quinta-feira, 20 de novembro de 2025

Sombras no Deserto (2025) fica em cima do muro

 

Sombras no Deserto (2025) | Imagem Filmes


Crescer é um inferno: a passagem da infância à vida adulta é um ritual bastante natural e transformador, a pessoa que você era antes deixa de existir e começa a ficar exposta as mudanças interiores e exteriores que todes sofrem com este amadurecimento. É como uma troca de pele, seu corpo muda, suas percepções e crenças também... A reação é assustadora. No entanto, ao retratar esse momento específico da vida de uma figura mitológica/religiosa pode abrir espaço para debates e (não como me importasse muito) controvérsias.

Em Sombras no Deserto (The Carpenter's Son, no original, 2025) retrata a adolescência da figura de Jesus Cristo dentro de um gênero cinematográfico inusitado para esse tipo de estória ligado a tradição eclesiástica: o terror. O filme é dirigido por Lotfy Nathan e tem o dedo de Nicolas Cage na produção, que também interpreta José de Nazaré, o pai adotivo de Jesus. Enquanto o título nacional tem um nome genérico, o original explicita sua relação com a teologia.

Quando este projeto foi anunciado muitas pessoas ficaram ou com uma curiosidade mórbida ou completamente ultrajadas por alguém adaptar a vida de um símbolo cristão em filme de terror; afinal, para um crente, a ideia de retratá-lo de uma "forma negativa" seria uma blasfêmia. E até semanas antes do lançamento o projeto está sofrendo com um boicote online em portais e agregadores de cinema (uma semana antes do lançamento oficial, no IMDB, a nota está em 3.5). 

Como um bom agnóstico/ateu que este crítico é, me enquadro no primeiro grupo; pois é muito raro ver este tipo de abordagem sendo feita, porém, como não é muito comum, as chances do longa ser um desastre incompreensível são altas. De fato, Nathan se baseia em textos apócrifos, que não fazem parte do cânone do cristianismo, dando uma liberdade de contar algo, digamos, extraoficial, ou seja, indo em direção ao paródico, ao paralelo de tal cânone já consolidado.

Nathan não dá nomes aos seus personagens de cara, e, quando dá, utiliza os nomes em judaico, mas codifica as personagens mitológicas de forma que o público os identifique de cara: o Carpinteiro (Cage), a Esposa (FKA Twigs) e o Filho (Noah Jupe). José, Maria e Jesus. Simples assim. Não é preciso muitas explicações.

O longa começa com um prólogo que retrata o nascimento de Jesus no dia de Natal e a fuga de seus pais das tropas romanas. Depois, a narrativa corta para anos depois. O Carpinteiro e sua família são nômades, com medo de descobrirem a verdade sobre o Filho. Eles se instalam em uma vila egípcia, cujas as habilidades do patriarca da família são necessárias. Mas o Filho não é mais nenhuma criança e seus pais sentem um medo de que ele logo caia em tentações e atraia a presença de Satanás. O Carpinteiro é rude e ríspido em sua educação, alienando mais o filho do que o ajudando. Enquanto isso, o jovem é assolado por sonhos que preconizam sua morte.

A situação complica quando o Filho conhece uma Criança (Isla Jonhston) muito estranha e de estilo bastante andrógeno, talvez Satanás em pessoa ou não, que empurra Jesus para fora da faceta construída pelos pais e sim para o santo milagroso do qual seria conhecido: seja por curar leprosos ou exorcizar espíritos demoníacos em pessoas inocentes. Porém, isso pode, em contrapartida, acarretar em acusações de bruxaria e paganismo contra o jovem, já que a população local não sabe de seu verdadeiro destino. Causando, deste modo, aflição e medo no seio familiar.

Partindo de uma abordagem histórica, querendo ou não, o cinema bíblico está presente no cinema, desde a época dos filmes mudos, com os épicos de DeMille, por exemplo. Mas o que antes era visto como algo épico e luxuoso, hoje em dia virou em um gênero escabrosamente decadente que serve mais converter os espectadores ao cristianismo e reforçar as temáticas religiosas para o público protestante. O que era um subtexto, virou algo muito maior, mais aborrecido e pedante: uma obra planfetária para vender uma ideologia, flertando com um fascismo religioso. E talvez, esteja uma das controvérsias do filme. Ele foge desse roteiro. Ao retratar os poderes de Cristo como algo assustador e que causa pânico, automaticamente, o projeto rejeita o discurso engessado de produções recentes. Foge do estilo da Angel Studios e da Affirm Films que protestantes estadunidenses querem enfiar goela abaixo nos espectadores, junto de sua agenda. E nem chega a ter tons ofensivos a outras religiões como A Paixão de Gibson, em que há um subtexto antissemita.

Nathan abraça o caráter humanístico de Jesus, descrevendo-o como ele é: um ser divino, mas mortal, como qualquer ser humano. Tem muito como um referencial temático os trabalhos de Scorsese e (o saudoso) Pasolini, de certa forma. A narrativa de horror se desenvolve dentro da lógica do bildungsroman, com Cristo desconhecendo de seus poderes e do terror que isto possa causar na psique. Há um certo fascínio, quanto uma realização temerosa ao mesmo tempo. Cristo, influenciado pela Criança demoníaca, quer descobrir suas próprias tentações e poderes. Mas José, difícil e controlador, é o único obstáculo em seu caminho. 

Aqui não há só uma batalha entre o bem e o mal, mas também geracional, entre a fé e o desespero, o etéreo e a carne. Existe uma linha tênue entre a teologia e a psicanálise que é anunciada, mas nem sempre tem algo a dizer de inovador ou de perspicaz. Deste modo apresentando ideias interessantes, que parecem mais inteligentes e profundas do que elas são de verdade. Essa dicotomia entre bem e mal ou pai e filho é um dos dispositivos mais antigos do mundo. Existe uma gravidade nesta relação, dando um peso à narrativa; a figura bíblica da serpente como uma figuração do pecado, do mau caminho, da perdição, é recorrente, embora que seja repetitiva. O problema aqui é que a direção e a construção de mundo estão intrinsecamente ligadas a tradição mitológica e, mesmo brincando com seus signos, nem sempre consegue escapar da sensação de que a trama está "chovendo no molhado". 

Se em termos temáticos, o filme não acrescente nada de novo, apesar do gênero escolhido, também sofre com algumas decisões que afetam a estética da obra. Talvez o maior pecado do filme é pegar o trabalho do diretor de fotografia Simon Beaufils (de Anatomia de uma queda (2023) e Faca no coração (2018), um favorito meu, por exemplo), com seu trabalho de cores e texturas, para, provavelmente na pós, escurecer algumas cenas que prejudicam o trabalho de fotografia naturalista realizado aqui. Algumas cenas noturnas são demasiadamente escuras, sem a necessidade tal escolha, sem que haja uma sombra e luz para contrabalancear.

Nathan consegue dirigir o longa ao redor da figura de Cage, mesmo que este seja o único dentre os atores com um "sotaque europeu" no projeto, com certa competência que deixa o nível da trama com as batidas de desenvolvimento necessárias para seu desenvolvimento: não deixá-lo roubar a cena. O ator conhecido pelo seu estilo hiperbólico conseguiu dar, na última década, uma reviravolta na carreira ao embarcar em projetos que contemplassem seu estilo de performance e com realizadores que conseguiriam trabalhar em volta dessa figura na direção. Há momentos que vemos o Cage explosivo, no qual, por muitos anos, ele infamemente ficou conhecido; mas são bem espalhados, no mar de contenção e de naturalidade, e contribuem para o arco narrativo da narrativa e de sua personagem. 

Além disso, o diretor consegue com que haja um diálogo de cena entre Nic Cage e seus colegas, de modo que as interações não fiquem exageradas ou beirando ao território do camp. Por mais que o filme se venda na figura de Cage, o foco de toda trama é o desenvolvimento de Jesus que é está bem nas mãos de Noah Jupe, que consegue vender sua versão, esforçada até, de um Cristo infante, ainda ingênuo. Já FKA Twigs, que foi de Maria Madalena para Maria de Nazaré (quem entendeu a referência, entendeu), não está em uma posição vulnerável em cena, como foi o caso da versão de O Corvo do ano passado, no qual a diva do pop indie sofreu com uma péssima direção, prejudicando seu trabalho no projeto que foi severamente criticado na época; aqui ela consegue estar a par da cena. Porém, sua personagem é retratada de uma forma bastante passiva, quase tornando a sua presença um acessório narrativo, do que como parte integral da trama.

Em suma, Sombras no Deserto causa pela ideia, no campo do discurso, pela ousadia de um terror bíblico, como uma vertente dos filmes de terror religiosos, como Exorcista e Invocação do Mal, por exemplo. Mas o longa-metragem propõe uma transgressão de valores do qual não a assume, com um desenvolvimento temático, já feito no passado, que flerta com o genérico e o mediano. A balança entre naturalismo e a teologia está voltada ao espetáculo abrasivo que tenta ser "desconstruído", sem sê-lo. É uma mistura de um filme europeu pretencioso com um filme B. Talvez o pior pecado, se podemos chamá-lo assim, deste projeto seja uma ambivalência de valores transgressores e conservadores que fazem o filme pairar dentro de um limbo para agradar vários gostos e visões polarizadas de mundo. Em outras palavras, é uma obra que fica em cima do muro em um mar de mesmice autoral. Interessante, mas um pouco esquecível. Contudo, não merece esse hate episcopal.

Autor:
                                  

Eduardo Cardoso é natural do Rio de Janeiro, Cidade Maravilhosa. Cardoso é graduado em Letras pela Universidade Federal Fluminense e mestre em Estudos de Linguagem na mesma instituição, ao investigar a relação entre a tragédia clássica com a filmografia de Yorgos Lanthimos. Também é escritor, tradutor e realizador queer. Durante a pandemia, trabalhou no projeto pessoal de tradução poética intitulado "Traduzindo Poesia Vozes Queer", com divulgação nas minhas redes sociais. E dirigiu, em 2025, seu primeiro curta-metragem, intitulado "atopos". Além disso, é viciado no letterboxd. 


Homem de Ferro - Um bilionário, um reator e um péssimo senso de limites

Homem de Ferro | Disney


Quando é capturado em território inimigo, o genial magnata Tony Stark constrói uma armadura de alta tecnologia para escapar. Agora, ele tem a missão de salvar o mundo como um herói que não nasceu.

Esse foi o primeiro filme a integrar um dos maiores universos cinematográficos e se tornou uma importante referência. Antes tínhamos filmes de heróis que pertenciam apenas aquele núcleo, como é o caso da trilogia Homem-Aranha de Sam Raimi, da trilogia X-Men do ano 2000 e Quarteto Fantástico. A grande inovação foi justamente conectar diferentes personagens e histórias em um mesmo universo compartilhado, algo que elevou o padrão das produções do gênero e transformou a maneira como o público passou a acompanhar essas narrativas no cinema.


A origem de Tony Stark como o Homem de Ferro apresenta um personagem inicialmente debochado, arrogante e obcecado por tecnologia — um gênio bilionário cuja fortuna é construída sobre a fabricação de armas de destruição em massa. No entanto, o destino o força a encarar as consequências de suas próprias criações. Durante uma demonstração de seus armamentos, Stark é gravemente ferido por uma explosão provocada justamente pelas armas que ele mesmo projetou. Estilhaços de metal ficam alojados próximos ao seu coração, e para sobreviver ele cria um reator arc, uma fonte de energia miniaturizada que alimenta um eletroímã, impedindo que os fragmentos o matem.

 

Esse mesmo reator se torna o núcleo de algo ainda maior: a armadura do Homem de Ferro, um traje de alta tecnologia que proporciona voo, força sobre-humana e um poderoso arsenal. Mais do que uma ferramenta de combate, a armadura simboliza a transformação de Tony Stark  — de um homem guiado pelo lucro e pela vaidade para alguém que reconhece o impacto devastador de suas invenções.


A experiência o faz abrir os olhos para o fato de que suas armas alimentaram guerras e causaram incontáveis mortes. A partir desse despertar, Stark passa a questionar o papel da tecnologia e da responsabilidade ética por trás do poder que ela concede. Assim, o Homem de ferro não nasce apenas do ferro e do fogo, mas também de um profundo senso de culpa e desejo de redenção.


Só vemos o herói em ação de verdade depois de aproximadamente uma hora e quinze minutos de filme — e, quando isso acontece, é simplesmente espetacular. A cena marca o momento em que Tony Stark veste pela primeira vez a armadura completa, a clássica vermelha e dourada, e parte para o combate. O som metálico, os disparos precisos e o voo poderoso criam uma sequência de tirar o fôlego, que consagra de vez o nascimento do heró que mudaria todo o Universo Cinematográfico da Marvel.


Por mais que o filme tenha um protagonista carismático e cenas marcantes, a narrativa se torna um pouco monótona em certos momentos. O ritmo lento, aliado a longas sequências de exposição e diálogos explicativos, faz com que a parte da história se arraste, diminuindo a sensação de urgência e tensão. Há momentos em que o enredo parece caminhar sem pressa, deixando o espectador aguardando ansiosamente pelo ponto de virada em que o Tony Stark finalmente assume seu papel de herói. Essa espera prolongada faz com que a chegada da armadura completa seja ainda mais impactante, mas também evidencia que o filme só encontra seu verdadeiro ritmo na segunda metade.

O vilão Monge de Ferro, Obadiah Stane, é retratado como um magnata inescrupuloso e manipulador, movido apenas pela ganância e pela inveja do sucesso de Tony Stark. Apesar de sua postura de mentor e aliado nos primeiros momentos, logo se revela um antagonista previsível, cuja malícia carece de profundidade. Seu papel como vilão funciona, mas não chega a impressionar — é mais uma figura de poder corrompido do que um inimigo realmente memorável.


Homem de Ferro não é apenas um filme de origem de super-herói; ele marca o início de uma nova era no cinema de heróis ao estabelecer as bases do Universo cinematográfico da Marvel. A narrativa foca na transformação de Tony Stark, que evolui de um magnata arrogante e egoísta para um herói consciente de suas responsabilidades, simbolizada pela criação e uso da armadura. Apesar de um ritmo inicial mais lento e de um vilão relativamente previsível, o filme se destaca pela construção de personagem, pelo impacto visual das cenas de ação e pelo potencial inovador de conectar diferentes histórias em um universo compartilhado.


Autor:


Meu nome é João Pedro, sou estudante de Cinema e Audiovisual, ator e crítico cinematográfico. Apaixonado pela sétima arte e pela cultura nerd, dedico meu tempo a explorar e analisar as nuances do cinema e do entretenimento.


O Incrível Hulk (2008) - Um homem, dois tons de verde e muitas fugas mal planejadas

O Incrível Hulk | Disney


Vivendo escondido e longe de Betty Ross, a mulher que ama, o cientista Bruce Banner busca um meio de retirar a radiação gama que está em seu sangue. Ao mesmo tempo ele precisa fugir da perseguição do general Ross, seu grande inimigo, e da máquina militar que tenta capturá-lo, na intenção de explorar o poder que faz com que Banner se transforme no Hulk.

O filme acerta ao pular o tradicional arco de origem dos super-heróis — algo que já havia sido explorado em Hulk (2003) — e optar por uma abordagem mais direta e madura. Essa escolha narrativa demonstra confiança no público, que não precisa ser novamente apresentado às circunstâncias que levaram à transformação do personagem. Ao invés de gastar tempo com explicações repetitivas, o roteiro direciona sua energia para o desenvolvimento da trama e para a construção de um protagonista mais consciente de seus poderes e dilemas. Essa escolha também ajuda a diferenciar o filme dentro do gênero de super-heróis, evitando a estrutura repetitiva de “descoberta de poderes” e focando em algo mais introspectivo: o peso de conviver com eles. O espectador acompanha um personagem que já entende sua própria força, mais ainda luta para aceitá-la, o que adiciona uma dimensão mais trágica e humana à narrativa. Assim, o foco se desloca do “como ele se tornou o Hulk” para “como ele aprende a viver sendo o Hulk”, transformando o conflito em algo mais psicológico e existencial.

A narrativa se desenvolve de maneira muito reta, sem grandes surpresas ou mudanças significativas ao longo da história. As situações parecem sempre conduzir o protagonista ao mesmo ponto de partida, criando a sensação de que ele está preso em um ciclo constante de fuga, perseguição e conflito. Cada novo obstáculo leva a uma reação previsível, e as consequências raramente transformam de fato o rumo da trama ou o estado emocional dos personagens. Essa repetição de eventos faz com que o enredo pareça girar em torno das mesmas ideais e conflitos, sem introduzir variações que tragam novas camadas ou desafios diferentes. A história, portanto, avança sem grandes viradas ou momentos de descoberta. Tudo acontece em sequência, de modo direto, e o público consegue antecipar facilmente o que vem a seguir. Essa linearidade acabam tornando o filme menos envolvente, pois faltam complexidade, variação emocional e surpresas capazes de renovar o interesse e dar profundidade à jornada do personagem.

O design do Hulk é o destaque do filme. A criatura tem aparência realista, com músculos bem definidos, pele detalhada e expressões que mantém a conexão com Bruce Banner. Sua movimentação transmite peso e força, tornando o personagem crível e imponente. O tom de verde mais escuro e o visual mais orgânico reforçam seu lado selvagem, resultando em um Hulk poderoso, convincente e visualmente marcante.

O incrível Hulk se destaca por sua abordagem direta e por apostar em uma narrativa mais madura dentro do gênero de super-heróis. Embora a trama apresente certa linearidade e repita alguns padrões de conflito, o filme compensa com uma execução técnica sólida e um bom equilíbrio entre ação e drama. O visual impressionante do Hulk e o esforço em humanizar Bruce Banner garantem momentos de intesidade e empatia, mesmo quando o roteiro não se arrisca tanto em novas direções. No fim, o longa funciona como uma peça importante na construção do personagem dentro do universo cinematográfico da Marvel, entregando uma experiência envolvente, visualmente marcante e emocionalmente contida, mas eficaz.

Autor:


Meu nome é João Pedro, sou estudante de Cinema e Audiovisual, ator e crítico cinematográfico. Apaixonado pela sétima arte e pela cultura nerd, dedico meu tempo a explorar e analisar as nuances do cinema e do entretenimento.

Mágicos trambiqueiros saem da aposentadoria em Truque de Mestre: O 3° Ato (2025)

 

Truque de Mestre: O 3° Ato | Paris Filmes


A franquia Truque de Mestre sempre foi feita de fumaça e espelhos, se traduzirmos a expressão "smoke and mirrors" ao pé da letra. 

Os filmes da série pegaram do público de surpresa na década passada com a figura emblemática dos "Quatro Cavaleiros", um grupo de mágicos e ilusionistas que fazem parte de uma organização secreta, o "Olho", dedicada ao fazer do mundo um lugar mais justo e expor o 1% da sociedade, junto de seus crimes. É uma versão fantasiosa do mundo real em que a mágica é levada a sério e artistas como David Copperfield (tirando a referência empoeirada da cartola aqui) fosse uma espécie de James Bond ou Ethan Hunt, misturado com Robin Hood. 

Mesmo aplicando a suspensão da descrença, os longas sofrem com problemas estruturais de narrativa, em favor de uma experiência visual, e, de preferência, com impacto. Muitas vezes, gerando plot twists e continuidade retroativa entre partes que, honestamente, parecem forçar a barra para seu lado, do que deixar seu universo verossímil. São obras que divertem, mesmo que a lógica da narrativa tende a ser meio acéfala, pelo deslumbramento, a ilusão das imagens editadas aqui; um ópio para as massas. 

É preciso ver de perto, para não enxergar as falhas, ou, em outras palavras, para não descobrir como o truque é feito. No entanto, tais manias exageradas, de certa forma, se cristalizaram e se tornaram parte da identidade da franquia. De certo modo, o público sabe o que esperar e não se importa muito sobre verossimilidade do mundo real aplicado a este mundo mágico, o que importa é se deixar levar pela ilusão. Este novo capítulo da franquia não poderia ser diferente neste aspecto. 

Em Truque de Mestre: O 3° ato, após uma década desde a sua última aparição pública, os Cavaleiros, liderados por Atlas (Jesse Eisenberg), são chamados pelo "Olho" para recrutar uma nova geração de ilusionistas (Justice Smith, Dominic Sessa, Ariana Greenblatt) para uma nova missão: desmascarar uma bilionária dona de um império de diamantes, Veronika Vanderberg (Rosemund Pike), associada a um esquema de lavagem de dinheiro em escala mundial.

A premissa do terceiro filme parece um amálgama de narrativas recortas e coladas de seus antecessores; a recriação de situações similares e temas recorrentes, reforçam essa sensação do que está sendo desenvolvido seja uma reciclagem do que algo 100% inédito. 

Há truques, cenários impossíveis, vinganças, reviravoltas no meio do caminho. O que para esta franquia é o estado normal do mundo, um dia como qualquer outro. Os roteiristas da vez se esforçam na emulação do tom exacerbado e fantasioso, mas a direção de Ruben Fleischer consegue contrabalancear entre a seriedade e o camp; algo que Leterrier e Chu, os diretores anteriores, não conseguiam de fato: criar uma galhofa assumida, sem fugir de sua superficialidade, interlaçado de camadas. O primeiro se levava muito a sério, enquanto o segundo não conseguia desenvolver seu lado mais dramático. 

O filme toca em temas como políticas pós-coloniais, exploração de recursos naturais, passado nazista, relações étnico raciais e de classe, que parecem, ao mesmo tempo, fazer e não fazer sentido algum para a narrativa. Tornando esta mistureba fascinante, dentro de um texto que, escrito entre três a cinco pares de mãos, é um tanto redundante e quase paródico de si (Há um momento que o nome completo de uma personagem é repetido umas quatro vezes em menos de cinco minutos, o que é um péssimo exemplo de escrita por sinal). É um quebra-cabeça bobo, mas há uma diversão implícita ao vê-lo sendo montado. As cenas que envolvem os truques de mágica do grupo ainda continuam sendo o chamariz da franquia: toda a construção do roubo do diamante é bem feita e o todo o cenário do castelo ilusionista é divertidíssimo de olhar.

Se o roteiro há uma simplicidade pífia na narrativa, o elenco consegue compensar a escrita com uma sinergia estrondosa em tela, daquelas que fazem o público se divertir, pois os atores estão se divertindo em tela com as situações absurdas e fantasiosas desse mundo. O elenco original do primeiro filme (Jesse Eisenberg, Woody Harrelson, Dave Franco, Isla Fisher) volta desta vez e tem bastante química com o novo elenco: Justice Smith é um atores mais underrated da geração atual e a química entre Eisenberg e Sessa é bastante elétrica; e até Morgan Freeman retorna com seu antagonista transformado em aliado para uma ponta aqui. 

Mas talvez, a adição de elenco mais chamativa seja a de Rosemund Pike, que consegue misturar classe e farofa, junto de um sotaque sul-africano, de forma cativante. Mesmo com um texto cafona, Pike não perde a elegância e contribui com um toque de humor próprio a uma personagem que, em outras mãos, poderia ser pálida e hermética. Ela, junto do restante do elenco, entende a proposta do filme e embarca, com a cabeça erguida, na fantasia. 

Truque de Mestre: O 3° ato repete a grandiosidade e as manias de seus antecessores, com um elenco afiado que consegue vender as situações mais impossíveis e os diálogos redundantes e explicativos com um carisma cativante. Existem surpresas no caminho, que vão agradar o público. Mesmo com suas manias e defeitos, é um longa divertido que não esconde a sua identidade de galhofa e consegue trabalhar de megalomania de modo que não aparenta ser mais inteligente do que é. Tem seus momentos de previsibilidade, é claro, mas há uma graça em assistir uma farofa recheada de ilusões.

Autor:
                                  

Eduardo Cardoso é natural do Rio de Janeiro, Cidade Maravilhosa. Cardoso é graduado em Letras pela Universidade Federal Fluminense e mestre em Estudos de Linguagem na mesma instituição, ao investigar a relação entre a tragédia clássica com a filmografia de Yorgos Lanthimos. Também é escritor, tradutor e realizador queer. Durante a pandemia, trabalhou no projeto pessoal de tradução poética intitulado "Traduzindo Poesia Vozes Queer", com divulgação nas minhas redes sociais. E dirigiu, em 2025, seu primeiro curta-metragem, intitulado "atopos". Além disso, é viciado no letterboxd. 


No Other Choice — O Melhor Longa de Park Chan-Wook

No Other Choice | Mubi


Contando a estória de um pai de família desempregado que começa a cometer assassinatos para ganhar uma vaga numa empresa, No Other Choice estreou no festival de Veneza e ganhou o premio máximo do Festival de Toronto. O filme está com distribuição da Mubi no Brasil e estreou na Mostra de São Paulo.

Os primeiros minutos de No Other Choice são curiosos, a abordagem do diretor Park Chan-Wook, muito conhecido por sua abordagem brutal de suas tramas optou por uma comédia ao nos jogar no universo de seu novo longa. Essa estratégia me pareceu como nova nesse seu novo filme que é uma mistura da sua violência com uma comédia satírica.

Em seu ultimo longa, Decisão Para Partir, Park também já havia tomado a decisão de misturar seu estilo com algo mais novelesco, porém, enquanto seu primeiro experimento falhou miseravelmente (pelo menos, na minha visão), este se mostra como um dos maiores acertos do ano todo. Pois, aqui, o cineasta sul-coreano parece ter um domínio muito maior de seu próprio estilo, num longa que beira o maneirismo.

As referencias a filmes como Carlitos’ Way e Ms. 45 são evidentes. Park tem a consciência de que não há como existir uma alegoria política nesse filme que é tão direto ao ponto, então ele não mede seus esforços para fazer de cada um dos assassinatos o maior espetáculo possível, não num sentido em que a violência seja glorificada, como são as criticas a Oldboy, mas neste filme a violência é um dos mais fortes dispositivos para Chan-Wook conduzir esse teatro sádico que nos coloca.

Toda a encenação constrói uma lógica de um teatro sádico em que o espectador é uma testemunha de todos os crimes do protagonista, e o julgamento começa a ser feito pelos próprios espaços do filme, que se usam da inutilidade para construir uma forma genuína de opressão. O castigo é para ver e ouvir, e depois de tudo para sentir.

Nos momentos em que a obra poderia se tornar repetitiva, Park Chan-Wook sabe como a reinventar, e não a partir de uma estética padrão hollydwiana-parasita, mas de uma maneira incrivelmente honesta. Os últimos minutos de No Other Choice reinvocam os primeiros de maneira nova, sem ter que espremer os espectadores a uma fórmula saturada.

O novo longa de Park Chan-Wook, No Other Choice é soberbo, e dará o que falar entre o grande publico. Por enquanto, o que digo é que o filme é definitivamente um  novo capitulo na vida desse cineasta, que já me parece que não precisa de ter de colocar uma musica de algum filme do De Palma para mostrar que ama ele, mas que já entende o que o cinema maneirista significa e o que dessas referencias devem ser utilizadas em seu longa.

Autor:


Meu nome é Rodolfo Luiz Vieira, tenho 17 anos e curso o terceiro ano do Ensino Médio. Produzo alguns curtas-metragens e escrevo textos sobre cinema. Meus filmes favoritos são: Em Ritmo de Fuga; La Haine; Eu Vos Saúdo, Maria e Pai e Filha.

quinta-feira, 6 de novembro de 2025

Jovens Mães - Uma Crônica Fraterna

Jovens Mães | Vitrine Filmes


Jovens Mães conta a história de uma maternidade localizada na Bélgica, e tem como centro um grupo de 4 jovens mães que compartilham suas experiências envolvendo maternidade. Ganhou melhor roteiro em Cannes, e estreou no Brasil na Mostra de São Paulo.

Como grande parte dos cineastas franceses/belgas, os irmãos Dardenne continuam a produzir mesmo já estando em atividade há 50+ anos. Entretanto, diferentemente de muitos cineastas realistas que acabam perdendo a mão de sua própria visão conforme o tempo passa, o olhar da dupla quanto às questões sociais continua do mesmo jeito.

Sem um centro da trama, o objeto central dos irmãos é sem duvidas apenas as relações de fraternidade que ocorrem naquela maternidade. Porém, não é isso que eles conseguem passar na primeira parte do filme, pelo contrário, no começo, senti que muito daquelas tramas eram apenas conectadas por um lugar em comum do que por um sentimento em si.

Entretanto, conforme o filme foi passando, a unidade dramática foi se tornando mais consistente, e tive a impressão que as coisas foram se ajeitando, surgindo assim um olhar mais genuíno daquela fraternidade.

A noção de espaço dos irmãos, que é algo sempre importante em seus filmes, pois estes sempre fazem longos planos, aqui também não deixa a desejar. As longas sequências transitam entre situações de agonia e de conforto, sem nenhumas das transições soar forçada, como em muitos filmes realistas do período atual.

Ainda que a conclusão seja previsível, é satisfatório ver esse lado mais esperançoso dos Dardenne, que eles já haviam demonstrado em Dois Dias, Uma Noite (2014), porém aqui de uma maneira mais simples e direta ao ponto, não que isso seja ruim. Talvez isso seja até mais maduro, como este filme é  mais do que muitos outros que gritam por aí que são.

Autor:


Meu nome é Rodolfo Luiz Vieira, tenho 17 anos e curso o terceiro ano do Ensino Médio. Produzo alguns curtas-metragens e escrevo textos sobre cinema. Meus filmes favoritos são: Em Ritmo de Fuga; La Haine; Eu Vos Saúdo, Maria e Pai e Filha.

Frankenstein (2025) - Pense duas vezes antes de rejeitar alguém

 

Frankestein (2025) | Netflix

Publicado em 1818, Frankenstein, de Mary Shelley, apresenta uma visão crítica da sociedade a partir do paradigma criador/criatura, tornando-se, desde então, um clássico aclamado com diversas adaptações. De outro lado, temos o diretor Guillermo Del Toro, conhecido por levar às telas criaturas e monstros visualmente inesquecíveis, atrelados quase sempre a narrativas que buscam refletir sobre um período histórico de seu país de origem: a Espanha. Dessa forma, o anúncio de que a obra de Frankenstein seria adaptada por Guillermo Del Toro gerou grandes expectativas.

O longa inicia-se com Capitão Anderson (Lars Mikkelsen) e sua tripulação confrontando a Criatura (Jacob Elordi), após darem abrigo a Victor Frankenstein (Oscar Isaac). Eles o encontraram na neve depois que o navio encalhou no gelo, enquanto rumavam ao Polo Norte. Após conseguirem se desvencilhar do monstro, inicia-se uma série de flashbacks onde Victor conta sua versão dos fatos até ali. O longa é separado por capítulos, os quais servem para orientar o espectador na narrativa, tal qual um livro. Del Toro investe bons minutos do filme nos mostrando a infância de Victor e o que o leva a tornar-se um médico obstinado obcecado por vencer a morte, um acerto do roteiro, uma vez que aumenta o interesse no personagem, que é um dos protagonistas da obra.

Conforme novos personagens são introduzidos, fica perceptível como Del Toro os utiliza para se aprofundar em seus protagonistas. Por exemplo, Elizabeth Lavenza (Mia Goth), esposa de William Frankenstein (Felix Kammerer), irmão caçula de Victor, é uma mulher independente e ousada, com ideias próprias, que provoca Victor. Mesmo sabendo que ela estava comprometida com seu irmão, ele se declara, mas é rejeitado. Quando Elizabeth demonstra empatia pela Criatura, isso invoca uma cólera de inveja e ira em Victor, que rejeita e tenta destruir sua criação, o que põe à prova quem de fato seria o monstro.

Quanto aos aspectos técnicos, a direção de arte se destaca. Os cenários grandiosos e repletos de elementos de cena, como os pedaços de corpos no laboratório de Victor, ajudam na imersão e tornam os planos vistosos e dignos de serem enquadrados. Ademais, os figurinos e, em especial, a caracterização de Jacob Elordi como a Criatura se afastam da caracterização clássica do filme de 1931 e abraçam a descrição do livro de Mary Shelley, trazendo um personagem mais realista e humanizado, ainda que grotesco. Infelizmente, por vezes, é possível perceber que algumas cenas abusaram do CGI na composição do cenário, o que o torna um pouco artificial, mas não a ponto de estragar a experiência. Já a trilha musical, assinada por Alexandre Desplat, agrega-se à composição das cenas e forma um casamento harmônico, onde cada cena tem seu tom. A trilha por vezes é mais tímida ou cresce, dependendo da necessidade, um mérito da montagem, mas também de Desplat por ter feito uma composição tão rica que se encaixa em diferentes momentos da trama.

A despeito das atuações, é impossível não falar de Jacob Elordi, que entrega uma Criatura de olhos tão doces, apesar de sua forma amorfa, suas mãos grandes e desajeitadas, demonstrando uma ingenuidade quase digna de pena. A exemplo disso, pode-se citar a sequência com o velho cego, onde é possível perceber toda a desenvoltura do ator para entregar uma Criatura que luta contra a rejeição e busca provar que pode ser boa.

Frankenstein é uma adaptação que abraça e respeita sua obra base, mas sem deixar de ser original, apresentando elementos técnicos inspirados e atuações que se destacam. Apesar de todo seu mérito, o longa possui um caráter apressado. Seu desenvolvimento é orgânico, mas parece deixar pontas soltas. Talvez Del Toro não tenha tido tanta liberdade, ou talvez só não estivesse tão inspirado em algumas partes do filme. Em suma, Frankenstein não é perfeito, mas entrega o que promete e, certamente, é até então a melhor adaptação da obra de 1818 já feita para o cinema.

Autor:


Mateus José é graduando de Licenciatura em Cinema e Audiovisual pela UFF, escritor, poeta, montador e aspirante a diretor de fotografia. Apaixonado pelas artes, literatura, música e principalmente o cinema, dedica-se a consumir, estudar e dissecar as camadas mais profundas do cinema e da arte.

Sombras no Deserto (2025) fica em cima do muro

  Sombras no Deserto (2025) | Imagem Filmes Crescer é um inferno: a passagem da infância à vida adulta é um ritual bastante natural e transf...