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terça-feira, 17 de setembro de 2024

Sofia Foi - E nunca mais será

 

Sofia Foi | Vitrine Filmes

Antes de mais, vale relembrar que o cinema é uma arte que vive em eterno paradoxo entre a arte expressiva e o meio comercial. E desde sempre parece que são nas obras com menos recursos monetários que se encontram as maiores e mais interessantes cargas de valor artístico e expressão dos autores. A presença do nome do diretor Pedro Geraldo e da protagonista e também roteirista Sofia Tomic em várias outras funções de equipe técnica somada à própria estética visual do filme, que remonta uma aparência do início da era digital, mostra como não são os equipamentos e recursos que fazem um bom filme, e sim as mentes e corações inquietos, e Sofia Foi não falha.

Vencedor do prêmio de Primeiro Filme do Festival Internacional de Cinema de Marseille, vemos a história de Sofia, uma jovem que acaba de ser despejada de seu apartamento e suspende seus estudos para oferecer seus serviços como tatuadora dentro da própria universidade para conseguir sobreviver, enquanto passa pela confusão emocional de um luto decorrente da perda de sua namorada. Ela vaga sem rumo pelo campus da universidade e se permite ser devorada pelas lembranças da sua história de amor que não pôde ter um final, a deixando numa eterna angústia de não saber o que sentir ou o que fazer. O filme apresenta uma relação de reflexo entre as duas meninas, como se com essa morte, Sofia tivesse perdido metade dela mesma, mas não deixando de ser uma personagem verossímil que ri, conversa com seus amigos e sonha quando dorme, pois não resta escolha para os que continuam vivos, a não ser continuar a viver.

Apesar de lento e contemplativo, o filme prende o espectador pela estética e profundidade da personagem, em como ele nos conta essa história de desaparecimento. Desaparecimento de tudo que tem, até o desaparecimento de quem é. Sofia luta para continuar seguindo sua vida, mas a realidade a oprime. O filme relaciona lindamente a relação do espaço com o corpo, que é o que, na forma mais material possível, como a humanidade experiencia a vida e junta a noção de existência e realidade com aquilo que se pode tocar e sentir.

Geraldo se mostra um diretor autor inteligente que domina seu meio para contar a história de Sofia com clareza, sem necessidade de explicação verbal, ou até, em momentos, o uso das falas dos seus personagens para transmitir a ideia contrária do argumento, como num momento pontual onde a protagonista fala com naturalidade sobre o evento da morta da sua namorada para uma cliente durante uma sessão de tatuagem, como se o acontecimento tivesse sido algo mundano e superado, mas a câmera só mostra Sofia da boca para baixo, em close-up, escondendo seus olhos e mascarando seu verdadeiro sentimento.

Outros recursos espetacularmente usados são a falta de movimento de câmera e enquadramento em 3:4 que nos prende junto à Sofia em seu mundo parado e sem perspectiva de avanço, o recurso fotográfico de não produzir a luz, como se faz num cinema mais comercial, mas sim de encontrar a luz, em determinado lugar e em determinado tempo, parra ilustrar a caminhada da personagem de ambientes iluminados, ou seja, alegres e visíveis, para a solidão e tensão do escuro, como também as lentas transições de dissolução, que mesclam momentos de passados e futuro assim como elipses de tempo dentro do próprio decorrer do dia de Sofia, como se ela estivesse não só presa ao seu espaço, mas também presa no tempo, mostrando conhecimento e reflexão sobre a importância da montagem no método de contar a história em forma de filme.

Sofia Foi glorifica a arte do cinema com sua beleza e inteligência narrativa, que nos conecta com nossa vivência de sermos humanos, nessa história que não apenas nos conta, mas claramente nos mostra, a história de um momento em que Sofia foi feliz.

 

sexta-feira, 13 de setembro de 2024

Assexybilidade - Um discurso necessário, executado de forma esquecível

Assexybilidade | Globo Filmes
 Assexybilidade é um documentário dirigido pelo Daniel Gonçalves, que é conhecido pelo seu documentário "Eu, Daniel" de 2018. O documentário fala exatamente sobre o seu título, como funciona a sexualidade para as pessoas portadoras de alguma deficiência física, sendo elas físicas ou mentais. O filme vai além e aponta as dificuldades que caminham junto além da deficiência, como questões envolvendo oque seria o "corpo padrão", cor, sexualidade, entre outras questões sociais que os envolvem diariamente. 

O documentário não tenta se aventurar em sua linguagem, o máximo que o Daniel tenta realmente colocar algo além do proposto é com dois entrevistados que também fazem performances artísticas e tem elas filmadas e colocadas no filme, algo que remete até mesmo o documentário "Deus tem Aids" dos diretores Gustavo Vinagre e Fabio Leal, em 2021. O filme começa de forma bem provocante mostrando o ato sexual de uma pessoa com nanismo e uma outra mulher que não parece ser portadora de alguma deficiência, mas com um véu na frente, deixando só as silhuetas falarem por si só. 

Mesmo começando de forma bem provocante e o tema ser um imenso tabu na sociedade branca hétero sexual, o diretor Daniel não provoca o bastante nem seus convidados entrevistados, e muito menos seus espectadores. É quase como se fosse um filme confortável de se assistir, oque não faz sentido, já que a proposta inicial é os espectadores saírem querendo procurar saber mais sobre esse cenário e até constranger os que fazem parte do que chamamos de conservadores. Mas isso não acontece.

O filme segue exatamente oque já é mostrado nos documentários de programas de TV por exemplo, não se aventuram nem mesmo no quesito técnico. A provocação parte mais das performances dos artistas que estão participando do que da própria direção e da produção. Até as perguntas que Daniel faz para os entrevistados são perguntas o tanto óbvias, e não se aprofundam em saber quem são aquelas pessoas que estão ali. 

É como se o filme tivesse uma ausência de humanidade ali, o espectador vai assistir o filme e vai saber que aquelas pessoas são portadoras de deficiência e que tem a sexualidade deles resolvidas, mesmo com tudo que ocorre contra eles. Mas acabando o filme, você não sabe quem são aquelas pessoas além do que é mostrado no filme. É quase como se fosse uma vitrine, que tem muito a contar e não conta nada além do óbvio. 

Assexybilidade é um filme que tem potencial no discurso que se propõe, mas é feito de forma acovardada e rasa, fazendo o espectador sair da sessão da mesma forma que entrou. A obra mostra que mesmo tendo um tema necessário, é necessário muito a mais para ser um documentário necessário. Dar voz àqueles que sofrem qualquer que seja a opressão é uma camada do discurso, é necessário mais. E esse mais foi completamente ignorado pela direção de Daniel Gonçalves. 
 

O Desprezo - O Cinema como Espelho

O Desprezo | Les Films Concordia O Desprezo (Le Mépris), é um drama francês de 1963, dirigido por Jean-Luc Godard, que explora a crise de um...