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terça-feira, 26 de novembro de 2024

O Clube Das Mulheres de Negócios - Uma boa ideia, porém perdida.

O Clube das Mulheres de Negócios | Vitrine Filmes


O Clube das Mulheres de Negócios é ambientado em um mundo onde os estereótipos de gêneros são invertidos, portanto, mulheres ocupam posições de poder que normalmente são ocupados por homens, e homens cumprem os papeis de serem socialmente submissos.

A trama se desenvolve em um clube exclusivo, propondo uma reflexão sobre as questões de classe e gênero da sociedade brasileira, com mulheres ocupando posições de liderança. Essa inversão de papéis evoca Eu Não Sou Um Homem Fácil, filme francês que apresenta a história de Damien, um personagem machista que acorda em uma realidade onde os papéis de gênero estão invertidos, com as mulheres assumindo o domínio sobre os homens. 

Embora a ideia de mulheres em posições de poder não seja inédita, ela permanece intrigante e provoca uma reflexão pertinente sobre as dinâmicas de poder. No entanto, o filme falha ao misturar diversas subtramas de forma confusa e ao não saber claramente qual tonalidade deseja seguir. Ao alternar entre comédia, sátira, terror e suspense, a obra se perde na tentativa de abarcar múltiplos gêneros, prejudicando a coesão e enfraquecendo a mensagem que inicialmente parecia promissora. A falta de um foco claro torna a experiência desorientada, dissipando a crítica social e limitando seu impacto.

Na narrativa, a presença de onças atacando o clube é usada como uma metáfora potente para a opressão de gênero no Brasil. Esses animais surgem como agentes desestabilizadores, questionando um sistema elitista e mostrando a fragilidade de uma sociedade hierárquica. A natureza, em suas manifestações tanto humanas quanto selvagens, ganha centralidade, transcende as rivalidades da classe dominante e sublinha a violência latente nas estruturas de poder. No entanto, as cenas de ataques das onças, ao representar a força bruta da natureza, criam um desconforto que vai além do terror, refletindo a violência presente em qualquer sistema opressor. Esse contraste entre a brutalidade da natureza e a fragilidade humana adiciona um simbolismo poderoso, ao mesmo tempo que provoca uma reflexão sobre os mecanismos de controle e violência que moldam as relações sociais.

O filme apresenta cenas que, infelizmente, refletem realidades vividas em nosso cotidiano, ainda que invertendo os papéis tradicionais. Um exemplo disso é a sequência em que duas mulheres discutem de maneira estereotipada sobre o órgão sexual masculino. Contudo, a obra vai além da superfície e explora de forma complexa os estereótipos de gênero. Embora o diálogo inicial pareça reforçar a objetificação do corpo feminino, ele também estabelece uma analogia crítica à visão simplista e reducionista que muitos homens têm sobre o corpo das mulheres. A comparação sutil entre esses estereótipos de gênero não só questiona a forma como essas percepções são perpetuadas em narrativas e no comportamento cotidiano, mas também convida o público a refletir sobre a persistência de preconceitos e expectativas culturais. Ao abordar essas questões, oferece uma crítica social profunda, expondo as camadas de desigualdade ainda presentes nas dinâmicas de gênero.

O Clube das Mulheres de Negócios propõe uma premissa instigante ao inverter os papéis de gênero tradicionais, colocando as mulheres em posições de poder e os homens em uma posição de subordinação social. Embora essa inversão abra espaço para uma reflexão crítica sobre as dinâmicas de classe e gênero na sociedade brasileira, a obra peca por sua falta de coesão e clareza na condução da trama. A tentativa de transitar entre diferentes gêneros cinematográficos, acaba prejudicando o impacto da crítica social, deixando a narrativa desorientada e diluindo seu poder provocador. O comentário social embora presente, é diluída em uma estrutura narrativa que não soube aproveitar a complexidade de suas ideias.

Autor:


Meu nome é João Pedro, sou estudante de Cinema e Audiovisual, ator em formação e crítico cinematográfico. Apaixonado pela sétima arte e pela cultura nerd, dedico meu tempo a explorar e analisar as nuances do cinema e do entretenimento.

terça-feira, 5 de novembro de 2024

O Voo do Anjo - Desconexão com Temas tão Sensíveis

 

O Voo do Anjo | California Filmes

"O Voo do Anjo", que estreou recentemente no Brasil, é uma obra que se propõe a abordar temas sensíveis como depressão e suicídio, mas que falha em sua execução, resultando em uma experiência que, em muitos momentos, se revela pouco orgânica e desconectada.

Um dos problemas mais evidentes do filme é o seu ritmo. As cenas parecem, muitas vezes cortadas e corridas, o que prejudica a fluidez da narrativa e impede o espectador de se envolver emocionalmente com os personagens. A falta de pausas nos diálogos… especialmente em um filme que demanda profundidade emocional, faz com que as falas soem apressadas e superficiais, deixando pouco espaço para a reflexão. Em momentos críticos, a intensidade emocional esperada se perde, tornando a experiência menos impactante.

Os personagens são retratados de maneira inconsistente. A figura da empregada, por exemplo, é apresentada de forma caricata. A interação inicial entre o personagem de Emilio Orciollo Neto e Orthon Bastos é particularmente problemática, pois a reação insensível do protagonista idoso ao ver o outro personagem que está à beira de uma tentativa de suicídio, gera insatisfação. A fala dele citando suas preocupações de forma egoísta dos problemas que ele teria com a polícia depois, caso o personagem deprimido cometesse o ato pela sua janela, em um momento tão delicado como esse, cria uma antipatia imediata, dificultando o apreço do público pelo seu arco no primeiro ato.

Embora os atores Othon Bastos e Emilio Orciollo Neto se esforcem para entregar performances consistentes, eles são prejudicados por uma direção que parece fria e desinteressada. A atuação da esposa do personagem de Emilio é bem insatisfatória, falhando em transmitir a complexidade que a narrativa exige de uma pessoa deprimida por conta da perca de um ente querido.

Além da depressão e suicídio, o filme toca em questões de etarismo, evidenciado pela dinâmica entre o filho e o personagem de Othon, que passa a maior parte do tempo sozinho em casa junto com a empregada, negligenciado pela família. Essa representação carece de profundidade e nuance, fazendo com que o espectador perceba uma falta de análise crítica sobre as relações familiares e a solidão.

O filme nos remete, de certa forma, ao longa francês "Sempre ao Seu Lado", pois ambos protagonistas lidam com relações dificieis e também tentam procurar algum conforto e confiança na companhia de cada um e, posteriormente, desenvolvem uma amizade, mas em "O Voo do Anjo", o filme falha em capturar a mesma essência emocional e empatia pelos personagens.

Em resumo, "O Voo do Anjo" é uma tentativa ambiciosa de abordar questões delicadas, mas que acaba se perdendo em sua execução. A falta de ritmo, o retrato superficial de personagens e a direção insensível contribuem para uma experiência cinematográfica que, ao invés de provocar reflexão, deixa o espectador com a sensação de desconexão. É uma pena, pois os temas abordados mereciam um tratamento mais cuidadoso e respeitoso.


Autor:

Meu chamo Leonardo Veloso, sou formado em Administração, mas tenho paixão pelo cinema, a música e o audiovisual. Amante de filmes coming-of-age e distopias. Nas horas vagas sou tecladista. Me dedico à exploração de novas formas de expressão artística. Espero um dia transformar essa paixão em carreira, sempre buscando me aperfeiçoar em diferentes campos criativos.


terça-feira, 29 de outubro de 2024

O Dia da Posse - Política e Imagem

O Dia da Posse | Embaúba Filmes

A trajetória de Brendo, que aspira à presidência do Brasil, revela uma juventude marcada pela ambição superficial e pela adaptação às dinâmicas das redes sociais. Enquanto estuda Direito e produz conteúdos para plataformas digitais, ele se projeta em um futuro de conquistas, refletindo não apenas um desejo de notoriedade, mas também a influência nociva de uma cultura de celebridade que prioriza a imagem em detrimento da substância. Essa idealização de liderança, exacerbada durante a pandemia por meio do entretenimento massivo, levanta questões inquietantes sobre a superficialidade dos valores que moldam os líderes da nova geração e sobre a capacidade real desses indivíduos de enfrentar os complexos desafios do país.

O documentário se desenvolve no contexto da pandemia da COVID-19, especificamente em 2020, quando a população foi forçada a permanecer em quarentena. Nele, são articuladas críticas contundentes ao presidente Jair Bolsonaro, destacando seu manejo das vacinas e o impacto prejudicial de suas decisões sobre a saúde pública. Essa análise levanta questões sobre a responsabilidade dos líderes políticos em momentos de crise. É provável que grupos com ideologias nacionalistas extremas não apenas discordem, mas também considerem as perspectivas apresentadas na obra como uma afronta, evidenciando a polarização crescente no debate político e social. Essa reação revela a dificuldade de engajamento com críticas fundamentadas, muitas vezes substituídas por uma defesa acrítica de narrativas que priorizam a ideologia em detrimento da verdade factual.

Embora se trate de um documentário, a obra evoca a estética de um filme do gênero slice of life, retratando personagens em atividades cotidianas, mesmo durante o isolamento. Cenas de exercícios na sala, cozinhar e conversas por vídeo oferecem uma visão íntima e realista da vida durante a pandemia. Essa abordagem destaca a resiliência e a adaptação das pessoas frente às dificuldades, mostrando como pequenos momentos do dia a dia podem se tornar significativos. Ao capturar essas experiências, o filme celebra a vida em sua forma mais autêntica, revelando a capacidade humana de encontrar conexão e significado, mesmo em tempos desafiadores.

A obra inclui detalhes que evocam a impressão de erros de gravação, exemplificados por Brendo ao tentar se posicionar adequadamente diante da câmera. Sua solicitação ao amigo para evitar gravações muito próximas, acompanhada de momentos de irritação, indica uma busca pela autenticidade em meio à vulnerabilidade da exposição. Essa dinâmica além de contribuir para a humanização do protagonista, funciona como dispositivo narrativo que destaca a desconexão entre imagem pública e a realidade pessoal, sublinhando a pressão que muitos sentem ao se expor em um mundo digital que exige perfeição. A tensão entre o desejo de ser visto de forma autêntica e a necessidade de se conformar a padrões de estética e comportamento estabelecidos pela sociedade cria uma profundidade emocional na narrativa, permitindo que o público se conecte mais intimamente com a experiência do protagonista.

Dia da Posse é uma obra multifacetada que, embora centrada na trajetória de Brendo, oferece uma reflexão profunda sobre a condição humana durante a pandemia. As críticas ao governo daquela época e as nuances da vida cotidiana durante o isolamento enriquecem o discurso, ressaltando a responsabilidade dos líderes e a complexidade das experiências vividas. Ao unir aspectos íntimos e coletivos, a obra não apenas documenta um momento específico, mas também convida o público a considerar as implicações sociais e emocionais de sua realidade.


Autor:


Meu nome é João Pedro, sou estudante de Cinema e Audiovisual, ator em formação e crítico cinematográfico. Apaixonado pela sétima arte e pela cultura nerd, dedico meu tempo a explorar e analisar as nuances do cinema e do entretenimento.

quarta-feira, 23 de outubro de 2024

Abraço de Mãe - Sim, tem como fazer Terror Cósmico no Cinema Brasileiro

Abraço de Mãe | Lupa Filmes

O filme conta a história da bombeira Ana, que é interpretada pela atriz Marjorie Estiano. Depois de ter passado 2 meses afastada de seu cargo por causa de um problema ocorrido em um incêndio, ela consegue voltar com apoio da sua equipe. Até que acontece um pedido de resgate de um asilo por conta de um desabamento, mas o desabamento acaba sendo o menor dos problemas que toda a equipe deve enfrentar nessa chamada de socorro. Abraço de Mãe foi exibido no Festival do Rio de 2024 e tem lançamento hoje(23/10/2024) na Netflix.

É preciso dizer que o filme funciona seguindo dois caminhos: um dos caminhos é a jornada de luto da Ana com sua mãe, e o outro sendo o pânico de não saber oque acontece naquele asilo. Tem como imaginar a narrativa como uma jornada de luto da personagem? Claro, mas o filme consegue ir mais afundo do que a simples alegoria. Para começar que o filme tem como base influencias de John Carpenter(especificamente seus trabalhos como Príncipe das Trevas e O Enigma de Outro Mundo) e o mestre do terror H.P. Lovecraft, com muitas similaridades que não ficam boiando apenas como referências soltas. 

O filme gira em torno de uma casa que está a ponto de desabar e completamente habitada por pessoas loucas, em um cenário no qual não é possível confiar em ninguém(remete ao mesmo formato do grupo de trabalhadores no Ártico, como em Enigma de Outro Mundo), com uma chuva torrencial acontecendo no Rio de Janeiro, os aprisionando no local e sem a ajuda de outros bombeiros conseguirem chegar a tempo. Na sua essência o filme já consegue funcionar e com uma direção calma, que não vai com tanta sede ao pote e criando uma atmosfera pessimista, e destrutiva, em torno daquele espaço. 

O filme claramente não tem tamanho orçamento para efeitos práticos, mas tem efeitos especiais muito bem feitos e sem dever nada no quesito de qualidade. Mesma coisa vale para a ambientação do asilo, que a direção de arte e a fotografia tornam o espaço nojento apenas com as texturas das paredes e uma iluminação que mostra um trabalho maduro na decupagem. O trabalho de figurino e maquiagem também fazem sua função em conjunto com todo os tópicos técnicos. 

A jornada de luto da bombeira Ana consegue servir perfeitamente a alegoria proposta com a ameaça que existe dentro do asilo, a falta de capacidade em não saber oque aconteceu em uma noite traumatizante com a mãe, oque ela fez de errado, como Ana consegue se perdoar por algo que ela acredita ser culpada e tudo isso é respondido com o cordão narrativo de Ana tentando salvar Lia, uma garota que está lá por causa de seu pai, desse culto à um ser desconhecido. Funciona perfeitamente pela direção que consegue conduzir toda a narrativa com bastante tensão e suspense junto com a intepretação de Marjorie, que faz o espectador torcer pela personagem se superar naquele cenário sem esperança. 

O filme, mesmo tendo um trabalho geral bem sucedido, ainda tem pontas soltas dentro da narrativa que acontecem por adições desnecessárias ao todo proposto. Algumas dessas adições são alguns personagens que servem ou para aumentar a tensão em algum momento, ou para servirem de alívio cômico, mas não conseguem exercer nada durante a obra, nem mesmo quando um deles desaparece. Algo que, infelizmente, é normal acontecer em filme que tem muitos personagens. Mesmo com essa problemática, a obra não se perde na sua proposta narrativa inicial. 

Abraço de Mãe consegue ser uma luz para os fãs de terror cósmico no Brasil e consegue transmitir a tensão e a jornada do luto de mãos dadas, capturando a atenção do espectador para saber até onde a Ana é capaz de chegar para salvar alguém e para salvar sua própria consciência. 

TEXTO DE ADRIANO JABBOUR.


segunda-feira, 21 de outubro de 2024

Serra das Almas - Filme Brasileiro que sonha em ser Hollywoodiano

Serra das Almas | Carnaval Filmes

Serra das Almas conta a história de duas jornalistas que se envolvem em um esquema de venda ilegal de pedras preciosas e acabam sendo raptadas por um grupo de bandidos. Esse grupo decide se refugiar na casa de um amigo de infância, prende as jornalistas em um dos quartos e planejam como vão sair da situação que se encontram. O filme tem a direção de Liro Ferreira e teve estreia mundial no Festival do Rio de 2024.

É preciso apontar como o filme trabalha a sua estrutura narrativa e como acontece o desenvolvimento de cada um dos personagens, pois é um filme que carrega uma forte problemática em sua execução. Mas, que problemática seria essa? O filme tenta se provar a todo momento que o Brasil pode fazer filmes como Hollywood. A montagem paralela mostrando um cenário calmo com uma van correndo loucamente ao som de Rock n'Roll, personagens que sonham em serem deputados nos EUA, bandido perdendo a cabeça e virando um palhaço no caos. 

Tudo que escrevo realmente acontece no filme, e é deprimente. Não que adotar influências do cinema norte-americano seja um problema, é um cinema riquíssimo, mas uma obra brasileira que tenta mostrara todo tempo que pode ser um filme hollywoodiano faz parecer que a própria direção e o roteiristas queriam fazer algo que desvinculasse completamente da estética e do próprio cinema brasileiro. Até mesmo na montagem e na edição do filme mostra uma falta de identidade no fim das contas. 

Mas, a obra consegue ser bem sucedida quando se trata no quesito técnico. Liro faz questão de fazer uma obra carregada de violência, sangue e até mesmo nos movimentos de câmera. O filme consegue pegar a atenção do espectador por conta da criação atmosférica de que tudo aquilo que está acontecendo é uma bomba pronta para explodir. Oque funciona até certo ponto, mas que vai se atrapalhando por escolhas narrativas paralelas de cada um dos personagens. 

A forma que a direção trabalha o simbolismo das vacas nas serras e como a câmera captura todo o ambiente como se fosse um lugar abandonado por Deus torna a experiência mais inquietante em conjunto com as cenas que envolvem mais tensão entre os personagens. Mesmo a trilha sonora invadindo várias cenas, o filme ainda pode ser contemplado por sua produção e pelo conjunto técnico da obra. Além de certas pitadas de humor e de tensão que funcionam, mas e momentos muito pontuais. 

Todos os personagens tem um trabalho de atuação acima da média, sendo os momentos que eles mais se atrapalham tem como problema a forma de condução do roteiro. Mesmo com a forma que a direção tenta se provar ter uma identidade norte americana a todo custo e com um roteiro que não se contenta com a simplicidade, o filme ainda tem algumas sequências que fazem a obra ser um filme de ação sustentável. Porém, pouco notável. 

TEXTO DE ADRIANO JABBOUR.

Centro Ilusão - Viver de Arte dói

Centro Ilusão | Marrevolto Filmes


Centro Ilusão conta a história de 2 músicos que se encontram durante um concurso para um laboratório de música, um deles está no seu começo de carreira, enquanto o mais velho já se encontra sem esperança dentro desse ramo, mesmo tendo tido uma carreira conhecida no passado. Até o resultado do concurso ser anunciado no final do dia, ambos andam pelas ruas de Fortaleza e conversando sobre sua vida e seus desafios. 

O filme consegue não transformar o drama da vida artística em um exagero dramático e nem o romantizando seguindo a falsa meritocracia propagada pelo capitalismo, tem seus pés no chão em mostrar uma realidade plausível sobre a dificuldade de ser um músico no Brasil, além das questões como família, casamento, que são afetados por essa escolha de trabalho. Sem contar as diferenças mostradas por questões geracionais e pontos de vista sobre o cenário musical. 

Tuca, o músico de 50 anos, já se mostra exausto e sem uma visão futura nesse ramo onde ele teve sua história, mas não consegue mais ter forças em enxergá-la indo em frente. Enquanto Kaio, que tem 18 anos, saiu da casa de sua mãe e está fazendo de tudo para fazer o seu sonho, de ser um músico conhecido, virar realidade. Ambos conseguem fazer uma atuação satisfatória para oque o roteiro propõe. Até mesmo nos momentos que se exige mais drama, não se encontra em nenhuma das atuações algo fora do básico. 

A obra também é afetada por conta de como a direção condensa cenas mais dramáticas e carregadas de diálogo com as cenas de Tuca tocando e cantando. A direção e a escolha da montagem se perde um pouco nisso em questão de volume, pois as cenas não se diferem tanto uma da outra em questão de conteúdo proposto. Logo, a narrativa se torna uma espiral autoexplicativa e sem muito sentimento ali realmente envolvido. 

Para quem sabe como funciona o mundo da música, como o autor que vos escreve, consegue se sentir dentro daquela situação, onde é recheada de frustração, cansaço e cheio de magia ao compor uma música. Mas a obra é dirigida para um caminho sem muita expressão realmente, mesmo tendo bons elementos de enquadramento e o desenvolver das ambições de cada um deles. 

Toda a obra no quesito técnico e de interpretação dos atores é funcional, não é um filme que tenta se arriscar em nada, nem mesmo nos dramas propostos dentro do desenvolvimento dos personagens. O roteiro tenta utilizar em alguns momentos o elemento do humor, mas nunca realmente funciona, além de seguir uma linha de condução relativamente parecida com oque Richard Linklater faz na trilogia Before, tendo a câmera acompanhando os dois para todos os lados e sempre conversando sobre suas vidas e música. 

A obra conclui de forma otimista e com um ar esperançoso sobre como a união dos artistas faz a força, mas de forma corrida e morna como todo o resto do filme. Os pequenos detalhes em seus diálogos, quando entram numa loja de discos ou instrumentos, e quando estão compondo juntos faz a obra ser uma grande homenagem e um forte abraço aos músicos independentes. Mas, mesmo com esse toque, Centro Ilusão é uma obra que não se arrisca e não consegue ter a potencia sentimental humana que existe dentro de qualquer artista. 

TEXTO DE ADRIANO JABBOUR.

sexta-feira, 18 de outubro de 2024

MARIAS - Documentário que se aprofunda em apenas uma MARIA

Marias | Descoloniza Filmes


O documentário “Marias”, dirigido por Ludmila Curi, estreou em outubro de 2024. O filme é um "road movie" que viaja pelo Brasil e pela Rússia, destacando a vida de Maria Prestes, uma importante ativista nordestina que foi companheira do líder comunista Luís Carlos Prestes. Maria se engajou na luta pela reforma agrária e passou 40 anos ao lado de Luís Carlos, criando uma família e vivendo em exílio em Moscou. A obra, além de retratar sua trajetória, celebra outras figuras femininas que também marcaram a história, como Maria Bonita, Dilma Rousseff, Olga Benário e Marielle Franco.

O filme, por mais que se autointitule “Marias”, não se aprofunda, além da figura de Maria Prestes, como nas outras mulheres brasileiras: Dilma Rousseff, Olga Benário e Marielle Franco. Esta última, mesmo tendo tanta relevância nos últimos anos, é citada apenas nos minutos finais do documentário, como se fosse um recorte adicionado de última hora, limitado a um tempo de reportagem que provavelmente já assistimos no "Fantástico" da Rede Globo.

No que diz respeito à persona de Maria Prestes, o documentário consegue cumprir seu papel, retratando suas vivências desde a infância até o relacionamento com o famoso líder revolucionário Luís Carlos Prestes. A narradora consegue entrevistar Maria e, ao mesmo tempo, nos transportar a partir de manchetes e notas de jornais da época para nos localizar historicamente. Desde jovem, Maria já era ligada a pautas comunistas devido ao seu pai, João Rodrigues Sobral (conhecido como “Camarada Lima”).

Mas em nenhum momento o documentário sugere que Maria foi influenciada por seus familiares e marido em seus ideais políticos. Pelo contrário, ele reforça e afirma a autonomia que essa grande mulher pernambucana teve em suas atitudes e ativismo no decorrer de sua vida. Inclusive, em um trecho, o documentário faz questão de relatar um momento de conflito que ela teve durante atos de protestos e, mesmo assim, teve a certeza de continuar em sua luta política.

Através da entrevista com Mariana Prestes em 2017, filha de Maria Prestes (quando ambas moravam no interior do Piauí), podemos descobrir sobre a rotina da família durante o primeiro exílio de Luís Carlos Prestes. Mariana conta sobre as dificuldades que sofreram na época em sua infância, ela e mais oito irmãos (dois deles do primeiro casamento de Maria com Antônio Andrade).

Sua casa era constantemente vigiada devido à relação da mãe com um comunista exilado e, por isso, eles não tinham uma liberdade total para trafegar nas ruas e até mesmo adentrar em alguns terrenos que eram vigiados pelo governo. Isso demonstra como os filhos de Maria também foram afetados pelas perseguições políticas que seus pais sofreram e tiveram que se adaptar à realidade familiar. Apesar disso, Mariana soube contar momentos cômicos de sua vida jovem,mostrando que isso não prejudicou sua infância e que conseguia, mesmo nessa realidade, se divertir com seus irmãos como qualquer outra família.

Durante o segundo exílio de Luís Carlos Prestes, quando aconteceu a temida ditadura militar na Era Vargas, Maria teve que novamente se adequar a outra realidade, tendo que se exilar com seus nove filhos e seu marido na antiga União Soviética (URSS), onde passou nove anos de sua vida até receber a anistia brasileira e poder retornar ao seu país. Isso demonstra ainda mais a capacidade de resiliência dessa mulher, esposa e mãe que precisou fazer o que era melhor para sua família e se ambientar em uma língua e cultura totalmente diferente da sua.

A história de Maria é um espelho da sociedade brasileira. Quando percebemos o relato de Mariana, logo é possível notar a ausência do pai por questões de perseguições que vivenciava no período. A mesma diz, em um momento da entrevista, que não teve muito contato com ele, mas que o respeitava muito. Isso não exclui o fato de que tanto Mariana quanto seus irmãos tiveram um genitor ausente em sua família e que Maria Prestes foi uma mãe solo e uma mulher guerreira que teve que educar e sustentar nove filhos, passando por diversas adversidades ao mesmo tempo.

A falta da presença física de Maria no documentário durante as conversas não prejudicou sua história, só reforçou e deu mais visibilidade à sua trajetória –uma visibilidade que, muitas vezes, não é contada, retratada, ouvida de mulheres importantes no âmbito histórico brasileiro. Altamira Rodrigues Sobral Prestes (Maria Prestes) foi um símbolo de determinação nacional. Ela é só mais uma entre milhares de outras “Marias” nesse Brasil que passaram também pelas mesmas dificuldades e conseguiram ser resistentes perante as divergências da vida.

Isso me fez lembrar da minha mãe, também chamada Maria, e que também nasceu no Nordeste e foi mãe solo, precisando cuidar de quatro filhos e, ao mesmo tempo, trabalhar para arcar com as despesas de casa. Histórias como essas existem várias em nosso cotidiano, e cabe à sociedade desmitificar estereótipos de gênero, pois além das mulheres serem mães, esposas e profissionais, todas elas carregam a mesma humanidade, inseguranças e incertezas da vida que todos possuem.

“Marias” é um bom documentário no que tange à narração da vida de Maria Prestes, mas peca ao escolher o seu título e ao querer citar outras mulheres revolucionárias no espectro da esquerda política, pois não tem a mesma profundidade histórica desenvolvida como a de Maria Prestes. Todas elas foram grandes símbolos de ativismo político brasileiro, e não há como disponibilizar um tempo de tela para uma e apenas pincelar de forma rasa outras identidades tão influentes quanto foram para o país.



Autor:

Meu chamo Leonardo Veloso, sou formado em Administração, mas tenho paixão pelo cinema, a música e o audiovisual. Amante de filmes coming-of-age e distopias. Nas horas vagas sou tecladista. Me dedico à exploração de novas formas de expressão artística. Espero um dia transformar essa paixão em carreira, sempre buscando me aperfeiçoar em diferentes campos criativos.


terça-feira, 15 de outubro de 2024

Salão de Baile - Rio de Janeiro's Burning

Salão de Baile | Couro de Rato

Salão de Baile conta a trajetória do movimento Ballroom que nasceu nos Estados Unidos nos anos 1960, e que acabou chegando no Brasil nos anos 2000 (se tornando popular a partir de 2015). O movimento consiste em ser um espaço de liberdade de expressão Queer e LGBTQIA+ para poderem fazer performances de dança entre outras se baseando em artistas da música pop e nas poses e estéticas que se encontravam na Revista Vogue. O filme conta como esse movimento se encontra hoje no Rio de Janeiro. 

A direção em nenhum momento foge de mostrar sua inspiração pelo filme Paris is Burning da Jennie Livingston, lançado em 1990, que conta a mesma narrativa, porém em Nova York. Sem contar, claramente, que Nova York foi o berço do movimento Ballroom e a obra foi executada nos anos 90, onde a homofobia e a descriminação eram muito mais presentes do que os dias atuais. Mas isso seria um problema? Não, até pelo fato de que a direção utiliza tal obra simplesmente como inspiração, mas não a utiliza como uma bengala para o filme funcionar. 

Até porque a obra mostra esse cenário dentro da cidade do Rio de Janeiro, oque já é um ponto que traz muita diferença com a obra estrangeira citada, e o longo tempo de diferença de 40 anos até chegar ao nosso país. A obra mostra a ideia do Ballroom como uma resistência de existência e artística de todo um grupo marginalizado, entrevistando uma por uma das personagens contando suas realidades e como chegaram àquele espaço no qual elas encontravam liberdade. 

O filme também tem um foco na resistência afro no Rio de Janeiro, que vai no quesito estético, até mesmo na movimentação de seu corpo em suas performances. Mesmo o filme apontando os vários tipos de resistências presentes dentro do Ballroom, esses tópicos não colocam de lado a Ballroom que é o foco narrativo proposto. Mas, ao contrário, complementa ainda mais esse tema dentro do cenário carioca. 

A direção utiliza de várias linguagens para ligar a proposta do Ballroom com um espetáculo televisivo dos anos 90. Utilizando elementos estéticos, humor e os depoimentos de cada uma das personagens presentes para contextualizar o movimento e também fazer o espectador imergir para essa realidade tão pouco falada no cotidiano. A direção consegue de forma contundente misturar a explicação do que é o Ballroom, a vida de cada uma das participantes do movimento e o Ballroom que é mostrado durante o filme. Não só as performances chamam bastante a atenção do público, mas o como elas se conectam as suas personagens. 

A obra aponta questões como homofobia e o abandono familiar por conta da sexualidade, mas nunca coloca esses pontos em foco na obra, pois o filme prefere mostrar suas personagens quase como modelos da Vogue, e não transformar a imagem delas como apenas um grupo de vítimas da sociedade. Oque a obra consegue fazer de forma bem sucedida. 

Um dos poucos problemas que se encontra na condução desse filme, é perto da sua conclusão, onde os personagens começam a explicar sobre questões de gênero ao espectador. Isso destoa por completo do que era proposto. Não que falar sobre o tópico seja um problema, é necessário até por conta da conexão intrínseca com a origem do Ballroom, mas acaba sendo meia hora de didática escolar para o espectador. Oque se torna algo decepcionante, pelo fato da obra ser um grande espetáculo em conjunto com as vidas daquelas personagens que estão ali participando. 

É quase como se o filme olhasse para o espectador e o tratasse com pena em não entender alguns pontos ligados ao mundo LGBTQIA+ dentro do Ballroom, isso quebra a ligação do espectador com o espetáculo proposto. Mesmo isso sendo uma grande problemática, não afeta o total da obra, que continua tendo performances marcantes, como também mostra um cenário de expressão que muitos não conhecem, ou fingem não ver.

Salão de Baile consegue elaborar de forma clara oque significa a Ballroom no Rio, e aquelas que fazem parte dela. Tendo uma direção que consegue conectar uma montagem inteligente com o espetáculo filmado e mostrando a expressão daqueles que a todo tempo são marginalizados. Mesmo o filme perdendo sua força em alguns momentos, e não acreditando na capacidade de entendimento de seu espectador, o filme segue sendo uma porta para um lugar onde algumas pessoas conseguem encontrar liberdade finalmente. 

TEXTO DE ADRIANO JABBOUR.

Ainda não é Amanhã - "Se os Homens engravidassem, seria possível fazer aborto no Caixa Eletrônico."

Ainda não é Amanhã | Espreita Filmes

O primeiro longa metragem da diretora Milena Times conta a história de uma jovem estudante de direito que acaba engravidando acidentalmente. Janaína, nossa protagonista, está decidida em realizar um aborto, mas no Brasil é considerado crime, obrigando Janaína a fazer oque puder para acabar com essa gravidez. A atriz Mayara Santos recebeu o prêmio de melhor atriz no Festival do Rio 2024.

A obra começa sendo direta mostrando Janaína indo até a faculdade no ônibus, com uma mulher sentada à sua frente carregando o próprio filho. Simbolizando que Janaína já carrega um feto em seu ventre, mesmo sem ela perceber. E isso se conecta com a primeira sequência do filme onde Janaína e sue namorado vão ter um ato sexual e todo o caminho até o ato é moldado no "silêncio", que é o estado da personagem durante a narrativa. 

Quando Janaína descobre sua gravidez, o trabalho da atriz consegue fazer o espectador sentir a angústia que a mesma sofre ao longo do filme todo. Prevalece na atmosfera da obra um incômodo de aquele problema não ser resolvido de forma segura. Para a protagonista, não existe a opção clínica de aborto, até pelo fato de que ela faz parte de uma família com baixa renda, não sendo possível pagar uma clínica segura. 

E em torno desse tormento de Janaína em saber que está grávida, o resto de seus compromissos continuam acontecendo sem ela poder fazer nada e sendo atrapalhada pela pressão e pela a angústia da gravidez. Podendo trazer consequências à sua bolsa de estudos, sua monitoria e na relação com sua família, que não sabe que ela está grávida. 

O leitor pode se lembrar de um filme, de 2019, que conta uma narrativa parecida, o filme "Nunca, Raramente, às Vezes, Sempre" da diretora Eliza Hittman, mas aqui a obra acontece com uma menor necessidade de mostrar problemas em volta do mundo feminino ligados ao aborto. O principal foco narrativo é a tensão de uma adolescente conseguir fazer um aborto sem sua família perceber, e isso sendo em um cenário brasileiro, na cidade de Pernambuco. 

É uma obra que tenta mais se conecta ao realismo da situação do que colocar o sofrimento dessa situação em holofote. Não existe a ideia de colocar o sofrimento em um pedestal para se apreciar a obra de forma apelativa, mas uma tensão que certa parcela do povo sabe o quão difícil é ter que fazer um aborto em um país que não é permitido e que os métodos são dificílimos de conseguir. Diferente do outro filme citado que é um sintoma do cinema Norte Americano em necessitar construir uma atmosfera pessimista a toda volta da protagonista, aqui é o oposto. 

O filme não conta com tamanhas pirotecnias técnicas, mas consegue dar espaço para a personagem desenvolver sua angústia a cada momento que passa. É necessário dizer que o filme executa o tema com o tempo que realmente precisa, a direção não se perde em elaborar os outros personagens. Além da Mãe que consegue ser um dos pontos que faz a obra ser finalizada de forma consistente

Diferente do filme Kasa Branca de Luciano Vidigal, que também fez parte do Festival do Rio de 2024, o filme em nenhum momento utiliza o elemento de humor que é costumeiro do cinema brasileiro atual, nem mesmo nos diálogos. Existe um cansaço explícito em todos ali presentes, principalmente na Avó e na Mãe da protagonista. E esse peso aumenta quando a protagonista fala "quando eu ganhar meu dinheiro, você pode finalmente se aposentar, e viver da costura que é oque você gosta." e logo depois descobre sua gravidez. 

É quase como se a obra fosse um desabafo de um mundo onde não se tem tempo para sonhar, mas que concluí com uma resposta otimista de forma que não destoa de todo o tom proposto pelo filme. Ainda não é Amanhã segue uma linguagem quase hiper-realista sobre as dificuldades de ser uma mulher com uma gravidez indesejada no cenário brasileiro sem necessitar abranger a discussão para os outros demônios que fazem parte desse resultado final, mas que foca na angústia intrapessoal da protagonista que não sabe que caminho tomar e nem se terá o apoio de quem ela mais ama.  

TEXTO DE ADRIANO JABBOUR.

 

quarta-feira, 9 de outubro de 2024

Os Enforcados - Se o Jogo do Bicho fosse uma tragédia de Shakespeare

Os Enforcados | Globo Filmes

Os Enforcados conta a história de um casal, estrelados por Leandra Leal e Irandhir Santos, que está afogado em dívidas e precisam dar um jeito para não perderem toda a casa de luxo que já estava em construção. Para isso, o casal começa a utilizar métodos perigosos que os vão afundando cada vez mais e perdendo a confiança de todos aqueles que estão ao seu lado, sendo os melhores amigos ou os parentes. A direção é de Fernando Coimbra, responsável pelo filme "O Lobo Atrás da Porta".

Necessário enfatizar que a obra não funcionária sem o trabalho de atuação de Leandra Leal e Irandhir Santos, ambos conseguem entregar ainda mais potência à imagem do que a direção de Coimbra já entrega. Mesmo o filme sendo uma releitura de obras como Hamlet e Macbeth, em nenhum momento o filme cai para o lado teatral como muitas vezes acontece quando se aborda elementos vindos de sua origem. Regina, personagem de Leandra Leal, tem um desenvolvimento de personagem em conjunto com todo o resto da obra quase como uma incrível maestra do caos, fazendo o espectador em nenhum momento tendo tempo de respirar e tirar os olhos da tela. 

Além de que Coimbra utiliza a casa dos protagonistas como um personagem a parte. A casa até certo ponto do filme fica parada em sua construção, com as afiações instaladas só até algumas partes e a infiltração nas paredes que são elementos pontuais, elementos que fazem parte do crescer da paranoia de Regina do início ao fim do filme. Até mesmo quando a casa fica completamente pronta, da mesma forma que Regina via em uma revista, entramos na mesma paranoia de Regina em notar que em um local tão limpo, esteja tão lotado de sujeira. 

Os enquadramentos do filme se conectam plenamente com cada sequência na obra, capturando o casal conversando entre uma parede ainda em reforma, pegando eles tomando um rumo para cada corredor em uma mansão imensa, ou até mesmo depois de um tiroteio e Regina fugindo de seu carro com a câmera a capturando pelo canto da janela, quase como o plano de John Wayne saindo pela porta em Rastros de Ódio de John Ford. 

A construção do suspense também consegue atingir seu apogeu com o jogo de desconfiança entre o casal, terminando com o mais puro suco de violência que tem um pouco de referência de Trono Sujo de Sangue do Akira Kurosawa. Onde a única saída que se encontra para tudo aquilo que está entregue em uma sala de estar é a completa aniquilação. Onde nem mesmo o ser mais inocente de todo aquele ambiente consegue fugir do que está por vir.  

Os Enforcados é uma tragédia de Shakespeare no Rio de Janeiro, com interpretações potentes e que fazem parte de uma direção tão forte quanto. Com a mistura de suspense, humor e violência, a obra consegue colocar o espectador em êxtase e querendo sentir mais mesmo o filme entregando tudo aquilo que o espectador está a procura na sala de cinema: Um caos pulsante.  

TEXTO DE ADRIANO JABBOUR.

terça-feira, 8 de outubro de 2024

Até que a música pare - O Luto como Forma de Descobrimento

Até que a Música Pare | Pandora Filmes

Cristiane Oliveira vem com a pretensão de reerguer o cinema sulista, e com isso conta a história de Chiara, uma senhora consumida pela morte de seu filho, que quando o cristianismo já não é mais capaz de confortar seu luto, busca conforto em outros horizontes.Com medo de seu marido extremamente conservador, a protagonista esconde sua busca. Assim, durante a trama, a personagem entra em divergência com diversos aspectos de sua vida que antes não lhe foram evidenciados. .

Até que a música pare, é principalmente falado em Talian, um dialeto que mistura o italiano com o português, comum entre os descendentes italianos principalmente do Sul do Brasil. É muito interessante que a diretora apresente uma cultura que uma pequena parcela da sociedade brasileira conhece. 

Um filme envolto de contrastes para desenvolver a percepção da protagonista, o cristianismo e o budismo, as visões da juventude e a visão dos mais velhos, sua moral e as ações do marido. Dessa forma nos é mostrado o abrir dos olhos de Chiara, para que ela pudesse buscar novos horizontes, e assim, a partir do Budismo, ela é capaz de criar esperanças de um possível contato com seu filho, já falecido, através do reencarnacionismo. Essa nova visão a faz perceber antigos comportamentos que a afastava de seus outros filhos e a conecta com a percepção de mundo deles.

Os ambientes vazios se mostram presentes desde o começo do filme, vazios assim como a protagonista se sentia no começo do longa. E, com o passar do tempo, eles se enchem, como se agora a vida de Chiara estivesse preenchida nem que por uma mínima possibilidade de ainda poder estar próxima de seu filho.

O marido de Chiara, é um homem extremamente rígido, que a todo momento rejeita que a personagem desbrave novos horizontes, dessa forma a obra faz um retrato da parcela da sociedade brasileira, que é envolta por um conservadorismo ligado a uma intolerância religiosa. “Mãe, falar da luz para quem vive na escuridão é fazer um bem”.

Um filme que quase alcança a excelência, mas que infelizmente utiliza de um didatismo exacerbado, que atrapalha diretamente na narrativa como um todo. Tudo é metodicamente explicado, emoções, sentimentos, e isso ocorre tanto que os atores acabam parecendo robôs, como se não houvesse emoções verdadeiras naquela situação. Num geral, senti falta da naturalidade e irracionalidade que envolve os sentimentos, é tudo tão certinho, como se os personagens tivessem a necessidade de proferir todos os seus pensamentos, para que não haja dupla interpretação de nada do filme.


Autor:


Me chamo Gabriel Zagallo, tenho 18 anos, atualmente estou cursando o 3º ano do ensino médio e tenho o sonho de me tornar jornalista, sou apaixonado por cinema e desejo me especializar nisso. Meus filmes favoritos são Stalker, Johnny Guitar, Paixão e Rio, 40 graus.

Kasa Branca - Rio de Janeiro além do Cartão Postal

Kasa Branca | Globo Filmes

Kasa Branca conta a história de Dé, um jovem da periferia do Rio de Janeiro que toma conta de sua avó, que sofre de Alzheimer terminal. Dé consegue tomar conta de sua avó com apoio de seus dois melhores amigos passando por várias dificuldades, além dos conflitos de cada um deles com suas próprias vidas. O filme é dirigido pelo conhecido ator Luciano Vidigal e tem como protagonista o ator e comediante Big Jaum, Teca Pereira interpreta a avó de Dé.

O filme mostra um cenário de dificuldade que muitos jovens negros vindos da periferia passam pelo Rio de Janeiro sem ser de forma apelativa. Mostra de forma bem explicita os problemas financeiros que muitos jovens passam por tomar conta de seus ente queridos e tentando dar seu máximo para conseguir sobreviver o mínimo com o apoio daqueles que estão ao seu lado. Mesmo o filme mostrando um cenário bastante drástico, não é um filme que coloca o sofrimento como foco, mas a vida além do sofrimento que já não tem mais solução.

Seus amigos, que o ajudam a tomar conta de sua avó, fazem Dé viver muitas experiências no filme que são a principal corda condutora no quesito cômico, sendo piadas e as formas de falar que a maioria só vai entender sendo um bom carioca da gema. Isso torna todo aquele cenário mais humano, sem tentar focar a vida na comunidade com algo apenas sofrível e pesado como é desenhado muitas vezes no cinema brasileiro. 

Luciano Vidigal faz questão de apontar o foco do filme sendo as relações humanas, oque faz o espectador se sentir abraçado por aquele cenário sem parecer um turista de um espaço que muitos evitam em enxergar humanidade, algo que para quem conhece a visão dos moradores da Zona Sul do Rio de Janeiro sobre as comunidades sabe que existe e acontece. Dé carrega a dificuldade de cuidar de sua avó em seu estágio terminal de Alzheimer, mas isso não o deixa isento de sentir amor, de curtir uma festa, de sair com seus amigos. Existe uma vida ali, e ela é bela.

Sem contar o trabalho de desenvolvimento de seus dois amigos, Martins e Adrianim. Martins é o personagem que é o principal elemento no ponto cômico da obra, vivendo a vida como se não tivesse amanha, e Adrianim sendo um amigo que sofre por um amor que não sabe se existe reparo ou não. O desenvolvimento de ambos os personagens e oque acontece na sua vida em paralelo além de ajudar Dé é feito de forma bastante orgânica e sem nenhum momento perder o tom. 

Luciano consegue conduzir de forma madura e direta a proposta do filme que em nenhum momento se perde, além de ter uma conclusão potente para a jornada dos três personagens. Fazendo o espectador se sentido abraçado pelos personagens e querendo abraçar os mesmos. No quesito técnico, o filme não tenta ir muito além do básico, até mesmo quando se fala de enquadramentos e em pontos estéticos como direção de arte e figurino. É um filme que tem uma proposta de argumento muito bem feita por conta do roteiro e da atuação, mas o resto do filme não casa com oque é proposto por todo o resto. 

Mesmo o ponto técnico sendo apenas funcional, a obra em seu conjunto geral consegue ser finalizada de forma madura e com uma beleza em sua simplicidade no que é entregue ao espectador. Kasa Branca é um drama e uma comédia que consegue exalar um puro sentimento do que significa ser carioca. 

TEXTO DE ADRIANO JABBOUR.

segunda-feira, 7 de outubro de 2024

Termodielétrico – O cientista e a poetisa

 

Termodielétrico | Embaúba Filmes

Filme documental em formato de ensaio audiovisual com uso de imagens de acervo pessoal de Joaquim da Costa Ribeiro, pioneiro da física experimental no Brasil, com foco em sua descoberta do efeito termodielétrico, que dá nome ao filme e se explica como sendo um fenômeno de surgimento de correntes elétricas decorrentes da mudança de estado da matéria.

A diretora Ana Costa Ribeiro é neta do cientista e ressente nunca ter conhecido o avô, transformando a obra em não só relatos de achados do gigantesco acervo da vida de Joaquim da Costa Ribeiro, mas também em uma reflexão íntima e pessoal dessa trajetória e como ela passa a definir aspectos da vida em si. 

Ela constrói o enredo com seus pensamentos, leituras de cartas de sua família, poesias e citações, gradualmente associando filosoficamente o efeito termodielétrico com as mudanças das fases da vida. Em como cada mudança, física ou emocional, gera um traço de energia, uma luz. O dar à luz a um bebê, que no caso de sua avó foram dez, o crescer de uma criança em adulto, até a inevitável morte de uma pessoa, o fracassar em algum objetivo, o reagir de certo modo que nos transforma. Tudo gera uma energia.

O enredo que combina cinema e arte se encontra perfeitamente na linguagem do cinema, que metalinguisticamente tem em sua história uma origem científica, até que se metamorfoseia em arte. É interessante essa abordagem não convencional de contar a vida de um importante físico brasileiro através de pensamentos de sua neta que não chegou a o conhecer. 

Existe uma intimidade nessa forma de direção pois não é estranho a ninguém o sentimento de admirar alguém de nossa família que só conhecemos em base de histórias contadas, fotos e cartas. Conserva-se sempre o melhor que fizemos e que tipo de herança deixamos para nossos familiares, e no caso de Ana Costa Ribeiro, ela divide uma herança deixada por seu avô com o mundo todo, a importância de uma verdade científica descoberta pelo mesmo.

Apesar da interessante abordagem e cativantes personagens dentro da história dessa linhagem, o argumento peca em dar voltas em si mesmo e aposta no seguro dentro de suas escolhas imagéticas, que mesmo com um óbvio domínio da montagem cinematográfica e excelente trilhas sonora e musical, cai em uma mesmice por vezes monótona se afasta da possibilidade de ser um filme para todos, mesmo que o tema central da história seja um tema que diz respeito a todos, família.


Autor:


Henrique Linhales, licenciado em Cinema pela Universidade da Beira Interior - Covilhã, Portugal. Diretor e Roteirista de 6 curta-metragens com seleções e premiações internacionais. Eterno pesquisador e amante do cinema.

Mambembe - Cinema e Circo de Mãos dadas no caos Tropical

Mambembe | Fabio Meira

Mambembe conta a tentativa do diretor Fabio Meira em fazer um longa metragem de ficção a ver com a temática circense, mostrando em paralelo os desafios de conseguir fazer um filme com a vida dura daqueles que vivem como artistas de circo. O filme mostra em seus primeiro minutos a proposta de misturar a ficção com a linguagem documental, além de mostrar que o projeto pensado de início não ser concluído como o diretor visava.

O diretor faz questão de mostrar os artistas circenses de forma honesta, tentando seguir o mesmo estilo de filmagem dos personagens não fictícios como Eduardo Coutinho tinha costume de fazer em seus filmes: conversas fora da formalidade e buscando saber sobre a vida daqueles que estão ali em frente à câmera. É o ponto do filme que mais prende a atenção dos espectadores pela forma cativante que cada personagem é e pelas trajetórias de vida que vão de aceitação da própria sexualidade, à traição entre outros tópicos sociais.

Outro ponto que faz o filme ter uma camada sentimental a mais abordando pontos metalinguísticos cinematográficos é o diretor mostrando as circunstâncias que fez o filme não ser concluído da forma que ele queria, mas jamais cogitando a ideia de fazer aquilo que foi filmado desaparecesse. Para quem vive no meio técnico de fazer cinema entende perfeitamente o sentimento de Moreira em fazer esse filme que mescla realidade e ficção. 

Um ponto cômico do filme, que chega a ser irônico(além do humor entre os personagens presentes) é Fabio contando qual seria a história do filme, e a vida real dos personagens serem todas melhores do que a que ele mesmo estava propondo desde o início. Sem contar a fala de uma das donas de um dos circos que aparecem responder a pergunta de Fabio da seguinte maneira:

"-Para você oque não pode faltar em um filme de circo?"

"-Alguém que realmente é do circo sendo responsável pelo filme."

A fala da personagem que soa quase como uma faca no peito do próprio diretor mostra o quão real é a ideia de que a Verdade dentro do cinema nunca vai acontecer. Nessa resposta ela fala algo que muitos artistas entendem perfeitamente. É uma paixão e um estilo de vida que só quem faz parte é capaz de entender e contar. Fabio ao ouvir isso se mostra incomodado por trás das câmeras com a mudança de seu tom de voz mostrando insegurança, mas que não afeta a obra em nenhum sentido ligado à esse tópico. 

Claro que tal ideia de "lugar de fala" sobre o filme não significa que se caso o diretor responsável fosse circense faria um filme melhor. Até pelo fato de que estar no mesmo lugar não é saber se comunicar em formato audiovisual, que é a camada mais crucial para o filme acontecer. Mas conseguiu em um pequeno espaço de tempo causar uma provocação à cineastas e ao próprio diretor, mostrando a coragem da direção de mostrar que o diretor está disposto em se mostrar como só mais um personagem comum no filme, assim como todos seus personagens. 

Mas percebe-se também que muitos personagens reais apresentados foram colocados de forma deslocada e perdida em comparação com o Circo protagonista e os personagens que fazem parte do lado fictício. Alguns desses personagens não aparecem mais de 2 minutos no filme, e o diretor os coloca no filme sem saber como colocá-los. Soando quase como uma tentativa de fazer o longa ter mais tempo, resultando em algo pouco pensado e sendo um dos poucos problemas do filme.

Mambembe consegue seduzir e abraçar os amantes circenses e cineastas, mesmo com suas problemáticas ligadas a montagens e certas sequências mal elaboradas. Uma obra que consegue satisfazer seu espectador principalmente pela honestidade existente na conversa entre filme e espectador.  

TEXTO DE ADRIANO JABBOUR.

segunda-feira, 23 de setembro de 2024

O Dia que te Conheci - Se vende como Comédia, mas é só um Drama convencional

 

O Dia que te Conheci | Filmes de Plástico

O Dia que Te Conheci começa mostrando Zeca pedindo repetidas vezes para seu colega que o acorde de qualquer jeito no dia seguinte às 06:20 da manhã para que possa chegar no trabalho a tempo. Porém, mesmo o colega o tentando acordar, Zeca se recusa a levantar e mais uma vez chega ao trabalho atrasado. Ao chegar em seu trabalho, ele recebe um aviso de sua colega de trabalho, Luísa, de que ele foi demitido. Zeca e Luísa voltam juntos de carro para a mesma direção e começa então uma nova história de amor. 

O filme não tenta se mostrar algo muito diferente do que se propõe sendo composto majoritariamente por planos parados, sendo eles conjuntos ou gerais, e com uma trilha sonora que invade por bastante tempo a narrativa. O mais incômodo é o filme tentar se vender com uma atmosfera de comédia romântica norte-americana, tendo uma trilha sonora exagerada e com soluções baratas de roteiro para a narrativa acontecer. 

A obra mesmo sendo feita na forma mais básica possível, sendo na direção e na composição geral da obra, ainda consegue entregar certos pontos que tornam o filme sustentável, sendo no caminho do drama com os diálogos entre os personagens protagonistas. A conversa do casal sobre quais remédios cada um usa, e como é a vida deles no dia a dia mostra a triste realidade que vivem as pessoas no cotidiano, além de ser o principal tópico de conversa entre eles. 

Não atoa o dialogo entre eles em boa parte do filme é só isso, e o ápice do encontro é uma tentativa de fazer algo engraçado e que não fica engraçado por conta da forma que é conduzida e pela atuação do Renato Novaes como Zeca. Sua atuação é operante em meio a uma narrativa que também não exige muito de um personagem que é só um cara atrapalhado. 

O Dia que Te Conheci tenta ser um abraço acolhedor para os amantes de comédias românticas e tenta ser crítico em seus diálogos pouco expressivos, além de ter uma certa aleatoriedade nos diálogos para tentar causar um certo humor que não funciona. Se embaralha dentro de sua própria proposta e não consegue funcionar nem no quesito narrativo, quanto mais no quesito técnico. Não precisava de muito, mas também não se contenta com tão pouco. Ainda sim, consegue ser suportável pela atmosfera aconchegante e com certos diálogos mais orgânicos quando bem aplicados. 

TEXTO DE ADRIANO JABBOUR.

terça-feira, 17 de setembro de 2024

Sofia Foi - E nunca mais será

 

Sofia Foi | Vitrine Filmes

Antes de mais, vale relembrar que o cinema é uma arte que vive em eterno paradoxo entre a arte expressiva e o meio comercial. E desde sempre parece que são nas obras com menos recursos monetários que se encontram as maiores e mais interessantes cargas de valor artístico e expressão dos autores. A presença do nome do diretor Pedro Geraldo e da protagonista e também roteirista Sofia Tomic em várias outras funções de equipe técnica somada à própria estética visual do filme, que remonta uma aparência do início da era digital, mostra como não são os equipamentos e recursos que fazem um bom filme, e sim as mentes e corações inquietos, e Sofia Foi não falha.

Vencedor do prêmio de Primeiro Filme do Festival Internacional de Cinema de Marseille, vemos a história de Sofia, uma jovem que acaba de ser despejada de seu apartamento e suspende seus estudos para oferecer seus serviços como tatuadora dentro da própria universidade para conseguir sobreviver, enquanto passa pela confusão emocional de um luto decorrente da perda de sua namorada. Ela vaga sem rumo pelo campus da universidade e se permite ser devorada pelas lembranças da sua história de amor que não pôde ter um final, a deixando numa eterna angústia de não saber o que sentir ou o que fazer. O filme apresenta uma relação de reflexo entre as duas meninas, como se com essa morte, Sofia tivesse perdido metade dela mesma, mas não deixando de ser uma personagem verossímil que ri, conversa com seus amigos e sonha quando dorme, pois não resta escolha para os que continuam vivos, a não ser continuar a viver.

Apesar de lento e contemplativo, o filme prende o espectador pela estética e profundidade da personagem, em como ele nos conta essa história de desaparecimento. Desaparecimento de tudo que tem, até o desaparecimento de quem é. Sofia luta para continuar seguindo sua vida, mas a realidade a oprime. O filme relaciona lindamente a relação do espaço com o corpo, que é o que, na forma mais material possível, como a humanidade experiencia a vida e junta a noção de existência e realidade com aquilo que se pode tocar e sentir.

Geraldo se mostra um diretor autor inteligente que domina seu meio para contar a história de Sofia com clareza, sem necessidade de explicação verbal, ou até, em momentos, o uso das falas dos seus personagens para transmitir a ideia contrária do argumento, como num momento pontual onde a protagonista fala com naturalidade sobre o evento da morta da sua namorada para uma cliente durante uma sessão de tatuagem, como se o acontecimento tivesse sido algo mundano e superado, mas a câmera só mostra Sofia da boca para baixo, em close-up, escondendo seus olhos e mascarando seu verdadeiro sentimento.

Outros recursos espetacularmente usados são a falta de movimento de câmera e enquadramento em 3:4 que nos prende junto à Sofia em seu mundo parado e sem perspectiva de avanço, o recurso fotográfico de não produzir a luz, como se faz num cinema mais comercial, mas sim de encontrar a luz, em determinado lugar e em determinado tempo, parra ilustrar a caminhada da personagem de ambientes iluminados, ou seja, alegres e visíveis, para a solidão e tensão do escuro, como também as lentas transições de dissolução, que mesclam momentos de passados e futuro assim como elipses de tempo dentro do próprio decorrer do dia de Sofia, como se ela estivesse não só presa ao seu espaço, mas também presa no tempo, mostrando conhecimento e reflexão sobre a importância da montagem no método de contar a história em forma de filme.

Sofia Foi glorifica a arte do cinema com sua beleza e inteligência narrativa, que nos conecta com nossa vivência de sermos humanos, nessa história que não apenas nos conta, mas claramente nos mostra, a história de um momento em que Sofia foi feliz.

                         
                               Autor:

Henrique Linhales, licenciado em Cinema pela Universidade da Beira Interior - Covilhã, Portugal. Diretor e Roteirista de 6 curta-metragens com seleções e premiações internacionais. Eterno pesquisador e amante do cinema.

 

segunda-feira, 16 de setembro de 2024

Quando Eu Me Encontrar - A Presença da Ausência

Quando eu Me Encontrar | Embaúba Filmes

A partida de Dayane se desenrola na vida daqueles que ela deixou para trás. Sua mãe, Marluce, faz de tudo para não demonstrar o choque que a partida da filha lhe causou. A irmã mais nova de Dayane, Mariana, enfrenta alguns problemas na nova escola onde está estudando. Antônio, noivo de Dayane, se vê num vazio diante da partida dela e busca obsessivamente por respostas.Com base na sinopse, é evidente que o filme se concentra no desaparecimento da personagem Dayane. Enquanto a trama principal a apresenta como um personagem central ausente, o enredo também explora subtramas envolvendo sua irmã, mãe e noivo, oferecendo uma visão abrangente das consequências emocionais desse evento.

Notavelmente, Dayane não aparece no longa-metragem, nem mesmo em flashbacks ou imagens; sua voz é ouvida apenas na cena inicial, o que acentua a sensação de sua ausência. Esta abordagem cria um luto não relacionado à morte, mas à incerteza e ao vazio gerados pela falta de informações sobre o paradeiro de Dayane. A presença ausente de Dayane é constantemente perceptível na vida dos três personagens principais, promovendo uma reflexão profunda sobre o impacto do desaparecimento.

O filme adota o estilo Slice-of-life, conhecido por capturar a vida cotidiana de forma realista, mostrando experiências e emoções dos personagens de maneira íntima, permitindo uma conexão profunda e reflexiva com suas vidas diárias. Não só aproxima o público das experiências dos personagens, mas também destaca a persistência das dificuldades da vida, mesmo diante de uma crise pessoal. A forma como o filme mantém Dayane como uma figura ausente, mas constantemente presente, demonstra uma habilidade narrativa que envolve o espectador emocionalmente com a ausência e suas implicações.

A produção, portanto, não apenas explora a dor do desaparecimento, mas também oferece uma crítica sutil sobre como os indivíduos enfrentam a ausência e a incerteza. Marluce, que trabalha durante o dia em uma lanchonete e vende quitutes à noite, sente-se cada vez mais isolada em seus papéis de mulher, mãe e filha, especialmente após a perda de contato com sua mãe.

Mariana, sua irmã, enfrenta preconceito e exclusão na escola de classe média alta onde estuda. Antônio, vendedor em uma loja de calçados, vê o casamento como uma fuga das dificuldades diárias e guarda com esforço o enxoval em seu pequeno apartamento. O desaparecimento de Dayane provoca uma ruptura ou revela mais claramente as fragilidades em suas vidas.

Quando Eu Me encontrar retrata o luto do desaparecimento, explorando a profunda dor dos personagens, apresentando de forma realista as lutas diárias dos personagens e a persistência das adversidades. Convidando o espectador a refletir  sobre a resiliência humana e a complexidade do luto, oferecendo uma visão íntima e tocante das experiências de perda e superação.


Autor:


Meu nome é João Pedro, sou estudante de Cinema e Audiovisual, ator em formação e crítico cinematográfico. Apaixonado pela sétima arte e pela cultura nerd, dedico meu tempo a explorar e analisar as nuances do cinema e do entretenimento.

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