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segunda-feira, 11 de agosto de 2025

Salomé (2024) - Ou amor à flor de loló

Salomé | Vitrine Filmes


Uma mana vê um mano, ele retribui de volta. Eles se encontram na pista de dança. Os sentimentos ficam à flor da pele. Ele cheira uma latinha de loló, depois oferece para a garota. Ela inala a substância…  E o que ela vê é mágico, transformador, quase angelical. Este é um dos pontapés iniciais do longa-metragem Salomé (2024), dirigido por André Antônio, que vem conquistando festivais e mostras de cinema desde sua estreia no 57o Festival de Brasília.

No melodrama queer, nossa protagonista é Cecília (Aura do Nascimento), uma modelo de sucesso que mora em São Paulo. Ela retorna para Recife, para passar o natal com a mãe, Helena (Renata Carvalho). Cecília reencontra João (Fellipy Sizernando), um vizinho da infância, e fica fascinada pela beleza dele. Uma noite, João apresenta para ela um loló diferente, esverdeado, que leva a ligação entre os dois para um lugar de obsessão e mistério envolvendo um culto secreto em torno da figura de Salomé, a luxuosa princesa bíblica.

A personagem “Salomé” teve como sua maior recepção nas artes a peça homônima do escritor irlandês Oscar Wilde, texto foi publicado em francês no ano de 1893, mas sua tradução ao inglês foi censurada na Grã-Bretanha no ano seguinte. A versão de Wilde, um autor queer, penetrou no imaginário popular ao longo dos anos. 

No cinema, a peça inglesa deu origem a duas adaptações bastante interessantes a este crítico: Salomé (1922) de Alla Nazimova e Charles Bryant, com um elenco inteiramente LGBT, e A última dança de Salomé (1988) de Ken Russell, que reconstitui de forma livre a primeira (e clandestina) montagem da obra na Inglaterra e o atrito entre Wilde e seu amante, Lord Alfred Douglas. Felizmente, Antônio consegue costurar aqui um filme tão icônico quanto as adaptações mencionadas, mesmo que o intuíto seja mais conversar com o clássico de Oscar Wilde, do que recriar fielmente seu texto.

Assim como a peça, Salomé de Antônio é sobre desejo e anseio, mas o realizador atualiza a relação para a geração das relações líquidas, vazias, das redes sociais, do chemsex: o mundo do “pós-alguma coisa”, repleto de afetos artificiais e desilusões amorosas. 

A jornada de Cecília, nossa Salomé, é complexa, pois o desejo dela não é só passional, mas sim de tomar decisões, de enfrentar o impossível, ter as rédeas do próprio futuro. Isto vai de contra os desejos de Helena, sua mãe, que reza e tenta manipular um caminho para a filha, tal como Herodias tenta convencer Salomé a não ceder aos seus instintos e não usar e contrariar seu padrasto Herodes, o Tetrarca da Judéia.

Enquanto a personagem de Wilde é imponente e manipuladora para conseguir realizar o gozo de beijar Ionakaan, Cecília possuí uma inocência e um páthos, uma dor, que constroem sua personagem de forma humana e sensível. A intérprete, Aura do Nascimento, usa da pose e de seu carão como uma proteção de Cecília ao mundo exterior, mas consegue desmanchar para mostrar a vulnerabilidade da jovem em sua intimidade. 

Outro destaque do elenco, claramente, é a atriz Renata Carvalho, magistral como a mãezona Helena, pondo uma emoção palpável em cada palavra que diz e em cada reação que aparece na tela. Uma frase banal em sua boca carrega um sentimento profundo. Aqui, Carvalho não só incorpora um tipo específico de mãe, ela dá a luz a uma mãe na tela.

Salomé é muitas coisas, uma releitura de um clássico da literatura, uma história de amadurecimento tardio, de transformação interior, de paixões; um filme entre mãe e filha com representação trans… Mas o importante é que se trata de um “filme queer”, e Antônio e cia não só sabem disso, mas como dominam a linguagem do estranho, do diferente: 

O camp e o kitsch estão presentes na tela, como parte do léxico da obra e não como algo acidental. As cores são fortes e atraentes, quase almodovarianas, sendo o verde, remetente a cobra do jardim do Éden, a mais recorrente de todas. Tem uma mise en scène criativa. A edição cede ao experimental em certos momentos. O culto de Salomé, que tem uma importância significativa, parece uma versão reptiliana de Hot Boys ou Irmãos Dotados, saído de um filho híbrido entre Araki e Bressane. Com este trabalho, André Antônio consegue se sedimentar como um dos nomes mais interessantes do cinema queer brasileiro atual, ao lado de Daniel Nolasco e George Pedrosa.

É um filme com gosto (e cheiro de loló), senso de humor e muita ousadia de enxergar o mundo fora dos padrões, de brincar com as expectativas. Uma produção afiadíssima. A obra de Wilde culmina na tragédia, mas o filme de Antônio, na libertação. 

[Filme assistido durante o 14o Rio LGBTQIA+ - Festival Internacional de Cinema, realizado em 2025]



                                                                  Autor:
                                  

Eduardo Cardoso é natural do Rio de Janeiro, Cidade Maravilhosa. Cardoso é graduado em Letras pela Universidade Federal Fluminense e mestre em Estudos de Linguagem na mesma instituição, ao investigar a relação entre a tragédia clássica com a filmografia de Yorgos Lanthimos. Também é escritor, tradutor e realizador queer. Durante a pandemia, trabalhou no projeto pessoal de tradução poética intitulado "Traduzindo Poesia Vozes Queer", com divulgação nas minhas redes sociais. E dirigiu, em 2025, seu primeiro curta-metragem, intitulado "atopos". Além disso, é viciado no letterboxd.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

Queer - O descobrimento através do surreal

Queer | A24

Do diretor que abriu o ano com seu aclamadissimo filme “Rivais”, Luca Guadagnino decide mostrar o quão diferente suas obras podem ser, e de forma incrível conta em película o livro “Queer” de Burroughs, um conto que foge totalmente do “padrão” Guadagnino.

Me encanta muito a primeira parte do filme, principalmente na construção do personagem de Lee, vemos um homem que sofreu e sofre tanta descriminação que por muitas vezes se sente culpado por ser quem é, e por isso age da forma que vemos. Outro ponto que me atrai bastante é a materialização dos desejos de William Lee, como aqueles pensamentos mais puros deles se materializam em tela de forma quase espiritual.

Um filme que começa numa espécie de realismo bem centrado na relação de seu protagonista com sua sexualidade, porém que transita para um surrealismo totalmente surpreendente, afinal a primeira metade não nos prepara para algo assim, e isso é maravilhoso.

Personagens apresentados de forma fechada e fria, quando a conexão mundana não é capaz de suprir os desejos dos personagens, a solução é escapar para o surreal, onde não há limitações de alma e corpo, onde não é preciso se expressar verbalmente, apenas sentir.

Na minha visão o filme ganha muita força quando abraça o surrealismo de forma total, quando você se entrega totalmente ao que está vendo, é como se estivesse junto à eles naquela viagem. Cada cena é visualmente espetacular e única, personagens vomitando corações, corpos que se abraçam e se unem, Lee observando ele mesmo no apartamento, entre muitas outras.

Guadagnino mesmo que filme de forma bastante clássica, observamos uma desconstrução moderna em sua narrativa. Os corpos são postos em cena como principal meio de expressão dos sentimentos, além disso a forma com que o tesao do filme se sustenta apenas no físico, nos corpos que compõe a cena, diferentemente de Rivais.

Autor:


Me chamo Gabriel Zagallo, tenho 18 anos, atualmente estou cursando o 3º ano do ensino médio e tenho o sonho de me tornar jornalista, sou apaixonado por cinema e desejo me especializar nisso. Meus filmes favoritos são Stalker, Johnny Guitar, Paixão e Rio, 40 graus.

terça-feira, 15 de outubro de 2024

Salão de Baile - Rio de Janeiro's Burning

Salão de Baile | Couro de Rato

Salão de Baile conta a trajetória do movimento Ballroom que nasceu nos Estados Unidos nos anos 1960, e que acabou chegando no Brasil nos anos 2000 (se tornando popular a partir de 2015). O movimento consiste em ser um espaço de liberdade de expressão Queer e LGBTQIA+ para poderem fazer performances de dança entre outras se baseando em artistas da música pop e nas poses e estéticas que se encontravam na Revista Vogue. O filme conta como esse movimento se encontra hoje no Rio de Janeiro. 

A direção em nenhum momento foge de mostrar sua inspiração pelo filme Paris is Burning da Jennie Livingston, lançado em 1990, que conta a mesma narrativa, porém em Nova York. Sem contar, claramente, que Nova York foi o berço do movimento Ballroom e a obra foi executada nos anos 90, onde a homofobia e a descriminação eram muito mais presentes do que os dias atuais. Mas isso seria um problema? Não, até pelo fato de que a direção utiliza tal obra simplesmente como inspiração, mas não a utiliza como uma bengala para o filme funcionar. 

Até porque a obra mostra esse cenário dentro da cidade do Rio de Janeiro, oque já é um ponto que traz muita diferença com a obra estrangeira citada, e o longo tempo de diferença de 40 anos até chegar ao nosso país. A obra mostra a ideia do Ballroom como uma resistência de existência e artística de todo um grupo marginalizado, entrevistando uma por uma das personagens contando suas realidades e como chegaram àquele espaço no qual elas encontravam liberdade. 

O filme também tem um foco na resistência afro no Rio de Janeiro, que vai no quesito estético, até mesmo na movimentação de seu corpo em suas performances. Mesmo o filme apontando os vários tipos de resistências presentes dentro do Ballroom, esses tópicos não colocam de lado a Ballroom que é o foco narrativo proposto. Mas, ao contrário, complementa ainda mais esse tema dentro do cenário carioca. 

A direção utiliza de várias linguagens para ligar a proposta do Ballroom com um espetáculo televisivo dos anos 90. Utilizando elementos estéticos, humor e os depoimentos de cada uma das personagens presentes para contextualizar o movimento e também fazer o espectador imergir para essa realidade tão pouco falada no cotidiano. A direção consegue de forma contundente misturar a explicação do que é o Ballroom, a vida de cada uma das participantes do movimento e o Ballroom que é mostrado durante o filme. Não só as performances chamam bastante a atenção do público, mas o como elas se conectam as suas personagens. 

A obra aponta questões como homofobia e o abandono familiar por conta da sexualidade, mas nunca coloca esses pontos em foco na obra, pois o filme prefere mostrar suas personagens quase como modelos da Vogue, e não transformar a imagem delas como apenas um grupo de vítimas da sociedade. Oque a obra consegue fazer de forma bem sucedida. 

Um dos poucos problemas que se encontra na condução desse filme, é perto da sua conclusão, onde os personagens começam a explicar sobre questões de gênero ao espectador. Isso destoa por completo do que era proposto. Não que falar sobre o tópico seja um problema, é necessário até por conta da conexão intrínseca com a origem do Ballroom, mas acaba sendo meia hora de didática escolar para o espectador. Oque se torna algo decepcionante, pelo fato da obra ser um grande espetáculo em conjunto com as vidas daquelas personagens que estão ali participando. 

É quase como se o filme olhasse para o espectador e o tratasse com pena em não entender alguns pontos ligados ao mundo LGBTQIA+ dentro do Ballroom, isso quebra a ligação do espectador com o espetáculo proposto. Mesmo isso sendo uma grande problemática, não afeta o total da obra, que continua tendo performances marcantes, como também mostra um cenário de expressão que muitos não conhecem, ou fingem não ver.

Salão de Baile consegue elaborar de forma clara oque significa a Ballroom no Rio, e aquelas que fazem parte dela. Tendo uma direção que consegue conectar uma montagem inteligente com o espetáculo filmado e mostrando a expressão daqueles que a todo tempo são marginalizados. Mesmo o filme perdendo sua força em alguns momentos, e não acreditando na capacidade de entendimento de seu espectador, o filme segue sendo uma porta para um lugar onde algumas pessoas conseguem encontrar liberdade finalmente. 

TEXTO DE ADRIANO JABBOUR.

Telefone Preto 2 - Do Suspense Psicológico para a Hora do Pesadelo

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