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terça-feira, 3 de dezembro de 2024

O Conde de Monte Cristo - Um filme Francês que amaria ser um Épico Hollywoodiano

O Conde de Monte Cristo | Paris Filmes

O Conde de Monte Cristo mostra a historia de Edmond Dantes, um navegador que é acusado injustamente por um crime que não cometeu. Depois de 14 anos preso, ele consegue fugir de sua prisão e recomeça sua vida com outro nome, sendo o Conde de Monte Cristo. A partir de seu novo nome e com uma fortuna imensa em suas mãos, ele começa a se vingar de cada um que foi parte de sua prisão. O filme é adaptação do livro com mesmo nome, escrito por Alexandre Dumas, e dirigido pelos diretores Alexandre De La Patelliére e Matthieu Delaporte. 

A direção consegue recriar na sua direção de arte, nos figurinos e na ambientação o tempo em que a história ocorre, além de ter um trabalho efetivo nos efeitos especiais. Os pontos técnicos conseguem seduzir o bastante o espectador para a antiga França, até mesmo em alguns diálogos entre os personagens. O filme também não tenta se aventurar em sua pirotecnia, entregando aquilo que é o essencial, e nada além. 

O filme não é conduzido para ser um grande épico em sua construção, mas mais interessado em ser um filme básico onde segue a jornada do herói. Não que isso seja um problema, até porque não é. E em sua simplicidade de proposta, ele consegue funcionar em quase todos os aspectos. Mas oque faz a obra ser conduzida sem cair na mesmice é a atuação de Pierre Niney como Dantes, que consegue se expressar  sutilmente apenas com os olhares, e o trabalho de direção em conduzir a história em um mesmo ritmo do começo ao fim. Mesmo tendo muitas brechas para a direção seguir um caminho perfeito para se perder, a direção segura sua própria ambição para ter total controle daquela narrativa. 

A obra muitas das vezes querendo utilizar em momentos pontuais o excesso de dramatização com a trilha e com as atuações de alguns personagens faz o filme perder um pouco de sua força narrativa para tentar convencer o espectador de sentir um certo sentimento que não é necessário, já que a própria cena já entrega sem muita necessidade de explicação. Esse efeito felizmente não cai nos diálogos, que são muito bem escritos e executado de forma bastante orgânica pelos atores. 

O Conde de Monte Cristo mesmo sendo um filme conduzido com maturidade na sua direção, com uma construção de época belíssima, é um filme que ao mesmo tempo que acerta em seu controle, ele se contém demais em sua linguagem e em sua entrega ao espectador. É um filme francês que parece ter vergonha de ser francês, soa como uma tentativa de ser um épico hollywoodiano. Oque torna a obra uma ideia meio deslocada. Não seria impossível convencer os espectadores que esse filme é uma produção de Hollywood com apenas atores franceses, pois é esse exato retrato que a direção conduz. 

Mas a obra consegue ser uma jornada bela e sensível em sua maioria, sendo também um atrativo para espectadores mais novos em se interessarem nessa jornada de vingança além das propostas por Hollywood dos últimos anos que faz questão do retrato de um homem como um animal louco por carnificina e armas de fogo. Aqui, nosso protagonista tem múltiplas faces e consegue pensar além das armas que tem em suas mãos. 

Invés de cabeças voando e sangue pingando em todos os cantos, encontramos aqui um personagem que busca sua vingança perfeita dentro do cenário mercantil e na antiga monarquia, que depois caminhou para o capitalismo. A tomada de posses, a verdadeira face do moralismo enrustido, e como o valor de um homem sempre se encontra naquilo que ele possui. Fator que torna o fim da jornada do protagonista algo belo e satisfatório aos olhos dos espectadores. 

O Conde de Monte Cristo é uma obra dirigida com bastante controle e tendo um ótimo conjunto técnico sendo na criação de época e no trabalho de condução dos personagens. Mesmo sendo um filme que se contém demais e não tenta se mostrar realmente de onde vem, consegue executar uma narrativa calorosa e aconchegante para a maioria dos espectadores. Uma obra sobre vingança e justiça feita de forma delicada, mas delicada demais para seres pouco, ou nada, delicados. 


TEXTO DE ADRIANO JABBOUR



segunda-feira, 14 de outubro de 2024

Cléo das 5 às 7 - O Reflexo da Angústia.

Cléo das 5 às 7 | Athos Films

 

Aclamadíssimo, sucesso inquestionável de críticas e queridinha hors concours do movimento da Nouvelle Vague, Cléo das 5 às 7, dirigido por Agnès Varda e estrelado por Corinne Marchand, é uma bomba de simbolismo e uma aula de direção e produção cinematográfica, que mais uma vez prova e exemplifica que pode-se fazer muito, com pouco.

O filme conta a história em tempo quase diegético de duas horas na vida de “Cléo”, enquanto ela muito amedrontada aguarda o veredito de um suposto diagnóstico de câncer, buscando consolo e conforto na companhia de seus amigos e alguns desconhecidos, mas também em sua própria imagem.

Cléo é extremamente narcisista, e muito explicitamente revela que se importa mais com sua beleza do que com a sua vida, a ponto de dizer que se a possibilidade do câncer – uma doença que além de muitas vezes fatal, afeta a figura – se dar por verdadeira, se suicidaria. Ela então se concentra em permanecer bela, pois afirma que ser feia é um tipo de morte, sendo esse um comentário de protesto de Agnes sobre a opressão estética que existe no universo feminino, especialmente em Paris da época, onde mulheres, muito mais do que homens passam por uma propaganda cultural que as encoraja a construir uma imagem de beleza e perfeição. Ideia essa que permeia nosso subconsciente também pela aparência geral do filme em si, onde quase não há sombra alguma, tudo é bem iluminado e esmaecido, dando a sensação onírica de perfeição recurso comum no cinema para embelezar personagens ou até cenas inteiras.

Cléo passa o filme inteiro rodeada de reflexos, seja através de diversas formas de espelhos, vidraças intermináveis pelas ruas parisienses e encontra conforto na sua própria imagem, hipnotizada e aficionada por ela, usando esse recurso para se distrair do medo da morte, ou mais especificamente, do medo de ficar feia em resultado da inevitabilidade da morte. Não apenas pela sua imagem de forma literal, Cléo se deixa enganar pela imagem que sua aparência transmite. Em determinado momento do filme ela se monta inteira para receber seu parceiro amoroso, da forma que ela acredita que é a imagem perfeita dela mesma, uma imagem que seria do interesse dele, e se encara uma última vez antes de sua chegada em um espelho de mão, como se a realidade se reduzisse àquele espaço ínfimo, onde nada existe, apenas ela. 

Só para então ser completamente ignorada pelo homem, que faz sua presença no filme parecer quase inexistente e fazendo Cléo se sentir da mesma forma. Se sua beleza já não importava, o que mais ela poderia fazer? Chegam então seus produtores, pois a personagem Cléo é uma cantora musical, e a pedem para cantar uma música nova, tristíssima apesar de muito belamente cantada por Marchand, na qual a letra conta sobre uma mulher que sem seu amor, morreria sozinha e feia, até que Cléo, em um zoom-out extremamente expressivo, se dá conta de que ela não quer ser lembrada assim. Ela então se desmonta e põe sua peruca em cima de um espelho.

Mais tarde no filme, em mais um momento de simbolismo quando Cléo se encontra com uma amiga sua que trabalha como modelo, e é de forma literal um modelo de pessoa para a protagonista, as duas conversam sobre padrões de beleza e se a imagem é algo importante, se não existe um medo de que outras pessoas encontrem imperfeições em seus corpos, e chegam à conclusão que o que realmente importa era se elas mesmas amavam seus corpos. Após esse momento, Cléo deixa cair o espelho que carrega em sua bolsa e ele se parte. Vemos o reflexo da nossa personagem no caco e então ela o abandona, sendo essa a última vez que um espelho aparece no filme. 

Isso permite Cléo a abraçar mais a si mesma, se abrir para novas experiências, conhecer potenciais novos amores e, de repente, o resultado de sua exame passa a não a amedrontar mais tanto assim, pois o que importa não é mais sua aparência ou o que o mundo pensa dela ou vê nela, mas sim quem ela é, e o tempo que lhe resta.

Autor:


Henrique Linhales, licenciado em Cinema pela Universidade da Beira Interior - Covilhã, Portugal. Diretor e Roteirista de 6 curta-metragens com seleções e premiações internacionais. Eterno pesquisador e amante do cinema.

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