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segunda-feira, 25 de agosto de 2025

Anônimo 2 (2025) - Recalcula a rota

Anônimo 2 | Universal Pictures


Nem todos os filmes são considerados de primeira classe e está tudo bem. Nós, como espectadores, precisamos ver filmes B para distrair a cabeça ou ajudar na nossa dissociação diária. E tal como os filmes prestigiados, filmes B, seja de qualquer gênero narrativo, tem o seu valor. Porém o maior pecado que pode acometer uma produção desse porte é uma crise de identidade. Esse foi o caso do primeiro filme da franquia Anônimo, estrelado por Bob Odenkirk.

O longa-metragem foi lançado em 2021, durante o período de reabertura dos cinemas por causa da Covid-19. A produção tem o dedo da 87North, a mesma produtora da franquia John Wick: Derek Kolstad assina o roteiro e David Leitch, junto com Odenkirk, assume o cargo de produtor.

A premissa é clara. Um zé ninguém vive sua vidinha pacata junto de sua rotina entediante. Ele está preso em um ciclo sem fim. Quando um roubo acontece em sua casa e todos o veem como um pateta, esse mesmo homem acaba se envolvendo, em episódio de raiva, numa briga com um bando de jovens russos arruaceiros dentro de um ônibus. A partir desse ponto, nós, enquanto audiência, descobrimos que ele é um ex-agente e assassino da CIA com “habilidades especiais” e um dos jovens, que fica gravemente ferido, é o filho de um chefão da máfia. E esse mafioso vai querer retribuir o favor…

Se fizermos um exercício de memória coletiva e lembrarmos da sinopse do primeiro filme de John Wick, a premissa é quase idêntica.  Porém, ao invés do viúvo atlético de Reeves, temos a personagem de Bob Odenkirk, que é tratado pelo filme como um homem emasculado; principalmente pela sua esposa, que assume um papel mais ativo na família: há um plano muito específico no início do filme que marca essa posição de superioridade e inferioridade entre o casal. No entanto, apesar de ser bastante direto ao ponto, o roteiro de Kolstad se demonstra muito empobrecido de nuance com suas personagens. Quer tocar em uma psicanálise que nunca chega ao ponto que deseja. E a direção não ajuda muito com tom frio e seco, diminuindo o humor e a ironia presente no trabalho do roteirista. 

O primeiro filme tinha alguns planos e sequências interessantes, mas flertava com a cultura incel e deixou um gosto reacionário, bem amargo na boca. Era um lado B de John Wick, mas sisudo, sem o olhar que eleva a franquia rival. Mas, para a felicidade de todes envolvides, a produção foi bem de crítica e de público e Bob Odenkirk tinha agora uma franquia de ação para chamar de sua. E quatro anos após, veio a sequência do longa de 2021.

Dirigido por Timo Tjahjanto, Anônimo 2 (2025) acompanha Hutch Mansell (Bob Odenkirk), após voltar a trabalhar como assassino profissional, em sua nova rotina. Seu retorno à essa linha de trabalho se dá pela dívida que contraiu do submundo no episódio anterior. Ele e sua esposa, Becca (Connie Nielsen), estão sobrecarregados e a distância que havia entre eles voltou e está os separando novamente. 

Ao sentir que o seio familiar está cada vez mais desunido, Hutch decide levar a família toda a uma cidadezinha, em que há um parque temático, para uma pequena viagem de férias. É um local em que ele teve ótimas lembranças com o pai (Christopher Lloyd) e o irmão (RZA). No entanto, quando um encontro trivial com valentões locais, Hutch coloca a família na mira do dono do parque (John Ortiz), um xerife corrupto (Colin Hanks), e uma chefe do crime (Sharon Stone).

Se o primeiro filme é uma criação de uma nova franquia de ação, este segundo serve mais para fazer a manutenção das ideias do que expandir a narrativa à diante. O roteiro de Kolstad, que retorna para o projeto, usa da fórmula da obra anterior de novo: rotina incansável, relação entre Hutch e Becca instável, um evento que quebra a rotina da família, Hutch se envolve em um conflito violento, os antagonistas vão atrás do assassino em um vai-e-volta que culminará em um combate final à la “Esqueceram de Mim”...

Porém, com o tempo vem a sabedoria. Kolstad consegue, mesmo dentro de sua idiossincrasia já estabelecida, recalcular a rota. Aqui, temos uma narrativa que emula as tramas clássicas de filmes de ação dos anos 80 e 90, como a de um forasteiro que acaba criando uma rusga com os valentões de uma cidade do interior; e abraça um viés absurdista de sua situação, dando tanto ênfase no humor quanto nos momentos de ação. Se essa qualidade estava nas entrelinhas do anterior, aqui está mais explícito.  O mundo masculino desse universo tem sua expressão carrancuda transformada em uma paródia de si. Tal mudança de tom é bem-vinda, já que se trata de uma fantasia cheia testosterona com requintes de violência e crueldade e seu herói, uma figura altamente capaz, porém, ao mesmo tempo, patética.

Tjahjanto, ao contrário de Ilya Naishuller, diretor do primeiro filme, abraça o lado galhofa da narrativa e não tem medo do filme ser considerado straight camp por parte dos espectadores. Além disso, a decupagem das cenas de ação é fluída, como sangue, e de forma mais consistente. O diretor consegue imitar o jogo de planos e os movimentos de câmera que são parte essencial de filmes de ação como a já mencionada franquia John Wick, pois põe em evidência o trabalho de performance dos dublês da produção. Lembrem-se que, antes de se tornar diretor, David Leitch era coordenador de dublês em várias produções de Hollywood, e claro que, em uma produção dele, não poderia faltar um competente trabalho neste quesito.

Os filmes da franquia Anônimo, em seu âmago, servem para catapultar Bob Odenkirk, ator cômico e dramático, como um astro do cinema de ação. Aos 62 anos, o ator demonstra, em ambos os longas, uma agilidade e condicionamento físico bastante disciplinado. Neste novo capítulo, o Hutch de Odenkirk está, de fato, completamente humanizado, admite que tem problemas de raiva, apesar do filme tratá-lo como uma máquina de matar; muito diferente da personagem mecanizada que havíamos conhecido anteriormente, mas tão vigoroso quanto outrora.

Christopher Lloyd e RZA, que fizeram pontas no longa de 2021, respectivamente, como pai e irmão de Hutch, voltam para esta nova parte e roubam a cena nos momentos em que aparecem. Já a personagem de Connie Nielsen é mais explorada aqui e possui uma agência maior do que no longa anterior. O relacionamento dela com Hutch se torna parte central da narrativa, pois  o desgaste de seu relacionamento é mútuo, e não mais unilateral. Eles estão na mesma posição, em lados espectros. Nielsen já havia expressado anteriormente que gostaria de revisitar e desenvolver a sua Becca e, aqui, ela consegue fazer isso.

Do novo elenco, destaco dois personagens: o xerife de Colin Hanks, uma pessoa mesquinha e de má índole, que antagoniza com Hutch logo à primeira vista. Tal antagonismo possuí (na minha leitura) um queer coding do modo em que os planos são decupados, os olhares perdidos, a agressividade hiper-masculina e irracional, a posição de figuras fálicas entre as personagens: o tipo de performance de gênero que dá volta e ganha outras conotações. 

E a mafiosa Lendina de Sharon Stone, que parece estar se divertindo em tela. Uma personagem deliciosamente camp: expansiva, debochada, desnecessariamente cruel e de vez em quando fica dançando e dissociando do absoluto nada. Ela manipula o dono do parque (que por algum motivo narrativo também o prefeito da cidade) a fazer parte de seu esquema de contrabando. A razão para isso? Porque ela gosta. Faz sentido? Não; mas quem se importa a esse ponto? Mesmo com o pouco tempo de tela, Stone tem o carisma para vender a ideia de sua personagem em segundos.

Apesar da produção deste longa-metragem ter feito a escolha segura e sem sair muito de sua zona de conforto, sem nenhum desenvolvimento de universo, o ângulo de sua mira é um pouco diferente, e talvez para melhor. Ao assumir a identidade de um filme B de ação, Anônimo 2 torna-se um filme divertido de se assistir, sem pretensões que o traía a longo prazo. Agora, pelo menos, é um filme com personalidade. Não se preocupe, o Hutch não vai atrás de você e queimar seu dinheiro, se discordar dessa opinião.


  Autor:
                                  

Eduardo Cardoso é natural do Rio de Janeiro, Cidade Maravilhosa. Cardoso é graduado em Letras pela Universidade Federal Fluminense e mestre em Estudos de Linguagem na mesma instituição, ao investigar a relação entre a tragédia clássica com a filmografia de Yorgos Lanthimos. Também é escritor, tradutor e realizador queer. Durante a pandemia, trabalhou no projeto pessoal de tradução poética intitulado "Traduzindo Poesia Vozes Queer", com divulgação nas minhas redes sociais. E dirigiu, em 2025, seu primeiro curta-metragem, intitulado "atopos". Além disso, é viciado no letterboxd.

segunda-feira, 18 de agosto de 2025

Os Caras Malvados 2 - Redenção difícil, zoeira garantida.

Os Caras Malvados 2 | Universal Pictures

Os Caras Malvados estão lutando para encontrar confiança e aceitação em suas novas vidas como mocinhos quando são retirados da aposentadoria e forçados a fazer “um último trabalho” por um esquadrão do crime composto apenas por mulheres.

No filme anterior, o grupo principal era rotulado como malvado principalmente por conta do preconceito que sofriam por serem animais considerados naturalmente selvagens, perigosos e, portanto, indesejados pela sociedade. Essa marginalização os empurrou para uma vida criminosa, já que, independentemente de suas intenções, eles nunca foram verdadeiramente aceitos ou compreendidos. No entanto, mesmo após sua redenção e os esforços genuínos para se tornarem heróis e fazerem o bem, Os Caras Malvados 2 mostra que a sociedade ainda não está pronta para perdoar ou esquecer o passado deles. A desconfiança persiste, revelando que mudar quem você é por dentro nem sempre é o suficiente quando o mundo ao seu redor continua preso a estigmas e julgamentos antigos. Esse conflito reforça a mensagem de que, muitas vezes, a maior batalha não é contra vilões ou obstáculos externos, mas contra os preconceitos profundamente enraizados nas estruturas sociais.

Esse filme é outro exemplo de sequência que supera seu antecessor, elevando tanto o humor quanto a profundidade emocional dos personagens. Os Caras Malvados 2 mergulha mais fundo nos dilemas internos do grupo, mostrando como cada um lida com a tentação de retornar à antiga vida de crimes enquanto tenta se manter no caminho da redenção. O filme traz o humor ousado característico da DreamWorks, como já vimos em Shrek, por exemplo, na cena em que Shrek chega a Duloc, repara no tamanho da torre do Lorde Farquaad e faz uma piada insinuando que ele estaria tentando compensar alguma coisa. Em Os Caras Malvados 2, o tom é semelhante, especialmente na relação entre o Sr. Cobra e a Sina (ou Susan). Apesar de serem espécies diferentes — algo recorrente nos filmes do estúdio, como o romance entre Melman, a girafa, e Glória, o hipopótamo, em Madagascar — aqui a parceria romântica é entre uma cobra e uma ave. Uma das cenas que melhor exemplifica esse humor mais ousado é os dois se beijando de forma exagerada, com o Sr. Cobra envolvendo totalmente o bico dela com a boca. Em outro momento, durante uma missão em que estão invadindo um cofre, os dois se comunicam por rádio, e o Sr. Cobra faz uma piada com duplo sentido sobre "arrombar o cofre". A conversa acaba sendo ouvida pelo Sr. Piranha, que, chocado, interrompe e pergunta se eles estão mesmo falando do cofre. Enquanto o primeiro filme foi bem mais tímido com esse tipo de piada, aqui os roteiristas se mostraram claramente mais à vontade para ousar — e o resultado é um humor mais afiado, provocativo e divertido.

Aqui, a animação traz bem mais cenas de ação, ao contrário do primeiro filme, que, embora tivesse sequências incríveis — como a cena inicial dos Caras Malvados fugindo da polícia e a da Diane na prisão derrubando os guardas —, apresentava poucas cenas desse tipo. Já nesta continuação, a ação ganha muito mais espaço. Logo no início, há uma sequência ambientada anos antes, quando o grupo ainda era do mal, durante um roubo eletrizante. Além disso, destaca-se a cena da luta livre, em que eles tentam impedir o roubo de um cinturão, trazendo ritmo e intensidade à trama.

A animação continua sendo um verdadeiro espetáculo visual, mantendo a estilosa mistura de 2D com 3D. Há momentos de humor visual bem marcantes, como, por exemplo, quando um dos personagens, em completo desespero, aparece gritando com uma expressão exagerada — totalmente em 2D —, criando um contraste cômico e expressivo com o restante da cena.

Os Caras Malvados 2 consegue ir além do que se espera de uma continuação, entregando um filme que é ao mesmo tempo mais ousado, mais engraçado e mais profundo que o original. Ele não apenas expande o universo e desenvolve ainda mais os personagens, como também reforça temas relevantes sobre identidade, preconceito e aceitação. Com uma animação vibrante, cenas de ação mais intensas e um humor afiado que não tem medo de brincar com os limites, o filme mostra que é possível evoluir sem perder o charme do que veio antes. Seja pela estética marcante, pelas relações inusitadas entre os personagens ou pela crítica social embutida na trama, essa sequência prova que os "caras malvados" ainda têm muito a dizer — e fazer — no mundo dos heróis improváveis. 

Autor:


Meu nome é João Pedro, sou estudante de Cinema e Audiovisual, ator e crítico cinematográfico. Apaixonado pela sétima arte e pela cultura nerd, dedico meu tempo a explorar e analisar as nuances do cinema e do entretenimento.

sexta-feira, 4 de julho de 2025

Jurassic World: Recomeço - Recomeço? Parece Mais um Replay Mal Programado

Jurassic World: Recomeço | Universal Pictures

Agentes habilidosos são enviados a uma instalação de pesquisa em uma ilha para recuperar DNA capaz de salvar espécies de dinossauros. Conforme a missão ultrassecreta se torna cada vez mais perigosa, eles acabam descobrindo um segredo sinistro que tem sido escondido do mundo por décadas.

A consagrada saga Jurassic Park deveria ter terminado no terceiro filme. Porém, buscando lucrar com a nostalgia, lançaram Jurassic World em 2015. O filme até consegue ser divertido e traz uma ideia interessante, mas sua execução deixa a desejar. Em 2018, veio a continuação, que, sinceramente, não me agradou. Já em 2022, foi lançado o terceiro filme dessa nova trilogia, que eu, honestamente, odiei — conseguiu ser o pior da franquia. E agora, em 2025, para espremer até a última gota da nostalgia, decidiram lançar mais um filme da franquia. Porque, claro, nada grita “inovação” como mais do mesmo: dinossauros correndo em CGI que já cansam desde os anos 90. Mesmo que a recepção seja negativa, é quase certo que o filme terá um bom desempenho nas bilheterias.

O filme começa em um laboratório, onde tudo dá absurdamente errado por causa de um inocente saco de doces que um funcionário distraído estava comendo — cena digna de Premonição. É aquele tipo de momento que já sinaliza o descuido com a lógica interna da história, uma brecha que poderia ter sido evitada com um mínimo de atenção ao roteiro. A partir daí, o caos é inevitável e se espalha rapidamente, como uma bola de neve desgovernada. Na sequência, o roteiro entra no piloto automático clássico da franquia: um milionário excêntrico aparece com seus planos duvidosos e motivações ambíguas, montando uma expedição que mais parece uma armadilha para os protagonistas. E, claro, não poderia faltar a inserção de crianças — porque, afinal, é um dos clichês mais batidos do gênero, um artifício para aumentar o apelo familiar, mesmo que não faça sentido no contexto da história.

Com a proposta de apresentar animais mutantes, o filme quase não mostra essas criaturas — e, quando aparecem, mal sabem o que fazer com elas. Até a ‘grande ameaça’ da vez, o temido D-Rex, parece ter saído de um brainstorm apressado, servindo apenas como figurante de vilão.

Em 2015, Jurassic World já admitia que o público aparentemente não se interessava mais por dinossauros “puros”, então decidiram inventar híbridos genéticos para tentar reanimar a atenção e o entusiasmo do público. A ideia até tinha potencial para explorar questões éticas sobre manipulação genética e os perigos da ciência descontrolada, mas, no final das contas, serviu apenas como um artifício para criar monstros maiores, mais assustadores e visualmente chamativos. Já em Recomeço, o discurso se repete como uma sombra cansada — o filme tenta se apresentar como uma “reinvenção”, mas acaba tropeçando nas mesmas ideias recicladas. O curioso (ou curioso só para quem presta atenção) é que o tal híbrido que desencadeia toda a confusão da trama foi criado muito antes do parque sequer existir, o que contradiz diretamente tudo que foi estabelecido nos filmes anteriores. Essa desconexão mostra o descuido com a coerência interna da saga e a prioridade clara em criar cenas de ação e monstros para impressionar o público, em vez de construir uma narrativa sólida. Mas, afinal, quem liga para lógica quando se tem um T-Rex estampando o pôster? O que importa é o espetáculo visual e o apelo nostálgico — o resto fica para segundo plano.

Jurassic World: Recomeço parece mais uma tentativa desesperada de lucrar com o que já foi sucesso do que um esforço genuíno de inovar ou respeitar a história que conquistou tantas gerações. Entre furos de roteiro, clichês reciclados e dinossauros mal aproveitados, fica a sensação de que estamos diante de uma franquia que perdeu o rumo — e que talvez já devesse ter ficado no passado, onde seu legado realmente brilha. Mas, enquanto houver nostalgia (e dinheiro) para ser explorado, os dinossauros vão continuar correndo, mesmo que a corrida não faça mais muito sentido.

Autor:


Meu nome é João Pedro, sou estudante de Cinema e Audiovisual, ator e crítico cinematográfico. Apaixonado pela sétima arte e pela cultura nerd, dedico meu tempo a explorar e analisar as nuances do cinema e do entretenimento.

terça-feira, 1 de julho de 2025

M3GAN 2.0 - O terror foi embora, mas o caos e o sarcasmo ficaram

M3GAN 2.0 | Universal Pictures



Uma arma robótica de nível militar conhecida como Amelia torna-se cada vez mais autoconsciente e perigosa para a raça humana. Na esperança de detê-la, Gemma decide ressuscitar M3GAN, tornando-a mais rápida, forte e letal.

Diferente do filme anterior, que seguia uma linha mais voltada ao terror psicológico e remetia a produções como Chucky, mas com uma roupagem moderna centrada em uma boneca robótica, M3GAN 2.0 adota uma abordagem mais inclinada à ação. A transição de gênero é evidente desde os primeiros minutos, com uma estrutura narrativa que prioriza cenas dinâmicas, confrontos intensos e uma protagonista ainda mais letal e autônoma. Apesar dessa mudança de tom, o longa não abandona completamente suas raízes. 

Elementos do suspense e do horror tecnológico continuam presentes, especialmente na forma como a inteligência artificial é tratada como uma ameaça imprevisível. A ambientação, por sua vez, permanece no mesmo universo high-tech do primeiro filme, com laboratórios futuristas, dispositivos inteligentes e dilemas éticos sobre o avanço da tecnologia. O longa  pode até trocar o clima de horror por uma narrativa mais explosiva e movimentada, mas ainda carrega, em sua essência, as mesmas provocações sobre o controle da tecnologia e os limites da criação humana. Trata-se, portanto, de uma evolução do conceito original, que busca explorar novos caminhos sem perder totalmente sua identidade.

Dessa vez, a ameaça não vem de M3GAN, mas de uma nova boneca assassina: Amelia, uma criação ainda mais avançada e instável, cuja inteligência artificial representa um perigo iminente para a humanidade. Diante dessa nova ameaça, Gemma, a engenheira responsável por criar M3GAN no primeiro filme, decide reativar sua antiga criação como último recurso. A grande sacada da trama está justamente na maneira como ela reposiciona M3GAN, não mais como vilã principal, mas como uma espécie de anti-heroína. Essa mudança de eixo narrativo dá à personagem camadas mais complexas, promovendo uma dualidade interessante entre o que ela representa como máquina e as emoções quase humanas que demonstra. Longe de ser uma simples repetição do longa original — algo bastante comum em continuações dentro do subgênero slasher — M3GAN 2.0 busca romper com a previsibilidade e expandir sua mitologia de maneira criativa e funcional. A sequência, portanto, não se limita a ser um produto derivado, mas se firma como uma continuação com identidade própria, capaz de abrir espaço para futuras explorações nesse universo tecnológico sombrio.

Mas isso não significa que eu tenha gostado do filme. Pode até ser superior ao seu antecessor em termos de escala e ousadia, mas ainda assim não considero um bom longa. O roteiro, por mais absurdo que seja em diversos momentos, parece existir apenas como uma desculpa para colocar M3GAN no centro das atenções. A trama não se preocupa em desenvolver uma narrativa sólida ou coerente, e sim em criar situações que sirvam de vitrine para a boneca fazer o que o público já espera: instaurar o caos, provocar desconfiança entre os personagens e, claro, roubar a cena com seu carisma sarcástico e seus maneirismos peculiares. Cada aparição de M3GAN é meticulosamente construída para exibir sua personalidade híbrida — ao mesmo tempo ameaçadora e divertida. Seja pelo olhar calculado, pelas falas afiadas ou pelas ações imprevisíveis, ela domina a tela com uma presença quase magnética. O filme sabe disso e aposta tudo nela, deixando o enredo em segundo plano.

M3GAN 2.0 aposta numa abordagem mais voltada para a ação e destaca o carisma da boneca, que continua sendo o principal atrativo do filme. No entanto, o roteiro deixa a desejar, apresentando uma narrativa que prioriza cenas impactantes e momentos de espetáculo, em vez de um desenvolvimento mais sólido dos personagens e da história. Apesar dessas falhas, o longa consegue entreter, especialmente para quem já conhece e gosta da personagem. Ainda assim, fica claro que, embora superior em alguns aspectos ao primeiro filme, M3GAN 2.0 não consegue se firmar como uma sequência memorável ou que realmente expanda o universo de forma consistente.

Autor:


Meu nome é João Pedro, sou estudante de Cinema e Audiovisual, ator e crítico cinematográfico. Apaixonado pela sétima arte e pela cultura nerd, dedico meu tempo a explorar e analisar as nuances do cinema e do entretenimento.

segunda-feira, 12 de maio de 2025

Ouija: Origem do Mal - O feitiço virou contra o feiticeiro

Ouija: Origem do Mal | Universal Pictures


Quando se trata de horror sobrenatural, é quase impossível não pensar em Mike Flanagan, responsável por títulos como A Maldição da Residência Hill (2018), A Maldição da Mansão Bly (2020) e, mais recentemente, a adaptação do clássico conto de Edgar Allan Poe, A Queda da Casa Usher (2023). Apesar de todos esses sucessos, o filme que irei analisar hoje é anterior à concepção desses projetos. Com direção, roteiro e montagem de Mike Flanagan, trago Ouija: Origem do Mal (2016).

O longa inicia-se nos apresentando a Alice Zander (Elizabeth Reaser), uma vidente que realiza uma sessão com um pai e sua filha em busca de contato com a falecida mãe da garota, esta, mais cética que o pai. A sessão é interrompida por algo que, à primeira vista, parece ser a manifestação de uma entidade. No entanto, logo após a saída dos clientes, descobrimos que todos os eventos sobrenaturais não passavam de uma encenação elaborada por Alice e suas filhas, Paulina Zander (Annalise Basso) e Doris Zander (Lulu Wilson), a caçula. Esta é a forma que a mãe encontrou de sustentar a família após a morte do patriarca. Essa introdução é muito eficaz, pois gera tensão logo nos primeiros minutos, quebra expectativas e apresenta a história e os personagens de maneira instigante e inusitada.

Por algum tempo, o filme foca em mostrar a relação entre mãe e filhas, sua rotina e como a ausência do pai afeta essa dinâmica, gerando uma conexão emocional entre o espectador e os dramas da família. A trama toma rumos ainda mais interessantes quando, em uma festa, Paulina tem contato com um tabuleiro Ouija. Apesar da expectativa de algo imediato, Flanagan brinca novamente com a ansiedade do espectador, distribuindo pistas sem revelar o destino da narrativa. Durante o jogo, nada acontece, mas logo em seguida vemos Doris sofrendo bullying na escola por conta do trabalho da mãe. Na sequência, Alice compra um tabuleiro Ouija. Essa ordem de eventos não é aleatória: a montagem brinca com a percepção do espectador e conecta os elementos de forma tão sutil que pode passar despercebida por olhos menos atentos.

À medida que o filme avança, Alice tenta interagir com o tabuleiro, sem sucesso. No entanto, vemos que a manifestação ocorre através de Doris, que está no quarto com Paulina. Até então, tudo bem, mas as coisas tomam um rumo mais bizarro quando a caçula afirma conseguir se comunicar com o pai. A partir daí, eventos estranhos e não manipulados começam a assombrar a rotina da família Zander. O que antes parecia um milagre passa a se revelar como uma possível maldição.

Quanto aos aspectos técnicos, é até difícil separá-los, já que Flanagan assina três funções fundamentais. Mas vale destacar os demais elementos, e não menos importantes. A direção de fotografia, assinada por Michael Fimognari, provoca curiosidade e apreensão ao manter o foco fixo em pontos específicos do cenário, estimulando o olhar de quem assiste, para depois usar luz e sombra como instrumentos de sugestão paranormal. Além disso, a câmera muitas vezes mostra simultaneamente o que acontece em primeiro e segundo plano, ampliando a tensão. Já o design de produção, assinado por David Yost, contribui muito para a imersão no universo do filme. A ambientação reproduz com eficácia a época em que a história se passa, que, embora nunca seja declarada abertamente, fica evidente através do figurino e decoração tratar-se de um período remoto. A casa, sombria e opressiva, transmite uma sensação constante de desconforto e confinamento, elementos que ajudam a reforçar a atmosfera de terror.

Em resumo, Ouija: Origem do Mal é um filme que cumpre com todos os requisitos técnicos e apresenta uma direção extremamente inspirada. Arrisco dizer que serviu de ensaio para os futuros trabalhos de Flanagan. É fato que a história em si não é inovadora, mas a maneira como ela é contada dá um toque especial ao que poderia ser apenas mais um filme genérico. As atuações são competentes: Elizabeth Reaser dá vida a uma mãe que ainda não superou o luto pela perda do marido — sua performance pode não ser repleta de nuances, mas tampouco prejudica a narrativa. Annalise Basso interpreta uma irmã mais velha que tenta viver sua puberdade enquanto lida com o próprio luto, os atritos com a mãe e a preocupação com a irmã mais nova; sua personagem, por vezes mimada, pode soar irritante. Já Lulu Wilson, apesar da pouca idade, rouba a cena: sua Doris é doce e misteriosa, despertando empatia no público ao mesmo tempo em que insinua algo inquietante por trás de sua figura inocente.

O filme entrega o que promete, e talvez até um pouco mais, com um plot twist que, embora não fosse necessário, desperta a curiosidade sobre o que virá a seguir. Em termos de qualidade, Ouija: Origem do Mal é uma obra ousada, que não deve nada ao seu antecessor Ouija: O Jogo dos Espíritos (2014) e que pode ser uma ótima escolha para quem está em busca de um bom terror sobrenatural.


Autor:


Mateus José é graduando de Licenciatura em Cinema e Audiovisual pela UFF, escritor, poeta, montador e aspirante a diretor de fotografia. Apaixonado pelas artes, literatura, música e principalmente o cinema, dedica-se a consumir, estudar e dissecar as camadas mais profundas do cinema e da arte.

quinta-feira, 3 de abril de 2025

Código Preto - Novos Filmes sobre Espionagem são sempre Bem-vindos

Código Preto | Universal Studios


Novos filmes sobre espionagem são sempre bem-vindos. O estilo, que se reinventa a cada obra, não se resume apenas a “007”, “Missão Impossível”, Hitchcock, e afins. Vemos uma gama intensa, atualmente, de longas-metragens que trazem novidades para a categoria que, se não cuidada primorosamente, pode soar piegas. “Código Preto”, de Steven Soderbergh, lançado há pouco tempo, é um dos exemplos de thrillers que mais acrescentam do que reduzem.

George (Michael Fassbender) é um espião casado com Kathryn (Cate Blanchett). Em um matrimônio tranquilo e cheio de carinho, ambos mantém seus próprios segredos, visto que a mulher atua na mesma profissão. Entretanto, quando George se vê diante da tarefa de descobrir um traidor e delator inserido em seu meio de trabalho, Kathryn é uma das principais suspeitas. Não apenas ela; alguém próximo foi responsável por vazar informações importantes destinadas apenas à inteligência. Resta, então, adentrar em um jogo de gato e rato sofisticado, eloquente e até divertido aos olhos dos demais.

Em “Código Preto”, é necessário paciência. Enquanto as camadas dos personagens se desdobram, o espectador é conduzido através de cenas longas, focadas somente nos diálogos afiados e duvidosos, amarradas por uma tensão constante. Junto de Kathryn e George, outros possíveis criminosos são apresentados, como a psicóloga Zoe (Naomie Harris), o companheiro de profissão do casal, James (Regé-Jean Page), e a jovem Clarissa (Marisa Abela). A princípio, ninguém é confiável, e a cautela apresentada nas cenas, a exemplo de uma ambientada no jantar frequentado pelos suspeitos, reverbera o clima de questionamento, procurando instigar cada vez mais o público.


Andando ao lado da atividade de detetive impregnada em George, existe seu casamento com Kathryn. Fassbender e Blanchett, aqui, exibem uma dupla apaixonada tanto por seu parceiro quanto por seus mistérios, não abrindo mão de ares questionáveis inclusive de seu caráter. Os atores, então, hiperdimensionam a personalidade de suas figuras, trazendo ao filme uma profundidade que preza pelo benefício da dúvida a todo momento. Não obstante, os demais personagens nunca demonstram uma única face, o que é sustentado pelo ótimo elenco, aparentemente escolhido a dedo. 

Steven Soderbergh, como já havia provado em seus longas anteriores, detém a capacidade de conduzir de forma classuda, direta e provocativa, histórias que, em tese, parecem simples e clichês. Não é revolucionária a ideia de abordar falhas na inteligência britânica, porém, o corpo que o diretor dá à obra, condensando enigmas que confundem a mente a todo passo dado pelos protagonistas, transforma a experiência de assistir ao filme, inquietante ao passo que é silenciosa. O tom mais quente e estático da fotografia, além disso, combina com a diretiva mensagem de que não se pode confiar em ninguém.


“Código Preto” é capaz de ser tido como uma boa surpresa para o universo dos thrillers de espionagem, dada a boa gerência da produção, que conta ainda com um elenco afiado e comprometido em embolar os pensamentos de quem o vê sem fazer um esforço grandioso. O que o faz monumental, entretanto, é a qualidade da maneira que a trama simples é contada, sendo Cate Blanchett e Michael Fassbender as cerejas do bolo de uma narrativa sedutora e de prender a atenção. Nisso tudo, quem se deleita com um presente, é o espectador. 


Autora:


Laisa Lima 

25 anos, formada em cinema, roteirista, crítica, videomaker e moradora do Rio de Janeiro, minha paixão pelo cinema transcende as telas. 
De “Guarda-Chuvas do Amor” até “Laranja Mecânica”, meu amor pela arte não se prende a nenhum gênero, mas sim ao que me toca. 
Também sou apaixonada pelos pormenores da vida, que se apresentam sem nenhum roteiro. 
Logo, imaginação não falta em mim. 
Sou de tudo um pouco, e procuro sempre expor minha versão mais democrática, que enfrenta a realidade com a maior criatividade possível.



segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

O Homem-Cão - Um Herói Peludo e um Mundo de Nonsense!

O Homem Cão | Universal Pictures


Quando um policial e seu fiel cão policial se machucam no cumprimento do dever, uma cirurgia maluca, mas que salva vidas, os une -- e Homem Cão nasce. Conforme o Homem cão aprende a aceitar sua nova identidade, ele deve impedir que o supervilão felino Pepê, o Gato, se clone e saia em uma onda de crimes.

O filme é uma adaptação do livro homônimo, que por sua vez é um derivado da famosa série literária Capitão Cueca, criada por Dav Pilkey. Essa série, que conquistou uma legião de fãs ao longo dos anos, também recebeu uma adaptação para o cinema pela DreamWorks Animation. Que contava a história de George e Harold, dois meninos travessos e criativos que, com suas peripécias, acabam criando um super-herói improvável. Homem Cão com um humor irreverente e repleto de ação, a adaptação cinematográfica visa capturar a essência da obra original, ao mesmo tempo em que apresenta uma nova perspectiva que vai além do humor bobo e das situações inusitadas. Embora o filme seja eficaz em manter o espírito irreverente da série, ele também questiona e subverte algumas convenções dos filmes de super-heróis tradicionais, trazendo à tona um diálogo interessante sobre amizade, responsabilidade e identidade. Apesar disso, Homem Cão cumpre seu papel como entretenimento leve e divertido, ainda que de forma previsível em muitos momentos. 


A comédia presente no longa é leve, ingênua e absurda, frequentemente se utilizando de um humor exagerado que beira o nonsense, mas também se permite zombar de clichês e situações óbvias. Embora consiga arrancar alguns risos – como no caso do local 'secreto' do vilão Pepê, cujo esconderijo é facilmente identificado por luzes brilhantes que o revelam de forma óbvia –, o humor, em sua maioria, permanece simples e previsível. Em comparação com outras animações do estúdio, como Shrek e Madagascar, que se destacam por um humor mais ousado, com piadas sutis que fazem referência a temas mais adultos e complexos, Homem Cão opta por um tom mais acessível, porém, por vezes, um tanto raso. Enquanto as produções anteriores do estúdio equilibram com maestria elementos que agradam tanto crianças quanto adultos, Homem Cão parece limitado ao seu público-alvo mais jovem, com um humor que, embora eficaz para a faixa etária, pode deixar os adultos menos engajados. A falta de camadas mais sofisticadas de comédia ou de referências mais elaboradas pode ser vista como uma escolha criativa, mas também como uma oportunidade desperdiçada de oferecer uma experiência mais rica e diversificada para todos os públicos.

Os traços da animação do longa, que lembram os de Capitão Cueca, são simples e eficazes, capturando a essência do estilo de Pilkey e adaptando-os para uma animação em Stop-motion. O design dos personagens é exagerado e caricatural, o que realça o humor visual e intensifica as cenas de ação. O cenário, vibrante e cheio de cor, utiliza uma paleta de tons brilhantes que cria uma atmosfera lúdica e envolvente. Além disso, os ambientes são ricamente detalhados, contribuindo para uma experiência imersiva e dinâmica.

O filme oferece uma série de momentos emocionantes e tocantes, como quando Homem-Cão sente a saudade de seu antigo dono, uma cena que explora a profundidade de seu vínculo com ele, destacando a lealdade e o afeto entre eles. Além disso, a relação entre o protagonista e Pepêzinho, o clone do Pepê, também é cheia de sentimentos, mostrando como o amor e a amizade podem se manifestar de maneiras inusitadas e até com um toque de humor. Essa conexão entre os personagens é recheada de momentos de cumplicidade, desafios e descobertas, que, mesmo sendo leves e engraçadas, possuem uma carga emocional significativa. Fazendo com que o público se sinta conectado com cada um dos personagens e suas jornadas.

O Homem Cão é uma adaptação cinematográfica divertida e leve, fiel ao estilo irreverente da série de livros de Dav Pilkey. A animação, com personagens caricatos e humor absurdo, explora temas como amizade, lealdade e identidade de forma acessível para crianças, embora com um humor previsível e simples. Enquanto não atinge a sofisticação de outras animações da DreamWorks, o filme cumpre seu papel de entreter e emocionar, especialmente para o público infantojuvenil, com momentos de comédia e emoção que conectam os espectadores aos personagens.

Autor:


Meu nome é João Pedro, sou estudante de Cinema e Audiovisual, ator em formação e crítico cinematográfico. Apaixonado pela sétima arte e pela cultura nerd, dedico meu tempo a explorar e analisar as nuances do cinema e do entretenimento.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

O Brutalista - "Nós Toleramos Vocês" define a história do império Americano em Decadência

O Brutalista | Universal Pictures


A obra retrata uma época dos Estado Unidos após a Segunda Guerra Mundial, com a imigração em massa por conta do holocausto e o conflito nos países europeus. Não atoa esse filme é lançado no momento que se tinha o medo da política de Trump contra imigração voltar nas ultimas eleições nos Estados Unidos e com o massacre propagado por Israel contra a Palestina, chamando atenção dos festivais europeus de cinema e com o Oscar de 2025. Além do formato de tentativa frustrada de um épico narrativo sobre a vida de imigrantes com uma estética próxima de "Era Uma Vez na América" de Sergio Leone

A trajetória de László Tóth como um imigrante austro-húngaro dentro da terra das oportunidades e dos sonhos industrializados tenta ser uma representação de uma direção e um roteiro tentando fazer um discurso de auto piedade sobre a história dos EUA. Um imigrante judeu que sofre a todo momento, algo que Hollywood sente um prazer obsceno em colocar nos seus filmes a qualquer custo(principalmente em torno do tema Holocausto), tentando sobreviver em um mundo que só usam e abusam de suas técnicas criativas, sem ligar realmente para quem é a sua figura humana além de um instrumento nas mãos daqueles que pagam por seu trabalho

O desenvolvimento da trajetória de László anda em conjunto com o seu projeto, que foi um pedido de um empresário que tinha acabado de perder sua mãe(nosso antagonista Harrison,  interpretado por Guy Pearce). Um espaço com um ginásio, uma biblioteca e uma igreja, um projeto desafiante para nosso protagonista que sofre pela ausência de sua mulher, que não consegue sair da Europa, e pelo uso de drogas para poder suportar seu cotidiano e as dores de seu nariz quebrado. 

É necessário também apontarmos que essa obra faz parte de uma leva de filmes que, não só mostram a falta de capacidade de condução da mise en scene que tem tomado o mundo do audiovisual como um todo, como também a falta de habilidade do mesmo em conseguir a obra ter algum sentimento genuinamente humano. Como a obra tenta ser uma jornada épica e melancólica de um imigrante e sua mulher, sendo que não existe um espaço na obra onde essa humanidade apareça além do básico? 

A fúria e os baques sentidos por nosso protagonista são elaborados de forma picotada e panfletária, não existe conexão com ninguém aparente ali. Principalmente nosso protagonista, que passa por tudo de ruim e ainda assim a direção não consegue fazer seu espectador sentir pena sobre ele(oque não tem nem como, e nem é ética essa intenção descabida). O desespero da direção é tanta, que precisa mostrar uma cena de estupro para dizer de forma mais patética possível como os grandes empresários sentem o prazer no controle e na destruição daqueles que são os verdadeiros responsáveis pela construção desse império podre chamado American Dream

A obra também navega nas múltiplas formas de direção para dar dinâmica a narrativa. Funciona até certo ponto que é possível reparar que a direção utiliza de vários efeitos, movimentos e condução da imagem para poder tirar a atenção do espectador sobre a hipocrisia retratada. Sem contar que o filme ao mesmo tempo que tenta se mostrar contra o discurso ante imigrante, elabora suas minorias da forma estereotipada a ponto de ser vergonhoso. O protagonista judeu sempre fica bêbado ou entorpecido pela heroína quando está acompanhado de outros imigrantes ou de seu melhor amigo negro. Sério isso? Pleno século 21 e ainda escrevem esse tipo de narrativa preguiçosa?  

A narrativa força a qualquer segundo possível a demonstrar os personagens protagonistas e coadjuvantes como "pobres coitados", "aqueles que não podem fazer nada, pois é um mundo cruel", é um filme americano tentando se mostrar caridoso dizendo saber toda monstruosidade que fez contra o povo que ajudou a moldar cada pedaço do país que os odeiam com todas as forças. 

O filme elabora um imenso discurso de contradições: Fala de como parte de minorias nos EUA sofrem, mas enfatiza especificamente em uma, e deixa as outras completamente de lado; Fala de como nosso personagem sofre por conta da discriminação e de suas dores, mas mostra o mesmo sendo adultero 70% no filme sem nenhum arrependimento; Fala de como o império norte americano foi construído e desenvolvido pelos mesmos que eles odeiam, mas jogam esse discurso de lado completamente para voltar a enfatizar em como o holocausto foi tenebroso para os judeus. 

A fotografia do filme é uma das poucas coisas que funciona sem muita aventura por parte da produção, tendo em vista que a maioria dos planos são constituídos por cores pastéis, cinza e marrom, como se toda a obra mostrasse o protagonista ainda aprisionado como no holocausto, mas agora em um espaço considerado um país livre. E alguns pontos de diálogo que puxam para o quesito cômico conseguem funcionar(acontece apenas duas vezes esse ponto efetivo na obra), mesmo em sua maioria sendo elaborado e escrito de forma rasa, para não dizer medíocre. 

O Brutalista não é só um filme hipócrita, é covarde. É um trabalho de direção que não consegue moldar um plano descente, carregado de utilizações baratas para dar dinâmica a narrativa. Os atores fazem de tudo para fazer um bom trabalho, e conseguem. Pois o problema do filme já se encontra na sua própria raiz: Um País que quer se mostrar solidário, mas completamente desesperado por saber que perderá sua majestade. 

TEXTO DE ADRIANO JABBOUR. 

quinta-feira, 2 de janeiro de 2025

Nosferatu (2024) - Bela Estética, Boas Atuações e Só!

Nosferatu | Universal Pictures

Nosferatu, de Robert Eggers, é um conto cinematográfico gótico sobre a obsessão entre uma jovem mulher amedrontada e o aterrorizante vampiro apaixonado por ela, indiferente ao rastro do mais puro horror que deixa em seu caminho em direção a ela.

O filme original, dirigido por Friedrich Wilhelm Murnau e lançado em 1922, é considerado um ícone do expressionismo alemão, esse que foi um movimento artístico do início do século XX que buscava expressar emoções intensas e subjetivas, muitas vezes de forma distorcida e exagerada. No cinema, caracterizou-se por cenários e ângulos distorcidos, luzes dramáticas e atmosferas sombrias, influenciando o gênero de terror e a estética cinematográfica. Filmes como O Gabinete do Dr. Caligari e Nosferatu são exemplos marcantes dessa corrente. 

O filme foi inspirado no romance Drácula, de Bram Stoker, mas, devido a questões legais sobre direitos autorais, permanece até hoje como o filme mais famoso e ilegal da história do cinema. A obra foi criada sem a autorização da viúva de Stoker, Florence, que detinha os direitos do livro na Alemanha, onde Drácula não havia entrado em domínio público até 1962. Apesar de Drácula ter caído em domínio público nos Estados Unidos devido a um erro no registro de copyright, a adaptação de Nosferatu infringiu os direitos autorais na Alemanha. 

O produtor Albin Grau, o roteirista Henrik Green e Murnau alteraram nomes e detalhes da história para tentar disfarçar a semelhança com o original, mas a viúva de Stoker entrou com um processo judicial. Em 1925, Florence venceu a ação e obteve a ordem para destruir todas as cópias do filme. Contudo, algumas cópias sobreviveram, principalmente nos Estados Unidos, onde o filme pôde ser exibido livremente. Com o tempo, o culto ao filme cresceu e novas cópias foram feitas, perpetuando a existência de Nosferatu. 

Assim, apesar das tentativas legais de destruição, o filme sobreviveu e, por causa da falha na execução completa da sentença e o erro no registro de copyright nos Estados Unidos, mantém seu status de "filme ilegal" até hoje. Nosferatu já recebeu diversas versões remarcadas ao longo dos anos, mas o mais recente remake foi amplamente considerado um exemplo bem-sucedido dessa prática. Dirigido por Robert Eggers, renomado por seu trabalho em A Bruxa, O Farol e O Homem do Norte, o filme traz de volta o estilo único de horror pelo qual Eggers é reconhecido.  A adaptação, embora competente, parece carecer de um verdadeiro senso de inovação ou de uma abordagem que justifique sua existência além da estética. No fim, o longa acaba mais como uma homenagem ao original do que uma reinvenção convincente, deixando uma sensação de oportunidade desperdiçada.

O vampiro interpretado por Bill Skarsgård, embora grotesco, não provoca o temor esperado. Enquanto a criação de Murnau imortalizou um vampiro monstruoso e demoníaco, afastando-se da figura carismática de Drácula, o personagem de Eggers adota uma abordagem mais estilizada e menos aterrorizante. A fraqueza emocional do vampiro, especialmente sua paixão por Ellen, não assume a intensidade ameaçadora que poderia, sendo a tensão psicológica transferida para o dilema da protagonista, que se vê dividida entre atração e repulsa pelo vampiro. 

O filme, portanto, funciona como uma homenagem respeitosa ao original. Bill Skarsgård, no entanto, entrega uma performance notável e com grande profundidade, que vai além do aspecto físico grotesco de seu personagem. Sua interpretação é marcada por uma sutileza inquietante, trazendo uma vulnerabilidade inesperada ao vampiro, que, apesar de monstruoso, é permeado por uma certa humanidade contida. O ator utiliza seu olhar e gestos contidos para transmitir uma sensação de constante conflito interno, equilibrando a frieza sobrenatural do personagem com uma tensão emocional que, embora nunca totalmente explícita, permeia suas ações. Skarsgård não apenas evoca a presença ameaçadora de um monstro, mas também adiciona uma camada de melancolia e desejo que torna seu vampiro mais complexo e intrigante, mesmo que menos aterrador do que sua versão original.

À medida que o filme se aprofunda nos simbolismos e rituais típicos do estilo de Robert Eggers, ele se perde em situações que, embora aparentemente bem planejadas, se revelam excessivas e artificiais. O diretor tenta adicionar camadas de profundidade à trama, mas, em vez de enriquecer a narrativa, essas tentativas acabam sobrecarregando a história, tornando-a mais confusa e menos impactante. 

Embora Eggers demonstre habilidade na composição de cenas e na criação de ambientes sombrios, seus filmes carecem de uma conexão emocional autêntica, o que resulta em uma atmosfera que se sente estagnada e sem vida. Em vez de gerar um envolvimento emocional profundo, a narrativa fica imersa em um ponto intermediário, onde a tensão se esvai, e a história perde sua força dramática.

A primeira metade do filme é marcada por diálogos longos, sotaques artificiais e um inglês inadequado à ambientação, aliado a uma iluminação sombria, o que cria uma atmosfera propensa ao tédio, embora com raros jumpscares. Já a segunda metade é mais dinâmica, com menos diálogos e maior ação, mas o inglês forçado persiste.

Nosferatu (2024) é uma homenagem visualmente impressionante ao clássico de Murnau, mas falha em ser uma reinvenção impactante. Apesar da boa atuação de Bill Skarsgård, que adiciona nuances ao personagem, o filme não consegue criar a tensão esperada. A narrativa, carregada de simbolismos e excessos estilísticos, perde força emocional, com um ritmo desigual e uma falta de conexão autêntica. No final, a obra se torna mais uma reverência ao original do que uma reinterpretação convincente.

Autor:


Meu nome é João Pedro, sou estudante de Cinema e Audiovisual, ator em formação e crítico cinematográfico. Apaixonado pela sétima arte e pela cultura nerd, dedico meu tempo a explorar e analisar as nuances do cinema e do entretenimento.

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