gerou grandes expectativas.

O longa inicia-se com Capitão Anderson (Lars Mikkelsen) e sua tripulação confrontando a Criatura (Jacob Elordi), após darem abrigo a Victor Frankenstein (Oscar Isaac). Eles o encontraram na neve depois que o navio encalhou no gelo, enquanto rumavam ao Polo Norte. Após conseguirem se desvencilhar do monstro, inicia-se uma série de flashbacks onde Victor conta sua versão dos fatos até ali. O longa é separado por capítulos, os quais servem para orientar o espectador na narrativa, tal qual um livro. Del Toro investe bons minutos do filme nos mostrando a infância de Victor e o que o leva a tornar-se um médico obstinado obcecado por vencer a morte, um acerto do roteiro, uma vez que aumenta o interesse no personagem, que é um dos protagonistas da obra.

Conforme novos personagens são introduzidos, fica perceptível como Del Toro os utiliza para se aprofundar em seus protagonistas. Por exemplo, Elizabeth Lavenza (Mia Goth), esposa de William Frankenstein (Felix Kammerer), irmão caçula de Victor, é uma mulher independente e ousada, com ideias próprias, que provoca Victor. Mesmo sabendo que ela estava comprometida com seu irmão, ele se declara, mas é rejeitado. Quando Elizabeth demonstra empatia pela Criatura, isso invoca uma cólera de inveja e ira em Victor, que rejeita e tenta destruir sua criação, o que põe à prova quem de fato seria o monstro.

Quanto aos aspectos técnicos, a direção de arte se destaca. Os cenários grandiosos e repletos de elementos de cena, como os pedaços de corpos no laboratório de Victor, ajudam na imersão e tornam os planos vistosos e dignos de serem enquadrados. Ademais, os figurinos e, em especial, a caracterização de Jacob Elordi como a Criatura se afastam da caracterização clássica do filme de 1931 e abraçam a descrição do livro de Mary Shelley, trazendo um personagem mais realista e humanizado, ainda que grotesco. Infelizmente, por vezes, é possível perceber que algumas cenas abusaram do CGI na composição do cenário, o que o torna um pouco artificial, mas não a ponto de estragar a experiência. Já a trilha musical, assinada por Alexandre Desplat, agrega-se à composição das cenas e forma um casamento harmônico, onde cada cena tem seu tom. A trilha por vezes é mais tímida ou cresce, dependendo da necessidade, um mérito da montagem, mas também de Desplat por ter feito uma composição tão rica que se encaixa em diferentes momentos da trama.

A despeito das atuações, é impossível não falar de Jacob Elordi, que entrega uma Criatura de olhos tão doces, apesar de sua forma amorfa, suas mãos grandes e desajeitadas, demonstrando uma ingenuidade quase digna de pena. A exemplo disso, pode-se citar a sequência com o velho cego, onde é possível perceber toda a desenvoltura do ator para entregar uma Criatura que luta contra a rejeição e busca provar que pode ser boa.

Frankenstein é uma adaptação que abraça e respeita sua obra base, mas sem deixar de ser original, apresentando elementos técnicos inspirados e atuações que se destacam. Apesar de todo seu mérito, o longa possui um caráter apressado. Seu desenvolvimento é orgânico, mas parece deixar pontas soltas. Talvez Del Toro não tenha tido tanta liberdade, ou talvez só não estivesse tão inspirado em algumas partes do filme. Em suma, Frankenstein não é perfeito, mas entrega o que promete e, certamente, é até então a melhor adaptação da obra de 1818 já feita para o cinema.

Autor:


Mateus José é graduando de Licenciatura em Cinema e Audiovisual pela UFF, escritor, poeta, montador e aspirante a diretor de fotografia. Apaixonado pelas artes, literatura, música e principalmente o cinema, dedica-se a consumir, estudar e dissecar as camadas mais profundas do cinema e da arte.

Bom Menino - Mais que um amigo fiel: um especialista em monstros domésticos

Bom Menino | Paris Filmes


Um homem se muda para uma nova casa onde forças sobrenaturais se escondem nas sombras. Quando entidades sombrias começam a ameaçá-lo, seu corajoso cachorro aparece para salvá-lo.

Ao assistir ao trailer do filme, é quase inevitável lembrar da clássica animação Coragem, o Cão Covarde, e muitos comentam nas redes que o filme fuinciona como uma espécie de versão live action do desenho. A comparação é natural: em ambas as obras, apenas o cachorro percebe as presenças sobrenaturais que passam despercebidas pelos humanos, estabelecendo uma dualidade fascinante entre sensibilidade e ignorância. Essa perspectiva evidencia como os animais podem ser muito mais perceptivos do que imaginamos, enquanto os humanos permanecem alheios ou descrentes diante do inéxplicável.


Segundo estudos sobre comportamento canino, os cães latem não apenas para alertar sobre perigos concretos, mas também como resposta a estímulos que só eles — sons, cheiros ou presenças sutis que fogem à fogem à nossa percepção. Essa característica é explorada de maneira criativa nas duas narrativas: O latido do cachorro deixa de ser apenas um recurso sonoro e se torna um símbolo de alerta, isolamento e incompreensão. O Bom Menino adota uma abordagem mais realista e emocional, dando profundidade ao vínculo entre o cão e seu dono. O latido, aqui, se transforma em metáfora de solidão, medo e da dificuldade de ser compreendido, mostrando como o animal, mesmo vulnerável, se torna o verdadeiro herói da história.


Contar uma história de terror sob a perspectiva de um animal de estimação é uma proposta muito bem executada. Ao adotar esse ponto de vista, o filme ganha uma camada extra de sensibilidade, transformando o medo em algo mais íntimo, quase inocente, e profundamente emocional. A direção explora com inteligência a limitação do olhar do cachorro, restringindo o campo de visão à altura do chão e aos ruídos distantes. Essa escolha aproxima o público do protagonista, fazendo com que cada som, movimento ou ausência de luz seja sentido com a mesma vulnerabilidade que ele.


Além de intesificar a tensão, essa perspectiva reforça a conexão afetiva entre o espectador e o animal, que se torna um espelho de emoções humanas como o medo, a lealdade e o instinto de proteção. O resultado é um terror que vai além dos sustos e das aparições sobrenaturais — é uma experiência emocional, que faz o público torcer, temer e sofrer junto com o cachorro.


O roteiro força um pouco a barra ao apresentar um homem gravemente doente decide se mudar justamente para uma casa cercada de mistérios — e, mesmo percebendo que há algo errado, resolve ficar. Ainda mais estranho é saber que todas as famílias que viveram ali tiveram finais trágicos, com mortes prematuras e sempre na companhia de seus cachorros. Essa escolha soa forçada e pode causar certo estranhamento, já que o comportamento do personagem nem sempre faz sentido dentro da própria história. Mesmo assim, quem embarca na proposta consegue aproveitar o suspense e o clima sombrio que o filme constrói com eficiência.


O Bom Menino se destaca por unir sensibilidade e terror de uma forma pouco comum no gênero. Ao colocar um cachorro como verdadeiro herói da trama, o filme vai além dos sustos e constrói uma história sobre lealdade, empatia e a solidão de quem enxerga o que os outros se recusam a ver. Apesar de algumas decisões de roteiro soarem forçadas, a obra compensa com uma direção envolvente, um clima tenso e uma perspectiva original que desperta emoção. É um terror que dialoga com o coração — e prova que, às vezes, o olhar mais puro é também o que melhor entende o medo.

Autor:


Meu nome é João Pedro, sou estudante de Cinema e Audiovisual, ator e crítico cinematográfico. Apaixonado pela sétima arte e pela cultura nerd, dedico meu tempo a explorar e analisar as nuances do cinema e do entretenimento.


segunda-feira, 20 de outubro de 2025

Telefone Preto 2 - Do Suspense Psicológico para a Hora do Pesadelo

Telefone Preto 2 | Universal Pictures

Pesadelos assombram Gwen, de 15 anos, enquanto ela recebe chamadas do telefone preto e tem visões perturbadoras de três rapazes sendo perseguidos em um acampamento de inverno. Com a ajuda de seu irmão, ela deve agora confrontar um assassino que se tornou ainda mais poderoso na morte.

O Primeiro Telefone Preto seguiu a linha do suspensa psicológico, centrado em um garoto sequestrado por um assassino em série. Com elementos sobrenaturais, o protagonista encontra um telefone antigo em seu cativeiro, o que lhe permite se comunicar com as vítimas anteriores do criminoso e, assim, tentar escapar. No segundo filme da franquia, a história se expande, mas mantém algumas semelhanças com o primeiro. O telefone não está mais no cativeiro, mas sim em uma cabine telefônica, localizada em um acampamento onde o protagonista, Finney, vai com sua irmã, Gwen. Ao contrário do primeiro filme, Finney não está preso, mas a tensão permanece. A principal novidade é que Gwen, irmã de Finney, começa a ter pesadelos premonitórios sobre o assassino, o que faz lembrar o clássico A Hora do Pesadelo. Ela também corre o risco de morrer na vida real caso morra em seus sonhos, criando um paralelismo com os eventos que envolvem o assasino e seu irmão.

Embora o filme traga algumas boas ideias e a continuidade dos elementos sobrenaturais que funcionaram no primeiro, a sequência não consegue replicar a tensão psicológica que fez o original tão eficaz. Apesar da premissa do telefone ter mudado, o desenvolvimento do mistério se arrastar um pouco mais do que no seu antecessor. A comparação com A Hora do Pesadelo é interessante, especialmente pela dinâmica dos pesadelos premonitórios, mas, no geral, o filme falha em aproveitar plenamente o potencial da trama. Isso faz com que a sequência se sustente mais por nostalgia e elementos familiares do que por inovação.

No primeiro filme, o foco estava no protagonista, Finney, que era a principal vítima do sequestrador. Gwen, embora tivesse um papel relevante, era mais uma figura de apoio — a irmã caçula que buscava pistas sobre o desaparecimento do irmão. No entanto, em Telefone Preto 2, gostei de ver uma expansão signficativa de seu papel. Agora, ela não é apenas uma personagem secundária, mas uma parte fundamental da trama. Além de continuar sendo uma presença importante na busca por Finney, Gwen também se vê em perigo, pois seus pesadelos premonitórios a colocam em risco, ampliando ainda mais a tensão e o suspense da história. Esse aprofundamento no papel de Gwen traz uma dinâmica mais interessante, especialmente porque ela deixa de ser uma mera coadjuvante para se tornar uma protagonista no enfrentamento do assassino. A sequência acerta ao dar a ela mais espaço, equilibrando a narrativa e oferecendo uma perspectiva adicional sobre a ameaça que paira sobre os personagens. Essa ampliação da trama, ao mesmo tempo em que mantém o suspense, torna o filme mais envolvente e menos centrado apenas no sofrimento de Finney, o que traz um ar de frescor e evolução ao enredo.

Nos sonhos de Gwen, a alteração da estética da câmera, dando-lhe a aparência de um filme antigo, quase como se estivesse sendo visto através de uma lente embaçada ou desgastada. Esse recurso visual não só cria uma distinção clara entre os mundos oníricos e reais, mas também intensifica a atmosfera de mistério e tensão dos pesadelos de Gwen. A escolha de simular esse estilo "retrô" remete a filmes clássicos de terror, estabelecendo uma conexão com o gênero de forma sutil e eficaz. Quando os sonhos terminam e Gwen retorna ao mundo real, a câmera volta ao seu formato habitual, o que reforça ainda mais a ideia de que, nos momentos em que ela está dormindo, está em uma realidade completamente diferente — mais distorcida e perigosa. Essa técnica é habilidosa porque não só serve a uma função narrativa, mas também contribui para a construção da tensão emocional e visual da história. Ao longo do filme, essa mudança estilística ajuda a mergulhar o espectador na experiência de Gwen, tornando seus pesadelos ainda mais palpáveis e imersivos.

Telefone Preto 2 expande a história do primeiro filme, mas, embora traga algumas novidades interessantes, não consegue capturar a mesma tensão psicológica que fez o original tão impactante. A principal adição, que é o aprofundamento no papel de Gwen, funciona bem em termos de dar à personagem mais relevância e complexidade, mas o desenvolvimento do mistério acaba sendo mais arrastado do que no primeiro filme. A inclusão dos pesadelos de Gwen, é um bom toque, mas não consegue gerar a mesma sensação de desespero que o cativeiro de Finney proporcionava.

Autor:


Meu nome é João Pedro, sou estudante de Cinema e Audiovisual, ator e crítico cinematográfico. Apaixonado pela sétima arte e pela cultura nerd, dedico meu tempo a explorar e analisar as nuances do cinema e do entretenimento.

terça-feira, 7 de outubro de 2025

Love Kills (2025) - Anjos da Noite na Cracolândia não surte efeito

Love Kills (2025) | Filmland International


Como diria Lady Gaga, na era The Fame Monster, este filme me deixou "speechless"...

Love Kills (2025) é o primeiro longa-metragem da diretora Luisa Shelling Tubaldini, que produziu diversos projetos como Qualquer Gato Vira-Lata (2011), O Vendedor de Sonhos (2016), Divórcio (2017) e Motorrad (2017), e é uma adaptação do quadrinho de mesmo nome de Danilo Beyruth, lançado pela Darkside em 2019. A história trata de vampiros vivendo no centro de um grande centro urbano brasileiro. Portanto, uma adaptação potencialmente queer de uma obra de uma editora de certa importância no gênero terror apresenta-se como uma proposta interessantíssima.

Mas como preconiza a letra da Vera Fischer Era Clubber, ao som da voz de Crystal: "Eu sem depressão, sou uma outra proposta..."  E por mais que a citação ao lado seja uma piada interna deste crítico, realmente o que foi proposto não chega ao resultado final de pé (ou com cabeça) e "depreciativo" aos meus olhos.

No centro de São Paulo, devastado pelo crack, uma vampira, Helena (Thaís Lago), assombra um café sujo, cativando um garçom ingênuo, Marcus (Gabriel Stauffer). À medida que ele descobre os segredos dela, assim como o submundo da cidade, passa a ser atraído para um mundo perigoso de intrigas imortais, liderado por um "ex" comparsa dela, Leander (Erom Cordeiro).

O lado positivo dessa experiência é que Tubaldini tem um ótimo olho para fotografia e iluminação das cenas compostas aqui e, além disso, tem as referências de obras vampirescas do cinema na ponta da língua, recriando um estilo neo gótico Y2K que foi popular em filmes dos anos 90 e 2000 como Matrix (1998-2001) e, muito especialmente, a franquia Anjos da Noite (Underworld, 2001-2016). 

Tal como as personagens de Kate Beckinsale e Scott Speedman, no primeiro filme da franquia, há a mesma dinâmica em que um humano mortal acaba entrando no meio de um submundo no qual o desconhece, a ingenuidade de Marcus equivale ao fascínio. Em uma trama em que Helena, uma vampira milenar, deveria assumir o protagonismo, o filme foca mais na personagem masculina e em seus dilemas como um ex-enfrator que recomeça sua vida em um emprego de merda. Porém, tal figura do outsider, seja bem batida a esse ponto (péssimas recordações de quando assisti Eu, Frankenstein nos cinemas séculos atrás...), mais atrapalha do que a ajuda a progressão narrativa.

Se a personagem de Marcus seria o único elo entre o filme e a Cracolândia Paulistana, honestamente, é um desperdício de ambientação. Apesar de ser uma realidade social bastante proeminente no município, a Cracolândia é vista - na verdade, o centro histórico de São Paulo no geral - como um ambiente dispensável, usada por razões puramente estética do que uma grande personagem espacial. 

Existe uma correlação entre o vampirismo e da decadência e o estar à margem da sociedade (este último um tema bastante recorrente e presente nas vivências queer) que, surpreendentemente, é mal feita e em detrimento de plot points que a equipe criativa julga mais essenciais. Há figuras representativas da comunidade no longa, por mais que sejam tão acessórios e mal utilizadas. Do que adianta ter une vamprie chefe não-binarie cheio da grana e de atitude, se o roteiro trata esta personagem como figurante de luxo? Pessoas e personagens LGBTQIAPN+ e periféricos precisam sim ocupar espaços e narrativas. Exemplos não faltam, bons inclusive. Esse não é um deles.

Por mais que a história tenha referências ao lore vampiresco, a obra falha em justamente dar a sua própria versão da mitologia da figura do vampiro, há muitos diálogos expositivos e falas vagas, as regras e as relações do submundo são quase inexistentes. O pior que é o expectador nunca sabe o certo retraduzir os acontecimentos do filme de forma inteligível, afinal como Helena transformou e deu poderes a Leander? Qual é o propósito desse vilão gostoso?  (Sério, Erom Cordeiro caracterizado numa mistura anacrônica de Conde Orlok com Drácula de Lugosi me deixou interessado, em um personagem que só aprece nos últimos dez minutos e... vocês já sabem o resto.) 

Há claramente ruídos no roteiro e a direção é engessada. Para ser caridoso com a diretora, não sei se ela ficou refém do material de partida ou de uma visão mercadológica para uma visibilidade financeira e comercial da produção; afinal, o filme será distribuído pela Warner no ano que vem. No entanto, o filme é limpo demais para ser trash, se leva muito a sério para ser camp, possuí uma estética acima de substância, e impessoal demais para que seja uma reflexão ou metáfora para os espectadores.

Em suma, Love Kills é uma tentativa de cinema comercial brasileiro, com potenciais promissores, mas que nunca são entregues por uma narrativa sem atmosfera e personalidade sedutoras, deixando de sublinhar os pontos de interesse do gênero do horror e da ação. Um estética que vende algo que não é. Um banquete mofado trancafiado no armário. 

Logo... "what doesn't kill you, makes you stronger?" Hum... não sei. 

Te deixa anêmico? Talvez.

*Esta crítica faz parte da cobertura do 27o Festival do Rio, realizado em 2025.

Autor:
                                  

Eduardo Cardoso é natural do Rio de Janeiro, Cidade Maravilhosa. Cardoso é graduado em Letras pela Universidade Federal Fluminense e mestre em Estudos de Linguagem na mesma instituição, ao investigar a relação entre a tragédia clássica com a filmografia de Yorgos Lanthimos. Também é escritor, tradutor e realizador queer. Durante a pandemia, trabalhou no projeto pessoal de tradução poética intitulado "Traduzindo Poesia Vozes Queer", com divulgação nas minhas redes sociais. E dirigiu, em 2025, seu primeiro curta-metragem, intitulado "atopos". Além disso, é viciado no letterboxd.

O retorno dos serial killers mascarados: Os Estranhos - Capítulo 2

Os Estranhos - Capítulo 2 | Paris Filmes


'' Os Estranhos - Capítulo 2 '' é a nova sequência da franquia de terror que teve o seu início em 2008 com o diretor Bryan Bertino, trazendo de volta a atmosfera sufocante e a ideia central que sempre definiu esses filmes: o medo do inesperado e a violência gratuita. Dessa vez sendo dirigido por Renny Harlin, já conhecido por outros trabalhos de suspense e ação, incluindo o capítulo 1 de '' Os Estranhos '' em 2024, o longa mantém a proposta de causar inquietação no público, ao mesmo tempo em que busca expandir a história dos assassinos mascarados. 

Logo no início, o filme estabelece um tom informativo, trazendo referências e dados reais sobre casos de assassinatos em série ocorridos nos Estados Unidos. Essa escolha nos oferece um caráter quase documental, que contribui para inserir o espectador em um clima de desconforto antes mesmo da ação propriamente ter o seu início. Tal recurso funciona bem, pois amarra a trama a uma sensação de realidade, mesmo que a narrativa seja ficcional. Assim, cria-se uma ponte entre a ficção do terror e os temores que já habitam o imaginário coletivo. 

A tensão é estabelecida de forma imediata. Nos primeiros minutos, o público já é colocado em uma atmosfera de suspense crescente, sendo desempenhados por um papel crucial feito pela ambientação. Harlin acerta ao construir o primeiro ato, pois consegue manter a atenção do espectador presa e antecipar os eventos que se desenrolam em seguida. É nesse momento que o filme atinge seu ponto mais eficiente: os jogos psicológicos e o clima de perseguição que sempre foram a marca registrada da franquia.

Um dos destaques da obra está justamente nas cenas de perseguição. O diretor utiliza a câmera de forma estratégica, explorando ambientes fechados no hospital, florestas escuras e corredores estreitos para criar a sensação de claustrofobia. O espectador sente a impotência da vítima, Maya, que corre sem ter para onde fugir, e isso gera um desconforto eficaz. Embora a narrativa não traga muitas novidades dentro do gênero, a sequência ainda consegue prender pela execução técnica e pela intensidade do momento.

Porém, nem todos os elementos funcionam com a mesma eficiência. Uma cena envolvendo um javali na floresta, por exemplo, destoa do restante da obra. Mal executada, a sequência parece deslocada e quebra parte da tensão acumulada até então. A tentativa era provavelmente criar um susto adicional ou um elemento surpresa, mas o resultado fica mais próximo do estranho do que do assustador. Esse é um dos pontos em que o filme tropeça e deixa a desejar.

Ainda assim, '' Os Estranhos - Capítulo 2 '' procura dar mais profundidade à sua trama em comparação ao primeiro capítulo. A narrativa se esforça para oferecer algumas respostas sobre a motivação dos serial killers e, ainda que não seja um mergulho profundo, há mais diálogos que ajudam a compreender melhor quem são essas figuras mascaradas, por que agem de forma tão cruel e quando tudo aquilo teve o seu início. Isso adiciona uma camada de interesse extra, já que até então o grande diferencial da franquia era justamente a ausência de explicações.

O filme também planta as sementes para o que vem a seguir. A presença de um trailer no final da sessão é um indicativo claro de que essa não é uma história isolada, mas sim parte de uma trilogia planejada. Essa estratégia pode dividir opiniões: para alguns, é empolgante ver que a narrativa terá uma continuidade, para outros, pode soar como uma manobra comercial que enfraquece o impacto do filme atual, já que parte da resolução é deixada para mais a frente.

De um modo geral, '' Os Estranhos - Capítulo 2 '' cumpre por partes o seu papel de assustar, embora não atinja todo o potencial que poderia ter. É um filme com boas cenas de perseguição e momentos de suspense bem construídos, mas que também sofre com escolhas de narrativas com alguns problemas de execução e algumas quebras de ritmo. Ainda assim, para quem acompanha a franquia ou gosta de slashers que brincam com o medo da invasão e do imprevisível, o longa entrega uma experiência razoável e que prepara terreno para o desfecho.

Com 98 minutos de duração, a obra não se arrasta, mas também não consegue se aprofundar tanto quanto promete. Renny Harlin, no comando, mostra segurança na criação de tensão, mas tropeça quando tenta inovar. A nota justa é 3 de 5: um filme que entretém e inquieta, mas que não alcança o impacto memorável de outros títulos do gênero.

Autor:

Bárbara Borges é do Rio de Janeiro e estudante de Jornalismo. Apaixonada por cinema desde criança, sempre foi movida por histórias intensas, especialmente as de terror, seu gênero favorito. Em 2024, dirigiu o documentário Além do Recinto, que levanta questionamentos sobre o bem-estar de animais silvestres em zoológicos e o impacto do confinamento longe de seus habitats naturais. Gosta de pensar no cinema como uma forma de provocar, sentir e transformar. Vive atualizando seu Letterboxd com comentários sinceros e, às vezes, emocionados. Entre seus filmes favoritos estão Laranja Mecânica, Psicopata Americano, Pânico, Pearl e Premonição 3.


quinta-feira, 18 de setembro de 2025

A Longa Marcha: Caminhe ou Morra - A Maratona da Morte

A Longa Marcha: Caminhe ou Morra | Paris Filmes


Em um futuro distópico, 100 jovens participam de uma competição brutal na qual só um pode sobreviver. A cada passo, a tensão aumenta. A Longa Marcha é uma adaptação eletrizante da obra de Stephen King.

O filme é uma daquelas obras de sobrevivência intensas, que conseguem prender o espectador do início ao fim. Assim como em Jogos Vorazes, também dirigido por Francis Lawrence, aqui o diretor mostra mais uma vez sua habilidade em criar atmosferas de tensão e urgência. A comparação com Round 6 também é válida, especialmente pelo caráter brutal da competição, onde seguir em frente é a única regra  — qualquer deslize, por menor que seja, significa a morte. O longa se destaca por sua narrativa direta e impactante, que não dá respiro ao público, refletindo a exaustão dos personagens. A maneira como a tensão é construída — especialmente quando uma vítima está prestes a morrer — é eficiente e emocionalmente envolvente. A câmera se aproxima, o som estrondoso da arma vem como um choque, e o espectador sente o peso da perda. Tudo isso mostra que, mesmo em meio a violência, o filme consegue despertar empatia e reflexão. Com uma direção segura e um ritmo bem conduzido, o filme não apenas entrega entretenimento, mas também provoca o espectador a pensar sobre os limites humanos e o custo da sobrevivência.


O protagonista da história é Raymond Garraty, um jovem que se alista para a competição motivado por questões mal resolvidas com o Major, uma figura autoritária que representa tanto o sistema opressor quanto um conflito pessoal direto na vida de Raymond. A relação entre os dois é marcada por tensão e ressentimento, funcionando como um dos pilares emocionais da narrativa. Esse embate simbólico entre o jovem rebelde e a figura de poder acrescenta profundidade ao enredo, destacando temas como controle, resistência e a busca por identidade em meio ao caos.


Durante a caminhada, Ray desenvolve uma forte amizade com Peter — uma conexão que, apesar de recente, rapidamente se transforma em um laço profundo de companheirismo no inferno que estão enfrentando. Em meio à brutalidade da competição, os dois se tornam uma espécie de porto seguro um para o outro: ajudam-se nos momentos de fraqueza, quando um está à beira da morte, e se puxam de volta para a realidade do jogo. Em certos momentos, trocam provocações e brincadeiras como forma de aliviar a tensão, o que humaniza a jornada e oferece respiros emocionais ao espectador. Essa relação sincera entre os personagens é um dos pontos altos do filme, pois mostra que, mesmo em um cenário desumano, ainda é possível encontrar solidariedade, afeto e resistência por meio dos vínculos humanos.


As cenas de violência são intensas e impactantes, retratando de forma crua as consequências físicas e psicológicas da competição. A direção não poupa o espectador da brutalidade, mas evita o exagero gratuito, mantendo a tensão constante e reforçando o clima opressivo da narrativa.


A Longa Marcha se destaca como uma adaptação poderosa e emocionalmente carregada da obra de Stephen King. Com uma direção precisa de Francis Lawrence, o filme não apenas entrega cenas de tensão e impacto visual, mas também mergulha em temas profundos como opressão, amizade, resistência e o limite da condição humana. Ao equilibrar brutalidade com momentos de humanidade genuína, a narrativa consegue ser envolvente sem perder sua crítica social. É uma obra que não se limita a entreter — ela também provoca, incomoda e faz refletir. Uma experiência intensa e memorável para quem busca mais do que apenas ação em uma história de sobrevivência.


Autor:


Meu nome é João Pedro, sou estudante de Cinema e Audiovisual, ator e crítico cinematográfico. Apaixonado pela sétima arte e pela cultura nerd, dedico meu tempo a explorar e analisar as nuances do cinema e do entretenimento.

segunda-feira, 15 de setembro de 2025

Rosário - Um terror, 200 contas de terço e uma hora e vinte oito minutos que parecem não ter fim

Rosario | Imagem Filmes


Rosário (Emeraude Toubia), uma jovem latina e bem-sucedida funcionária de uma empresa de investimentos em Nova Iorque, recebe uma ligação informando sobre a morte de sua avó. Ao atender, o porteiro do prédio informa que, por ser uma imigrante ilegal, o corpo dela será levado para um hospital qualquer e pode desaparecer no sistema. Determinada a evitar isso, Rosário decide ir ao apartamento da avó para ficar com o corpo até a chegada da ambulância. É quando coisas sinistras começam a acontecer.

Rosário, dirigido por Felipe Vargas, começa com uma premissa interessante: a urgência de uma jovem presa em um local isolado com o corpo de sua avó enquanto eventos terríveis se desenrolam. Essa situação inicial cria uma tensão palpável, capturando a atenção nos primeiros minutos. No entanto, a inspiração do filme parece esgotar-se rapidamente, e a obra se rende a jumpscares e flashbacks excessivamente expositivos.

Apesar do potencial do prédio abandonado e do apartamento bizarro, a direção falha ao tornar a experiência previsível. O cenário excessivamente claro e o filtro verde constante tornam as cenas visualmente exaustivas, prejudicando a atmosfera de terror que o filme tenta construir. A montagem acelerada é um dos principais pontos fracos, pois não permite que os eventos causem o impacto necessário no espectador. A falta de um verdadeiro senso de risco para a protagonista, Rosário, faz com que o público não tema por ela, tornando a narrativa desinteressante.

O filme busca, também, abordar a experiência traumática da imigração ilegal, ligando os eventos sobrenaturais à travessia da fronteira. Contudo, essa proposta acaba sendo superficial, pois a obra não aprofunda questões culturais e religiosas que permeiam a vida de imigrantes. O roteiro tenta criar elos entre o sobrenatural e o passado familiar, expandindo a história para além da relação entre avó e neta. No entanto, essa escolha se perde ao não aprofundar de fato em nenhuma das relações, diluindo a força emocional do enredo.

Em suma, Rosário é um filme ambicioso que falha na execução. Ele tenta ser muitas coisas, mas a falta de consistência na direção, a montagem problemática e o roteiro superficial o impedem de sustentar sua premissa. O filme acaba se tornando um exemplo de como uma ideia promissora pode ser sacrificada em favor de artifícios como o bom e velho jumpscare, deixando de lado a oportunidade de construir um terror psicológico mais significativo.



Autor:


Mateus José é graduando de Licenciatura em Cinema e Audiovisual pela UFF, escritor, poeta, montador e aspirante a diretor de fotografia. Apaixonado pelas artes, literatura, música e principalmente o cinema, dedica-se a consumir, estudar e dissecar as camadas mais profundas do cinema e da arte.

segunda-feira, 8 de setembro de 2025

Invocação do Mal 4: O Últmo Ritual- OU DELÍRIO COLETIVO?

 

Invocação do Mal 4: O Último Ritual | Warner Bros. Pictures


Tudo que há de bom, tem que acabar. Em alguns casos, a bonança já foi embora algum tempo atrás…

 Um fenômeno do mundo do terror nasceu em 2013, uma assombração que pegou o público desprevenido e implorando por mais: a franquia Invocação do Mal (The Conjuring, no original), encabeçado pelo diretor James Wan, que pariu duas outras sagas do gênero, Jogos Mortais, em 2004, e Sobrenatural, em 2010. 

A série paranormal de filmes acompanha alguns dos casos mais espinhosos do casal Ed e Lorraine Warren (Patrick Wilson e Vera Farmiga, respectivamente), especialistas, como eles dizem, do além e da demonologia. O primeiro filme arrecadou mais de 300 milhões de dólares mundiais contra um orçamento de 20, desencadeando, naturalmente, sequências e spin-offs interligados: como o da boneca Annabelle (2014-2019) e a demoníaca Valak, também conhecida como  A Freira (2018-2023). 

Os longas são dramatizações desses casos (o famoso/infame “baseado em fatos reais”) pela visão do casal, enraizada em crenças do catolicismo, que, por muito tempo, se envolveu em controvérsias sobre a documentação e veracidade dos fatos que tanto alegava para a mídia. Estas narrativas colocam os Warren como salvadores de um seio familiar diferente a cada filme, expurgando-lhes do mal que o devora por dentro: o caso da família Perron, no primeiro filme (2013); a possessão em Enfield, no segundo (2016); o julgamento de Arne Johnson, no terceiro (2021); e o poltergeist da família Smurl, agora nesta última parte (2025).

Ambientados nos anos 80, após os eventos do filme anterior, Ed e Lorraine Warren vivem uma pausa em sua carreira de investigadores paranormais, restringindo-se em realizar palestras sobre antigos casos, devido à problemas de saúde do patriarca. Lorraine começa a ter suspeitas de que a filha do casal, Judy (Mia Thomlison), que está prestes a se casar, esteja apresentando problemas em relação a sua mediunidade. Enquanto isso, em um subúrbio industrial da Pensilvânia, acompanhamos a assombração que atormenta os Smurl, uma família católica da classe operária; porém, a mesma entidade demoníaca tem uma ligação importante com o passado dos Warren e deseja reclamar Judy para si.

A franquia Invocação do Mal, desde os seus primórdios, usa da liberdade criativa, em graus variados ao longo dos filmes, para preencher as lacunas e incongruências dos relatos dos Warren e deixar a narrativa mais uniforme e linear; isto não é uma novidade. O que fez os primeiros capítulos desta saga funcionarem foram uma série de fatores estéticos e narrativos, muito além do “baseado em fatos”: a química entre Wilson e Farmiga como o casal de protagonistas; a direção afiada de James Wan que constrói com precisão a atmosfera sensorial da narrativa; o roteiro que desenvolve bem os personagens e arquiteta muito bem a suspensão da descrença, que é fundamental para um terror católico. 

Com a renovação da equipe criativa no terceiro filme -  sai Wan na direção e os irmãos Hayes no roteiro, respectivamente, e entra Michael Chaves e David Leslie Johnson-McGoldrick -  e duas das três qualidade citadas no parágrafo anterior são obliteradas por uma direção e um roteiro igualmente fracos. Deste modo, aproximando a qualidade da franquia principal com os seus derivados, que tiveram uma recepção mista em seus lançamentos. Agora, esta mesma equipe criativa tem a missão de encerrar o ciclo de narrativas dos Warrens, em um longa-metragem que promete muito e pouco se concretiza. Ou seja, o que não estava funcionando na obra anterior, ainda continua capenga.

Após a recepção divisiva de Invocação 3 entre críticos e fãs, principalmente pela estrutura de investigação procedural, a equipe, para este novo projeto, tenta a todo custo “voltar às origens”, ao estilo que fez a franquia ressoar bastante no público. Contudo, o filme apresenta uma narrativa que, ao mesmo tempo, é bastante redundante em si e mal desenvolvida ao ponto da franquia retomar a forma de outrora. 

Chaves tem uma direção mais direta e agressiva, cujo clima e tempo transcorrido é demasiado corriqueiro; enquanto o guião de Johnson-McGoldrick (e reescrito por Ian Goldberg e Richard Niang) é inflado, mas não tem muita sustância que o deixe firme. A interação entre os dois núcleos da trama é quase inexistente até o terceiro ato, deixando a sensação de que o espectador está assistindo a dois filmes completamente diferentes, amarrados de forma frouxa. 

Existe o sacrifício simbólico da relação entre os Warren e a família assombrada da vez, para focar na trajetória de Judy (e possível rosto do futuro da franquia), como uma vítima indefesa de uma possível e iminente tragédia, que é arquitetada pela obra. As relações interpessoais entre pessoas de diferentes contexto é substituída por um solipsismo piegas, projetado para a manipulação emocional escancarada do público. Os Smurl, como uma personagem coletiva, em contrapartida, são mal explorados aqui, uma escolha muito estranha; pois até o catolicismo é uma personagem mais proeminente na obra do que eles. O exagero na liberdade poética da produção acaba diminuindo o potencial narrativo e as situações parecem forçadas ao espectador, beirando ao sensacionalismo. A suspensão da descrença? Não existe aqui, desde que somos apresentados por uma cena com tons escancarados de “pró-vida” logo nos primeiros minutos. Que situação!

Apesar de ter poucos momentos bons, bem esparsos e todos envolvendo espelhos e cabos por sinal, os momentos de susto e de tensão são como uma piada sem graça: tem uma construção, mas não o punchline. Além disso, o filme usa referências e momentos dos capítulos anteriores como uma muleta: um punhado de truques baratos e soltos. Afinal, o longa não sabe se quer contar o caso ou ser uma homenagem que toma orgulho de se auto referenciar para agradar os fãs. São dois eixos que nunca acertam ao alvo, mas os quais a obra insiste em não querer largar a mão. 

O resultado final é um delírio maniqueísta que não consegue manter uma sobriedade, funcionando como um combustível reacionário de um conservadorismo religioso para questões atuais. É um filme que abraça e reforça a sua mediocridade narrativa e temática sem ter a vergonha de ser como tal; embalado como uma despedida a Wilson e Farmiga, como se fossem parte da sua família. A sensação que fica na boca é de um espectador que é obrigado a assistir ao final de novela religiosa da Record, enquanto mastiga cacos de vidro ao longo de sua enfadonha e incompreensível duração. A memória de que os filmes de Invocação foram minimamente bons, é coisa do passado. De certo, e sem chances de voltar atrás, essa franquia já virou um delírio coletivo.

                                                                  Autor:
                                  

Eduardo Cardoso é natural do Rio de Janeiro, Cidade Maravilhosa. Cardoso é graduado em Letras pela Universidade Federal Fluminense e mestre em Estudos de Linguagem na mesma instituição, ao investigar a relação entre a tragédia clássica com a filmografia de Yorgos Lanthimos. Também é escritor, tradutor e realizador queer. Durante a pandemia, trabalhou no projeto pessoal de tradução poética intitulado "Traduzindo Poesia Vozes Queer", com divulgação nas minhas redes sociais. E dirigiu, em 2025, seu primeiro curta-metragem, intitulado "atopos". Além disso, é viciado no letterboxd.

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