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quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Eu, Capitão - Uma Jornada de Conflitos e Esperança

Eu, Capitão | Pandora Filmes


"De acordo com dados do ministério do interior da Itália, em 2023, mais de 78.000 pessoas chegaram ao país cruzando o Mediterrâneo a partir do norte da África desde o início do ano, mais do que o dobro durante o mesmo período em 2022. A maioria, 42.719, partiu da Tunísia, indicando que o país superou a Líbia como o principal ponto de partida para os migrantes.”

Essa é a dura realidade de diversos africanos que tentam, diariamente, migrar para o oeste europeu em busca de melhores condições de vida. E isso envolve diversas fatores, como: direitos humanos, diplomacia entre países, falta de subsistência, guerras e conflitos políticos, crise de refugiados, corrupção de organizações, entre outros.

Os protagonistas deste longa não estão tão distantes dessa realidade. O filme italiano conta a história da jornada de dois irmãos, Seydou e Moussa, interpretados pelos excelentes atores Seydou Sarr e Moustapha Fall, respectivamente. Seydou e Moussa são irmãos que vivem em Dakar, Senegal, e juntos partem em uma trajetória em busca de melhores oportunidades de vida. Assim como muitos emigrantes que procuram o famoso “sonho americano”, os protagonistas buscam o “sonho europeu”.

O filme, bastante premiado no ano passado, especialmente na categoria de direção para Matteo Garrone, mistura elementos de fantasia e lirismo com a dolorosa realidade de muitos refugiados. Embora, neste caso, os protagonistas não tenham uma necessidade urgente de deslocamento, já que buscam o sonho de uma vida melhor (principalmente Moussa, que sonha em ser cantor na Europa e quer que seu irmão o acompanhe), em determinado momento do filme, somos confrontados com a situação de crises humanitárias.

A história começa de forma sonhadora e otimista, fazendo-nos acreditar que os irmãos logo alcançarão seus objetivos. Esse otimismo é reforçado pela apresentação de personagens carismáticos e bastante íntegros. Porém, logo somos arrastados para a triste realidade destes protagonistas, que enfrentam inúmeras dificuldades ao tentar atravessar as fronteiras do continente africano.

A fantasia, neste filme, serve como um recurso que transmite solidariedade a um certo personagem. À medida que os irmãos enfrentam  grandes obstáculos e divergências, o mundo imaginário oferece uma sensação de esperança, além de nos permitir continuar acompanhando suas jornadas até o fim. Algumas cenas me lembraram o filme "Dublê de Anjo", que também utiliza dessa fantasia e o deserto como um personagem e, ao mesmo tempo, traz um mundo mágico como escape de uma realidade angustiante.

Os dois atores entregam performances extremamente genuínas e carismáticas. Foi uma grande surpresa para mim, especialmente ao descobrir que ambos estavam realizando seus primeiros papéis no cinema. As atuações deles são comoventes e geram uma grande empatia. Eu torcia por esses personagens a cada minuto do filme e, a cada revés que os mesmos enfrentavam, sentia uma aflição. Afinal, entendemos que esses mesmos obstáculos são enfrentados por muitos africanos diariamente.

"Eu, Capitão" é uma viagem ao desconhecido, mas ao mesmo tempo, familiar. O drama nos prende pela forte conexão com os protagonistas. A direção segue um tom intimista, especialmente no olhar do personagem Seydou. Os elementos mágicos do filme, com sua linda fotografia, acrescentam humanidade à narrativa. As cenas do deserto e das cidades, com planos amplos, proporcionam uma dimensão geográfica da trajetória.

O filme se torna essencial, pois precisamos refletir sobre esses temas e sobre o quanto as crises humanitárias podem ser cruéis. E os governos e a sociedade civil necessitam se mobilizar para discutir essas questões. Caso contrário, realidades como a jornada dos irmãos Seydou e Moussa podem se tornar apenas mais uma manchete de jornal, naturalizada e esquecida.

Autor:

Meu chamo Leonardo Veloso, sou formado em Administração, mas tenho paixão pelo cinema, a música e o audiovisual. Amante de filmes coming-of-age e distopias. Nas horas vagas sou tecladista. Me dedico à exploração de novas formas de expressão artística. Espero um dia transformar essa paixão em carreira, sempre buscando me aperfeiçoar em diferentes campos criativos.


terça-feira, 29 de outubro de 2024

Anatomia de uma Queda - A História de um Homem que Cai

Anatomia de uma Queda | Le Pacte

Afinal, Sandra é culpada? Foi acidente? Nesse caso, pouco importa!

Tudo em Anatomia de uma queda cai. A bolinha, no início, descendo escada abaixo indicando que a relação do casal que há muito caiu. A relação pais e filhos segue caindo. As expectativas do início já estão no abismo desde o dia 1. O julgamento, teatral e terrivelmente feroz para a mulher, tudo em queda.

Anatomia de uma queda conta a história de um casal com um filho e um cachorro. O filme parece ter invertido os papéis, assim como em Cenas de um casamento de 2021. Sandra, não esbanja feminilidade, é prática, objetiva, trabalha fora, escritora de sucesso. Samuel, quase invisível, faz o papel do que a sociedade considera feminino. Do lar, cuida do filho, do cachorro e da casa, usa pano de prato no ombro, não se acha na carreira de escritor. À sombra de Sandra, amarga dentro de casa, segundo ele, sobrecarregado, sozinho, como o lagosta sem par.

O ressentimento era tempero constante na relação deles. A cena inicial já deixa claro isso: ela tentando conceder uma entrevista na sala, enquanto o som dele, em volume máximo, repetido e irritante, descia do andar de cima atrapalhando o andamento daquela conversa – que também caiu, não vingou. A criança, o filho, Daniel, possui deficiência visual em decorrência de um acidente acontecido outrora e que, como muitas outras coisas, não fica claro de quem foi a culpa! Daniel decide assistir ao julgamento e ali, sim ali, no meio do “teatro” fica conhecendo a ponta do iceberg do que são seus pais. Afinal, que criança sabe verdadeiramente quem são seus pais?

Durante o julgamento, para elucidação do ocorrido, o filme abusa de cenas de discussões anteriores ao fatídico dia. Durante dias e sessões exaustivas, a sexualidade, o amor, a bondade, a devoção, a lealdade, o caráter de Sandra são expostos à prova o tempo inteiro.

Em dado momento, a acusação expõe o áudio de uma discussão entre o casal. Discussão calorosa que quem escuta com um “ouvido de Samuel”, encontra um homem triste, traído, injustiçado. Quem escuta com um “ouvido de Sandra”, encontra um homem covarde e uma mulher que fez da vida o que achava que devia ter feito. Na discussão, ele, histérico, culpa Sandra pelo acidente do filho além de alegar que nunca chegou aonde queria porque ela roubou a vida dele e a ideia do seu livro. Ela, calma, claro!, diz que ele não fez o que quis porque não teve coragem. Não só não bancou o próprio desejo, como ainda imputou culpa a terceiro.

Antes do veredito, Daniel informa que vai depor. O julgamento é adiado para o dia seguinte e, em casa, Daniel pede para ficar apenas com a tutora designada pelo juízo. Em um determinado passeio frio, conversando, Daniel pergunta à tutora como se toma uma decisão difícil. Ela não sabe, mas supõe que às vezes é uma questão de escolha. Pronto! Ali estava desenhado o filme. Cortando para Daniel tocando no piano a mesma música que tocava junto com Sandra no início do filme. Ele escolheu! Fez o que foi possível.

Fim de julgamento! Sandra inocentada, comemora com os advogados sua liberdade ao mesmo tempo em que chora por ter sido nessas circunstâncias. Vai para casa. Sobe ao quarto do filho. Ele dorme! Antes que ela se retire, ele a chama. Eles se abraçam. Um ato de cumplicidade? Um conforto de terem um ao outro? Jamais saberemos. Ato final, no escritório, Sandra, deitada, abraça o cachorro. Toca a mesma música que mãe e filho costumavam tocar juntos, em par.

Assassinato? Suicídio? Acidente? Nesse caso, de novo, pouco importa! Anatomia de uma queda, parafraseando a psicanalista Maria Homem, é sobre um homem que cai, mas também, ouso dizer, sobre escolher o que se aguenta sustentar.

Autora:


Lá em 2004 participei do meu primeiro filme. Ali apaixonei pelo cinema, mas como toda boa paixão, à la Jack e Rose, naufragou. A vida toma rumos e acabei seguindo outra área. Mas nada apaga uma boa paixão, né isso? Me chamo Carol Sousa e hoje falo e escrevo sobre cinema, quem sabe isso quer dizer amor...

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