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terça-feira, 1 de abril de 2025

Milton Bituca Nascimento - Um Tributo Em Vida ao Grande Músico Brasileiro

 

Milton Bituca Nascimento | Gullane Filmes

O documentário do grande cantor e compositor brasileiro, Milton Bituca Nascimento, homenageia o astro ainda em vida e mostra como sua música atravessou fronteiras e conquistou milhares de fãs ao redor do mundo. Seus versos líricos e ritmos inconfundíveis foram inspiração para diversos cantores, inclusive no âmbito do jazz, onde o músico tem fortes raízes e influenciou uma geração de instrumentistas que se admiraram com suas músicas e arranjos excepcionais.

No último dia 2 de fevereiro, Milton passou por uma grande polêmica na 67ª edição do Grammy. O cantor estava indicado na categoria de Melhor Álbum de Jazz com Vocal, em parceria com a cantora americana Esperanza Spalding. Entretanto, Milton não teve um lugar reservado no salão principal ao lado de Esperanza na cerimônia em Los Angeles. Isso repercutiu mundialmente e muitos se perguntaram como um cantor desse calibre e um ícone da música brasileira teve um assento negado ao lado de Esperanza, que apareceu com um cartaz com a foto de Milton em protesto, escrito: "Esta lenda viva deveria estar sentada aqui."

Esperanza também é uma das convidadas que aparece no documentário reverenciando o grande Bituca. Ao lado dela, vários expoentes da música brasileira também surgem, como: Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Djavan, entre outros. Narrado pela incrível Fernanda Montenegro, o filme reflete o impacto que Milton causou em vários artistas e seus fãs ao longo de sua carreira. Se no Grammy o cantor foi completamente esnobado, aqui ele brilha e tem sua voz escutada, além de suas músicas totalmente contempladas.

Todavia, o documentário tropeça em alguns momentos, como, por exemplo, no saudosismo exacerbado sobre a figura de Bituca. É fato que o cantor é um dos maiores compositores e multi-instrumentistas do país, mas quando se tem tantas reverências e elogios em torno da figura do cantor mineiro, acaba-se saturando esse ponto de vista e transparecendo uma competição de quem o homenageia da melhor forma.

O documentário não se preocupa em mostrar as dificuldades que Milton enfrentou em sua carreira, suas decepções, seus álbuns que não tiveram grande repercussão. Em uma obra como essa, é importante sabermos não apenas seus pontos altos, mas também seus baixos. Isso, de certa forma, acaba humanizando mais ainda o artista.

Além disso, a narração de Fernanda Montenegro se torna um tanto problemática em certos trechos. A extensão de seu discurso acaba se alongando e tornando-se cansativa. Em um instante, ela narra enquanto um dos convidados está conversando com Milton Nascimento, e não entendemos o que eles estão de fato dizendo. A edição não se atentou a esse problema e acabou se enrolando nessa questão.

O filme também se limita a demonstrar tantos cantores norte-americanos citando a inspiração que Milton trouxe para suas carreiras. Acredito que esses registros foram coletados durante a turnê mundial que Bituca realizou quando passou pelos Estados Unidos. Entretanto, Milton Nascimento foi referência musical para muito além de outros países, não apenas nos Estados Unidos. Ainda assim, é interessante perceber como seu repertório no estilo jazz contribuiu tanto para o cenário musical da região.

O ícone da música popular brasileira tem seu devido tributo representado neste documentário. Apesar de a película não destacar outros momentos da carreira do cantor e apontar outros lados que também são pertinentes para entendermos a trajetória de Milton, como suas inspirações, sua busca por reconhecimento, a escolha de gravadoras. O filme, contudo, cumpre seu papel em retratar a grandeza de suas músicas e o afeto de tantos amigos e familiares que foram tocados por sua arte ao longo de gerações. Uma pena para o Grammy, que não soube reconhecer esse artista legendário.


Autor:


Meu chamo Leonardo Veloso, sou formado em Administração, mas tenho paixão pelo cinema, a música e o audiovisual. Amante de filmes coming-of-age e distopias. Nas horas vagas sou tecladista. Me dedico à exploração de novas formas de expressão artística. Espero um dia transformar essa paixão em carreira, sempre buscando me aperfeiçoar em diferentes campos criativos.

terça-feira, 21 de janeiro de 2025

Luiz Melodia: No Coração do Brasil – Uma Ode à Música Popular Brasileira

Luiz Melodia: No Coração do Brasil | Embaúba Filmes

“É bom se soltar…Enquanto existe música em cada um, existe liberdade”

E é assim que se inicia o documentário de um dos maiores expoentes da música popular brasileira: Luiz Melodia, durante um de seus shows pedindo para que as pessoas se movimentem, dancem e cantem, por que era assim que ele gostava de sentir sua plateia, totalmente imersa em sua arte.

O documentário, bastante iconográfico e narrado por Luis durante entrevistas gravadas ao longo de sua carreira, mostra a origem do cantor carioca desde seus primeiros trabalhos até chegar ao estrelato máximo e ser reconhecido por milhões de brasileiros. Logo no primeiro ato, é possivel perceber como cantoras de grande escalão que já eram reconhecidas nos anos 70, ajudaram Luiz a catapultar o seu talento que só precisava de empurrãozinho para ser revelado como um dos maiores cantores e compositores do país.

Seu primeiro LP, Peróla Negra, lançado em 1973 teve bastante repercussão e sucesso de vendas, até porque já vinha com o título de um grande sucesso seu também gravado pela irreverente amiga, Gal Costa. Além de Gal, Maria Bethânia também foi outra artista a ter uma de suas músicas gravada, a famosa “Estácio, Holly Estácio”. Canção essa, que já tinha o puro DNA do multi-instrumentista Luiz Melodia, afinal, o bairro de Estácio, no morro do Rio de Janeiro, foi onde o músico nasceu.

Por mais que Luiz viesse de grandes raízes sambistas, até por seu pai, Oswald Melodia, já ser reconhecido no eixo carioca como um grande músico do gênero e foi até do mesmo que Luiz herdou seu nome artístico. Ele não queria apenas tocar samba, o cantor era contra se prender em um gênero. Isso demonstra como ele tinha uma pluralidade musical e contrariava os estereótipos (como ele mesmo cita) de que o negro tem que descer do morro e tocar apenas samba.

Ao longo de sua carreira, Luiz, tocou diversos estilos musicais como rock, blues e soul. O que acabou deixando várias gravadoras insatisfeitas e recusando trabalhos do cantor para gravar. Mas Luis deixa claro em seu documentário que era uma pessoa sempre seguia sua intuição e não deixava ser moldado por tendências. Ele era um cantor que acreditava no seu potencial e tinha autoconfiança na diversidade musical que podia entregar em seus versos.

O documentário é bastante respeitoso com o cantor que nos deixou a quase uma década. Isso se deve muito também à diretora musical e que também assina o roteiro do filme, Patrícia Columbo, a mesma foi grande amiga de Melodia. É incrível como também, a equipe de produção conseguiu captar tantas reportagens, matérias e entrevistas do músico e editaram em apenas ele como narrador. Isso reproduz uma autenticidade e segurança enorme pro longa, pois temos a certeza que nada está moldado ali. São gravações e imagens reais que transmitem toda a natureza e personalidade desse grande ícone brasileiro.

Luiz Carlos dos Santos, foi um homem simples do morro carioca e que mesmo com a sua fama, nunca esqueceu de onde veio e dos seus amigos. Era um cantor que sempre respeitava seu coração e seu tempo. Mesmo demorando anos para entregar novos discos, ele sabia que valeria a pena no final e estaria em paz consigo mesmo. Afinal, um artista precisa de seus instantes, sejam eles curtos ou longos para compor aquilo que se sente mais confortável. Sem falar, na grande legião fãs e apreciadores das suas músicas que ele sabia que sempre poderia contar.

Um longa que faz uma grande homenagem ao “poeta da Estácio”. Uma grande homenagem à MPB.

Autor:


Meu chamo Leonardo Veloso, sou formado em Administração, mas tenho paixão pelo cinema, a música e o audiovisual. Amante de filmes coming-of-age e distopias. Nas horas vagas sou tecladista. Me dedico à exploração de novas formas de expressão artística. Espero um dia transformar essa paixão em carreira, sempre buscando me aperfeiçoar em diferentes campos criativos.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2025

SuperMan: A História de Christopher Reeve - Um ícone que se tornou ícone

SuperMan: A História de Christopher Reeve | Warner Bros. Pictures


Seria de extrema ingenuidade pensar que o filme Superman de 1978 não faz parte do repertório cultural de todos os entusiasta de cinema e cultura popular vivos hoje. Mesmo já tão distante, o rosto de Reeve sempre aparecerá na cabeça das pessoas do mundo todo ao ouvir o nome “Super-Homem”. O documentário - sendo esse a primeira promessa de Gunn e obra fundadora do que será agora o DC Studios, criado para competir com a já gigante porém decadente Marvel no grande e lucrativo mercado de filmes de super-heróis - É uma abordagem nova e corajosa, passa longe de ser um simples caça-níquel e honra e homenageia uma das histórias mais interessantes, tristes e comoventes da indústria cinematográfica, e aborda todo o tema com maestria e sensibilidade. 

O documentário é contado através de imagens de arquivo da vida e dos filmes que Reeve atuou, somados com filmagens atuais de seus familiares e alguns colegas de trabalho, e a narrativa começa nos mostrando o início de carreira de Reeve, em alto astral, fingindo que o acidente que mudaria a vida do ator para sempre nunca aconteceu, e nos enganando conforme o fazia. O que importava era a ascensão desse antigo porém novo personagem, e de um ator que passaria de quase desconhecido para ícone eterno do gênero e do cinema. 

Vemos seus romances, o nascimento de seus filhos e de como ele aproveitava a vida com um estilo muito ativo fisicamente. Tudo levando a nos chocar mais ainda com o evento futuro. Como é possível que uma coincidência tão assustadora pudesse acontecer? Talvez exista ainda um sentimento de negação a esse evento. O imaginário da humanidade é quase tão indestrutível quanto o homem de aço em si, e é quase impossível acreditar que esse símbolo de força e invulnerabilidade pudesse ter sofrido tão desastroso acidente, tornando sua história de vida quase tão icônica quanto o personagem em si.

Do meio para o final do filme acompanhamos a história após o acidente de hipismo que deixou Christopher Reeve tetraplégico. A montagem paralela que contrasta arquivos do filme do invencível Superman com filmagens da luta diária de Reeve com sua nova realidade provoca um sentimento que depois nos é mastigado no próprio enredo do documentário de que sua força e coragem inabaláveis se comparavam agora com seu personagem mais do que nunca. 

Apesar de completamente dependente vinte e quatro horas por dia, esse super homem permaneceu ativo na vida de sua família e lutou até o final dos seus dias pelos direitos dos estadunidenses que passam por deficiências físicas, e por conta de talvez uma eterna negação de seu estado somados com uma inabalável esperança de voltar a andar, foi peça fundamental para o financiamento de estudos revolucionários de medicina que podem ajudar pessoas como ele mesmo a recobrarem seus movimentos em sua totalidade. E mesmo após sua triste

Morte, suas ações em vida permanecem a ajudar. O documentário não falha em nos apresentar e até mesmo responder a questão que ele mesmo levanta: “O que é um herói?”. Como é possível ter na história da humanidade uma coincidência tão grande que debilitou um símbolo de indestrutibilidade? Que após seu acidente nos mostra que Reeve não apenas nasceu para interpretar esse símbolo, como também o símbolo do Superman nasceu para que fosse interpretado por Reeve.

Autor:


Henrique Linhales, licenciado em Cinema pela Universidade da Beira Interior - Covilhã, Portugal. Diretor e Roteirista de 6 curta-metragens com seleções e premiações internacionais. Eterno pesquisador e amante do cinema.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

Corpo Presente – Expressão e Liberdade dos mais Subjetivos Corpos

Corpo Presente | Embaúba Filmes


O cineasta veterano Leonardo Barcelos, resolveu embarcar, desta vez, na direção de outro documentário bastante experimental. O produtor apresenta “Corpo Presente”, filme com um tom bastante conceitual, que dialoga com as questões e pluralidades que nossos corpos podem representar na sociedade. Narrado e protagonizado pela atriz Ludmilla Ramalho, mas também com narrações de depoimentos citados em paralelo por alguns expoentes sociais brasileiros como Suely Rolnik, Ailton Krenak e Erika Hilton. O documentário é dividido em cinco atos, são eles: a pele, o outro, a natureza, as marcas e a expansão. E é a partir de cada um deles que destrincharei esse texto.

Ato 1 – A pele

“Busco saídas pra não ser devorada no meio da cartografia que desenho”, Ludmilla comenta. Nesse primeiro momento é possível perceber que a narradora expõe sobre as problemáticas das cobranças que a sociedade impõe aos nossos corpos, principalmente no que tange o feminino. Em um uma determinada cena, há uma personagem inteiramente coberta com uma espécie de algodão enquanto outro personagem vai retaliando e moldando a forma desta camada branca. Isso nos traz para um lugar onde analisamos sobre como temos sempre padrões de beleza inalcancáveis e muitas vezes tentamos nos moldar para chegar nesses parâmetros. Nossa matéria física é constantemente inferida e julgada; nossos aspectos são reduzidos, quando, na verdade, simplesmente refletem a singularidade e a diversidade de quem somos como pessoa.

Ato 2 – O outro

“É só através do outro que posso existir? Estou preso nessa imagem que fazem de mim e eles também? O mesmo processo.”

Nesse ponto a personagem se questiona como os outros são muitas vezes nossos espelhos e nos identificamos a partir de outros corpos. No início do documentário, há um plano de uma cena bem dirigida fotograficamente com um espelho numa praia de costas para o mar, como se nós, espectadores, estivéssemos nos olhando nesse objeto. Entretanto, não há reflexo de ninguém, apenas das ondas no mar desaguando na baía. Essas alegorias tanto do espelho quanto do mar interrelacionam com os reflexos que temos como ser humano e como o mar representa as infinitas possibilidades que podemos nos enxergar de si mesmo, mas também no outro. A busca pela nossa identidade é contínua, seja nos modos de nos expressarmos, como no modo de agir,vestir, andar, falar, gesticular, etc.

Nossos comportamentos e influências, muitas vezes, são pautados pelo outro, mas até onde vai esses limites de comparação? É possível sermos nós mesmos sem estarmos o tempo todo nos olhando a partir da percepção do “outro”? Sendo que provavelmente o “outro” também pode estar seguindo o mesmo padrão. São questões que precisamos repensar como indivíduos e discernir até que ponto devemos nos deixar ser enxergados por outras pessoas e por opiniões que não nos cabem, nosso corpo é apenas uma estrutura física de quem somos. Nossos pensamentos, ideias e personalidades também fazem parte do nosso corpo, é preciso levar em conta esses fatores e não nos limitarmos em relação ao interlocutor.

Ato 3 – A natureza

“A mulher é a matéria, o homem é o verbo. O homem é uma ideia e a mulher um barro que deve ser moldada”

Neste ato, a protagonista discute sobre a visão da mulher em relação ao homem, abordando sobre o viés machista e misógino que a sociedade vive. O homem, na maioria das vezes, é visto como símbolo de liderança e porta-voz, enquanto a mulher uma agente condescendente que deve seguir as regras e os comportamentos ditados por ele. Isso pode ser comprovado em diversos aspectos sociais, exemplo disso, é a questão que ocorreu recentemente no  novembro passado, na Câmara de Brasília, onde vários deputados, na maioria homens, votaram a favor da PEC 164 na  Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), com 35 votos favoráveis contra 15 opositores, essa PEC em questão pode acabar com os direitos das mulheres de interromperem gravidezes em caso de estupro, anencefalia fetal e risco de morte da gestante, lei essa que já é outorgada no 5º parágrafo da Constituição Federal. Ou seja, são direitos de corpos femininos que podem ser violados por opiniões ideológicas masculinas na esfera política.

Isso reflete em vários outros campos da sociedade, onde a mulher é inferiorizada ou questionada pelos seus atributos apenas por ser quem é, sem contar a grande taxa de feminicídio que o Brasil tem anualmente. Enquanto os políticos em atividade poderiam estar trabalhando em programas de combate à violência contra mulher que acontece em varias camadas sociais, muitos estão simplesmente debatendo sobre a redução dos direitos das mesmas.

Ato 4 – Marcas

“O corpo feminino tem essa história de violência, de Aia […] O corpo fala e expõe conflitos, se dividem em ideologias e preconceitos. Lembrar do corpo afro indígena que tem no Brasil. É preciso lembrar da ancestralidade”.

A partir deste trecho é destacado sobre os corpos que sofreram violência no passado, principalmente em peles indígenas e africanas femininas. Durante esse ato, o documentário nos mostra cenas de corpos negros e de variados pesos. As mulheres, desde os tempos de colonização eram sujeitas a várias barbáries, inclusive o estupro. Elas sempre foram vistas como um corpo apenas de reprodução ou prazer carnal. Até os tempos atuais, é possível perceber essa herança ancestral de preconceito, e analisar como muitas vezes os corpos femininos são objetificados e violados. 

Etnias indígenas, quilombolas e outros grupos de raça negra têm um histórico de exploração muito forte no país, o que acabou perpetuando em várias gerações posteriormente. Além disso, os corpos negros são os que mais sofrem repressão atualmente. Corpos negros femininos são muitas vezes sexualizados e estereotipados pela população e precisamos como cidadãos desmitificar esses estigmas e reconhecer essa violência propagada por nossos antepassados e promover discussões que viabilize essas histórias, para que, de alguma maneira, tenhamos mais consciência sobre a realidade que um corpo negro vive e já viveu no país. Não podemos ter memória curta.

Ato 5 – A expansão

“Não há limites para o corpo. Ser arquiteto da sua identidade. A construção do gênero é binária, uma cultura antiga. Cada um pode estar no lugar onde quer. Transfobia. Esses corpos são invisíveis. A sociedade precisa enxergar o lado deles. Dessa humanidade.”

A narradora expõe aqui sobre a expansão dos corpos tradicionais, sobre a ilimitada possibilidade que os corpos podem ser. Discute sobre como a sociedade desde os primórdios, implementou essa cultura da binariedade e ao mesmo invisibilizou corpos não binários. É o caso do preconceito com todos os grupos LGBTQIA+. Esses corpos sentem na pele todo tipo de discriminação infringido sobre eles, em um instante do documentário é mostrado um caso de violência que aconteceu com um corpo trans na vida real, registrado em vídeo, e não aparecia ninguém prestando assistência; é uma impunidade constante. São indivíduos que possuem inúmeras dificuldades para se inserirem na sociedade e que lutam para ter o mínimo de respeito. Ao longo desse ato, é possível ouvir em um trecho da deputada federal, Erika Hilton, que é travesti e, está sendo porta-voz em um discurso que parece ser em uma tribuna, reafirmando e conscientizando sobre a justiça e liberdade desses corpos trans.

Mesmo com tanta informação, dados científicos, pesquisas, etc., ainda é possível visualizar o quanto a população está longe de legitimar esses corpos. Exemplo disso, são as pesquisas de taxas que revelam que o Brasil é um dos países que mais matam pessoas trans no mundo. É uma luta constante que esses grupos enfrentam para serem reconhecidos e validados.

Acredito que o documentário poderia esclarecer melhor as identidades das personalidades que possuem citações, as quais são ouvidas em paralelo. Não é mostrada nenhuma imagem desses ícones, tampouco legendas para o espectador. Nem todo mundo tem consciência de quem são esses expoentes, como Suely Rolnik que é uma grande escritora e psicanalista, Ailton Krenak, um indígena e ambientalista dos mais respeitados do país, e claro, Erika Hilton, uma política muito eloquente que luta pelos direitos humanos na Câmara dos Deputados. Não há como reconhecer todos apenas por suas vozes. Creio que faltou um didatismo nesse tópico, pois temos interesse em saber quem está falando para podermos associar com a causa.

Em questão da narrativa, em alguns momentos, achei cansativa. Poderia ter um ritmo mais fluído na edição dos atos. A fotografia é muito bem trabalhada. Sobre as representações dos corpos nus, achei muito potente essa liberdade que o documentário buscou e mostra de forma crua e artística a diversidade de todas nossas matérias físicas.

Autor:


Meu chamo Leonardo Veloso, sou formado em Administração, mas tenho paixão pelo cinema, a música e o audiovisual. Amante de filmes coming-of-age e distopias. Nas horas vagas sou tecladista. Me dedico à exploração de novas formas de expressão artística. Espero um dia transformar essa paixão em carreira, sempre buscando me aperfeiçoar em diferentes campos criativos.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

Empate – Seringueiros, os guardiões da floresta

Empate | Descoloniza Filmes

Direto e reto, o documentário Empate vem para reacender discussão sobre floresta, posse, direitos, condições de vida de trabalhadores rurais e o agronegócio (pop, eles disseram!). A obra é uma poderosa narrativa visual que mergulha na história dos seringueiros do Acre, que lutaram bravamente pela preservação de parte da floresta Amazônica em meio ao avanço do desmatamento à favor do agronegócio (tech, eles disseram!).

Como ambientação, trata daquele velho Brasil das décadas de 70 e 80, marcado pela ditadura militar e suas peculiaridades, por assim dizer. Segundo consta, a ideia era incentivar a ocupação da Amazônia para proteger fronteiras com o exterior e integrar a floresta ao resto do país. Como isso seria feito? Como qualquer projeto de desenvolvimento econômico: no lugar da floresta, gado, rodovias, hidrelétricas etc. Com o agronegócio em expansão, o desenho estava formado.

Ao contextualizar essa realidade, Empate traz um registro forte e ao mesmo tempo cheio de sensibilidade, simplicidade e rigor histórico. O documentário retrata não apenas a luta dos seringueiros e suas famílias para proteger tanto – e tanto – aquela floresta, como também a ideia de coletividade que sustentou desde o início o movimento.

Entre uma entrevista e outra, uma ambientação e outra, em cada canto, milimetricamente filmado, desde o primeiro minuto, é perceptível presença forte de Chico Mendes. A presença da ausência, como dizem! Ele que norteou o desejo daquele povo pela proteção da floresta, estava a todo tempo nas palavras de saudade, no olhar vazio e esperançoso de todos os personagens. Chico é símbolo da luta ambiental, reconhecido nacional e internacionalmente. A ideia dele já foi disseminada, feito penugem de dente-de-leão ao menor sinal de vento. 

Trazendo para os dias de hoje, os desafios sociais e ambientais ainda persistem, é visível! Empate não acaba nos créditos, pelo contrário, abre espaço para que os debates a respeito da temática não cessem. Por isso é uma obra tão importante.Empate tem uma atmosfera densa e melancólica – triste, até! –, mas deixa vivo o sentido de união de uma comunidade inteira que, com pouco, enfrentou os interesses de grandes corporações e de um Estado omisso e conivente. Lá atrás conseguiu, a história está aí para provar. E hoje?

A luta dos seringueiros, os guardiões da floresta, continua viva em cada pessoa que se posiciona contra a devastação. A ideia é viver junto com a floresta, não sem ela – motivos óbvios.

Autora:


Lá em 2004 participei do meu primeiro filme. Ali apaixonei pelo cinema, mas como toda boa paixão, à la Jack e Rose, naufragou. A vida toma rumos e acabei seguindo outra área. Mas nada apaga uma boa paixão, né isso? Me chamo Carol Sousa e hoje falo e escrevo sobre cinema, quem sabe isso quer dizer amor...

terça-feira, 29 de outubro de 2024

O Dia da Posse - Política e Imagem

O Dia da Posse | Embaúba Filmes

A trajetória de Brendo, que aspira à presidência do Brasil, revela uma juventude marcada pela ambição superficial e pela adaptação às dinâmicas das redes sociais. Enquanto estuda Direito e produz conteúdos para plataformas digitais, ele se projeta em um futuro de conquistas, refletindo não apenas um desejo de notoriedade, mas também a influência nociva de uma cultura de celebridade que prioriza a imagem em detrimento da substância. Essa idealização de liderança, exacerbada durante a pandemia por meio do entretenimento massivo, levanta questões inquietantes sobre a superficialidade dos valores que moldam os líderes da nova geração e sobre a capacidade real desses indivíduos de enfrentar os complexos desafios do país.

O documentário se desenvolve no contexto da pandemia da COVID-19, especificamente em 2020, quando a população foi forçada a permanecer em quarentena. Nele, são articuladas críticas contundentes ao presidente Jair Bolsonaro, destacando seu manejo das vacinas e o impacto prejudicial de suas decisões sobre a saúde pública. Essa análise levanta questões sobre a responsabilidade dos líderes políticos em momentos de crise. É provável que grupos com ideologias nacionalistas extremas não apenas discordem, mas também considerem as perspectivas apresentadas na obra como uma afronta, evidenciando a polarização crescente no debate político e social. Essa reação revela a dificuldade de engajamento com críticas fundamentadas, muitas vezes substituídas por uma defesa acrítica de narrativas que priorizam a ideologia em detrimento da verdade factual.

Embora se trate de um documentário, a obra evoca a estética de um filme do gênero slice of life, retratando personagens em atividades cotidianas, mesmo durante o isolamento. Cenas de exercícios na sala, cozinhar e conversas por vídeo oferecem uma visão íntima e realista da vida durante a pandemia. Essa abordagem destaca a resiliência e a adaptação das pessoas frente às dificuldades, mostrando como pequenos momentos do dia a dia podem se tornar significativos. Ao capturar essas experiências, o filme celebra a vida em sua forma mais autêntica, revelando a capacidade humana de encontrar conexão e significado, mesmo em tempos desafiadores.

A obra inclui detalhes que evocam a impressão de erros de gravação, exemplificados por Brendo ao tentar se posicionar adequadamente diante da câmera. Sua solicitação ao amigo para evitar gravações muito próximas, acompanhada de momentos de irritação, indica uma busca pela autenticidade em meio à vulnerabilidade da exposição. Essa dinâmica além de contribuir para a humanização do protagonista, funciona como dispositivo narrativo que destaca a desconexão entre imagem pública e a realidade pessoal, sublinhando a pressão que muitos sentem ao se expor em um mundo digital que exige perfeição. A tensão entre o desejo de ser visto de forma autêntica e a necessidade de se conformar a padrões de estética e comportamento estabelecidos pela sociedade cria uma profundidade emocional na narrativa, permitindo que o público se conecte mais intimamente com a experiência do protagonista.

Dia da Posse é uma obra multifacetada que, embora centrada na trajetória de Brendo, oferece uma reflexão profunda sobre a condição humana durante a pandemia. As críticas ao governo daquela época e as nuances da vida cotidiana durante o isolamento enriquecem o discurso, ressaltando a responsabilidade dos líderes e a complexidade das experiências vividas. Ao unir aspectos íntimos e coletivos, a obra não apenas documenta um momento específico, mas também convida o público a considerar as implicações sociais e emocionais de sua realidade.


Autor:


Meu nome é João Pedro, sou estudante de Cinema e Audiovisual, ator em formação e crítico cinematográfico. Apaixonado pela sétima arte e pela cultura nerd, dedico meu tempo a explorar e analisar as nuances do cinema e do entretenimento.

sexta-feira, 18 de outubro de 2024

MARIAS - Documentário que se aprofunda em apenas uma MARIA

Marias | Descoloniza Filmes


O documentário “Marias”, dirigido por Ludmila Curi, estreou em outubro de 2024. O filme é um "road movie" que viaja pelo Brasil e pela Rússia, destacando a vida de Maria Prestes, uma importante ativista nordestina que foi companheira do líder comunista Luís Carlos Prestes. Maria se engajou na luta pela reforma agrária e passou 40 anos ao lado de Luís Carlos, criando uma família e vivendo em exílio em Moscou. A obra, além de retratar sua trajetória, celebra outras figuras femininas que também marcaram a história, como Maria Bonita, Dilma Rousseff, Olga Benário e Marielle Franco.

O filme, por mais que se autointitule “Marias”, não se aprofunda, além da figura de Maria Prestes, como nas outras mulheres brasileiras: Dilma Rousseff, Olga Benário e Marielle Franco. Esta última, mesmo tendo tanta relevância nos últimos anos, é citada apenas nos minutos finais do documentário, como se fosse um recorte adicionado de última hora, limitado a um tempo de reportagem que provavelmente já assistimos no "Fantástico" da Rede Globo.

No que diz respeito à persona de Maria Prestes, o documentário consegue cumprir seu papel, retratando suas vivências desde a infância até o relacionamento com o famoso líder revolucionário Luís Carlos Prestes. A narradora consegue entrevistar Maria e, ao mesmo tempo, nos transportar a partir de manchetes e notas de jornais da época para nos localizar historicamente. Desde jovem, Maria já era ligada a pautas comunistas devido ao seu pai, João Rodrigues Sobral (conhecido como “Camarada Lima”).

Mas em nenhum momento o documentário sugere que Maria foi influenciada por seus familiares e marido em seus ideais políticos. Pelo contrário, ele reforça e afirma a autonomia que essa grande mulher pernambucana teve em suas atitudes e ativismo no decorrer de sua vida. Inclusive, em um trecho, o documentário faz questão de relatar um momento de conflito que ela teve durante atos de protestos e, mesmo assim, teve a certeza de continuar em sua luta política.

Através da entrevista com Mariana Prestes em 2017, filha de Maria Prestes (quando ambas moravam no interior do Piauí), podemos descobrir sobre a rotina da família durante o primeiro exílio de Luís Carlos Prestes. Mariana conta sobre as dificuldades que sofreram na época em sua infância, ela e mais oito irmãos (dois deles do primeiro casamento de Maria com Antônio Andrade).

Sua casa era constantemente vigiada devido à relação da mãe com um comunista exilado e, por isso, eles não tinham uma liberdade total para trafegar nas ruas e até mesmo adentrar em alguns terrenos que eram vigiados pelo governo. Isso demonstra como os filhos de Maria também foram afetados pelas perseguições políticas que seus pais sofreram e tiveram que se adaptar à realidade familiar. Apesar disso, Mariana soube contar momentos cômicos de sua vida jovem,mostrando que isso não prejudicou sua infância e que conseguia, mesmo nessa realidade, se divertir com seus irmãos como qualquer outra família.

Durante o segundo exílio de Luís Carlos Prestes, quando aconteceu a temida ditadura militar na Era Vargas, Maria teve que novamente se adequar a outra realidade, tendo que se exilar com seus nove filhos e seu marido na antiga União Soviética (URSS), onde passou nove anos de sua vida até receber a anistia brasileira e poder retornar ao seu país. Isso demonstra ainda mais a capacidade de resiliência dessa mulher, esposa e mãe que precisou fazer o que era melhor para sua família e se ambientar em uma língua e cultura totalmente diferente da sua.

A história de Maria é um espelho da sociedade brasileira. Quando percebemos o relato de Mariana, logo é possível notar a ausência do pai por questões de perseguições que vivenciava no período. A mesma diz, em um momento da entrevista, que não teve muito contato com ele, mas que o respeitava muito. Isso não exclui o fato de que tanto Mariana quanto seus irmãos tiveram um genitor ausente em sua família e que Maria Prestes foi uma mãe solo e uma mulher guerreira que teve que educar e sustentar nove filhos, passando por diversas adversidades ao mesmo tempo.

A falta da presença física de Maria no documentário durante as conversas não prejudicou sua história, só reforçou e deu mais visibilidade à sua trajetória –uma visibilidade que, muitas vezes, não é contada, retratada, ouvida de mulheres importantes no âmbito histórico brasileiro. Altamira Rodrigues Sobral Prestes (Maria Prestes) foi um símbolo de determinação nacional. Ela é só mais uma entre milhares de outras “Marias” nesse Brasil que passaram também pelas mesmas dificuldades e conseguiram ser resistentes perante as divergências da vida.

Isso me fez lembrar da minha mãe, também chamada Maria, e que também nasceu no Nordeste e foi mãe solo, precisando cuidar de quatro filhos e, ao mesmo tempo, trabalhar para arcar com as despesas de casa. Histórias como essas existem várias em nosso cotidiano, e cabe à sociedade desmitificar estereótipos de gênero, pois além das mulheres serem mães, esposas e profissionais, todas elas carregam a mesma humanidade, inseguranças e incertezas da vida que todos possuem.

“Marias” é um bom documentário no que tange à narração da vida de Maria Prestes, mas peca ao escolher o seu título e ao querer citar outras mulheres revolucionárias no espectro da esquerda política, pois não tem a mesma profundidade histórica desenvolvida como a de Maria Prestes. Todas elas foram grandes símbolos de ativismo político brasileiro, e não há como disponibilizar um tempo de tela para uma e apenas pincelar de forma rasa outras identidades tão influentes quanto foram para o país.



Autor:

Meu chamo Leonardo Veloso, sou formado em Administração, mas tenho paixão pelo cinema, a música e o audiovisual. Amante de filmes coming-of-age e distopias. Nas horas vagas sou tecladista. Me dedico à exploração de novas formas de expressão artística. Espero um dia transformar essa paixão em carreira, sempre buscando me aperfeiçoar em diferentes campos criativos.


terça-feira, 15 de outubro de 2024

Salão de Baile - Rio de Janeiro's Burning

Salão de Baile | Couro de Rato

Salão de Baile conta a trajetória do movimento Ballroom que nasceu nos Estados Unidos nos anos 1960, e que acabou chegando no Brasil nos anos 2000 (se tornando popular a partir de 2015). O movimento consiste em ser um espaço de liberdade de expressão Queer e LGBTQIA+ para poderem fazer performances de dança entre outras se baseando em artistas da música pop e nas poses e estéticas que se encontravam na Revista Vogue. O filme conta como esse movimento se encontra hoje no Rio de Janeiro. 

A direção em nenhum momento foge de mostrar sua inspiração pelo filme Paris is Burning da Jennie Livingston, lançado em 1990, que conta a mesma narrativa, porém em Nova York. Sem contar, claramente, que Nova York foi o berço do movimento Ballroom e a obra foi executada nos anos 90, onde a homofobia e a descriminação eram muito mais presentes do que os dias atuais. Mas isso seria um problema? Não, até pelo fato de que a direção utiliza tal obra simplesmente como inspiração, mas não a utiliza como uma bengala para o filme funcionar. 

Até porque a obra mostra esse cenário dentro da cidade do Rio de Janeiro, oque já é um ponto que traz muita diferença com a obra estrangeira citada, e o longo tempo de diferença de 40 anos até chegar ao nosso país. A obra mostra a ideia do Ballroom como uma resistência de existência e artística de todo um grupo marginalizado, entrevistando uma por uma das personagens contando suas realidades e como chegaram àquele espaço no qual elas encontravam liberdade. 

O filme também tem um foco na resistência afro no Rio de Janeiro, que vai no quesito estético, até mesmo na movimentação de seu corpo em suas performances. Mesmo o filme apontando os vários tipos de resistências presentes dentro do Ballroom, esses tópicos não colocam de lado a Ballroom que é o foco narrativo proposto. Mas, ao contrário, complementa ainda mais esse tema dentro do cenário carioca. 

A direção utiliza de várias linguagens para ligar a proposta do Ballroom com um espetáculo televisivo dos anos 90. Utilizando elementos estéticos, humor e os depoimentos de cada uma das personagens presentes para contextualizar o movimento e também fazer o espectador imergir para essa realidade tão pouco falada no cotidiano. A direção consegue de forma contundente misturar a explicação do que é o Ballroom, a vida de cada uma das participantes do movimento e o Ballroom que é mostrado durante o filme. Não só as performances chamam bastante a atenção do público, mas o como elas se conectam as suas personagens. 

A obra aponta questões como homofobia e o abandono familiar por conta da sexualidade, mas nunca coloca esses pontos em foco na obra, pois o filme prefere mostrar suas personagens quase como modelos da Vogue, e não transformar a imagem delas como apenas um grupo de vítimas da sociedade. Oque a obra consegue fazer de forma bem sucedida. 

Um dos poucos problemas que se encontra na condução desse filme, é perto da sua conclusão, onde os personagens começam a explicar sobre questões de gênero ao espectador. Isso destoa por completo do que era proposto. Não que falar sobre o tópico seja um problema, é necessário até por conta da conexão intrínseca com a origem do Ballroom, mas acaba sendo meia hora de didática escolar para o espectador. Oque se torna algo decepcionante, pelo fato da obra ser um grande espetáculo em conjunto com as vidas daquelas personagens que estão ali participando. 

É quase como se o filme olhasse para o espectador e o tratasse com pena em não entender alguns pontos ligados ao mundo LGBTQIA+ dentro do Ballroom, isso quebra a ligação do espectador com o espetáculo proposto. Mesmo isso sendo uma grande problemática, não afeta o total da obra, que continua tendo performances marcantes, como também mostra um cenário de expressão que muitos não conhecem, ou fingem não ver.

Salão de Baile consegue elaborar de forma clara oque significa a Ballroom no Rio, e aquelas que fazem parte dela. Tendo uma direção que consegue conectar uma montagem inteligente com o espetáculo filmado e mostrando a expressão daqueles que a todo tempo são marginalizados. Mesmo o filme perdendo sua força em alguns momentos, e não acreditando na capacidade de entendimento de seu espectador, o filme segue sendo uma porta para um lugar onde algumas pessoas conseguem encontrar liberdade finalmente. 

TEXTO DE ADRIANO JABBOUR.

terça-feira, 17 de setembro de 2024

Sofia Foi - E nunca mais será

 

Sofia Foi | Vitrine Filmes

Antes de mais, vale relembrar que o cinema é uma arte que vive em eterno paradoxo entre a arte expressiva e o meio comercial. E desde sempre parece que são nas obras com menos recursos monetários que se encontram as maiores e mais interessantes cargas de valor artístico e expressão dos autores. A presença do nome do diretor Pedro Geraldo e da protagonista e também roteirista Sofia Tomic em várias outras funções de equipe técnica somada à própria estética visual do filme, que remonta uma aparência do início da era digital, mostra como não são os equipamentos e recursos que fazem um bom filme, e sim as mentes e corações inquietos, e Sofia Foi não falha.

Vencedor do prêmio de Primeiro Filme do Festival Internacional de Cinema de Marseille, vemos a história de Sofia, uma jovem que acaba de ser despejada de seu apartamento e suspende seus estudos para oferecer seus serviços como tatuadora dentro da própria universidade para conseguir sobreviver, enquanto passa pela confusão emocional de um luto decorrente da perda de sua namorada. Ela vaga sem rumo pelo campus da universidade e se permite ser devorada pelas lembranças da sua história de amor que não pôde ter um final, a deixando numa eterna angústia de não saber o que sentir ou o que fazer. O filme apresenta uma relação de reflexo entre as duas meninas, como se com essa morte, Sofia tivesse perdido metade dela mesma, mas não deixando de ser uma personagem verossímil que ri, conversa com seus amigos e sonha quando dorme, pois não resta escolha para os que continuam vivos, a não ser continuar a viver.

Apesar de lento e contemplativo, o filme prende o espectador pela estética e profundidade da personagem, em como ele nos conta essa história de desaparecimento. Desaparecimento de tudo que tem, até o desaparecimento de quem é. Sofia luta para continuar seguindo sua vida, mas a realidade a oprime. O filme relaciona lindamente a relação do espaço com o corpo, que é o que, na forma mais material possível, como a humanidade experiencia a vida e junta a noção de existência e realidade com aquilo que se pode tocar e sentir.

Geraldo se mostra um diretor autor inteligente que domina seu meio para contar a história de Sofia com clareza, sem necessidade de explicação verbal, ou até, em momentos, o uso das falas dos seus personagens para transmitir a ideia contrária do argumento, como num momento pontual onde a protagonista fala com naturalidade sobre o evento da morta da sua namorada para uma cliente durante uma sessão de tatuagem, como se o acontecimento tivesse sido algo mundano e superado, mas a câmera só mostra Sofia da boca para baixo, em close-up, escondendo seus olhos e mascarando seu verdadeiro sentimento.

Outros recursos espetacularmente usados são a falta de movimento de câmera e enquadramento em 3:4 que nos prende junto à Sofia em seu mundo parado e sem perspectiva de avanço, o recurso fotográfico de não produzir a luz, como se faz num cinema mais comercial, mas sim de encontrar a luz, em determinado lugar e em determinado tempo, parra ilustrar a caminhada da personagem de ambientes iluminados, ou seja, alegres e visíveis, para a solidão e tensão do escuro, como também as lentas transições de dissolução, que mesclam momentos de passados e futuro assim como elipses de tempo dentro do próprio decorrer do dia de Sofia, como se ela estivesse não só presa ao seu espaço, mas também presa no tempo, mostrando conhecimento e reflexão sobre a importância da montagem no método de contar a história em forma de filme.

Sofia Foi glorifica a arte do cinema com sua beleza e inteligência narrativa, que nos conecta com nossa vivência de sermos humanos, nessa história que não apenas nos conta, mas claramente nos mostra, a história de um momento em que Sofia foi feliz.

                         
                               Autor:

Henrique Linhales, licenciado em Cinema pela Universidade da Beira Interior - Covilhã, Portugal. Diretor e Roteirista de 6 curta-metragens com seleções e premiações internacionais. Eterno pesquisador e amante do cinema.

 

sexta-feira, 13 de setembro de 2024

Assexybilidade - Um discurso necessário, executado de forma esquecível

Assexybilidade | Globo Filmes
 Assexybilidade é um documentário dirigido pelo Daniel Gonçalves, que é conhecido pelo seu documentário "Eu, Daniel" de 2018. O documentário fala exatamente sobre o seu título, como funciona a sexualidade para as pessoas portadoras de alguma deficiência física, sendo elas físicas ou mentais. O filme vai além e aponta as dificuldades que caminham junto além da deficiência, como questões envolvendo oque seria o "corpo padrão", cor, sexualidade, entre outras questões sociais que os envolvem diariamente. 

O documentário não tenta se aventurar em sua linguagem, o máximo que o Daniel tenta realmente colocar algo além do proposto é com dois entrevistados que também fazem performances artísticas e tem elas filmadas e colocadas no filme, algo que remete até mesmo o documentário "Deus tem Aids" dos diretores Gustavo Vinagre e Fabio Leal, em 2021. O filme começa de forma bem provocante mostrando o ato sexual de uma pessoa com nanismo e uma outra mulher que não parece ser portadora de alguma deficiência, mas com um véu na frente, deixando só as silhuetas falarem por si só. 

Mesmo começando de forma bem provocante e o tema ser um imenso tabu na sociedade branca hétero sexual, o diretor Daniel não provoca o bastante nem seus convidados entrevistados, e muito menos seus espectadores. É quase como se fosse um filme confortável de se assistir, oque não faz sentido, já que a proposta inicial é os espectadores saírem querendo procurar saber mais sobre esse cenário e até constranger os que fazem parte do que chamamos de conservadores. Mas isso não acontece.

O filme segue exatamente oque já é mostrado nos documentários de programas de TV por exemplo, não se aventuram nem mesmo no quesito técnico. A provocação parte mais das performances dos artistas que estão participando do que da própria direção e da produção. Até as perguntas que Daniel faz para os entrevistados são perguntas o tanto óbvias, e não se aprofundam em saber quem são aquelas pessoas que estão ali. 

É como se o filme tivesse uma ausência de humanidade ali, o espectador vai assistir o filme e vai saber que aquelas pessoas são portadoras de deficiência e que tem a sexualidade deles resolvidas, mesmo com tudo que ocorre contra eles. Mas acabando o filme, você não sabe quem são aquelas pessoas além do que é mostrado no filme. É quase como se fosse uma vitrine, que tem muito a contar e não conta nada além do óbvio. 

Assexybilidade é um filme que tem potencial no discurso que se propõe, mas é feito de forma acovardada e rasa, fazendo o espectador sair da sessão da mesma forma que entrou. A obra mostra que mesmo tendo um tema necessário, é necessário muito a mais para ser um documentário necessário. Dar voz àqueles que sofrem qualquer que seja a opressão é uma camada do discurso, é necessário mais. E esse mais foi completamente ignorado pela direção de Daniel Gonçalves. 
 

TEXTO DE ADRIANO JABBOUR.

Telefone Preto 2 - Do Suspense Psicológico para a Hora do Pesadelo

Telefone Preto 2 | Universal Pictures Pesadelos assombram Gwen, de 15 anos, enquanto ela recebe chamadas do telefone preto e tem visões pert...