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terça-feira, 26 de novembro de 2024

O Clube Das Mulheres de Negócios - Uma boa ideia, porém perdida.

O Clube das Mulheres de Negócios | Vitrine Filmes


O Clube das Mulheres de Negócios é ambientado em um mundo onde os estereótipos de gêneros são invertidos, portanto, mulheres ocupam posições de poder que normalmente são ocupados por homens, e homens cumprem os papeis de serem socialmente submissos.

A trama se desenvolve em um clube exclusivo, propondo uma reflexão sobre as questões de classe e gênero da sociedade brasileira, com mulheres ocupando posições de liderança. Essa inversão de papéis evoca Eu Não Sou Um Homem Fácil, filme francês que apresenta a história de Damien, um personagem machista que acorda em uma realidade onde os papéis de gênero estão invertidos, com as mulheres assumindo o domínio sobre os homens. 

Embora a ideia de mulheres em posições de poder não seja inédita, ela permanece intrigante e provoca uma reflexão pertinente sobre as dinâmicas de poder. No entanto, o filme falha ao misturar diversas subtramas de forma confusa e ao não saber claramente qual tonalidade deseja seguir. Ao alternar entre comédia, sátira, terror e suspense, a obra se perde na tentativa de abarcar múltiplos gêneros, prejudicando a coesão e enfraquecendo a mensagem que inicialmente parecia promissora. A falta de um foco claro torna a experiência desorientada, dissipando a crítica social e limitando seu impacto.

Na narrativa, a presença de onças atacando o clube é usada como uma metáfora potente para a opressão de gênero no Brasil. Esses animais surgem como agentes desestabilizadores, questionando um sistema elitista e mostrando a fragilidade de uma sociedade hierárquica. A natureza, em suas manifestações tanto humanas quanto selvagens, ganha centralidade, transcende as rivalidades da classe dominante e sublinha a violência latente nas estruturas de poder. No entanto, as cenas de ataques das onças, ao representar a força bruta da natureza, criam um desconforto que vai além do terror, refletindo a violência presente em qualquer sistema opressor. Esse contraste entre a brutalidade da natureza e a fragilidade humana adiciona um simbolismo poderoso, ao mesmo tempo que provoca uma reflexão sobre os mecanismos de controle e violência que moldam as relações sociais.

O filme apresenta cenas que, infelizmente, refletem realidades vividas em nosso cotidiano, ainda que invertendo os papéis tradicionais. Um exemplo disso é a sequência em que duas mulheres discutem de maneira estereotipada sobre o órgão sexual masculino. Contudo, a obra vai além da superfície e explora de forma complexa os estereótipos de gênero. Embora o diálogo inicial pareça reforçar a objetificação do corpo feminino, ele também estabelece uma analogia crítica à visão simplista e reducionista que muitos homens têm sobre o corpo das mulheres. A comparação sutil entre esses estereótipos de gênero não só questiona a forma como essas percepções são perpetuadas em narrativas e no comportamento cotidiano, mas também convida o público a refletir sobre a persistência de preconceitos e expectativas culturais. Ao abordar essas questões, oferece uma crítica social profunda, expondo as camadas de desigualdade ainda presentes nas dinâmicas de gênero.

O Clube das Mulheres de Negócios propõe uma premissa instigante ao inverter os papéis de gênero tradicionais, colocando as mulheres em posições de poder e os homens em uma posição de subordinação social. Embora essa inversão abra espaço para uma reflexão crítica sobre as dinâmicas de classe e gênero na sociedade brasileira, a obra peca por sua falta de coesão e clareza na condução da trama. A tentativa de transitar entre diferentes gêneros cinematográficos, acaba prejudicando o impacto da crítica social, deixando a narrativa desorientada e diluindo seu poder provocador. O comentário social embora presente, é diluída em uma estrutura narrativa que não soube aproveitar a complexidade de suas ideias.

Autor:


Meu nome é João Pedro, sou estudante de Cinema e Audiovisual, ator em formação e crítico cinematográfico. Apaixonado pela sétima arte e pela cultura nerd, dedico meu tempo a explorar e analisar as nuances do cinema e do entretenimento.

Moana: Um Mar de Aventuras (2016) - Uma Heroína Moderna

Moana: Um Mar de Aventuras | Disney


Moana Waialiki é uma jovem corajosa, filha única do chefe de uma tribo na Oceania, vinda de uma longa linhagem de navegadores. Quando os pescadores de sua ilha não conseguem pescar nenhum peixe e as colheitas falham, ela descobre que o semideus Maui causou a praga ao roubar o coração da deusa Te Fiti. Entusiasta das viagens marítimas, a jovem se vê querendo descobrir mais sobre seu passado e ajudar a comunidade, mesmo que a família queira proteger Moana a qualquer custo. Então, ela resolve partir em busca de seus ancestrais, habitantes de uma ilha mítica que ninguém sabe onde é. A única maneira de curar a ilha é persuadir Maui a devolver o coração de Te Fiti, então Moana parte em uma jornada épica pelo Pacífico. Moana começa sua jornada em mar aberto, onde enfrenta terríveis criaturas marinhas e descobre histórias do submundo. O filme é baseado em histórias da mitologia polinésia. 

A direção de John Musker e Ron Clements, responsáveis por clássicos da Disney como Hércules (1997), Aladdin (1992), A Pequena Sereia (1989) e Planeta do Tesouro (2002), mais uma vez se destaca pela maestria com que conseguem equilibrar elementos de fantasia e emoção. Com um histórico impecável de filmes que marcaram gerações, os diretores trazem novamente sua habilidade única de contar histórias envolventes, repletas de personagens carismáticos e enredos cativantes. Sua capacidade de inovar dentro da tradição dos filmes de animação da Disney, ao mesmo tempo em que preservam os valores clássicos, é o que torna sua filmografia tão especial. Assim, não é surpresa que consigam mais uma vez "tirar um coelho da cartola", trazendo à tona uma produção encantadora que conquista tanto jovens quanto adultos. 

Moana foi integrada à linha das Princesas Disney por possuir atributos que a marca associa a suas personagens principais, como coragem, independência, liderança e um profundo senso de responsabilidade, apesar de não ser uma princesa de sangue, como as figuras tradicionais (como Cinderela ou Aurora). Ela segue uma trajetória de autodescoberta e amadurecimento, um aspecto comum nas narrativas das princesas clássicas. 

Ao longo dos anos, a Disney tem ampliado o conceito de "princesa", deixando de ser exclusivamente uma personagem de linhagem real ou casamento. Exemplos disso são Mulan e Pocahontas, que, embora não fossem princesas por nascimento, foram incluídas na linha devido às suas qualidades e histórias inspiradoras. Moana é uma continuação dessa evolução, destacando-se como líder e heroína que exemplifica coragem, sabedoria e resiliência. Além disso, sua figura é de grande relevância para muitas culturas do Pacífico e simboliza uma importante conquista na representatividade. Sua inclusão na seleção das princesas Disney visa celebrar a diversidade, enriquecendo a linha com uma personagem que desempenha um papel essencial em sua comunidade. Embora Moana não se enquadre no estereótipo de princesa tradicional, ela foi escolhida para integrar esse grupo por encarnar os valores contemporâneos que a Disney busca promover, como liderança, autonomia e a importância de seguir o próprio caminho. 

Moana é uma jovem destemida e resoluta, cuja conexão profunda com seu povo e com o mar a define como uma figura de força e propósito. Sua jornada é motivada por uma necessidade urgente de restaurar o equilíbrio de sua ilha, o que a coloca diante de desafios imensos que exigem não apenas coragem, mas uma persistência infindável e uma capacidade de manter o coração aberto em face da adversidade. Em contraste, Maui, o semideus travesso e possuidor de grande poder, se apresenta inicialmente como uma figura carismática, mas egocêntrica e impulsiva. Seu comportamento, repleto de autossuficiência e humor irreverente, oculta uma profunda vulnerabilidade que se revela à medida que a trama se desenrola. A jornada de Maui é uma trajetória de autoconhecimento, onde ele aprende a valorizar os laços de amizade e a importância da colaboração. 

A dinâmica entre Moana e Maui é uma relação de aprendizado mútuo e transformação, onde ambos evoluem à medida que enfrentam obstáculos juntos. Moana, com sua inabalável determinação e generosidade, proporciona a Maui uma lição de humildade e a compreensão de que seu poder deve ser utilizado para fins maiores do que sua própria glória. Por sua vez, Maui, com sua vasta experiência e habilidades excepcionais, serve como um mentor para Moana, ajudando-a a desenvolver a autoconfiança necessária para superar os desafios que surgem em seu caminho. 

Essa parceria, marcada por uma crescente amizade e respeito mútuo, é central para o desenrolar da história. A interação entre os dois personagens não só resulta na restauração da harmonia no mundo, mas também contribui para o fortalecimento das suas respectivas identidades. A relação deles transcende a simples colaboração; ela simboliza o poder da transformação pessoal através da convivência e do esforço compartilhado. Em última análise, o vínculo entre Moana e Maui é uma celebração de coragem, crescimento e da necessidade de unir forças para alcançar objetivos comuns, demonstrando que, através da superação individual e coletiva, é possível alcançar algo maior. 

As musicas também não decepcionam, são um verdadeiro destaque da produção, com uma combinação impressionante de letras emocionantes e melodias cativantes que enriquecem a narrativa da história. A trilha sonora, composta por Lin-Manuel Miranda, Opetaia Foa'i e Mark Mancina, consegue transmitir a essência da cultura polinésia, ao mesmo tempo em que ressoa com um público global. Uma das canções mais memoráveis é "Saber Quem Sou". Com uma melodia grandiosa e uma letra introspectiva, ela reflete o desejo de Moana de explorar o mundo além dos limites conhecidos, de buscar o seu próprio caminho. A música se tornou um verdadeiro hino de independência e autodescoberta, algo com o qual muitas pessoas se identificam. 

"De Nada", é outro exemplo brilhante da trilha sonora, trazendo uma energia divertida e irreverente. Com seu ritmo contagiante e uma letra espirituosa, a canção de Maui, o semideus, é uma celebração do humor e da grandiosidade do personagem. A música tem uma qualidade única que, ao mesmo tempo em que brinca com a ideia de um herói, também reflete o carisma do próprio Maui, tornando-se uma das mais populares do filme. Além disso, a música "Pra ir Além", com sua fusão de sons tradicionais polinésios e uma melodia moderna, é uma das mais emocionantes. A letra transmite a conexão ancestral dos navegadores polinésios com o mar, e a execução impecável dos compositores e intérpretes a torna uma das faixas mais memoráveis da trilha sonora. Essa música, em particular, é uma linda homenagem à história de exploração e resistência dos povos do Pacífico. Em resumo, as músicas de Moana não apenas complementam a história, mas a tornam ainda mais vívida e emocionante. 

A técnica de animação utilizada em Moana combina inovações tecnológicas com a arte da animação tradicional, resultando em um visual vibrante e detalhado que se destaca tanto pela estética quanto pela complexidade. O movimento da água é notavelmente impressionante, com a Disney empregando um sistema denominado "Simulação de Fluido", um processo altamente complexo e meticuloso para reproduzir o movimento das ondas e o comportamento da água do oceano. 

Esse processo envolveu a aplicação de algoritmos avançados para simular o movimento das ondas, a interação da água com os personagens e objetos, além de criar reflexos e transparências de forma realista. A água em Moana não é apenas um elemento visual, mas assume o papel de um personagem por si só, sendo essencial à narrativa, particularmente nas cenas de navegação. As ondas e o movimento do mar são representações minuciosas que conferem um toque de realismo ao ambiente e proporcionam uma experiência imersiva no universo do filme. 

Moana combina uma narrativa emocionante de autodescoberta e coragem com uma trilha sonora memorável. A história de Moana e Maui destaca valores como liderança, amizade e transformação pessoal, enquanto a riqueza cultural e a beleza visual da produção encantam o público. A inclusão de Moana na linha das Princesas Disney celebra a diversidade e reflete a evolução do conceito de heroína na animação.

Autor:


Meu nome é João Pedro, sou estudante de Cinema e Audiovisual, ator em formação e crítico cinematográfico. Apaixonado pela sétima arte e pela cultura nerd, dedico meu tempo a explorar e analisar as nuances do cinema e do entretenimento.


terça-feira, 19 de novembro de 2024

Wicked - Uma adaptação envolvente, mas com um ritmo irregular e momentos de excesso.

Wicked | Universal Studios 


Baseado no musical homônimo da Broadway, Wicked é o prelúdio da famosa história de Dorothy e do Mágico de Oz, onde conhecemos a história não contada da Bruxa Boa e da Bruxa Má do Oeste. Na trama, Elphaba (Cynthia Erivo) é uma jovem do Reino de Oz, mas incompreendida por causa de sua pele verde incomum e por ainda não ter descoberto seu verdadeiro poder. Sua rotina é tranquila e pouco interessante, mas ao iniciar seus estudos na Universidade de Shiz, seu destino encontra Glinda (Ariana Grande), uma jovem popular e ambiciosa, nascida em berço de ouro, que só quer garantir seus privilégios e ainda não conhece sua verdadeira alma. As duas iniciam uma inesperada amizade; no entanto, suas diferenças, como o desejo de Glinda pela popularidade e poder, e a determinação de Elphaba em permanecer fiel a si mesma, entram no caminho, o que pode perpetuar no futuro de cada uma e em como as pessoas de Oz as enxergam.

Wicked é uma obra que teve sua origem no livro de Gregory Maguire, publicado em 1995, e foi adaptada para os palcos em 2003. Apresentando uma nova perspectiva sobre as bruxas do conto, o filme é a primeira parte da obra, adaptando o primeiro ato. Quem não conhece o musical pode assistir ao filme sem grandes dificuldades, desde que tenha alguma familiaridade com a obra original, pois o enredo se apoia nos eventos e personagens de O Mágico de Oz para dar contexto à trama. Embora eu não tenha assistido ao musical nem lido o livro que deu origem à peça, o filme consegue se sustentar por si só, permitindo uma experiência envolvente mesmo para quem não está totalmente familiarizado com as versões anteriores da história.

A relação entre Glinda e Elphaba em Wicked é marcada por uma amizade complexa e uma tensão ideológica constante. Inicialmente, as duas se veem como opostas: Elphaba, marginalizada e radical, desafia o status quo, enquanto Glinda, popular e conformista, representa os valores sociais dominantes. Com o tempo, no entanto, Glinda começa a admirar a coragem e os ideais de Elphaba, reconhecendo sua profundidade além da imagem da "bruxa má". Por sua vez, Elphaba passa a perceber a sinceridade e vulnerabilidade de Glinda, embora ainda mantenha suas próprias convicções. A amizade delas se fortalece à medida que compartilham experiências, mas a tensão ideológica persiste, desafiando a ideia de que uma amizade verdadeira requer a superação de diferenças. Wicked oferece uma visão crítica das relações humanas, mostrando que, apesar das divergências, é possível uma convivência genuína e que a complexidade das personagens vai além de um simples binarismo moral de "bem" e "mal".

A introdução é eficaz ao situar o espectador no universo familiar de O Mágico de Oz, um mundo no qual, aparentemente, a população da Terra de Oz vive em paz. Em seguida, somos transportados para um flashback que narra a trajetória de Elphaba desde seu nascimento até o momento em que conhece Glinda na Universidade Shiz. A maneira como a história nos introduz rapidamente ao universo conhecido é envolvente, e a construção da personagem de Elphaba se revela cativante, gerando uma forte empatia, especialmente em razão do preconceito que ela sofre na escola. 

Sua bondade se destaca em contraste com a postura de alguns membros da instituição, que se dedicam a zombar até mesmo dos professores, como no caso de um deles, que era uma cabra. No entanto, ao longo do desenrolar da trama, a narrativa acaba se tornando cada vez mais arrastada e excessivamente lenta. Um exemplo disso é a cena da festa, quando Elphaba chega ao local e, como esperado, é alvo de olhares preconceituosos e zombarias relacionadas à sua dança. Embora essa cena seja emocionalmente impactante, seu ritmo excessivamente moroso acaba prejudicando a fluidez da história. Após um longo período de espera, Glinda se aproxima e dança com Elphaba, um gesto que culmina na formação de uma amizade, mas que, devido à demora, diminui o impacto emocional que poderia ter sido mais imediato e eficaz.

A trilha sonora de Wicked, composta por Stephen Schwartz — também conhecido por seu trabalho em O Corcunda de Notre Dame (1996) e O Príncipe do Egito (1998) — é uma parte fundamental da obra, abordando temas como identidade, poder, amizade e resistência. As canções, que mesclam emoção e humor, são carregadas de significado. Entre os destaques, Defying Gravity se sobressai como um símbolo de libertação para Elphaba, enquanto Popular e What is This Feeling? apresentam um tom leve e cômico, evidenciando o contraste entre as protagonistas. I'm Not That Girl explora a solidão, a autocrítica e as consequências das escolhas de Elphaba. Já For Good, a música final, celebra a amizade entre as duas bruxas, refletindo o impacto mútuo em suas vidas. A trilha sonora equilibra perfeitamente momentos de intensidade e leveza, e suas canções desempenham um papel crucial no desenvolvimento das personagens e na evolução da trama, conectando o público a temas universais de aceitação e resistência.

Wicked reinterpreta a história das bruxas de Oz, destacando a complexidade da amizade entre Elphaba e Glinda, marcada por diferenças ideológicas e uma evolução emocional. A trama pode se arrastar em alguns momentos, mas a profundidade das personagens e a trilha sonora cativante garantem uma experiência envolvente. A obra reflete sobre identidade, preconceito e as nuances entre o bem e o mal, oferecendo uma nova perspectiva sobre a clássica história.

Autor:


Meu nome é João Pedro, sou estudante de Cinema e Audiovisual, ator em formação e crítico cinematográfico. Apaixonado pela sétima arte e pela cultura nerd, dedico meu tempo a explorar e analisar as nuances do cinema e do entretenimento.

quarta-feira, 13 de novembro de 2024

Gladiador 2 - Uma Trajetória Política além da Nostalgia

Gladiador 2 | Paramount Pictures


Gladiador 2 não foge de ser uma grande homenagem ao primeiro filme, com algumas pequenas referências, mas não o utiliza apenas como um afago nostálgico barato. Aqui o objetivo de Scott tem como foco mostrar uma jornada do mundo da Roma antiga, mas que converse com o tempo de seu lançamento e com uma nova geração que possa se interessar por aquele universo. A obra em nenhum momento foge de sua proposta que chega a ser bem próxima do primeiro filme, mostrando lutas com bastante sangue, bem coreografadas e agora utilizando muito mais o CGI. Importante enfatizar que mesmo com a utilização exacerbada dos efeitos especiais, não é algo que afete tanto a experiência visual, já que Scott dá espaço para a parte técnica na tela. 

Um dos pontos que o filme também tem à seu favor é o trabalho de elenco, onde todos conseguem ter espaço para atuar, ter um desenvolvimento de personagem sucinto e conseguem entregar atuações maduras e que casam com o espaço em que acontece a história. Enfatizo aqui o trabalho de Denzel Washington que faz o personagem mais articulado e tem como função ser um dos condutores de toda a narrativa acontecer como deve acontecer. 

Paul Mescal consegue ser um personagem principal que faz jus ao seu antecessor, Maximus, e consegue servir como uma nova forma de condução do discurso de Scott nesse filme. Enquanto a primeira obra segue Maximus em busca de vingança pela morte de seu filho e sua mulher, aqui Lucius toma outro caminho. Mesmo com o começo sendo um filme que parece querer seguir a mesma linha de motivação do protagonista anterior, aqui vemos uma condução completamente oposta. 

Enquanto a vingança era o pilar principal do primeiro filme, aqui o foco se encontra em uma busca de uma utopia que foi entregue à um garoto que se decepciona com a realidade. A corrupção continua, o entretenimento com a violência é maior do que nunca, doenças se alastrando, fome e a raiva do povo em crescente. Além dos dois imperadores antagonistas, Geta e Caracalla, que são o perfeito estereotipo de crianças mimadas governando um império, mostrando Scott zombando das figuras de poder que prevalecem até hoje. 

Lucius busca no início de sua jornada, vingança. Mas ao longo de sua jornada, o seu foco é a busca de uma Roma que tenha dignidade e que possa finalmente prevalecer em paz. Claro que não faz sentido tentar conectar esse filme com a realidade histórica, já que a proposta desde o primeiro filme é uma releitura fictícia de fatos históricos, mas é pertinente a forma que Scott faz um retrato digno de um cenário passado sendo bem atualizado depois de 24 anos.  

O filme em nenhum momento se esconde em prover um entretenimento pirotécnico com suas batalhas exageradas, assim como também não se esquiva em conduzir uma narrativa focada na condução política. A jornada do personagem Macrinus, de Denzel Washington, mostra como aqueles que são oprimidos por um império, podem fazer de tudo para que ele despenque. Sua trajetória se torna um dos pontos feitos com melhor exatidão comparado com os outros. 

Necessário apontar também o fato da direção condensar muitos pontos narrativos em momentos rápidos e acelerados de forma deslocada, principalmente na última meia-hora de filme e na relação de Lucius com a sua mãe, Lucilla(ainda sendo interpretada pela Connie Nielsen). A conclusão da obra também fica deslocada em comparação com toda a obra, sem contar a primeira motivação da trajetória de Lucius que se torna mal concluída e posta de lado. 

Gladiador 2 não chega a ser algo do mesmo nível de seu antecessor, mas consegue ser diferente de forma positiva. Sendo um entretenimento para os amantes do primeiro filme, tendo o exagero nas lutas e nos efeitos especiais e tendo ótimas atuações que conseguem ofuscar algumas das problemáticas do filme. 

TEXTO DE ADRIANO JABBOUR.

quarta-feira, 6 de novembro de 2024

Caracas - Um filme que Não Sabe Conduzir o Caos que Propõe

Caracas | Vision Distribution


"Caracas" conta a história do escritor Giordano Fontes que vive em uma crise existencial e cogitando largar a escrita para sempre, até o momento que sua história se esbarra com um árabe de extrema direta que passa por momentos complicados ao longo da vida e influencia Giordano a continuar a sua escrita. O longa e o segundo do diretor e também protagonista Marco D'Amore e é um dos selecionados no Festival de Cinema Italiano que acontece em São Paulo.

A obra tenta brincar bastante com a ideia do que é imaginação de Giordano sobre oque acontece à sua volta e sobre oque realmente é real naquelas circunstâncias. Algo que ao mesmo tempo entrega dinâmica à obra, faz ela muitas vezes parecer mais bagunçada do que realmente criativa. Além da falta de desenvolvimento dos personagens, que é um dos principais problemas da obra. Não se sabe o porque da melancolia de Giordano, e muito menos se tem uma noção se Caracas é um personagem real, ou apenas um encontro acidental que resultou em trazer de volta a "criatividade" de Giordano para escrever. 

A obra consegue mostra uma Nápoles perigosa e incerta sobre a vida daqueles que vivem ali, principalmente os imigrantes, que são os que mais sofrem com a desigualdade social e com a xenofobia. Mas mesmo mostrando uma faceta perigosa e caótica de Nápoles, o filme não consegue fazer o espectador ter proximidade com aqueles personagens entregue a nós. Caracas que passa por questões envolvendo crises de identidade e violência, acaba tendo uma conclusão preguiçosa da mesma forma que tentam concluir oque foi a ida para Nápoles para Giordano. 

No final, o filme propõe muitas temáticas interessantes e com vários caminhos criativos que acabam em lugar nenhum. Como sentir qualquer sentimento por personagens que você não sabe nada e que nem sabe se realmente são reais ou não? Até mesmo a relação de Caracas com Giordano é apressada de forma até amadora nos 40 minutos finais da obra. E quando a obra finaliza, fica o gostinho amargo de ter visto uma narrativa que se arrisca mas que acaba no mesmo lugar que começou. 

O que a direção tem para nos entregar além das loucuras de Nápoles? O autor encontrou um sentido para voltar a escrever ou não? Caracas existiu em algum momento? E se existiu, oque ele realmente é para Giordano? Seria Caracas uma resposta sobre a volta do fascismo na Itália? Seria Caracas uma reação ao aumento de imigrantes na Europa? Por que o personagem protagonista é um árabe refugiado que se identifica com Neonazistas(um grupo que odeia árabes também)? 

"Caracas" consegue mostrar a confusão de Giordano em uma Nápoles sem lei e em seu próprio caos dentro de seu quarto ou buscando sobre certo passado. Mas acaba sendo um filme que não consegue dizer nada e não consegue funcionar nem na sua criatividade para contar uma narrativa, nem para fazer o espectador ligar para alguma coisa que aconteça com os personagens.  

TEXTO DE ADRIANO JABBOUR.

terça-feira, 5 de novembro de 2024

O Voo do Anjo - Desconexão com Temas tão Sensíveis

 

O Voo do Anjo | California Filmes

"O Voo do Anjo", que estreou recentemente no Brasil, é uma obra que se propõe a abordar temas sensíveis como depressão e suicídio, mas que falha em sua execução, resultando em uma experiência que, em muitos momentos, se revela pouco orgânica e desconectada.

Um dos problemas mais evidentes do filme é o seu ritmo. As cenas parecem, muitas vezes cortadas e corridas, o que prejudica a fluidez da narrativa e impede o espectador de se envolver emocionalmente com os personagens. A falta de pausas nos diálogos… especialmente em um filme que demanda profundidade emocional, faz com que as falas soem apressadas e superficiais, deixando pouco espaço para a reflexão. Em momentos críticos, a intensidade emocional esperada se perde, tornando a experiência menos impactante.

Os personagens são retratados de maneira inconsistente. A figura da empregada, por exemplo, é apresentada de forma caricata. A interação inicial entre o personagem de Emilio Orciollo Neto e Orthon Bastos é particularmente problemática, pois a reação insensível do protagonista idoso ao ver o outro personagem que está à beira de uma tentativa de suicídio, gera insatisfação. A fala dele citando suas preocupações de forma egoísta dos problemas que ele teria com a polícia depois, caso o personagem deprimido cometesse o ato pela sua janela, em um momento tão delicado como esse, cria uma antipatia imediata, dificultando o apreço do público pelo seu arco no primeiro ato.

Embora os atores Othon Bastos e Emilio Orciollo Neto se esforcem para entregar performances consistentes, eles são prejudicados por uma direção que parece fria e desinteressada. A atuação da esposa do personagem de Emilio é bem insatisfatória, falhando em transmitir a complexidade que a narrativa exige de uma pessoa deprimida por conta da perca de um ente querido.

Além da depressão e suicídio, o filme toca em questões de etarismo, evidenciado pela dinâmica entre o filho e o personagem de Othon, que passa a maior parte do tempo sozinho em casa junto com a empregada, negligenciado pela família. Essa representação carece de profundidade e nuance, fazendo com que o espectador perceba uma falta de análise crítica sobre as relações familiares e a solidão.

O filme nos remete, de certa forma, ao longa francês "Sempre ao Seu Lado", pois ambos protagonistas lidam com relações dificieis e também tentam procurar algum conforto e confiança na companhia de cada um e, posteriormente, desenvolvem uma amizade, mas em "O Voo do Anjo", o filme falha em capturar a mesma essência emocional e empatia pelos personagens.

Em resumo, "O Voo do Anjo" é uma tentativa ambiciosa de abordar questões delicadas, mas que acaba se perdendo em sua execução. A falta de ritmo, o retrato superficial de personagens e a direção insensível contribuem para uma experiência cinematográfica que, ao invés de provocar reflexão, deixa o espectador com a sensação de desconexão. É uma pena, pois os temas abordados mereciam um tratamento mais cuidadoso e respeitoso.


Autor:

Meu chamo Leonardo Veloso, sou formado em Administração, mas tenho paixão pelo cinema, a música e o audiovisual. Amante de filmes coming-of-age e distopias. Nas horas vagas sou tecladista. Me dedico à exploração de novas formas de expressão artística. Espero um dia transformar essa paixão em carreira, sempre buscando me aperfeiçoar em diferentes campos criativos.


Nascida Para Você - A Luta de Luca pela Aceitação

Nascida para Você | Vision Distribution

"Nascida Para Você" é a história de Luca (Pierluigi Gigante) e Alba: um homem e uma menina que precisam desesperadamente um do outro, mesmo que o mundo ao seu redor ainda não esteja pronto para aceitá-los juntos. O tribunal de Nápoles está à procura de uma família para Alba, uma recém-nascida com síndrome de Down, abandonada no hospital. Luca, solteiro, homossexual e católico, sempre teve um forte desejo de paternidade e luta para obter a guarda de Alba. Quantas famílias "tradicionais" devem recusar antes que Luca possa ser considerado? Pode uma menina rejeitada pelo mundo se tornar a recompensa de uma vida?

O filme é fundamentado na história verídica de Luca Trapanese, cuja trajetória ganhou notoriedade nas mídias tradicionais e sociais na Itália. Em 2018, ele tornou-se o primeiro homem solteiro no país a receber autorização para adotar uma criança recém-nascida. A criança, Alba, que nasceu com síndrome de Down, foi abandonada logo após o parto, e seu nome foi atribuído pela enfermeira do berçário. O tribunal de menores de Nápoles convocou Luca para assumir a guarda temporária de Alba, permitindo que a recém-nascida deixasse o ambiente hospitalar e fosse acolhida em um lar até que uma família estivesse disposta a adotá-la. O filme não apenas narra uma história de amor e superação, mas também provoca reflexões profundas sobre inclusão, a luta contra preconceitos e a necessidade de uma mudança cultural que permita a todas as crianças, independentemente de suas condições, encontrarem um lar amoroso. 

Ao abordar as dificuldades enfrentadas por famílias não tradicionais e a importância de acolher a diversidade, a obra se torna um poderoso manifesto em defesa dos direitos das crianças e das novas configurações familiares. Além disso, a trajetória de Luca e Alba serve como inspiração, destacando que o amor pode se manifestar de maneiras inesperadas e que cada criança merece um lar repleto de carinho e apoio. O filme, assim, não só celebra essa relação singular, mas também incentiva o diálogo sobre as barreiras que ainda existem na sociedade, instigando uma reflexão sobre como todos podem contribuir para um mundo mais inclusivo e acolhedor.

O filme entrelaça temas relevantes como a diversidade LGBTQIAPN+ e a experiência de pessoas com síndrome de Down, explorando habilmente essas questões no enredo. Ele provoca reflexões profundas sobre o conceito de família e a forma como a sociedade interage com essas realidades, apresentando uma visão sensível e inclusiva que desafia estereótipos e promove a empatia.

O espectador desenvolve uma empatia significativa entre o protagonista Luca e sua filha adotiva, Alba. A relação entre esses dois personagens constitui o núcleo do filme, revelando os desafios inerentes à paternidade e à complexidade de enfrentar as barreiras impostas pelo sistema judicial. Essa dinâmica não apenas ilustra as dificuldades emocionais e sociais que cercam a adoção, mas também convida à reflexão sobre as limitações que a sociedade impõe a laços familiares não convencionais, ressaltando a necessidade de uma abordagem mais inclusiva e compreensiva por parte das instituições.

Nascida Para Você é mais do que uma simples narrativa sobre adoção; é um poderoso testemunho da luta por amor e aceitação em face de preconceitos arraigados. A trajetória de Luca e Alba não apenas toca o coração, mas também desafia o espectador a reconsiderar suas percepções sobre família, inclusão e a diversidade das experiências humanas. Ao destacar a jornada de um homem que se recusa a ser definido pelas normas sociais, provocando uma reflexão necessária sobre a capacidade da sociedade de acolher e celebrar laços familiares que fogem ao convencional. A obra é um convite à empatia e à mudança cultural, mostrando que, independentemente das circunstâncias, todo ser humano merece um lar cheio de amor e dignidade. Assim, o filme se estabelece como uma importante contribuição para o diálogo sobre inclusão e a redefinição do que significa ser uma família nos dias de hoje.

Autor:


Meu nome é João Pedro, sou estudante de Cinema e Audiovisual, ator em formação e crítico cinematográfico. Apaixonado pela sétima arte e pela cultura nerd, dedico meu tempo a explorar e analisar as nuances do cinema e do entretenimento.

segunda-feira, 28 de outubro de 2024

Terrifier 3 - Espectador como uma Simples Sanguessuga

Terrifier 3 | Cineverse

Terrifier 3 não tenta se reinventar em comparação com seus dois filmes anteriores, oque pode ter um lado bom e um lado não tão bom assim. Por conta de que para quem está indo pelo entretenimento proposto pela violência, vai apreciar o filme do mesmo jeito que os dois filmes anteriores. Mas, esse filme não tem tanta violência gráfica comparado com o segundo que tem cenas mais brutais graficamente. Mas mesmo que a obra carregue a violência que propõe desde o início, isso o torna satisfatório?

A obra tenta desenvolver uma história para uma final girl que tem carisma e tem um desenvolvimento básico, mas a obra em si não se sustenta com oque tem. Para aqueles que buscam o entretenimento na violência, o filme acaba caindo na mesmice dos outros dois filmes, mas com uma direção mais decidida a elaborar o lado cômico do Art o Palhaço. Lado cômico que é um dos pontos que fazem o filme ter algum diferencial dos outros dois. 

Mas o filme é basicamente uma resposta ao público que está lotando as salas de cinema para assistir essa continuação. O diretor não tenta se arriscar em sua proposta pelo fato de que já se tem a resposta do público de estarem interessados em mortes mirabolantes, e nada além disso. Algo que poucos vão se incomodar caso a violência não for o entretenimento  favorito do mesmo. 

Quando me retirei da sessão, observei muitos colegas de imprensa dizendo coisas como "O que faz uma pessoa pagar um ingresso para assistir só isso? Só violência." mas, com todo respeito aos queridos leitores: O que faz uma pessoa pagar ingresso para ver uma sequência de filmes de carros que voam? O que faz os espectadores pagarem mais e mais ingressos de um multiversos de super heróis (sem contar que a maioria dos filmes são de medíocres para pior)? Não seria algo plausível pessoas ficarem entretidas com um palhaço sádico sem uma linha de diálogo?

Acredito que a saga Terrifier é uma resposta justa aos novos espectadores, onde se vive uma geração que não vê mais interesse em cenas de sexo em séries e filmes, mas assistir um casal sendo cortado em vários pedaços é algo cômico. Não que oque eu digo seja uma novidade, ao longo da história da raça humana sempre houve registros de uma ligação forte entre a perversidade com o entretenimento e o divertimento banal humano. 

Mesmo o filme sendo uma jornada de salvação e recuperação da personagem Sienna Shaw, ela é só um pano de fundo para ter um porque do palhaço fazer tudo oque faz. O filme ainda tenta colocar elementos do terror sobrenatural para ter uma razão desse ser não morrer. Oque serve como um utensílio de alívio para o espectador que está interessado no que ele é capaz de fazer com o outro. Pois é isso que significa Terrifier, não é uma narrativa envolvente, não são plots inimagináveis, nem personagens marcantes. É puramente o desejo do espectador em apreciar e desafiar o diretor em "me mostre a violência que você sabe fazer de melhor." e o diretor acata. 

O espectador para a direção está em primeiro lugar, e o diretor não está interessado em desafiá-los ou questioná-los. Terrifier consegue mostrar a perfeita representação da indústria cinematográfica atual. Se o público quer ver isso, para que mudar oque está dando certo? Não existe uma aventura, nem mesmo uma causa de inquietude pós sessão, é uma piada idiota. Mas é uma piada idiota que dá dinheiro. Logo, Terrifier em sua essência funciona, em mostrar de forma direta que o espectador é só um ser sedento por sangue e que consegue encontrar algo prazeroso em cada morte que aparece. 

 TEXTO DE ADRIANO JABBOUR.

terça-feira, 1 de outubro de 2024

Coringa: Delírio a Dois - O Palhaço se afogando em sua própria loucura

Coringa: Delírio a Dois | WarnerBros. Pictures


Coringa: Delírio a Dois é a continuação do primeiro filme, lançado em 2019, contando a história de Arthur Fleck. Um comediante frustrado e que passou por uma sequência de abusos psicológicos e sexuais por sua mãe e ex companheiros, até o momento em que ele perde a cabeça e se transforma no símbolo do caos da cidade de Gotham. No segundo filme, conta a continuação de sua história 2 anos depois dos acontecimentos, tendo agora a personagem Lee, interpretada por Lady Gaga, que se torna sua parceira em suas loucuras enquanto acontece seu julgamento. 

O filme não tenta se distanciar esteticamente do primeiro filme, mesmo com as cenas musicais, a direção não tenta se desvincular completamente do que foi proposto na primeira obra. É necessário confirmar que o filme é realmente um musical, e essa escolha de narrativa em certos momentos faz certas conexões plausíveis a ver com o protagonista e todo seu contexto envolta. Porém, o filme se perde bastante em tentar desenvolver o protagonista que já conhecemos do primeiro filme.

Enquanto o primeiro filme faz uma conexão direta à clássicos como "Taxi Driver" e "O Rei da Comédia", ambos do diretor Martin Scorsese, o segundo continua com essa conexão no sentido estético, mas também se baseia no cinema americano musical dos anos 50 e 60, misturando com drama de tribunal. O resultado é como se Todd Phillips estivesse tentando se provar como um bom diretor em todas essas linguagens. Mas o espectador não está interessado em saber do que o diretor é capaz, e sim sobre oque vai ser do palhaço que começou o caos pulsante em Gotham. 

Joaquin Phoenix continua mostrando um bom trabalho, mas fica parado no mesmo Arthur Fleck do primeiro filme, seu desenvolvimento aqui se mostra pífio e sem caminhar para lugar algum. Enquanto Lee, interpretada pela Lady Gaga, é um dos pontos mais chamativos do filme. Não só pelo seu talento como cantora, mas sendo uma Arlequina diferente da proposta de ser uma figura como a das antigas animações e história em quadrinhos que mostram ela completamente obcecada e escrava do Coringa. Temos uma figura aqui tão caótica quanto o próprio Arthur Fleck e os outros coringas já mostrados em outros filmes. 

O filme tem muito menos violência do que o primeiro, pois Todd Phillips faz questão em mostrar que está mais interessado em dirigir os pensamentos do Coringa do que realmente acontece envolta dele. E a trilha sonora consegue se manter da mesma qualidade do primeiro filme, fazendo o espectador desejar muito mais ouvir a trilha de Hildur Guonadóttir do que os musicais propostos ao longo da narrativa. 

É necessário apontar o quão o primeiro filme faz críticas árduas sobre a falta de estrutura e investimento nas áreas ligadas à saúde mental nas grandes metrópoles, e como o segundo filme deixa isso completamente de lado. A potência do primeiro filme também era a de mostrar como o submundo dos Estados Unidos pode ser uma imensa fábrica de caos que se mantém quieta até um mártir aparecer. O segundo filme elabora isso apenas em seus últimos minutos, e de forma completamente desinteressada pela direção executada.  

Coringa: Delírio a Dois é uma continuação que se perde na própria loucura de Arthur Fleck, onde poderia ter adicionado muito mais camadas à história do rei do caos de Gotham, mas acaba sendo uma obra que não complementa oque foi apresentado no primeiro filme e coloca nosso protagonista de escanteio de uma forma amadora e desleixada. 

TEXTO DE ADRIANO JABBOUR.

terça-feira, 24 de setembro de 2024

9 : A Salvação - Animação Sombria e Reflexiva

9: A Salvação | Max

Em um mundo devastado pela ganância do homem, sobraram apenas máquinas e estranhos bonecos de tecido. 9 (Elijah Wood) desperta no laboratório de seu criador e, desorientado, deixa o local. Ele encontra 2 (Martin Landau), que o conserta para que possa também falar. Logo ambos são atacados por uma máquina, que leva 2 como prisioneiro. 9 encontra outros bonecos, que o levam para seu esconderijo. Lá ele conhece 1 (Christopher Plummer), líder dos bonecos, que prega que eles devam se esconder até que as máquinas deixem de funcionar. Só que 9 deseja resgatar 2 e tenta convencer outros bonecos a ajudá-lo em sua missão.

A direção é assinada por Shane Acker, que também dirigiu o curta-metragem homônimo no qual o longa foi baseado. A produção ficou a cargo de Tim Burton, cujo estilo único e inconfundível, marcado por uma combinação de elementos góticos e personagens excêntricos, já dispensa apresentações. O visual do filme carrega uma atmosfera melancólica e sombria, ambientada em um mundo devastado por uma guerra entre máquinas e humanos. Os protagonistas são bonecos de pano, conhecidos como stitchpunks, com um design incomum que mescla o orgânico e o mecânico. 

Esse tipo de personagem, peculiar e fora dos padrões convencionais, é uma característica recorrente nas obras de Burton. Embora a premissa envolva bonecos que ganham vida, semelhante ao que ocorre em Toy Story, a natureza dessa "vida" é distinta. Em 9, os bonecos recebem vida através de um cientista que sacrifica literalmente sua alma para animá-los, o que imprime à narrativa um tom mais sombrio e filosófico. Já em Toy Story, os brinquedos ganham vida de maneira mais lúdica, quando são manuseados por uma criança. Essa comparação não tem a intenção de sugerir que um filme seja superior ao outro, mas apenas destacar as diferenças de abordagem.

A atmosfera do filme é melancólica, tensa e, em diversos momentos, perturbadora, abordando temas como sobrevivência, sacrifício e a luta pela preservação da humanidade. O estilo visual é marcado por um tom sombrio e gótico, com cenários desolados e personagens que aparentam desgaste, sendo construídos a partir de materiais improvisados, como tecido e sucata. A paleta de cores, composta majoritariamente por tons apagados e terrosos, intensifica a sensação de um cenário apocalíptico.

A animação não é voltada para o público infantil, em virtude de sua narrativa sombria, temas complexos e forte carga emocional. O visual pós-apocalíptico, aliado a elementos perturbadores, pode não ser aconselhado para crianças.

O protagonista, 9, é uma figura curiosa e empática, movida pela busca por respostas e pelo desejo de proteger seus companheiros stitchpunks. Embora não almeje a liderança, ele acaba assumindo essa responsabilidade ao enfrentar os perigos de um mundo devastado, empenhando-se em preservar o legado da humanidade diante da ameaça das máquinas. É fácil estabelecer uma conexão com o personagem, apesar de ele cometer um erro grave ao despertar inadvertidamente uma criatura gigantesca, o que pode provocar frustração no espectador, especialmente devido à sua natureza excessivamente curiosa.

9 - A Salvação é uma animação injustiçada que se sobressai pela profundidade de seus temas. Seu tom sombrio e as reflexões filosóficas fazem dela uma obra subestimada, mas indispensável para aqueles que buscam uma narrativa animada direcionada ao público adulto.

Autor:


Meu nome é João Pedro, sou estudante de Cinema e Audiovisual, ator em formação e crítico cinematográfico. Apaixonado pela sétima arte e pela cultura nerd, dedico meu tempo a explorar e analisar as nuances do cinema e do entretenimento.

quarta-feira, 18 de setembro de 2024

O Desprezo - O Cinema como Espelho

O Desprezo | Les Films Concordia

O Desprezo (Le Mépris), é um drama francês de 1963, dirigido por Jean-Luc Godard, que explora a crise de um casamento, trabalhando em conjunto com uma releitura da Odisseia de Homero. Além disso, apresenta diferentes pontos de vista do cinema, arte e mercado, de forma que o diretor cria uma grande metalinguagem cinematográfica.

A Novelle Vague ou nova onda, foi um movimento francês, que tinha como um de seus pilares a quebra do clássico, para que novas formas de expressão surjam. “O desprezo” surge como um reflexo tardio e mais sofisticado da Novelle Vague, se utilizando muitos dos pilares cinematográficos do movimento, como a utilização de planos longos, ângulos não convencionais, entre outros. Para Godard, a originalidade do cinema está na forma com que o seu realizador manipula a câmera no intuito de moldar a realidade, portanto, a partir disso Godard cria uma reencenação/reinterpretação da Odisseia, porém, em outro formato, outro contexto e outro tempo, dessa forma Godard põe em evidência a evolução do cinema e da arte num geral, porque toda obra é sobretudo, fruto de seu tempo.

Nessa obra, o diretor se encontra mais maduro cinematograficamente falando, criticando diretamente a divisão e embate do cinema americano (evidenciado como um cinema mercadológico) e o cinema europeu (cinema verdadeiramente artístico). Vemos Fritz Lang, tanto atuando como sendo interpretado, como um clássico diretor europeu, sendo moldado por um produtor americano, deixando seu filme o mais americanizado possível, desenvolvendo um embate entre o cinema mercadológico e o cinema arte, essa dialética é evidenciada na barreira linguística que separa Fritz Lang, do produtor americano.

Sobretudo, é um filme sobre emoções, pessoas e a irracionalidade ao redor delas. O desprezo, que nomeia a obra, é sentido por Camille, maravilhosamente interpretada por Brigitte Bardot, em relação a seu marido, porém ele é mostrado de forma imediatista, de maneira bem colocada, pois apresenta os sentimentos como são em seu cerne, as vezes não existem explicações ou planejamentos. Não existem regras que oprimam as emoções.

Além disso, o filme a todo momento ensaia encerrar, e dessa forma Godard, nos demonstra que o antigo cinema precisa morrer para que um novo floresça. Godard, por muitas vezes, apresenta as estátuas neoclássicas, e o estado em que elas se encontram. Dessa forma, o cineasta francês nos mostra a decadência do cinema, sendo deixado de lado, assim como as estátuas, uma vez gloriosas.

Autor:


Me chamo Gabriel Zagallo, tenho 18 anos, atualmente estou cursando o 3º ano do ensino médio e tenho o sonho de me tornar jornalista, sou apaixonado por cinema e desejo me especializar nisso. Meus filmes favoritos são Stalker, Johnny Guitar, Paixão e Rio, 40 graus.


segunda-feira, 16 de setembro de 2024

Quando Eu Me Encontrar - A Presença da Ausência

Quando eu Me Encontrar | Embaúba Filmes

A partida de Dayane se desenrola na vida daqueles que ela deixou para trás. Sua mãe, Marluce, faz de tudo para não demonstrar o choque que a partida da filha lhe causou. A irmã mais nova de Dayane, Mariana, enfrenta alguns problemas na nova escola onde está estudando. Antônio, noivo de Dayane, se vê num vazio diante da partida dela e busca obsessivamente por respostas.Com base na sinopse, é evidente que o filme se concentra no desaparecimento da personagem Dayane. Enquanto a trama principal a apresenta como um personagem central ausente, o enredo também explora subtramas envolvendo sua irmã, mãe e noivo, oferecendo uma visão abrangente das consequências emocionais desse evento.

Notavelmente, Dayane não aparece no longa-metragem, nem mesmo em flashbacks ou imagens; sua voz é ouvida apenas na cena inicial, o que acentua a sensação de sua ausência. Esta abordagem cria um luto não relacionado à morte, mas à incerteza e ao vazio gerados pela falta de informações sobre o paradeiro de Dayane. A presença ausente de Dayane é constantemente perceptível na vida dos três personagens principais, promovendo uma reflexão profunda sobre o impacto do desaparecimento.

O filme adota o estilo Slice-of-life, conhecido por capturar a vida cotidiana de forma realista, mostrando experiências e emoções dos personagens de maneira íntima, permitindo uma conexão profunda e reflexiva com suas vidas diárias. Não só aproxima o público das experiências dos personagens, mas também destaca a persistência das dificuldades da vida, mesmo diante de uma crise pessoal. A forma como o filme mantém Dayane como uma figura ausente, mas constantemente presente, demonstra uma habilidade narrativa que envolve o espectador emocionalmente com a ausência e suas implicações.

A produção, portanto, não apenas explora a dor do desaparecimento, mas também oferece uma crítica sutil sobre como os indivíduos enfrentam a ausência e a incerteza. Marluce, que trabalha durante o dia em uma lanchonete e vende quitutes à noite, sente-se cada vez mais isolada em seus papéis de mulher, mãe e filha, especialmente após a perda de contato com sua mãe.

Mariana, sua irmã, enfrenta preconceito e exclusão na escola de classe média alta onde estuda. Antônio, vendedor em uma loja de calçados, vê o casamento como uma fuga das dificuldades diárias e guarda com esforço o enxoval em seu pequeno apartamento. O desaparecimento de Dayane provoca uma ruptura ou revela mais claramente as fragilidades em suas vidas.

Quando Eu Me encontrar retrata o luto do desaparecimento, explorando a profunda dor dos personagens, apresentando de forma realista as lutas diárias dos personagens e a persistência das adversidades. Convidando o espectador a refletir  sobre a resiliência humana e a complexidade do luto, oferecendo uma visão íntima e tocante das experiências de perda e superação.


Autor:


Meu nome é João Pedro, sou estudante de Cinema e Audiovisual, ator em formação e crítico cinematográfico. Apaixonado pela sétima arte e pela cultura nerd, dedico meu tempo a explorar e analisar as nuances do cinema e do entretenimento.

terça-feira, 3 de setembro de 2024

Os Fantasmas Ainda se Divertem: Beetlejuice Beetlejuice - Tim Burton se diverte em homenagear a si mesmo

 

Os Fantasmas Ainda se Divertem: Beetlejuice Beetlejuice | Warner Bros. Pictures 

Não é nada de novo a necessidade de Hollywood em fazer continuações, reboots e prequels para saciar a sede do público em nostalgia e conseguir conquistar bilheteria de forma prática e fácil. Na maioria das vezes, os filmes conseguem estragar o legado do que a obra original resultou em tal época, mas em certos casos os filmes conseguem entregar algo satisfatório ou até a frente do filme original. Beetlejuice Beetlejuice é uma continuação que se mantém na corda bamba. 

Beetlejuice Beetlejuice é uma sequência que tem a noção de que é uma história que acontece em 2024, mas que não esquece em nenhum momento a essência do filme clássico, oque funciona muito bem aqui. A narrativa não faz questão em simplesmente entregar os personagens da narrativa originária e satisfazer os fãs de forma simplória como muitas sequências fazem, Tim Burton faz questão de construir uma nova narrativa com novos rumos e novos personagens sem parecer em nenhum momento desleixado em sua proposta. 

Até mesmo o personagem Beetlejuice se encontra com novas piadas que funcionam, oque é um mérito não só do Michael Keaton(que é o elemento mais cativante do filme) mas de algumas escolhas certeiras da direção de Tim Burton. Elementos que vão do timing das piadas, até elementos musicais e estéticos. Sem contar que os efeitos práticos, a direção de arte e a maquiagem não servem apenas de utensílio nostálgico, mas conseguem cativar os espectadores de forma muito maior que o próprio filme clássico e tornam o filme um deleite para amantes da estética e dos efeitos dos filmes produzidos na década de 80. 

Então Beetlejuice Beetlejuice é tão bom quanto o primeiro filme? Por pouco o filme consegue isso, mas isso não acontece por algumas escolhas de narrativa e de número de personagens na trama. Para muitos que perceberam antes do filme ser lançado, o número de personagens ficou muito maior do que o filme original. 

William Dafoe como o ator morto Wolf Jackson serve como mais um alívio cômico do que para qualquer coisa para a obra, mesmo tendo sua presença, ele não é necessário ali. Monica Bellucci como Delores, ex-mulher de Beetlejuice, tem um grande potêncial para ser um elemento aterrorizante para Beetlejuice é descartada de qualquer jeito no final junto com o personagem Rory, feito pelo ator Justin Theroux. Rory ajuda a ser um fio condutor na narrativa na relação entre Lydia e Astrid, mas nada além disso, nem mesmo como alívio cômico. 

A jornada de Astrid com o personagem Jeremy consegue ser feita sem parecer algo invasivo na narrativa no geral, e consegue expandir um pouco esse submundo criado por Tim Burton. Além de dar ênfase aos conflitos de mãe e filha e entregar um resultado sem parecer piegas ou preguiçoso como poderia resultar de forma muito parecida com outras obras do próprio diretor. 

"Os Fantasmas Ainda se Divertem: Beetlejuice Beetlejuice" é um filme divertido que não se esquece de suas raízes e faz questão de abraçar o púbico amante do clássico e uma nova geração, é uma obra que consegue tirar boas risadas do espectador e ainda tem a capacidade de os colocar em imersão estética como o primeiro filme, mesmo se perdendo em seus excessos de caminhos narrativos. 

TEXTO DE ADRIANO JABBOUR.

quinta-feira, 22 de agosto de 2024

Long Legs: Vínculo Mortal - O Diabo está nas entrelinhas

Long Legs: Vínculo Mortal | Diamond Films
 
"Long Legs: Vínculo Mortal" conta a história de uma agente do FBI que começa a investigar assassinatos de famílias causados por um serial killer chamado Long Legs. Porém a agente Lee Harker começa a perceber que os casos envolvem elementos que vão muito além da compreensão humana, envolvendo até ela mesma. A direção e o roteiro foram feitos por Oz Perkins, tendo Nicolas Cage como Long Legs e Maika Monroe como agente Lee Harker.

A obra carrega um conjunto de referências principalmente ligadas ao terror europeu, trabalhando a ideia de um terror com uma atmosfera mórbida e esbranquiçada, além de ter um trabalho de som que consegue colocar o espectador em uma imersão sensorial, em conjunto com o trabalho de luz do filme, de forma efetiva. Transformando aquele espaço, mesmo quando não tem violência presente, em algo apático e vazio, quase como se fosse um limbo. 

Claro que é necessário apontar a efetividade dentro do trabalho de decupagem em conjunto com a montagem que conseguem entregar o ritmo certeiro para oque é proposto pela narrativa. Uma narrativa que parece se propor à quase que um thriller, mas na verdade foca em ser um filme de terror sobrenatural. Sendo esse um dos pontos que conseguem fisgar o espectador para a tela em querer saber qual que é o verdadeiro "mal" nessa história.

A direção de arte do filme em conjunto com o trabalho de iluminação dão a camada essencial que conecta ao roteiro onde quer propor que o "Mal" humano não funciona sozinho, esse "mal" é contagioso e pode parecer macabro em alguns momentos, mas pode aparecer como uma simples moça querendo dar um presente da igreja para alguém. O terror não está no sobrenatural em si, mas na sua presença quando ele sempre acontece. 

A forma que Perkins conduz a escolha dos planos com a narrativa é a principal chave que faz o filme funcionar. Ao mesmo tempo que os primeiros planos, os closes e os planos sequência em cima da agente Harker faz a gente entender que esse "Mal" está cercando ela em todo lugar, os planos gerais mostrando na maior parte do tempo a protagonista se locomovendo de carro pelas ruas e os bairros onde tudo ocorre faz o espectador se questionar sobre a frase que a Mãe da personagem protagonista fala durante uma ligação com a filha "- Você tem orado? Sabe que a oração nos protege dos demônios". Mas o espectador logo na introdução do filme consegue ver a contradição, não existe sinal de "Deus" naquele lugar. 

Necessário apontar o ótimo trabalho de atuação do Nicolas Cage como Long Legs e a evolução na atuação da atriz Maika Monroe que já é conhecida desde seu trabalho em A Corrente do Mal, de 2014. O trabalho de ambos no filme, mesmo sendo completamente antagônicos, conseguem trazer seriedade e perturbação sempre quando necessários, principalmente em Cage nos momentos que Long Legs dá pequenos surtos ao longo da narrativa em momentos pontuais. Picos emocionais que dão mais medo desse serial killer do que simplesmente algo gratuito. 

Long Legs: Vínculo Mortal não foca em ser um terror mostrando sanguinolência ou jumpscares de demônios e fantasmas aparecendo, é um terror sobrenatural que faz questão de lembrar que o "Mal" não funciona sem a humanidade. Não é o demônio que mata, mas aqueles que estão caminhando pelas calçadas, as vezes parecendo um louco completamente distorcido, um policial, ou uma enfermeira. O "Mal" se encontra nas entrelinhas, que estão escritas até mesmo nas nossas histórias. Histórias que as vezes só esquecemos, ou fazemos questão de esquecer. 

sábado, 17 de agosto de 2024

Janela Indiscreta - A relação do cinema com o Espectador.

Janela Indiscreta | Paramount 

 
Janela Indiscreta do diretor Albert Hitchcock foi o primeiro ponta pé para tantos outro filmes que vieram depois tendo o tema central o voyeurismo e o suspense por volta dele. O filme claramente é lembrado por essa marca que poucos conseguiram fazer algo do mesmo nível que o falecido diretor citado. Mas Janela Indiscreta é uma jornada que vai muito além de sua narrativa, sendo uma perfeita analogia sobre a relação do espectador com o filme. É possível enxergar isso nos seguintes trechos do filme: 

 Para começar, a introdução que equivale para o protagonista de forma igualitária a um espectador dentro de um cinema. Jeffries é um fotógrafo que se encontra enclausurado e sem poder sair do lugar por conta de sua perna quebrada, claramente não é idêntica a situação em comparação com o espectador. Porém o espectador, assim como Jeffries, entra em um espaço completamente fechado e cercado de cadeiras, as vezes ocupadas ou não, tendo apenas essa "janela" à nossa frente, onde queremos saber oque está acontecendo. Jeffries olha para o casal deitado na varanda e começa a rir quando cai a chuva e o casal se atrapalha para levar sua cama, entre outros pertences, de volta para o apartamento. O espectador ri junto com o protagonista. Jeffries se encanta com a sua vizinha da frente, que é uma bailarina que sempre está dançando e se aquecendo de um lado para o outro, e os espectadores compartilham do mesmo sentimento de encantamento pela beleza dessa personagem. 

Além desses dois vizinhos, tem muitos outros como recém casados, um músico, uma viúva e mesmo muito desses personagens não sendo cruciais para a obra, eles são essenciais para compreender o significado por trás das relaçôes humanas que acontecem nesse encontro de olhares entre espectador e tela. São tantas histórias para poder prestar atenção, mas Jeffries decide olhar atentamente para os vizinhos do segundo andar. O casal mais quieto, o menos expressivo, e o mais misterioso. O mais crucial é saber que Jeffries não viu seu vizinho matando sua mulher em nenhum momento, mas ele se negava a qualquer custo de acreditar na possibilidade de não ter acontecido exatamente oque ele acreditava. 

Hitchcock nesse momento enfatiza a necessidade do ser humano fantasiar algo que não se expressa, não fala, não se comunica. O ato de não pensar sobre esse casal quando a mulher não está mais presente no apartamento, é sufocante. Hitchcock faz em seu cinema o equivalente a alguém te segurar pelo pescoço e te obrigar a assistir algo gritando em seu ouvido "tem algo de muito errado ali e você precisa saber oque é" e na maioria das vezes, o espectador comum pode ser como o Detetive. O Detetive faz questão de sempre arrumar uma resposta para Jeffries, da mesma forma que um artista jamais deve tratar o seu espectador de acordo com Hitchcock.

Qual o sentido de entregar a resposta ao espectador? Qual a graça? E supondo que o Sr.Thorwald não tenha mesmo matado a esposa, não posso me permitir em fantasiá-lo como um assassino? O ato de fantasiar e imaginar é de extrema necessidade no cinema de Hitchcock e para muitos outros artistas. Mesmo que Sr. Thorwald não fosse o assassino, o filme continuaria a funcionar pelo simples fato de que Hitchcock consegue fazer o espectador sentisse sobre o personagem protagonista. Hitchcock nos faz fantasiar o mesmo. Mas a pergunta continua: oque isso tem a ver com o espectador dentro da sala de cinema? 

O que é o diretor(a) se não uma pessoa que te convida para um mundo de fantasia? Obviamente, nenhum espectador com mínimo de noção sobre a realidade vai buscar a Verdade Absoluta numa sala de cinema. E se tem aqueles que buscam, coitados. Vão ver a vida sempre como uma repetição de frustrações. E Hitchcock sabe disso ao fazer o espectador não tirar o olho da tela para saber oque aconteceu, mesmo se a resposta for ordinária. 

É necessário enfatizar a cena em que Jeffrie e sua namorada, Lisa, estão olhando a viúva com um novo pretendente quase chegando ao ato sexual. Na casa da viúva, o casal acaba discutindo e o jovem se retira de seu apartamento. Jeffrie, nesse momento, começa a pensar se oque ele realmente está pensando no que aconteceu seria apenas imaginação por estar tanto tempo preso em seu apartamento por conta da perna quebrada. Algo que acontece da mesma maneira com o espectador na sala de cinema, quando o espectador assiste uma obra e começa a refletir sobre si mesmo em meio a narrativa que ocorre à sua frente. 

Não chega a ser um desinteresse sobre a obra, mas um convite do inconsciente de volta para dentro de si, sem perder aquilo que acontece à sua volta. Pela lógica, Janela Indiscreta não é apenas um filme de suspense em cima do voyeurismo, mas a representação quase perfeita da relação sentimental entre espectador e obra. Uma incógnita linda e aterrorizante ao mesmo tempo.

TEXTO DE ADRIANO JABBOUR.

Sting: Aranha Assassina - Quando o Terror Se Perde em Tentativas de Humor e Drama Familiar

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