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segunda-feira, 20 de outubro de 2025

Labirinto dos Meninos Perdidos (2025) - O lugar para se perder e se reencontrar

O Labirinto dos Meninos Perdidos (2025) | Filmicca

 

No imaginário popular, São Paulo é a máquina de moer gente, um labirinto que a cada esquina pode dar um caminho ou num beco sem saída, com suas lendas e paranoias. Pessoas migram à metrópole para se perder e se reencontrar; mas crescer em um ambiente assim, às vezes, pode ser predatório e vulnerável. Para cada história de sucesso, há também suas tragédias. Um lugar real que não existe, cuja realidade está mais próxima dos sonhos e da psicanálise do que de algo concreto, palatável. É nesta contradição que Miguel se encontra. Ele é jovem e está na cidade para prestar um vestibular. Seu caminho cruza com diferentes personagens excêntricos em Labirinto dos Meninos Perdidos (2025), o novo lançamento do realizador queer independente Matheus Marchetti. 

Se a filmografia de Marchetti, até agora, se passa dentro de um olhar infantil do mundo, como em O Bosque dos Sonâmbulos (2016) e Verão Fantasma (2022), aqui ele está disposto a crescer um pouco para uma abordagem entre a adolescência e a vida adulta. Ele é um romântico macabro, com uma sensibilidade emocional apurada. Mesmo com um orçamento limitado, quase do próprio bolso, ele tem ideias ambiciosas. Ele é novo, mas tem a alma dos cineastas de décadas passadas, que fizeram cinema com muito pouco; abraçando com braços de mãe os triunfos e os defeitos de seus filmes (Quem for fã de giallo vai notar do que falo aqui). São obras que imprimem o teatral, o performático, o plástico, que flertam com o onírico e a recusa da realidade e sua lógica verossímil. (Inclusive boa parte de seu elenco vem do teatro paulistano) 

Aqui, sua São Paulo é não a personagem espacial que imaginamos. Marchetti explora algo muito mais íntimo e secreto: é uma casa mal assombrada, uma vizinhança erma, um museu ou um aquário vazio. A dimensão trabalhada pela direção é psíquica do que física, portanto, a cidade é vista mais como uma abstração do que uma representação real. (Apesar de terem filmado numa exposição de terror que foi bastante popular do MIS, na qual este crítico até compareceu em uma ocasião!!!)

Seus filmes são coloridos e possui uma forte influência estética do cinema europeu dos anos 60 e 70. Porém, aqui ele flerta com um gênero bastante brasileiro: a chanchada. As situações e a sequências de dates e ficadas em série lembram muito o absurdismo cômico das comédias eróticas produzidas pela boca nos anos 70. Quase se Superbad (2007) e After Hours (1985) tivesse um primo latino-americano viado, um pouco mais tímido e teatral, e com acesso às mansões das vizinhanças ricas paulistanas. Cheio de desejos e escabrosidades. com mais tara também. Marchetti sabe como filmar uma cena de sexo e causar as sensações apropriadas em seu público-alvo, sabendo explorar a dimensão dos corpos e do prazer que eles sentem. Eles suam, gemem, mijam e gozam.

Para além da comédia sexual, também há o aspecto do terror, exprimido na figura do aparente serial killer que assola os gays da cidade. No entanto, tal como o filme Cruising (1980), o filme trabalha com as implicações psicológicas e sociais da notícia do assassino á solta, do que focalizar em sua figura (como um favorito meu, Faca no Coração lançado em 2018). Todas as pulsões sexuais de Miguel e todos os dates podem levá-lo ao seu fim. A busca pelo gozo é a busca pelo assassino, que, por si, é uma abstração de um pensamento neurótico. 

Mas Matheus Marchetti não deixa de lado a alusão à monstruosidade em sua narrativa, que também almeja e precisa do gozo, a sensação de ser amado, de pertencimento. E o caminho de Miguel irá se cruzar com esse monstro, assim como Christine Daaé ouve o canto do Fantasma da Ópera pelas catacumbas de Paris. A São Paulo cosmopolita, com seus encantos frios e seus prazeres aleatórios, é a ruína em que Miguel deverá percorrer, juntos aos seus perigos, para achar a voz que clama por ele. Percorrer o labirinto em que jovens se perdem, se traem e se humilham para garantir seu posto. Em todos eles há um pouco de Dr. Jekyll e Sr. Hyde, prontos para saírem durante à noite, revelando seus amores e desejos sombrios. O amor moderno e a pegação por aplicativos nunca foram tão monstruosos quanto agora.

 *Este filme faz parte da seleção da 49a Mostra Internacional de São Paulo, realizada em 2025, visto em screener, cedido pela produção do projeto.

Autor:
                                  

Eduardo Cardoso é natural do Rio de Janeiro, Cidade Maravilhosa. Cardoso é graduado em Letras pela Universidade Federal Fluminense e mestre em Estudos de Linguagem na mesma instituição, ao investigar a relação entre a tragédia clássica com a filmografia de Yorgos Lanthimos. Também é escritor, tradutor e realizador queer. Durante a pandemia, trabalhou no projeto pessoal de tradução poética intitulado "Traduzindo Poesia Vozes Queer", com divulgação nas minhas redes sociais. E dirigiu, em 2025, seu primeiro curta-metragem, intitulado "atopos". Além disso, é viciado no letterboxd.

sábado, 11 de outubro de 2025

O Agente Secreto (2025) - Memória, Medo e Resistência Sob o Véu da Ditadura

O Agente Secreto | Vitrine Filmes

Em 1977, um especialista em tecnologia foge de um passado misterioso e retorna à sua cidade natal, Recife, em busca de paz. Ele logo percebe que a cidade está longe de ser o refúgio que busca.

Com a vida constantemente ameaçada, cercado pela sombra da repressão e pela vigilância opressiva do regime, Marcelo luta para preservar não apenas a própria sobrevivência, mas também a dignidade. Em meio ao caos, seu maior desejo é garantir segurança ao filho pequeno, que vive sob os cuidados dos avós maternos — o avô, um projecionista silenciosamente resistente, mantem viva a arte e a memória coletiva no emblemático Cinema São Luiz. Em busca de respostas sobre a história fragmentada de sua família, especialmente a verdade sobre a situação civil de sua mãe falecida, Marcelo assume uma identidade falsa e passa a trabalhar num cartório — um espaço onde vidas são registradas, mas onde muitas também são apagadas pelo silêncio institucional. 

Em sua jornada, ele encontra um respiro em um "aparelho" — um lar clandestino compartilhado com outros corpos e vozes excluídos pelo sistema: um casal angolano exilado, o velho e sábio Euclides, e Dona Sebastiana, mulher de força tranquila que se torna um porto afetivo e político. Esse convívio, entre traumas e solidariedades, revela que, mesmo na adversidade extrema, persiste o desejo coletivo por justiça, pertencimento e liberdade. Marcelo sonha em deixar o país, mas não foge — resiste. E, ao fazê-lo, sua trajetória revela as fissuras de uma nação marcada pelo autoritarismo, onde o amor, a memória e a esperança ainda insistem em brotar, mesmo sob a terra dura da repressão.

Dona Sebastiana é, sem dúvida, a personagem mais marcante do filme. Com sua língua afiada e um humor afetuosamente irreverente, ela cumpre o papel de alívio cômico — mas vai muito além disso. Representa um tipo humano tão genuíno e familiar que é quase impossível não se lembrar de alguém parecido que já cruzou nosso caminho. Sua presença em cena é magnética, equilibrando leveza e profundidade, e merecia, sem exagero, um Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante. Dona Sebastiana é dessas figuras que ficam com a gente muito depois do fim da sessão.

O longa resgata a figura da perna cabeluda, lenda urbana profundamente enraizada no imaginário popular do Recife. Famosa lenda urbanda recifense dos anos 1970, como metáfora da repressão durante a ditadura militar. A cena que fala da lenda urbana faz uma homenagem aos filmes trash e slasher dos anos 80, trazendo um elemento de horror popular que conecta o folclore local a uma estética cult e de terror, reforçando o clima de medo e violência. Com sons tensos, minimalistas e uma batida hipnótica, a música cria uma sensação constante de suspense e ameaça iminente, reforçando a presença aterrorizante da criatura. Essa escolha sonora não só remete ao universo trash e de horror da época, mas também potencializa a metáfora da repressão e do medo que permeiam o filme, transformando a perna em um símbolo de terror coletivo.

O Agente Secreto combina memória histórica, folclore e suspense para retratar a repressão da ditadura militar de forma sensível e impactante. Com personagens fortes, o filme mostra como o medo e a resistência coexistem, deixando marcas profundas, mas também uma esperança persistente por liberdade.

Autor:


Meu nome é João Pedro, sou estudante de Cinema e Audiovisual, ator e crítico cinematográfico. Apaixonado pela sétima arte e pela cultura nerd, dedico meu tempo a explorar e analisar as nuances do cinema e do entretenimento.

segunda-feira, 1 de setembro de 2025

O Último Azul - A luz apagou, mas ainda funciono

O Último Azul | Vitrine Filmes

Em um Brasil distópico, o governo impõe uma política controversa: todos os cidadãos com mais de 75 anos são transferidos compulsoriamente para uma instituição conhecida como "Colônia". A justificativa oficial é que essa medida contribuiria para a produtividade da nação, liberando a população ativa do encargo de cuidar de seus familiares idosos.

É nesse cenário que conhecemos Tereza (Denise Weinberg ), uma mulher de 77 anos. Moradora de uma pequena cidade industrial na Amazônia, sua vida é abruptamente transformada quando recebe a ordem de se mudar para a Colônia. Essa ruptura a leva a uma profunda reflexão: Tereza se dá conta de que ainda nutre sonhos e desejos não realizados, entre eles, o anseio de voar de avião. Determinada a não se submeter ao destino imposto, ela decide fugir com a ajuda de Cadu, um pescador, em uma jornada em busca de sua liberdade.

Dirigido por Gabriel Mascaro, de Divino Amor (2019) e Boi Neon (2015), o filme estabelece com maestria a base de sua narrativa. A trama contextualiza de forma eficaz a vida da protagonista, contrastando-a com a dura realidade imposta aos idosos. Esse conflito é evidenciado em momentos-chave, como na cena em que Tereza expressa sua angústia e desalento ao colega de trabalho, revelando não se sentir preparada para o destino que a aguarda na Colônia.

Mascaro conduz essa jornada com profundidade, construindo personagens que, de certa forma, também buscam se libertar de algo que os aflige. Dessa forma, cada encontro e desencontro vivenciado por Tereza costura sua jornada, tornando o filme coeso, leve e imersivo, com situações que se encaixam organicamente à narrativa e, ao mesmo tempo, preservam o caráter inesperado.

O longa também utiliza muitas metáforas em seu desenvolvimento, desde o caramujo de baba azul que amplia os horizontes da mente, até os pneus na beira do rio. Esses elementos dão um tom místico e um tanto alegórico ao filme. Além disso, Tereza, inicialmente cética em relação aos “sinais” que a vida lhe envia, gradualmente cede, permitindo uma jornada de autodescoberta.

Quanto aos aspectos técnicos, a direção de fotografia, assinada por Guillermo Garza, retrata o cenário da Amazônia com um misto de contemplação e intensidade, dialogando com os sentimentos da personagem, seja através do reflexo da luz no rio ou de pássaros que voam ao alvorecer. Outro aspecto que merece destaque é a direção de arte de Dayse Barreto, que através da mise-en-scène cria cenários cheios de vida que integram e complementam a narrativa.

Sobre as performances, duas se destacam. Tereza (Denise Weinberg) é uma mulher desiludida, mas aguerrida, que apesar de cética se lança no mundo para conquistar sua liberdade. Weinberg entrega uma personagem multifacetada que se adequa aos cenários e situações do filme, sempre de maneira espontânea e em sintonia com o tom das cenas. Já Cadu (Rodrigo Santoro) é um homem fechado que guarda suas dores para si, mas demonstra-se muito frágil através da voz trêmula e dos olhos marejados.

Em linhas gerais, apesar de não possuir uma tarefa simples, O Último Azul não se esquiva da tarefa de expor o etarismo, a instrumentalização e o descarte de indivíduos que já não têm mais serventia para o sistema. Lúcido, o filme mergulha no peso de sua narrativa com uma sensibilidade que evita qualquer caricatura, construindo em Tereza a antítese do idoso fragilizado. Além disso, ao retratar as "Colônias" como ambientes de descarte, o longa faz um paralelo com os campos de concentração, onde aqueles indesejáveis pelo governo vigente são levados e esquecidos. Ao aproveitar a beleza de seu cenário e a profundidade de seus personagens, o filme nos faz refletir sobre uma história que, apesar de parecer estar no fim, na verdade está apenas começando.

Autor:


Mateus José é graduando de Licenciatura em Cinema e Audiovisual pela UFF, escritor, poeta, montador e aspirante a diretor de fotografia. Apaixonado pelas artes, literatura, música e principalmente o cinema, dedica-se a consumir, estudar e dissecar as camadas mais profundas do cinema e da arte.

A Praia do Fim do Mundo — O Pessimismo para Festivais

A Praia do Fim do Mundo | Sereia Filmes


Lançado em festivais no ano de 2021, mas com lançamento comercial apenas no ano de 2025, Praia do Fim do Mundo conta a estória da cidade fictícia de Ciarema, interior do Ceará, onde o nível do mar começa a aumentar em níveis catastróficos, prenunciando o fim daquela cidade. Com o tempo contado, Alice (Fátima Macedo), uma jovem ambientalista, tenta convencer sua mãe (Marcélia Catarxo) a abandonar a cidade, porém a mesma se recusa a deixar o lugar onde cresceu. O longa ainda conta com a presença na pré-lista do Brasil para o Oscar 2025.

Apesar do filme ainda contar com temas de cunho ambientalista, a dimensão estabelecida pelo diretor Petrus Cariry é muito mais onírica que realista. Ele preza por essa noção meio Tarkovski de planos abertos e longos, o que já virou tradicional no cinema brasileiro de festivais em filmes como Arábia, de Affonso Ûcho ou até mesmo Pedágio, da Carolina Markowicz. Entretanto, a lógica realista desses filmes é subvertida nesse longa.

Ao mostrar a cidade em ruínas, Petrus questiona se aquele lugar que parece estar em seu fim já não de fato acabou. O trabalho é semelhante ao de arqueologia, onde parecemos ter pequenos pedaços do que já foi uma cidade turística e cheia de visitantes, e que é definitivamente a protagonista do longa-metragem.

E ao fixar a direção, Petrus parece estar muito bem decidido no que planeja fazer com Praia do Fim do Mundo. Todavia, toda a visão dele ainda me parece estar muito interligada com a lógica de filme de festival, que infelizmente limita completamente toda a visão dramatúrgica do longa, que é extremamente mal feita.

Abdicando de qualquer elemento dramático maior, Petrus deixa de lado muitos momentos que poderiam engrandecer a obra em favor de um mistério que se distancia muito de uma pergunta realizada ao espectador. Até os momentos mais exclusivos da personagem de Marcélia Catarxo soam como avulsos em meio a essa unidade tão gourmetizada.

Contém sim alguns momentos que são verdadeiramente interessantes, mas ficam por isso mesmo, já que nunca são levados adiante. É o mesmo problema que eu vejo nos longas da cineasta Anitta da Rocha Silveira, que parecem confundir mistério com perguntas, e acabam anulando sua unidade.

E no fim, Praia do Fim do Mundo é um longa que faz um comentário pessimista a realidade brasileira da maneira mais “gringa” possível e se mantém numa postura de filme de festival quase em todo momento, sendo nunca o que prometeu ser: um filme.

Autor:


Meu nome é Rodolfo Luiz Vieira, tenho 17 anos e curso o terceiro ano do Ensino Médio. Produzo alguns curtas-metragens e escrevo textos sobre cinema. Meus filmes favoritos são: Em Ritmo de Fuga; La Haine; Eu Vos Saúdo, Maria e Pai e Filha.

segunda-feira, 25 de agosto de 2025

No Céu da Pátria Nesse Instante - Cinema Sem Amor

No Céu da Pátria Nesse Instante | O2 Play


O longa criticado abaixo descreve os acontecimentos da eleição de 2022 desde o mês de janeiro do mesmo ano até os ataques terroristas a sede dos três poderes em Brasília em janeiro do ano seguinte.

Assistindo No Céu da Pátria Nesse Instante — novo longa da cineasta Sandra Kogut — veio-me a mente um texto do Paulo Emílio Salles Gomes (não lembro o nome no momento), onde o critico comenta que diversas pessoas da época largaram suas profissões corriqueiras pelo amor ao cinema para se tornarem alguns dos maiores cineastas de todos os tempos: Dziga Vertov, Sergei Eisenstein, Dovjenko, etc. E esse amor era completamente político, a dialética do cinema trazia a esses cineastas a exploração dessas idéias revolucionárias, que traziam acima de tudo o questionamento acima daquele ideal para haver enfim a afirmação.

No documentário brasileiro, ocorre o total oposto. Somos avassalados por 1 hora e 45 minutos com a cineasta buscando reafirmar suas idéias sem trazer qualquer dialética ou questionamento, tornando o longa apolítico, e até mesmo pobre em idéias.

 A idéia de não haver narração e de mostrar os acontecimentos da maneira em que ocorreram é até que interessante, contudo há essa obsessão em pintar o lado de Luiz Inácio Lula da Silva como salvador da pátria — de maneira quase que maniqueísta, diga-se de passagem — que nos torna como indiferentes a qualquer um dos acontecimentos do longa. É a realidade como ela é, mas você não parte do cinema para fazer realidade, e sim da realidade para se fazer o cinema.

Quando o longa alterna com os bolsonaristas, há sim uma possível tentativa de buscar uma dialética, porém ela é suprimida pela euforia de Sandra Kogut ao representar os apoiadores de Lula, e ficar nessa luta de bem e mal. Algo este que pode existir na realidade, mas estamos aqui falando de cinema, e filmes muito piores como “Transe” de Carolina Jabbor fizeram imensamente melhor que essa obra.

E no fim, No Céu da Pátria Desse Instante fica por isso mesmo, auto-afirmação com um teor quase que banal na medida em que os acontecimentos se desenrolam. E em nenhum momento cumpre a promessa de ser realmente uma análise. Encerro o texto com palavras de Eduardo Coutinho:

 “O filme com perguntas é o que presta, o com as respostas você joga no lixo.” 

Autor:


Meu nome é Rodolfo Luiz Vieira, tenho 17 anos e curso o terceiro ano do Ensino Médio. Produzo alguns curtas-metragens e escrevo textos sobre cinema. Meus filmes favoritos são: Em Ritmo de Fuga; La Haine; Eu Vos Saúdo, Maria e Pai e Filha.

segunda-feira, 11 de agosto de 2025

Salomé (2024) - Ou amor à flor de loló

Salomé | Vitrine Filmes


Uma mana vê um mano, ele retribui de volta. Eles se encontram na pista de dança. Os sentimentos ficam à flor da pele. Ele cheira uma latinha de loló, depois oferece para a garota. Ela inala a substância…  E o que ela vê é mágico, transformador, quase angelical. Este é um dos pontapés iniciais do longa-metragem Salomé (2024), dirigido por André Antônio, que vem conquistando festivais e mostras de cinema desde sua estreia no 57o Festival de Brasília.

No melodrama queer, nossa protagonista é Cecília (Aura do Nascimento), uma modelo de sucesso que mora em São Paulo. Ela retorna para Recife, para passar o natal com a mãe, Helena (Renata Carvalho). Cecília reencontra João (Fellipy Sizernando), um vizinho da infância, e fica fascinada pela beleza dele. Uma noite, João apresenta para ela um loló diferente, esverdeado, que leva a ligação entre os dois para um lugar de obsessão e mistério envolvendo um culto secreto em torno da figura de Salomé, a luxuosa princesa bíblica.

A personagem “Salomé” teve como sua maior recepção nas artes a peça homônima do escritor irlandês Oscar Wilde, texto foi publicado em francês no ano de 1893, mas sua tradução ao inglês foi censurada na Grã-Bretanha no ano seguinte. A versão de Wilde, um autor queer, penetrou no imaginário popular ao longo dos anos. 

No cinema, a peça inglesa deu origem a duas adaptações bastante interessantes a este crítico: Salomé (1922) de Alla Nazimova e Charles Bryant, com um elenco inteiramente LGBT, e A última dança de Salomé (1988) de Ken Russell, que reconstitui de forma livre a primeira (e clandestina) montagem da obra na Inglaterra e o atrito entre Wilde e seu amante, Lord Alfred Douglas. Felizmente, Antônio consegue costurar aqui um filme tão icônico quanto as adaptações mencionadas, mesmo que o intuíto seja mais conversar com o clássico de Oscar Wilde, do que recriar fielmente seu texto.

Assim como a peça, Salomé de Antônio é sobre desejo e anseio, mas o realizador atualiza a relação para a geração das relações líquidas, vazias, das redes sociais, do chemsex: o mundo do “pós-alguma coisa”, repleto de afetos artificiais e desilusões amorosas. 

A jornada de Cecília, nossa Salomé, é complexa, pois o desejo dela não é só passional, mas sim de tomar decisões, de enfrentar o impossível, ter as rédeas do próprio futuro. Isto vai de contra os desejos de Helena, sua mãe, que reza e tenta manipular um caminho para a filha, tal como Herodias tenta convencer Salomé a não ceder aos seus instintos e não usar e contrariar seu padrasto Herodes, o Tetrarca da Judéia.

Enquanto a personagem de Wilde é imponente e manipuladora para conseguir realizar o gozo de beijar Ionakaan, Cecília possuí uma inocência e um páthos, uma dor, que constroem sua personagem de forma humana e sensível. A intérprete, Aura do Nascimento, usa da pose e de seu carão como uma proteção de Cecília ao mundo exterior, mas consegue desmanchar para mostrar a vulnerabilidade da jovem em sua intimidade. 

Outro destaque do elenco, claramente, é a atriz Renata Carvalho, magistral como a mãezona Helena, pondo uma emoção palpável em cada palavra que diz e em cada reação que aparece na tela. Uma frase banal em sua boca carrega um sentimento profundo. Aqui, Carvalho não só incorpora um tipo específico de mãe, ela dá a luz a uma mãe na tela.

Salomé é muitas coisas, uma releitura de um clássico da literatura, uma história de amadurecimento tardio, de transformação interior, de paixões; um filme entre mãe e filha com representação trans… Mas o importante é que se trata de um “filme queer”, e Antônio e cia não só sabem disso, mas como dominam a linguagem do estranho, do diferente: 

O camp e o kitsch estão presentes na tela, como parte do léxico da obra e não como algo acidental. As cores são fortes e atraentes, quase almodovarianas, sendo o verde, remetente a cobra do jardim do Éden, a mais recorrente de todas. Tem uma mise en scène criativa. A edição cede ao experimental em certos momentos. O culto de Salomé, que tem uma importância significativa, parece uma versão reptiliana de Hot Boys ou Irmãos Dotados, saído de um filho híbrido entre Araki e Bressane. Com este trabalho, André Antônio consegue se sedimentar como um dos nomes mais interessantes do cinema queer brasileiro atual, ao lado de Daniel Nolasco e George Pedrosa.

É um filme com gosto (e cheiro de loló), senso de humor e muita ousadia de enxergar o mundo fora dos padrões, de brincar com as expectativas. Uma produção afiadíssima. A obra de Wilde culmina na tragédia, mas o filme de Antônio, na libertação. 

[Filme assistido durante o 14o Rio LGBTQIA+ - Festival Internacional de Cinema, realizado em 2025]



                                                                  Autor:
                                  

Eduardo Cardoso é natural do Rio de Janeiro, Cidade Maravilhosa. Cardoso é graduado em Letras pela Universidade Federal Fluminense e mestre em Estudos de Linguagem na mesma instituição, ao investigar a relação entre a tragédia clássica com a filmografia de Yorgos Lanthimos. Também é escritor, tradutor e realizador queer. Durante a pandemia, trabalhou no projeto pessoal de tradução poética intitulado "Traduzindo Poesia Vozes Queer", com divulgação nas minhas redes sociais. E dirigiu, em 2025, seu primeiro curta-metragem, intitulado "atopos". Além disso, é viciado no letterboxd.

segunda-feira, 4 de agosto de 2025

Paterno - Tragédia de um homem megalomaníaco comum?

 

Paterno | Filmes do Estação

Recife, dia ensolarado. Um homem estaciona perto da praia. Muda de roupa, tem uma aparência agora mais simples. Encontra um comparsa no meio da rua, e juntos eles vão a um lugar. Uma casa grande com vários andares, jardim espaçoso. Este homem que visita o imóvel parece convencer o casal, que mora e conta a história do local, que gostaria de comparar a casa para poder morar nela. Um rapaz ouve a conversa atrás da porta. Ele se apresenta como neto deste casal e entra na conversa. Enxerga através do homem e indaga sobre seus reais motivos com imovél, antes de revelar que, na verdade, está a serviço de uma grande empreiteira que deseja construir um arranha-céu no local…

O filme Paterno de Marcelo Lordello teve uma trajetória trágica, porém normalizada no mercado audiovisual braisleiro: a obra foi filmada em 2017, em contexto de desmonte de recursos federais para cultura, pré pandemia e pré (des)governo Bolsonaro; só conseguiu ser finalizado em 2021;  entra no circuito de festivais em 2022; porém, somente chega aos cinemas em agosto de 2025, no dia 7, quinta-feira, para ser mais exato. Ou seja, o projeto demorou oito anos para ser apropriadamente lançado ao público.

É como uma cápsula do tempo. Um longa que foi realizado em determinado contexto e tem sua recepção de lançamento em outro diverso. Por sorte, a obra tem um olhar maduro e envelheceu bem nessa passagem bastante extensa de tempo do que outros filmes brasileiros produzidos e lançados após 2017(como o acidental mockumentary “Transa” lançado em 2022-24 sobre a época do desgoverno, por exemplo), uma vez que o realizador compreende o zeitgeist da época.

Na trama, Sérgio (Marco Ricca) é um arquiteto que deseja conquistar a direção da empreiteira da família para realizar um sonho há muito esquecido, contra as vontades do irmão que comanda a empresa. Seu pai, Heitor, está internado, quase à beira da morte, e tem problemas de se conectar com seu filho Tomás (Guga Patriota).  Enquanto ele tenta viabilizar um novo projeto com ajuda de Cláudio (Thomás Aquino), um jovem ambicioso, ele acaba descobrindo um segredo da vida do seu pai que ameaça seus planos, revelando quem ele realmente se tornou.

Durante o debate após a premiére do filme no Rio de Janeiro, realizada no Estação Net Rio, o diretor afirmou que o filme foi pensado como uma espécie de tragédia. Com certeza, paternidade é o tema central do filme, porém a crise e especulação imobiliária de Recife e os lobistas imobiliários influenciando na política, cujo é o pano de fundo da narrativa, é mais interessante. É quase um Aquarius (2016) às avessas, um outro lado da moeda deste: ao invés de focar nas pessoas que lutam contra o sistema, estamos do lado dele.

Sérgio é uma personagem megalomaníaca e canibalista, tem sonhos de grandeza, mal resolvido consigo mesmo, extremamente obsessivo, e usa do sistema político-econômico para chegar nos seus objetivos. Um homem perverso com abordagem mansa. Se o filme tivesse uma abordagem camp, com certeza Sérgio seria um vilão de desenho animado, como mostra a cena em que a personagem retira vários livros de sua mesa para revelar o mapa da cidade embaixo dos calhamaços. No entanto, as perspectivas desses papeis são complexos, bem estabelecidos, não dicotômicos, e mostra como personagens como a de Marco Ricca ou de Thomás Aquino são passíveis de serem corruptíveis em diferentes âmbitos: a traição da própria essência e a de fins econômicos, respectivamente.

É um filme sociopolítico, que poderia ser um thriller (seja político ou psicológico) interessante, mas é introspectivo. O público acompanha mais as questões íntimas de Sérgio do que suas artimanhas. A personagem principal é solipsista, não vê ao que está ao seu redor, voltando para dentro de si, sempre olhando para seus objetivos, o que delimita o limite do alcance da narrativa. Não há quase nenhuma cena em que Sérgio não esteja presente, os olhos dele são os do espectador. O que alimenta a incomunicabilidade entre a personagem e seu filho durante o filme.

Enquanto Tomás sabe quem é seu pai de verdade, o mesmo não sabe quem é o seu filho, até que seja tarde demais para uma conexão genuína entre ambos. Há uma tensão geracional entre Sérgio (pai), Tomás (filho) e Heitor (avô), que funciona quase como uma prisão familiar dentro da sociedade, aparências de poder para ser mantidas e não desmanteladas. A obra cinematográfica usa desse tema como um ponto de ruptura para a reflexão das relações entre pais e filhos, mas nunca consegue desenvolver de modo satisfatório. E, como o filme foi feito no contexto pós-impeachment, o realizador não deixa de pincelar o conflito dos discursos entre direita e esquerda que se afloraram de forma exponencial na década passada. O longa-metragem de Lordello trabalha muito com simbolismos do cotidiano como representação de seus temas, mas nem sempre o recorte compensa a longo prazo. 

A aposta da obra em realizar a função de “advogado do diabo” traz também, suas consequências: há personagens com dilemas mais interessantes a serem desenvolvidos do que Sérgio: um exemplo disso é a personagem Suzana, interpretada por Rejane Faria, que teve um relacionamento com Heitor, e representa uma outra camada social no filme, da classe média emergente, um contraponto a personagem principal do filme, que se comporta quase como um aristocrata (nas palavras do diretor).

A presença, e talvez ameaça simbólica, dessa personagem faz com que Sérgio saia de seus eixos e seja confrontado por um outro lado, o da ausência. Não é à toa que as poucas cenas, uma de perseguição e de visita, são as mais emblemáticas da obra para este crítico; pois a protagonista é confrontada com questões morais e pessoais que trazem à tona sua complexidade.

O elemento trágico que Lordello conceitualista em seu filme é de caráter subjetivo do que factual. A quebra das expectativas, das ilusões, do ponto de vista de Sérgio. A tragédia é a crise de identidade, de âmbito emocional e psicológico. Porém, o longa nunca se coloca totalmente na posição de sua protagonista. Sempre vemos Sérgio, como espectador, a uma certa distância, quase sanitária. Todos os conflitos são internalizados e, a maioria, são convenientes resolvidos sem nenhuma grande consequência de suas ações. A obra quer promover uma catarse que nunca chega de fato. E se chega, é por uma parcela bastante limitada da audiência.

Paterno é bem produzido, tem uma fotografia soturna de cores frias, um excelente trabalho de sonoplastia, boas atuações, principalmente de Ricca, Aquino e Faria. Mas como um filme sobre obsessão, mistura vários temas, mas alguns são mais bem desenvolvidos do que outros, algo se perde na tradução do roteiro ao corte final.

A escolha de fazer um filme intimista, mas com um olhar distante de sua protagonista, é um problema recorrente no cinema brasileiro, pois afasta a catarse de uma obra de seu público. É um olhar apático de uma personagem que não necessariamente aprende com seus erros. As sutilezas do longa são neutralizadas pela própria asperidade, ao convidar o público para participar de sua proposta. Uma provocação que volta para o mesmo ponto. Talvez esse seja o preço de fazer uma tragédia moderna de lugar comum. Mas como retrato social de uma época específica, tem o seu valor histórico que ainda se sustenta.

    Autor:
                                  

Eduardo Cardoso é natural do Rio de Janeiro, Cidade Maravilhosa. Cardoso é graduado em Letras pela Universidade Federal Fluminense e mestre em Estudos de Linguagem na mesma instituição, ao investigar a relação entre a tragédia clássica com a filmografia de Yorgos Lanthimos. Também é escritor, tradutor e realizador queer. Durante a pandemia, trabalhou no projeto pessoal de tradução poética intitulado "Traduzindo Poesia Vozes Queer", com divulgação nas minhas redes sociais. E dirigiu, em 2025, seu primeiro curta-metragem, intitulado "atopos". Além disso, é viciado no letterboxd.

segunda-feira, 21 de julho de 2025

A Melhor Mãe do Mundo - O Sofrimento Periférico como Propaganda de Margarina

A Melhor Mãe do Mundo | Galeria Distribuidora

Em A Melhor Mãe do Mundo se encontra a prática batida de narrativa que já prevalece no cinema nas últimas duas décadas. Não que seja um problema abordar no cinema questões envolvendo maternidade, pobreza, relacionamento tóxico, violência contra mulher, são temas de extrema importância que devem aparecer nas telas do cinema e que sejam trazidas para debate. Mas algo que já tem acontecido na crítica e no cenário audiovisual desde os anos 90, é trabalhar a ideia de filme como uma matemática simples: se o filme tem temas sociais explícitos, logo ele é bom.

Como assim? A que ponto reduzimos cinema a algo tão raso e tão limitado a ponto de qualquer filme abordando pobreza e seu sofrimento da forma mais simplista possível em um convite imediato para os maiores festivais de cinema pelo mundo? Aqui, Anna Muylaerte dirige o filme sem nenhuma profundidade ou construção imagética além da atuação de Shirley Cruz, que é o único fator do filme que tem algum atrativo. Muylaerte faz aqui, o principal chamariz apelativo para uma obra audiovisual segurar seu espectador.

O filme começa com a protagonista Gal depondo em uma delegacia sobre seu companheiro, Leandro, por tê-la agredido. Depois disso, Gal vai até a escola que seus filhos estudam para buscá-los a levá-los para uma "aventura", que na verdade é uma fuga até a casa de uma prima de Gal, que mora no outro lado de São Paulo. A obra gira em torno dessa jornada onde Gal leva seus filhos e precisa fazer de tudo para não mostrar sua vulnerabilidade e nem a pobreza à sua volta para seus dois filhos. 

Muylaerte faz questão de mostrar uma cidade suja e completamente acinzentada, com muitos planos aéreos ou que capturem os personagens em plano conjunto, mas com uma visualização do horizonte um pouco mais livre sobre a cabeça daqueles que aparecem em cena. Sem contar que Muylaerte, sempre que possível, fecha o plano no rosto de nossa protagonista para mostrar o quanto ela está de esforçando e como está cansada a cada passo nessa jornada de fugir do seu antigo relacionamento tóxico e em busca de uma vida nova com seus filhos. 

Mas Muylarte grava seus protagonistas nessa jornada, como uma gama de cineastas atuais, que precisam da contemplação do sofrimento de pessoas pobres e pretas para se manter. Digo isso porque o filme não tem profundidade na sua construção imagética, são imagens sem construção, são planos sem profundidade, não existe construção de cores ou qualquer forma de construção dentro daquele cenário. Muylaerte coloca sua protagonista sofrendo em silêncio a todo tempo e tenta forçar seu desenvolvimento com a participação das crianças e sua ingenuidade sobre toda a situação. 

O filme pega um tema delicado com uma ótima atuação e não tenta ir além. Não é sobre complexidade na direção mas sobre a profundidade da mesma sobre a capacidade de responder aquele mundo com a imagem, Muylaerte faz parte do sintoma atual da direção de filmes com temas sociais explícitos que usam o tema como resposta total. Em meio a uma crise com o aumento estrondoso de moradores de rua nas ruas de São Paulo, a direção e o roteiro decidem fazer uma história de superação em um mundo onde ninguém superou nada. 

Tem uma cena onde Gal com seus dois filhos decidem brincar de se molhar em um chafariz que liga e desliga de noite, e Muylaerte dirige essa sequência com muitos planos conjuntos e slow-motion para mostrar como todos os personagens estão alegres em poder finalmente estar se banhando e se divertindo uns com os outros. Não é sobre o filme tentar dar um jeito em não se mostrar uma vitrine de sofrimentos para o espectador aplaudir, mas é sobre tornar essa jornada, algo belo. 

Esse filme faz parte da leva de criações audiovisuais que foram criados pensando em mostrar para o espectador brasileiro que mesmo você sendo uma catadora de lixo reciclável, com dois filhos e um companheiro abusivo, e alcoólatra, ainda tem um futuro lindo pela frente. Estarmos no ano de 2025 com diretores de cinema fazendo filme propaganda neoliberalismo barato chega a ser trágico. Mas o mais trágico é a direção vender essa ideia e nem se esforçar para fazer esse discurso torpe. 

Quando nos remetemos às outras obras da diretora, como Que Horas Ela Volta?, Durval Discos, até mesmo seu último curta Nosso Pai, existia pelo menos a importância do monumento para a narrativa. Existia posição de atores e trabalho de figurino para dizer que a imagem por si só tinha algo. Mas Muylaerte decide fazer uma propaganda motivacional com a expressão mais acinzentada que a cidade paulista pode entregar. Para que no final, dê tudo certo e a família pode estar junta de novo, assistindo o time do coração jogar. 

Cinema e Verdade dificilmente andam a lado, na teoria cinematográfica nem pensamos em coloca-los de mãos dadas. Mas nunca desvinculamos Cinema de Política, pois ambos estão amarrados, grampeados e grudados sem a possibilidade de não estarem juntos. E nesse filme, Muylaerte não foi somente displicente como alguém que tem como obrigação pensar a imagem sobre oque vai dizer, mas se mostrou desonesta politicamente. 

TEXTO DE ADRIANO JABBOUR.

segunda-feira, 19 de maio de 2025

Caiam As Rosas Brancas - Quando o erotismo encontra o misticismo, mas ambos se perdem no caminho para São Paulo

Caiam As Rosas Brancas | Boulevard Filmes


No filme Caiam as rosas brancas! acompanhamos Violeta, uma jovem cineasta, durante a produção de um filme pornô lésbico. Com o sucesso de uma versão amadora filmada pelo seu grupo de amigas, ela é convidada a dirigir uma versão capaz de atingir o grande público. O orçamento e ideias já defendidas transformam a narrativa e Violeta precisa fugir com sua equipe de Buenos Aires para São Paulo, no intuito de ampliar suas percepções e realizar uma verdadeira obra de arte.

O filme tem início ancorado no erotismo e na estética do road movie. O erotismo em questão recorre a representações superficiais e estereotipadas do desejo lésbico, transformando-o em uma ferramenta de exploração visual que muitas vezes se distancia de uma representação autêntica e multifacetada da experiência lésbica. As personagens são apresentadas de maneira hipersexualizada, o que resulta na criação de figuras que se reduzem a objetos de desejo, em vez de personagens complexas e tridimensionais. 

As cenas, em sua maioria, parecem mais focadas em provocar uma reação visual imediata do público do que na construção de vínculos afetivos genuínos e profundos. Ao invés de explorar as nuances das relações lésbicas, o filme adota uma abordagem simplista que não vai além do erotismo gratuito, tratando o desejo como algo superficial e descartável. A falta de uma elaboração psicológica sólida nas interações entre as personagens é notável, pois as relações não são construídas com profundidade emocional ou intimidade real, mas sim como uma forma de alimentar uma narrativa visual que se baseia em um apelo sensorial imediato.

Embora a fusão entre erotismo e misticismo seja proposta de maneira intrigante, o filme acaba por cair em uma fórmula previsível, onde a busca por simbolismos e metáforas acaba obscurecendo a clareza da narrativa. Ao tentar integrar essas camadas sensoriais e espirituais, a obra por vezes se perde no excessivo misticismo, transformando eventos e situações cotidianas em algo excessivamente criptografado, o que pode alienar o público e gerar confusão. 

A ideia de um realismo fantástico, onde o real e o imaginário se entrelaçam, poderia ter sido mais explorada de forma coesa, mas muitas vezes se vê um desequilíbrio entre a profundidade dos símbolos e a falta de uma trama sólida, resultando em uma experiência que, ao invés de cativar, acaba por parecer forçada. Além disso, o misticismo, que deveria emergir como uma extensão natural das experiências internas das personagens, acaba por parecer uma tentativa de dar profundidade a uma história que, no fundo, carece de substância e desenvolvimento emocional genuíno. O filme, ao final, mais parece um emaranhado de imagens e sensações, mas com pouca relevância ou impacto real.

As escolhas visuais revelam-se especialmente agradáveis, evocando com sutileza um estilo intimista e sensorial que convida o espectador a uma experiência mais emocional e contemplativa. A trilha sonora, por outro lado, percorre uma dinâmica marcante, alternando passagens de silêncio denso e contemplativo com explosões inesperadas de sons orgânicos e dissonantes. Essa oscilação sonora não apenas acompanha, mas amplifica o turbilhão emocional vivido pelas personagens, funcionando como uma extensão sensível de seus estados internos. Sendo capaz de sugerir nuances psicológicas e criar atmosferas de tensão, introspecção ou desconforto, dependendo da intensidade e da textura musical empregada.

Caiam as rosas brancas! se apresenta como um filme com grandes ambições, mas que se perde em suas tentativas de unir erotismo, misticismo e sensações visuais de maneira coesa. Embora a proposta de explorar o desejo lésbico através de uma lente erotizada e superficial seja um ponto de partida interessante, a obra não consegue ir além dos estereótipos e da exploração visual, negligenciando a profundidade emocional e a complexidade das relações humanas. A tentativa de integrar o misticismo e o realismo fantástico, ao invés de enriquecer a narrativa, acaba por obscurecer a clareza da história, resultando em uma experiência confusa e desconectada.


Autor:


Meu nome é João Pedro, sou estudante de Cinema e Audiovisual, ator e crítico cinematográfico. Apaixonado pela sétima arte e pela cultura nerd, dedico meu tempo a explorar e analisar as nuances do cinema e do entretenimento.

terça-feira, 1 de abril de 2025

Onda Nova - Sexo, drogas, futebol feminino e quebra de tabu

Onda Nova | Vitrine Filmes


Sinopse: ONDA NOVA, 1983, é uma comédia erótica e anárquica que reúne histórias das jogadoras do Gayvotas Futebol Clube, um time de futebol feminino recém-formado em plena ditadura militar, no ano em que o esporte foi regulamentado no Brasil, depois de ter sido banido por 40 anos. Com o apoio de renomados jogadores da época como Casagrande, Pitta e Wladimir, elas enfrentam os preconceitos de uma sociedade conservadora. Paralelamente, lidam com seus problemas pessoais e familiares, e se preparam para um simbólico jogo internacional contra a seleção italiana.

Após sua primeira exibição na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em 1983, Onda Nova foi censurado pela ditadura militar, por ser considerado “subversivo e amoral”. Dessa forma, estreou apenas quarenta e dois anos depois de sua produção, o que diz muito sobre o passado e o presente. Em uma época de ascensão da extrema direita, temas como os retratados no filme correm o risco de serem suprimidos novamente.  


Sob direção de José Antonio Garcia e Ícaro Martins, o elenco conta com nomes como Wladimir Rodrigues dos Santos, Walter Casagrande e Olívio Pitta, ícones da Democracia Corintiana, além do narrador Osmar Santos e de Caetano Veloso, figura fundamental na oposição à ditadura, especialmente no meio musical.  


Nesse contexto, somos apresentados ao Gayvotas Futebol Clube, um time fictício de futebol feminino carioca, treinado por Casagrande. Gradualmente, o filme nos introduz aos personagens, suas vidas e dilemas. Se, por um lado, o simples fato de retratar o futebol feminino já era considerado problemático e transgressor para a época, o longa vai além ao abordar temas como sexualidade, consumo de drogas, aborto e não monogamia, tudo de maneira explícita e sem pudores. O próprio nome do time, “Gayvotas”, já carrega uma sátira por si só.  


Há quem diga que as cenas de sexo em Onda Nova são excessivas e despropositadas, mas é essencial considerar o contexto em que o filme foi realizado e sua ressonância até os dias atuais. Em uma sociedade onde a vida era restringida por limites arbitrários e uma moralidade imposta que não tolerava certas pautas, o longa surge com a proposta de romper totalmente com o que era considerado aceitável e resgatar o imaginário de uma juventude liberal, que desafia os pais e tem sua própria maneira de enxergar o mundo.  


Entre as discussões levantadas pelo roteiro, uma das mais presentes é o espaço que as mulheres ocupam. Um dos melhores exemplos disso é a personagem Lilli (Cristina Mutarelli), goleira do Gayvotas, que corta o cabelo curto, beija meninas e tem diversos atritos com sua mãe (Patrício Bisso), interpretada por um ator de traços grosseiramente masculinos. Essa escolha reforça um contraponto, promovendo uma “inversão de papéis” e desmistificando os rótulos sociais.  


Nos aspectos técnicos, o longa se destaca pela direção de fotografia excepcional, que capta belos planos da vida urbana noturna do Rio de Janeiro, além de criativas passagens oníricas que, ora comunicam uma mensagem objetiva, ora apenas “viajam”. Em linhas gerais, Onda Nova não é um filme que agradará a todos os públicos, mas levanta debates importantes e contemporâneos de maneira engenhosa e ousada, além de oferecer uma experiência desafiadora e provocativa para aqueles dispostos a abrir a mente para sua proposta.  


                                                              Autor:


Mateus José é graduando de Licenciatura em Cinema e Audiovisual pela UFF, escritor, poeta, montador e aspirante a diretor de fotografia. Apaixonado pelas artes, literatura, música e principalmente o cinema, dedica-se a consumir, estudar e dissecar as camadas mais profundas do cinema e da arte.



Telefone Preto 2 - Do Suspense Psicológico para a Hora do Pesadelo

Telefone Preto 2 | Universal Pictures Pesadelos assombram Gwen, de 15 anos, enquanto ela recebe chamadas do telefone preto e tem visões pert...