Mostrando postagens com marcador lancamentos 2023. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador lancamentos 2023. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 3 de dezembro de 2024

Mia – Ela não é mais sua

Mia | RAI Cinema


Estreando no Brasil pelo Festival de Cinema Italiano, Mia (2023), de Ivano de Matteo, nos apresenta a história da desestruturação gradual de uma família inicialmente feliz e saudável a partir do momento em que sua filha de 15 anos cai vítima de um relacionamento abusivo com um rapaz mais velho.

 Greta Gasbarri debuta no cinema interpretando espetacularmente a personagem Mia, uma adolescente feliz e amada pelos pais e amigos, que gosta de expressar sua personalidade com suas roupas e maquiagens, é peça fundamental em seu time de vôlei no colégio e finge esquecer de avisar aos pais quando vai chegar tarde em casa depois de sair para se divertir com seus amigos para esbanjar sua crescente independência.

 Mas sua cativante e ativa personalidade começa a degradar depois que ela cai nos encantos de Marco (Riccardo Mandolini), um rapaz que apesar de maduro, se mostra agressivo e manipulador, fazendo Mia acreditar que tem culpa dos ciúmes e insatisfações que o rapaz sente. Aos poucos ele a faz desgostar de tudo que ama. Diz que sua maquiagem e roupas são indecentes, diz que as amigas dela são putas e má influência, a impede de voltar ao vôlei pois erroneamente pensa que o professor de Mia se interessa por ela. Mas como na maioria dos relacionamentos abusivos e em parte pela inocência de Mia, ela não é capaz de entender que está refém do rapaz que pensa que ama, e não consegue cortar o mal pela raiz, culpando a si mesma pela própria mudança de humor.

 De repente Mia está mudada, e como o filme muito inteligentemente nos mostra com inserções de vídeos caseiros e fotografias de infância, seus pais, mas principalmente o pai Sergio, não aceita a mudança e se vê impotente ao não compreender como pode ajudar sua filha a voltar a ser feliz. Em uma cena que mostra um show de atuação de Edoardo Leo, o pai diz em prantos que só o que ele deseja é que sua filha volte a se maquiar demais, gastar dinheiro com mais e mais roupas, e que não os avisem onde está quando sai para se divertir, pois por culpa daquele rapaz, naquele momento, os pais de Mia haviam perdido a sua filha, e diferentemente do que veríamos em um Blockbuster americano, que no mesmo tipo de proposta de enredo o bravo pai se arma e cai em fúria contra deus e o mundo para proteger sua filha, vemos aqui uma situação mais crua e triste dessa história, em que a realidade oprime aquela família, que desmorona vítima da incapacidade de se defender em razão de tudo o que os aconteceu.

Mesmo que atualmente não entrem em evidência nem se debatam mais e existência de movimentos cinematográficos, gosto de acreditar que cada país herdou em sua cultura e em sua forma de construção de filmes, elementos dos movimentos mais expressivos de suas nações, e a escolha de tratar essa história como uma realidade dura não foge de ser um neto de uma identidade neorrealista italiana.

Apesar de algumas escolhas narrativas e autorais do diretor que se arriscam em eventos dramáticos que tendem a cair em uma concepção de pieguice, apenas por falta de mais tempo de desenvolvimento de personagens, Mia acerta onde mais dói e consegue nos agarrar emocionalmente em sua trama. Nada assusta mais do que perder a conexão com os familiares que nós amamos, nesse caso e talvez o mais extremo de todos, com a própria filha, principalmente por algo alheio a nós mesmos. Ao longo do filme nós nos enfurecemos, nos angustiamos e nos entristecemos juntos com Sergio, e damos razão a tudo o que esse homem faz para proteger e vingar sua filha Mia, e não há nada mais poderoso do que uma obra que nos faça querer levantar de nossas cadeiras e agir junto de seus personagens.

Autor:


Henrique Linhales, licenciado em Cinema pela Universidade da Beira Interior - Covilhã, Portugal. Diretor e Roteirista de 6 curta-metragens com seleções e premiações internacionais. Eterno pesquisador e amante do cinema.

quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Eu, Capitão - Uma Jornada de Conflitos e Esperança

Eu, Capitão | Pandora Filmes


"De acordo com dados do ministério do interior da Itália, em 2023, mais de 78.000 pessoas chegaram ao país cruzando o Mediterrâneo a partir do norte da África desde o início do ano, mais do que o dobro durante o mesmo período em 2022. A maioria, 42.719, partiu da Tunísia, indicando que o país superou a Líbia como o principal ponto de partida para os migrantes.”

Essa é a dura realidade de diversos africanos que tentam, diariamente, migrar para o oeste europeu em busca de melhores condições de vida. E isso envolve diversas fatores, como: direitos humanos, diplomacia entre países, falta de subsistência, guerras e conflitos políticos, crise de refugiados, corrupção de organizações, entre outros.

Os protagonistas deste longa não estão tão distantes dessa realidade. O filme italiano conta a história da jornada de dois irmãos, Seydou e Moussa, interpretados pelos excelentes atores Seydou Sarr e Moustapha Fall, respectivamente. Seydou e Moussa são irmãos que vivem em Dakar, Senegal, e juntos partem em uma trajetória em busca de melhores oportunidades de vida. Assim como muitos emigrantes que procuram o famoso “sonho americano”, os protagonistas buscam o “sonho europeu”.

O filme, bastante premiado no ano passado, especialmente na categoria de direção para Matteo Garrone, mistura elementos de fantasia e lirismo com a dolorosa realidade de muitos refugiados. Embora, neste caso, os protagonistas não tenham uma necessidade urgente de deslocamento, já que buscam o sonho de uma vida melhor (principalmente Moussa, que sonha em ser cantor na Europa e quer que seu irmão o acompanhe), em determinado momento do filme, somos confrontados com a situação de crises humanitárias.

A história começa de forma sonhadora e otimista, fazendo-nos acreditar que os irmãos logo alcançarão seus objetivos. Esse otimismo é reforçado pela apresentação de personagens carismáticos e bastante íntegros. Porém, logo somos arrastados para a triste realidade destes protagonistas, que enfrentam inúmeras dificuldades ao tentar atravessar as fronteiras do continente africano.

A fantasia, neste filme, serve como um recurso que transmite solidariedade a um certo personagem. À medida que os irmãos enfrentam  grandes obstáculos e divergências, o mundo imaginário oferece uma sensação de esperança, além de nos permitir continuar acompanhando suas jornadas até o fim. Algumas cenas me lembraram o filme "Dublê de Anjo", que também utiliza dessa fantasia e o deserto como um personagem e, ao mesmo tempo, traz um mundo mágico como escape de uma realidade angustiante.

Os dois atores entregam performances extremamente genuínas e carismáticas. Foi uma grande surpresa para mim, especialmente ao descobrir que ambos estavam realizando seus primeiros papéis no cinema. As atuações deles são comoventes e geram uma grande empatia. Eu torcia por esses personagens a cada minuto do filme e, a cada revés que os mesmos enfrentavam, sentia uma aflição. Afinal, entendemos que esses mesmos obstáculos são enfrentados por muitos africanos diariamente.

"Eu, Capitão" é uma viagem ao desconhecido, mas ao mesmo tempo, familiar. O drama nos prende pela forte conexão com os protagonistas. A direção segue um tom intimista, especialmente no olhar do personagem Seydou. Os elementos mágicos do filme, com sua linda fotografia, acrescentam humanidade à narrativa. As cenas do deserto e das cidades, com planos amplos, proporcionam uma dimensão geográfica da trajetória.

O filme se torna essencial, pois precisamos refletir sobre esses temas e sobre o quanto as crises humanitárias podem ser cruéis. E os governos e a sociedade civil necessitam se mobilizar para discutir essas questões. Caso contrário, realidades como a jornada dos irmãos Seydou e Moussa podem se tornar apenas mais uma manchete de jornal, naturalizada e esquecida.

Autor:

Meu chamo Leonardo Veloso, sou formado em Administração, mas tenho paixão pelo cinema, a música e o audiovisual. Amante de filmes coming-of-age e distopias. Nas horas vagas sou tecladista. Me dedico à exploração de novas formas de expressão artística. Espero um dia transformar essa paixão em carreira, sempre buscando me aperfeiçoar em diferentes campos criativos.


quarta-feira, 13 de novembro de 2024

Todas as estradas de terra têm gosto de sal – Do que é feita a vida, afinal?

Todas as Estradas de Terra tem Gosto de Sal | A24

Um tempo atrás, vi em algum lugar a frase de autoria por mim desconhecida: Para todo mal, o sal. Para todo bem, também. Não pude não pensar nela ao ver Todas as estradas de terra têm gosto de sal que, antes de tudo, revela muitas mãos que acolhem, que empurram, que levantam, que se dão.  

Mãos, terra, água, tempo! Em ritmo lento, a história de Mackenzie, uma mulher negra, nos Estados Unidos dos anos sessenta, é contada a partir dela, por uma comunidade e muitas águas. Ao longo de uma trama inteira, ensinamentos, ancestralidade e silêncios (e sons) perpassam sua vida.

Mack, como é chamada, tem sua trajetória expressa em uma narrativa não linear, entre idas e vindas, entre passado e presente, morte e vida, desconsertando por vezes quem assiste, parte pelo ritmo, parte por deixar escapar algum detalhe na passagem de algum dos tempos que foi e que voltou.  

A história em si, por se comum, não tem algo de espetacular ou de diferente ao ponto de deixar qualquer queixo caído ou algo do tipo. Não obstante, é uma surpresa boa perceber que o dramático Todas as estradas de terra têm gosto de sal mostra, por meio de Mack, a vida humana mais crua e elementar, assim mesmo, como ela é.

Desde a infância até a fase adulta, passando pela encabulada juventude, vê-se uma Mack amadurecida, reflexiva, lidando com as consequências de decisões fortes, sem deixar de lado o sentir da chuva, do rio, na pele, nas mãos que se dão ao longo da trajetória.

É bonito de ver, apesar de, em algum grau, um pouco cansativo também. (Assim como a vida? Talvez!). São raros os diálogos, no entanto, de grande profundidade. Nessa toada, restam às imagens o ponto alto.

A história é de Mack, mas ela não está só, não anda só. O universo daqueles que a rodeiam compõe seu universo também, como uma composição mesmo, de amores, de tristezas, de poesias, de durezas. Todos juntos – ou não – caminhando vida adentro, mundo afora.

Todas as estradas de terra têm gosto de sal traz e instiga a ver a beleza da melancolia, da demora, do deleite, da calma e de como é se sujeito da própria história. Durante e ao final, cai a ficha de que, sim, somos feitos disso aí: barro, água e mãos. E tempo! Tempo também.

Autora:


Lá em 2004 participei do meu primeiro filme. Ali apaixonei pelo cinema, mas como toda boa paixão, à la Jack e Rose, naufragou. A vida toma rumos e acabei seguindo outra área. Mas nada apaga uma boa paixão, né isso? Me chamo Carol Sousa e hoje falo e escrevo sobre cinema, quem sabe isso quer dizer amor...

terça-feira, 5 de novembro de 2024

Nascida Para Você - A Luta de Luca pela Aceitação

Nascida para Você | Vision Distribution

"Nascida Para Você" é a história de Luca (Pierluigi Gigante) e Alba: um homem e uma menina que precisam desesperadamente um do outro, mesmo que o mundo ao seu redor ainda não esteja pronto para aceitá-los juntos. O tribunal de Nápoles está à procura de uma família para Alba, uma recém-nascida com síndrome de Down, abandonada no hospital. Luca, solteiro, homossexual e católico, sempre teve um forte desejo de paternidade e luta para obter a guarda de Alba. Quantas famílias "tradicionais" devem recusar antes que Luca possa ser considerado? Pode uma menina rejeitada pelo mundo se tornar a recompensa de uma vida?

O filme é fundamentado na história verídica de Luca Trapanese, cuja trajetória ganhou notoriedade nas mídias tradicionais e sociais na Itália. Em 2018, ele tornou-se o primeiro homem solteiro no país a receber autorização para adotar uma criança recém-nascida. A criança, Alba, que nasceu com síndrome de Down, foi abandonada logo após o parto, e seu nome foi atribuído pela enfermeira do berçário. O tribunal de menores de Nápoles convocou Luca para assumir a guarda temporária de Alba, permitindo que a recém-nascida deixasse o ambiente hospitalar e fosse acolhida em um lar até que uma família estivesse disposta a adotá-la. O filme não apenas narra uma história de amor e superação, mas também provoca reflexões profundas sobre inclusão, a luta contra preconceitos e a necessidade de uma mudança cultural que permita a todas as crianças, independentemente de suas condições, encontrarem um lar amoroso. 

Ao abordar as dificuldades enfrentadas por famílias não tradicionais e a importância de acolher a diversidade, a obra se torna um poderoso manifesto em defesa dos direitos das crianças e das novas configurações familiares. Além disso, a trajetória de Luca e Alba serve como inspiração, destacando que o amor pode se manifestar de maneiras inesperadas e que cada criança merece um lar repleto de carinho e apoio. O filme, assim, não só celebra essa relação singular, mas também incentiva o diálogo sobre as barreiras que ainda existem na sociedade, instigando uma reflexão sobre como todos podem contribuir para um mundo mais inclusivo e acolhedor.

O filme entrelaça temas relevantes como a diversidade LGBTQIAPN+ e a experiência de pessoas com síndrome de Down, explorando habilmente essas questões no enredo. Ele provoca reflexões profundas sobre o conceito de família e a forma como a sociedade interage com essas realidades, apresentando uma visão sensível e inclusiva que desafia estereótipos e promove a empatia.

O espectador desenvolve uma empatia significativa entre o protagonista Luca e sua filha adotiva, Alba. A relação entre esses dois personagens constitui o núcleo do filme, revelando os desafios inerentes à paternidade e à complexidade de enfrentar as barreiras impostas pelo sistema judicial. Essa dinâmica não apenas ilustra as dificuldades emocionais e sociais que cercam a adoção, mas também convida à reflexão sobre as limitações que a sociedade impõe a laços familiares não convencionais, ressaltando a necessidade de uma abordagem mais inclusiva e compreensiva por parte das instituições.

Nascida Para Você é mais do que uma simples narrativa sobre adoção; é um poderoso testemunho da luta por amor e aceitação em face de preconceitos arraigados. A trajetória de Luca e Alba não apenas toca o coração, mas também desafia o espectador a reconsiderar suas percepções sobre família, inclusão e a diversidade das experiências humanas. Ao destacar a jornada de um homem que se recusa a ser definido pelas normas sociais, provocando uma reflexão necessária sobre a capacidade da sociedade de acolher e celebrar laços familiares que fogem ao convencional. A obra é um convite à empatia e à mudança cultural, mostrando que, independentemente das circunstâncias, todo ser humano merece um lar cheio de amor e dignidade. Assim, o filme se estabelece como uma importante contribuição para o diálogo sobre inclusão e a redefinição do que significa ser uma família nos dias de hoje.

Autor:


Meu nome é João Pedro, sou estudante de Cinema e Audiovisual, ator em formação e crítico cinematográfico. Apaixonado pela sétima arte e pela cultura nerd, dedico meu tempo a explorar e analisar as nuances do cinema e do entretenimento.

segunda-feira, 4 de novembro de 2024

A Última Invocação - O ciúme corroi por dentro

A Última Invocação | Sato Company


Naoto Ihara (Daiki Shigeoka) vive feliz com a esposa Miyuki e o filho Haruto (Minato Shogaki). Porém, quando Miyuki morre em um acidente, Naoto fica inconsolável. Haruto, em negação, decide enterrar um dedo da mãe no jardim na esperança de que, rezando todos os dias, ela volte à vida.

O longa é uma adaptação do livro de Shimizu Karma que também foi um dos roteiristas do filme e a direção é assinada por Hideo Nakata, reconhecido por suas contribuições em Ring - O Chamado (1998) e Água Negra (2002), duas obras que se tornaram marcos do horror japonês e influenciaram significativamente o cinema de terror global. No entanto, nesta produção, Nakata não consegue atingir o mesmo impacto, resultando em um trabalho satisfatório, mas carente do brilho de seus projetos mais renomados. 

A narrativa não apenas retrata a história de uma família enlutada pela perda da esposa, mas também explora a trajetória da ex-colega de trabalho de Naoto Ihara, Hiroko Kurusawa, incluindo a dinâmica de ciúmes que Miyuki nutria em relação à sua colega. Após o falecimento de Miyuki, os personagens se reencontram após um longo período, e flashbacks revelam os detalhes de seu passado. O filme aborda temas relevantes como luto, relações familiares e ciúmes, proporcionando uma reflexão sobre as complexidades emocionais humanas.

O filme tenta criar uma atmosfera de tensão, mas essa tentativa resulta em um fracasso notável, deixando o público mais desapontado do que envolvido. A falta de habilidade em cultivar o suspense torna as cenas previsíveis e sem impacto, o que enfraquece a experiência geral e compromete a imersão na narrativa. Embora a figura do espirito possa ser visualmente assustadora, isso não é o suficiente para compensar a superficialidade do enredo.

Eu apreciei a personagem Hiroko Kurusawa e sua trajetória ao longo da narrativa; seu destino suscitou em mim grande preocupação. Embora seja possível argumentar que Naoto também desempenha um papel central, em determinado momento do filme, a perspectiva se transfere para Hiroko, que é profundamente impactada pelos eventos que ocorrem na casa da família enlutada. Essa mudança de foco permite uma exploração mais íntima das emoções e dilemas enfrentados por Hiroko, revelando suas vulnerabilidades e a profundidade de seu caráter. Assim, Hiroko se destaca como a verdadeira protagonista, guiando-nos por uma jornada emocional que ressoa muito além da história em si.

O filme, especialmente em seu final, sugere a possibilidade de uma continuação, mas essa escolha parece mais uma tentativa forçada de prolongar a história do que uma conclusão satisfatória. A ambiguidade deixada para o público não se revela intrigante, mas sim um indicativo da falta de resolução na trama, como se os criadores não tivessem confiança em encerrar a narrativa de forma coerente. Essa abordagem deixa uma sensação de frustração, já que a promessa de mais histórias parece servir apenas como um truque para manter o interesse, sem oferecer um fechamento adequado para os temas apresentados.

A Última Invocação é um filme que explora temas profundos como luto, relações interpessoais e ciúmes, mas falha em entregar uma experiência coesa e impactante. A direção de Hideo Nakata, embora reconhecida, não consegue recuperar a força que caracterizou suas obras mais famosas.

Autor:


Meu nome é João Pedro, sou estudante de Cinema e Audiovisual, ator em formação e crítico cinematográfico. Apaixonado pela sétima arte e pela cultura nerd, dedico meu tempo a explorar e analisar as nuances do cinema e do entretenimento.



 








terça-feira, 29 de outubro de 2024

Anatomia de uma Queda - A História de um Homem que Cai

Anatomia de uma Queda | Le Pacte

Afinal, Sandra é culpada? Foi acidente? Nesse caso, pouco importa!

Tudo em Anatomia de uma queda cai. A bolinha, no início, descendo escada abaixo indicando que a relação do casal que há muito caiu. A relação pais e filhos segue caindo. As expectativas do início já estão no abismo desde o dia 1. O julgamento, teatral e terrivelmente feroz para a mulher, tudo em queda.

Anatomia de uma queda conta a história de um casal com um filho e um cachorro. O filme parece ter invertido os papéis, assim como em Cenas de um casamento de 2021. Sandra, não esbanja feminilidade, é prática, objetiva, trabalha fora, escritora de sucesso. Samuel, quase invisível, faz o papel do que a sociedade considera feminino. Do lar, cuida do filho, do cachorro e da casa, usa pano de prato no ombro, não se acha na carreira de escritor. À sombra de Sandra, amarga dentro de casa, segundo ele, sobrecarregado, sozinho, como o lagosta sem par.

O ressentimento era tempero constante na relação deles. A cena inicial já deixa claro isso: ela tentando conceder uma entrevista na sala, enquanto o som dele, em volume máximo, repetido e irritante, descia do andar de cima atrapalhando o andamento daquela conversa – que também caiu, não vingou. A criança, o filho, Daniel, possui deficiência visual em decorrência de um acidente acontecido outrora e que, como muitas outras coisas, não fica claro de quem foi a culpa! Daniel decide assistir ao julgamento e ali, sim ali, no meio do “teatro” fica conhecendo a ponta do iceberg do que são seus pais. Afinal, que criança sabe verdadeiramente quem são seus pais?

Durante o julgamento, para elucidação do ocorrido, o filme abusa de cenas de discussões anteriores ao fatídico dia. Durante dias e sessões exaustivas, a sexualidade, o amor, a bondade, a devoção, a lealdade, o caráter de Sandra são expostos à prova o tempo inteiro.

Em dado momento, a acusação expõe o áudio de uma discussão entre o casal. Discussão calorosa que quem escuta com um “ouvido de Samuel”, encontra um homem triste, traído, injustiçado. Quem escuta com um “ouvido de Sandra”, encontra um homem covarde e uma mulher que fez da vida o que achava que devia ter feito. Na discussão, ele, histérico, culpa Sandra pelo acidente do filho além de alegar que nunca chegou aonde queria porque ela roubou a vida dele e a ideia do seu livro. Ela, calma, claro!, diz que ele não fez o que quis porque não teve coragem. Não só não bancou o próprio desejo, como ainda imputou culpa a terceiro.

Antes do veredito, Daniel informa que vai depor. O julgamento é adiado para o dia seguinte e, em casa, Daniel pede para ficar apenas com a tutora designada pelo juízo. Em um determinado passeio frio, conversando, Daniel pergunta à tutora como se toma uma decisão difícil. Ela não sabe, mas supõe que às vezes é uma questão de escolha. Pronto! Ali estava desenhado o filme. Cortando para Daniel tocando no piano a mesma música que tocava junto com Sandra no início do filme. Ele escolheu! Fez o que foi possível.

Fim de julgamento! Sandra inocentada, comemora com os advogados sua liberdade ao mesmo tempo em que chora por ter sido nessas circunstâncias. Vai para casa. Sobe ao quarto do filho. Ele dorme! Antes que ela se retire, ele a chama. Eles se abraçam. Um ato de cumplicidade? Um conforto de terem um ao outro? Jamais saberemos. Ato final, no escritório, Sandra, deitada, abraça o cachorro. Toca a mesma música que mãe e filho costumavam tocar juntos, em par.

Assassinato? Suicídio? Acidente? Nesse caso, de novo, pouco importa! Anatomia de uma queda, parafraseando a psicanalista Maria Homem, é sobre um homem que cai, mas também, ouso dizer, sobre escolher o que se aguenta sustentar.

Autora:


Lá em 2004 participei do meu primeiro filme. Ali apaixonei pelo cinema, mas como toda boa paixão, à la Jack e Rose, naufragou. A vida toma rumos e acabei seguindo outra área. Mas nada apaga uma boa paixão, né isso? Me chamo Carol Sousa e hoje falo e escrevo sobre cinema, quem sabe isso quer dizer amor...

Sting: Aranha Assassina - Quando o Terror Se Perde em Tentativas de Humor e Drama Familiar

Sting - Aranha Assassina | Diamond Filmes Em Sting - Aranha Assassina, uma noite fria e tempestuosa em Nova York, um objeto misterioso cai d...