Mostrando postagens com marcador lancamentos 2024. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador lancamentos 2024. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 18 de setembro de 2025

Dormir de Olhos Abertos - e o peso do não pertencimento

Dormir de Olhos Abertos | Vitrine Filmes

O novo filme de Nele Wohlatz, Dormir de Olhos Abertos (com produção de Kleber Mendonça Filho), aposta em um retrato diferente da imigração. Em vez de mostrar personagens que encontram no Brasil um espaço de acolhimento ou de oportunidades, vemos o contrário: Xiao Xin, Fu Ang e Kai caminham por Recife sem rumo, sem pertencimento e sem qualquer encanto com a cidade.

Eles não são turistas em busca de experiências para guardar, mas imigrantes tentando sobreviver a trabalhos informais e ao estranhamento de viver em um lugar que não é deles. A sensação é de que estão sempre de passagem, atentos, mas nunca tranquilos. O título resume bem essa ideia: a agitação involuntária de estar em um lugar diferente, soa como se eles estivessem constantemente dormindo com os seus olhos abertos, nunca podendo relaxar.

A narrativa reflete esse deslocamento sem rumo. Não há uma história linear, e sim fragmentos: deslocamentos, encontros rápidos, diálogos em múltiplos idiomas (chinês, português, espanhol, inglês e alemão). Essa mistura linguística reforça a barreira cultural, já que a comunicação acontece de forma parcial, quase sempre atravessada por ruídos. É interessante como a diretora transforma a dificuldade de entender em um elemento central do filme.

A fotografia segue uma linha simples e próxima, sem se render ao Recife cartão-postal. O olhar é intimista e cotidiano: fachadas gastas, ruas movimentadas, detalhes que poderiam passar despercebidos. É um registro da cidade pelos olhos de quem nunca se sente parte dela.

Um dos momentos mais fortes envolve a xenofobia. Essa cena traz um choque direto, lembrando que o não-pertencimento também passa pelo preconceito. O problema é que, fora esse ponto, a narrativa às vezes parece dispersa demais, abraçando personagens sem se aprofundar tanto neles.

O ritmo um pouco lento pode afastar o público, assim como o final em aberto, que soa mais como indecisão do que como escolha estética. Ainda assim, existe valor nessa proposta de olhar para a experiência do estrangeiro no Brasil sem idealizações.

Dormir de Olhos Abertos não é um filme fácil. É lento, fragmentado e, em certos momentos, frustrante. Mas também é único na forma como aborda o deslocamento, a solidão e o choque cultural. 

Autor:

Bárbara Borges é do Rio de Janeiro e estudante de Jornalismo. Apaixonada por cinema desde criança, sempre foi movida por histórias intensas, especialmente as de terror, seu gênero favorito. Em 2024, dirigiu o documentário Além do Recinto, que levanta questionamentos sobre o bem-estar de animais silvestres em zoológicos e o impacto do confinamento longe de seus habitats naturais. Gosta de pensar no cinema como uma forma de provocar, sentir e transformar. Vive atualizando seu Letterboxd com comentários sinceros e, às vezes, emocionados. Entre seus filmes favoritos estão Laranja Mecânica, Psicopata Americano, Pânico, Pearl e Premonição 3.


segunda-feira, 11 de agosto de 2025

Salomé (2024) - Ou amor à flor de loló

Salomé | Vitrine Filmes


Uma mana vê um mano, ele retribui de volta. Eles se encontram na pista de dança. Os sentimentos ficam à flor da pele. Ele cheira uma latinha de loló, depois oferece para a garota. Ela inala a substância…  E o que ela vê é mágico, transformador, quase angelical. Este é um dos pontapés iniciais do longa-metragem Salomé (2024), dirigido por André Antônio, que vem conquistando festivais e mostras de cinema desde sua estreia no 57o Festival de Brasília.

No melodrama queer, nossa protagonista é Cecília (Aura do Nascimento), uma modelo de sucesso que mora em São Paulo. Ela retorna para Recife, para passar o natal com a mãe, Helena (Renata Carvalho). Cecília reencontra João (Fellipy Sizernando), um vizinho da infância, e fica fascinada pela beleza dele. Uma noite, João apresenta para ela um loló diferente, esverdeado, que leva a ligação entre os dois para um lugar de obsessão e mistério envolvendo um culto secreto em torno da figura de Salomé, a luxuosa princesa bíblica.

A personagem “Salomé” teve como sua maior recepção nas artes a peça homônima do escritor irlandês Oscar Wilde, texto foi publicado em francês no ano de 1893, mas sua tradução ao inglês foi censurada na Grã-Bretanha no ano seguinte. A versão de Wilde, um autor queer, penetrou no imaginário popular ao longo dos anos. 

No cinema, a peça inglesa deu origem a duas adaptações bastante interessantes a este crítico: Salomé (1922) de Alla Nazimova e Charles Bryant, com um elenco inteiramente LGBT, e A última dança de Salomé (1988) de Ken Russell, que reconstitui de forma livre a primeira (e clandestina) montagem da obra na Inglaterra e o atrito entre Wilde e seu amante, Lord Alfred Douglas. Felizmente, Antônio consegue costurar aqui um filme tão icônico quanto as adaptações mencionadas, mesmo que o intuíto seja mais conversar com o clássico de Oscar Wilde, do que recriar fielmente seu texto.

Assim como a peça, Salomé de Antônio é sobre desejo e anseio, mas o realizador atualiza a relação para a geração das relações líquidas, vazias, das redes sociais, do chemsex: o mundo do “pós-alguma coisa”, repleto de afetos artificiais e desilusões amorosas. 

A jornada de Cecília, nossa Salomé, é complexa, pois o desejo dela não é só passional, mas sim de tomar decisões, de enfrentar o impossível, ter as rédeas do próprio futuro. Isto vai de contra os desejos de Helena, sua mãe, que reza e tenta manipular um caminho para a filha, tal como Herodias tenta convencer Salomé a não ceder aos seus instintos e não usar e contrariar seu padrasto Herodes, o Tetrarca da Judéia.

Enquanto a personagem de Wilde é imponente e manipuladora para conseguir realizar o gozo de beijar Ionakaan, Cecília possuí uma inocência e um páthos, uma dor, que constroem sua personagem de forma humana e sensível. A intérprete, Aura do Nascimento, usa da pose e de seu carão como uma proteção de Cecília ao mundo exterior, mas consegue desmanchar para mostrar a vulnerabilidade da jovem em sua intimidade. 

Outro destaque do elenco, claramente, é a atriz Renata Carvalho, magistral como a mãezona Helena, pondo uma emoção palpável em cada palavra que diz e em cada reação que aparece na tela. Uma frase banal em sua boca carrega um sentimento profundo. Aqui, Carvalho não só incorpora um tipo específico de mãe, ela dá a luz a uma mãe na tela.

Salomé é muitas coisas, uma releitura de um clássico da literatura, uma história de amadurecimento tardio, de transformação interior, de paixões; um filme entre mãe e filha com representação trans… Mas o importante é que se trata de um “filme queer”, e Antônio e cia não só sabem disso, mas como dominam a linguagem do estranho, do diferente: 

O camp e o kitsch estão presentes na tela, como parte do léxico da obra e não como algo acidental. As cores são fortes e atraentes, quase almodovarianas, sendo o verde, remetente a cobra do jardim do Éden, a mais recorrente de todas. Tem uma mise en scène criativa. A edição cede ao experimental em certos momentos. O culto de Salomé, que tem uma importância significativa, parece uma versão reptiliana de Hot Boys ou Irmãos Dotados, saído de um filho híbrido entre Araki e Bressane. Com este trabalho, André Antônio consegue se sedimentar como um dos nomes mais interessantes do cinema queer brasileiro atual, ao lado de Daniel Nolasco e George Pedrosa.

É um filme com gosto (e cheiro de loló), senso de humor e muita ousadia de enxergar o mundo fora dos padrões, de brincar com as expectativas. Uma produção afiadíssima. A obra de Wilde culmina na tragédia, mas o filme de Antônio, na libertação. 

[Filme assistido durante o 14o Rio LGBTQIA+ - Festival Internacional de Cinema, realizado em 2025]



                                                                  Autor:
                                  

Eduardo Cardoso é natural do Rio de Janeiro, Cidade Maravilhosa. Cardoso é graduado em Letras pela Universidade Federal Fluminense e mestre em Estudos de Linguagem na mesma instituição, ao investigar a relação entre a tragédia clássica com a filmografia de Yorgos Lanthimos. Também é escritor, tradutor e realizador queer. Durante a pandemia, trabalhou no projeto pessoal de tradução poética intitulado "Traduzindo Poesia Vozes Queer", com divulgação nas minhas redes sociais. E dirigiu, em 2025, seu primeiro curta-metragem, intitulado "atopos". Além disso, é viciado no letterboxd.

segunda-feira, 28 de abril de 2025

Bolero: A Melodia Eterna - A música silenciosa que desnuda a alma

Bolero : A Melodia Eterna | Mares Filmes

Com direção de Anne Fontaine, que divide o roteiro com Claire Barré, Bolero: A Melodia Eterna nos apresenta à vida do músico Maurice Ravel e sua obstinada trajetória em busca do sucesso. Com uma montagem não linear — presente desde a primeira sequência —, somos levados ao universo de um protagonista que parece habitar um mundo particular e que, mesmo diante das adversidades e frustrações, tem sempre a música como grande alicerce. Uma das cenas iniciais ilustra bem isso: após ser rejeitado no conservatório de música, Ravel cai da janela do prédio, levado pelo encantamento da melodia que ecoava no pátio.


O desenvolvimento do filme, porém, sofre com o ritmo apressado e uma certa confusão causada pela montagem fragmentada. Apesar dos marcadores de tempo, algumas fases da vida do músico parecem apenas tocadas superficialmente, o que torna a introdução enfadonha e de difícil assimilação. Por outro lado, o roteiro acerta ao construir uma sensação de intimidade e descoberta gradual. Vamos acessando, pouco a pouco, as camadas mais profundas da personalidade de Ravel, sem a necessidade de diálogos prolixos ou exposição excessiva. O longa aposta nos flashbacks como estratégia narrativa, mas a forma como esses elementos são inseridos pode causar estranhamento à primeira vista.


À medida que o filme avança, vamos compreendendo melhor os dilemas e enigmas que movem Maurice Ravel. Ainda assim, a narrativa só parece realmente engrenar quase na metade do segundo ato, quando ele é convidado a compor para um balé — nascendo ali aquela que viria a ser sua grande obra-prima.


No aspecto técnico, a fotografia de Christophe Beaucarne é um dos pontos altos: ora se concentra em planos-detalhe que evidenciam elementos simbólicos do cenário, criando uma sensação de intimidade, ora abre-se em grandes planos que ampliam a solidão do protagonista e destacam a imponência das cenas. A montagem, assinada por Thibaut Damade, aposta numa métrica que dialoga com a trilha e dá ritmo à narrativa — especialmente nas sequências em que sons e músicas se repetem como tema. Já a trilha sonora de Bruno Coulais é marcante, e traz impacto a cada vez que emerge.


Em suma, Bolero: A Melodia Eterna, como indica seu título, é um filme biográfico de uma música — e não necessariamente de um artista. O foco está, majoritariamente, no processo de composição do Bolero. Claro que, ao longo do caminho, a vida de Ravel ganha contornos e detalhes, mas não se trata de uma biografia completa. Apesar do primeiro ato arrastado, o longa consegue reconquistar o espectador no segundo ato e, a partir daí, só cresce. Quanto às atuações, Raphaël Personnaz se esforça para dar vida a Ravel, mas o roteiro insiste em moldá-lo de maneira tão soturna e introspectiva que, por vezes, seu brilho como ator passa despercebido.


Bolero: A Melodia Eterna, não é inovador e é evidente à semelhança com seu colega de streaming, O Maestro (2023) , mas faz bem o básico feijão com arroz. Pode agradar ao espectador que tiver paciência para acompanhar sua cadência.


        Autor:


Mateus José é graduando de Licenciatura em Cinema e Audiovisual pela UFF, escritor, poeta, montador e aspirante a diretor de fotografia. Apaixonado pelas artes, literatura, música e principalmente o cinema, dedica-se a consumir, estudar e dissecar as camadas mais profundas do cinema e da arte.


terça-feira, 1 de abril de 2025

Milton Bituca Nascimento - Um Tributo Em Vida ao Grande Músico Brasileiro

 

Milton Bituca Nascimento | Gullane Filmes

O documentário do grande cantor e compositor brasileiro, Milton Bituca Nascimento, homenageia o astro ainda em vida e mostra como sua música atravessou fronteiras e conquistou milhares de fãs ao redor do mundo. Seus versos líricos e ritmos inconfundíveis foram inspiração para diversos cantores, inclusive no âmbito do jazz, onde o músico tem fortes raízes e influenciou uma geração de instrumentistas que se admiraram com suas músicas e arranjos excepcionais.

No último dia 2 de fevereiro, Milton passou por uma grande polêmica na 67ª edição do Grammy. O cantor estava indicado na categoria de Melhor Álbum de Jazz com Vocal, em parceria com a cantora americana Esperanza Spalding. Entretanto, Milton não teve um lugar reservado no salão principal ao lado de Esperanza na cerimônia em Los Angeles. Isso repercutiu mundialmente e muitos se perguntaram como um cantor desse calibre e um ícone da música brasileira teve um assento negado ao lado de Esperanza, que apareceu com um cartaz com a foto de Milton em protesto, escrito: "Esta lenda viva deveria estar sentada aqui."

Esperanza também é uma das convidadas que aparece no documentário reverenciando o grande Bituca. Ao lado dela, vários expoentes da música brasileira também surgem, como: Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Djavan, entre outros. Narrado pela incrível Fernanda Montenegro, o filme reflete o impacto que Milton causou em vários artistas e seus fãs ao longo de sua carreira. Se no Grammy o cantor foi completamente esnobado, aqui ele brilha e tem sua voz escutada, além de suas músicas totalmente contempladas.

Todavia, o documentário tropeça em alguns momentos, como, por exemplo, no saudosismo exacerbado sobre a figura de Bituca. É fato que o cantor é um dos maiores compositores e multi-instrumentistas do país, mas quando se tem tantas reverências e elogios em torno da figura do cantor mineiro, acaba-se saturando esse ponto de vista e transparecendo uma competição de quem o homenageia da melhor forma.

O documentário não se preocupa em mostrar as dificuldades que Milton enfrentou em sua carreira, suas decepções, seus álbuns que não tiveram grande repercussão. Em uma obra como essa, é importante sabermos não apenas seus pontos altos, mas também seus baixos. Isso, de certa forma, acaba humanizando mais ainda o artista.

Além disso, a narração de Fernanda Montenegro se torna um tanto problemática em certos trechos. A extensão de seu discurso acaba se alongando e tornando-se cansativa. Em um instante, ela narra enquanto um dos convidados está conversando com Milton Nascimento, e não entendemos o que eles estão de fato dizendo. A edição não se atentou a esse problema e acabou se enrolando nessa questão.

O filme também se limita a demonstrar tantos cantores norte-americanos citando a inspiração que Milton trouxe para suas carreiras. Acredito que esses registros foram coletados durante a turnê mundial que Bituca realizou quando passou pelos Estados Unidos. Entretanto, Milton Nascimento foi referência musical para muito além de outros países, não apenas nos Estados Unidos. Ainda assim, é interessante perceber como seu repertório no estilo jazz contribuiu tanto para o cenário musical da região.

O ícone da música popular brasileira tem seu devido tributo representado neste documentário. Apesar de a película não destacar outros momentos da carreira do cantor e apontar outros lados que também são pertinentes para entendermos a trajetória de Milton, como suas inspirações, sua busca por reconhecimento, a escolha de gravadoras. O filme, contudo, cumpre seu papel em retratar a grandeza de suas músicas e o afeto de tantos amigos e familiares que foram tocados por sua arte ao longo de gerações. Uma pena para o Grammy, que não soube reconhecer esse artista legendário.


Autor:


Meu chamo Leonardo Veloso, sou formado em Administração, mas tenho paixão pelo cinema, a música e o audiovisual. Amante de filmes coming-of-age e distopias. Nas horas vagas sou tecladista. Me dedico à exploração de novas formas de expressão artística. Espero um dia transformar essa paixão em carreira, sempre buscando me aperfeiçoar em diferentes campos criativos.

quarta-feira, 26 de março de 2025

Presença - Soderbergh navega entre Tensão, Drama e Planos Sequências

Presença | Neon

O novo lançamento do diretor Steven Soderbergh mostra uma direção mais contida, mesmo sendo certa parcela de sua obra em pequenos planos sequências, utilizando uma trama convencional. A utilização de uma trama convencional do gênero de drama e terror espiritual não é uma problemática aqui, até porque se formos colocar a reutilização de tramas como um termômetro a nossa visão sobre os últimos anos para o cinema seria algo bem pessimista. A ideia de como Soderbergh conduz a ideia da presença espiritual em meio a uma família americana disfuncional por inúmeras questões, é o chamariz principal para o filme chamar a atenção do espectador.

Uma história sendo contada pelo ponto de vista desse ser que se encontra na residência e a utilização dos planos sequências para a obra consegue desenvolver uma boa tensão sobre tudo que acontece naquele espaço. Acredito que a capacidade técnica de Soderbergh compensa a falta de desenvolvimentos propostos na própria trama, aqui se encontra temas como divórcio, luto, drogas, manipulação, entre outros, e muitos são só "pontos" para trazer mais dramaticidade para a narrativa, mas não tendo uma função realmente útil em meio à tensão e ao drama final proposto. 

A forma em como Soderbergh trabalha tal figura presente de forma espiritual é madura até a sequência final onde a obra explica sem necessidade quem é tal figura. Enquanto ele como enigma, funcionava perfeitamente como causa de ansiedade e interesse do espectador, sendo um dos elementos que fazia a tensão da obra ser criada de forma efetiva. O enigma funciona também na jornada do personagem Ryan, que tem uma atuação surpreendente de Mulholland como antagonista, sendo uma surpresa positiva no meio dos pontos dramáticos soltos pelo diretor. 

A trilha sonora do filme acaba sendo evasiva em certas sequências, além de não acrescentar muito a dramaticidade exigida em certos momentos da trama onde acontece discussão entre os pais e os irmãos. A jornada do irmão do protagonista afeta o produto final por conta de como o roteiro desenvolve a sua figura como algo bastante problemático. Existe em sua resolução uma tentativa de perdão por parte do espectador que é pouco funcional, até por ser um filme curto e que não deixa muito espaço para se conectar aos personagens. 

O trabalho de fotografia aqui é um fator que chama atenção pela calma e execução que os planos acontecem, contando também pelo ensaio de câmera com os atores que consegue ser uma facilitação simples de espectador com personagem, mas sem parecer algo apelativo. O trabalho dos atores Lucy Liu e Chris Sullivan como os pais funciona a medida do que é permitido por Soderbergh, que cria uma atmosfera melodramática entre os personagens e sobre o futuro de seu casamento, mas que o roteiro, junto com a direção, decidem não dar mais espaço para facilitar a finalização da narrativa. 

A maior problemática da obra se encontra em ser um filme básico que se perde em qualquer momento que tentar seguir alguma linha fora do proposto, como dito anteriormente. Funciona a ideia de um ser desconhecido estar na casa e ser um mero espectador de uma família que tem seus problemas, mas quando chega o momento de dar espaços aos seres humanos se torna uma mistura de drama adolescente e familiar carregados de conflitos sem solução. A forma de desenvolvimento narrativo em cada uma das sequências, de forma picotada, parece intuito de Soderbergh em fazer um filme conforto para espectadores de Tiktok. 

Acaba que no final das contas, é um filme que se mantém na risca de ser uma obra simples com certa parcela de drama efetiva. Mas não foge de fazer parte da cinematografia de Soderbergh como mais um produto vendável e esquecível onde a técnica simples se torna um dos chamariz para não diminuir sua obra, mais do que a própria se diminui.  

TEXTO DE ADRIANO JABBOUR. 

sábado, 8 de março de 2025

Better Man: A História de Robbie Williams - O Animal por trás do Homem

Better Man | Paramount Pictures


Primatas são figuras comuns no universo do cinema. Sejam encarnados no famoso e alegórico King Kong, ou em posições dominantes, como em “Planeta dos Macacos”, tais presenças, mais habituais em ficções científicas, não são estranhas aos olhos humanos. Entretanto, uma celebridade musical escolher ser referenciada no papel de um macaco é, no mínimo, curiosa. “Better Man - A História de Robbie Williams”, de Michael Gracey, opta por tal irreverência com o aval total do cantor que dá nome à obra.

Sem qualquer estranheza por parte dos demais, Robbie Williams, interpretado aqui por Jonno Davies, já na pele do animal por intermédio de um ótimo CGI, é um jovem talento descoberto pelo grupo britânico Take That, que o fez obter ascensão meteórica em sua carreira. Porém, após os vislumbres de extravagância que a fama traz, o protagonista se perde e se encontra em uma velocidade disfuncional. De maneira não cronológica, passagens de sua vida são contadas com uma realidade que só é parada pela barreira criada pela fantasia que o próprio filme propõe. Estes momentos, que englobam uma série de aderência a vícios e um sofrimento atroz por parte de Robbie, são tratados de maneira visceral e explicativa, assim como artisticamente belos.


O arco de construção da persona do cantor, que passa de um menino inseguro para uma estrela da música no qual o brilho do reconhecimento o cegou, é apressada, mas compreensível. A ênfase não está apenas no dom de Robbie, mas sim nas consequências, desde familiares até em outros âmbitos sociais, que o fizeram decair significativamente após seu contato com a fama. Sua família, aliás, traz um núcleo de pai e filho que auxilia no crescimento e na formação do corpo da trama, agregando a dramaticidade e um fundamento necessário para que tomemos partido da situação.


Ainda que no palco Robbie fosse um fenômeno, sua vida pessoal, como apresenta a biografia, era conturbada e permeada por dependências, compulsões, autossabotagem e pensamentos intrusivos. Contudo, com a presença dos números musicais, era impossível esquecer que ali também se tratava de um musical com apego à sensibilidade e à sonoridade fantástica do artista, além de sempre nos relembrar que estávamos diante de uma história com seu “quê” fantástico. As canções nem sempre funcionam, visto que, em certo ponto, parecem amontoadas, causando uma possível dispersão do espectador.


Michael Gracey, que já esteve à frente de “Rocketman” e “O Rei do Show”, sabe bem como captar a atenção certa no momento certo para a situação certa. As circunstâncias musicalizadas são caprichosas, embora as ocasiões do dia a dia se resolvessem de maneira um tanto fácil, provando que todo problema tem uma resposta direta e positiva. Como trata-se de um clássico caso de um artista diferenciado e influente em busca de redenção, o filme não se distancia tanto dos demais na mesma linha de pensamento. Todavia, quando o realiza, é com cuidado; não em relação a imagem de Robbie, mas essencialmente na forma de filmagem e zelo com a história.


“Better Man - A História de Robbie Williams” adentra o imaginário de Robbie Williams, que compartilha com o espectador a chance de o conhecer melhor, mesmo na imagem de um macaco. Em um bom passeio pelos altos e baixos de sua vida, percebemos a tentativa de humanizar, mesmo que por meios “animalescos”, uma personalidade inesquecível porém ainda discreta quanto a sua própria história. Embalado por canções do próprio artista, o âmbito musical seria concretizado com maestria se não unisse tantos números em um curto espaço de tempo. Mesmo assim, é possível se entreter com imagens inventivas e uma trajetória cinematográfica interessante. De fato, nada é impossível para o audiovisual.


Autora:


Laisa Lima 

25 anos, formada em cinema, roteirista, crítica, videomaker e moradora do Rio de Janeiro, minha paixão pelo cinema transcende as telas. 
De “Guarda-Chuvas do Amor” até “Laranja Mecânica”, meu amor pela arte não se prende a nenhum gênero, mas sim ao que me toca. 
Também sou apaixonada pelos pormenores da vida, que se apresentam sem nenhum roteiro. 
Logo, imaginação não falta em mim. 
Sou de tudo um pouco, e procuro sempre expor minha versão mais democrática, que enfrenta a realidade com a maior criatividade possível.

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

A Verdadeira Dor – E Nossos Mecanismos de Defesa

 

A Verdadeira Dor | Searchlight Pictures

A segunda direção de Jesse Eisenberg foi uma agradabilíssima surpresa. Tenho uma admiração pessoal pelos filmes que conseguem demonstrar o quadro geral da obra logo em seu primeiro plano, o que é exatamente o caso. Começamos com um fade in decorado com a clássica Nocturne de Frédéric Chopin e um travelling lateral lento em um aeroporto, com incontáveis figurantes, alguns em movimento outros em sua tediosa espera pelo próprio voo, até que damos uma volta para seguirmos então com o travelling, agora frontal, que nos revelará então, aparecendo entre as pessoas, um dos nossos dois protagonistas, Benji, interpretado por Kieran Culkin, e terminamos o shot em um close-up frontal no ator com uma expressão neutra. É daqui que vemos que o trabalho de escolha de elenco foi perfeito. 

Cada ator transmite uma emoção específica quando se põe com o rosto neutro ou em descanso. Na maioria das vezes a leitura que se faz é de raiva, ou com atores mais jovens, como seria o caso de Culkin, inocência, às vezes medo. Mas o que vemos, também influenciado pelo próprio título do filme que aparece quase em cima do protagonista, é tristeza. Recentemente me chegou a informação de que Culkin quase teve de sair do elenco do filme, por complicações em sua agenda, mas Emma Stone (Pobres Criaturas, La La Land), sendo uma das produtoras do filme, o convenceu a ficar, mesmo com as dificuldades, e ainda bem, pois em ele teríamos talvez um filme ligeiramente diferente, e ligeiramente fora do ponto.

Logo após esses maravilhosos 50 segundos, que já haviam me ganhado completamente, somos introduzidos ao nosso segundo protagonista, primo de Benji, interpretado por Jesse Eisenberg, que mesmo participando do filme como escritor e diretor, não perde a mão de sua atuação, e o mais interessante de tudo, sabe exatamente que tipo de personagem aproveita melhor de seus específicos talentos, voz e forma. Seu personagem David sai de casa com o telefone na orelha, ligando incessantemente para Benji, que nunca retorna à ligação. David é ansioso, nervoso, nunca calmo. Parece estar constantemente incomodado, como se passasse a vida se segurando para não correr para dentro de um buraco para se esconder para sempre. Então quando David finalmente chega ao aeroporto recebemos um susto – Benji aparece e recebe David com um sorriso gigante no rosto. Mas com o decorrer da história, vamos perceber o motivo desse suposto engano.

David e Benji embarcam em uma viagem para a Polônia (justificando a escolha de Chopin, compositor polaco, durante o filme) para honrar a memória de sua recém-falecida avó, que ambos amavam, e aproveitam para conhecer melhor sua história através de um tour dedicado a descendentes de judeus vítimas do holocausto. O filme é um clássico exemplo de road movie, em que a viagem em si transforma e aproxima dois personagens centrais, com participações importantes de alguns adjacentes. Não demora muito até que a obra nos arranque as primeiras risadas, com um tipo de comédia muito específico e interessante que se torna cada vez mais presente em filmes estadunidenses, que trabalha uma naturalidade de micro tiradas, pequenas gags dedicadas a causar aquela risada nasal quase imperceptível, ajudando a ter uma imersão um pouco mais pessoal no filme. Benji é tão irritante e ao mesmo tempo carismático, e David quase se contorce ao não saber lidar com a extroversão do primo, num ambiente onde nossos atores criam uma improvável química, que não só funciona como também contagia.

Kieran Culkin nos dá uma de suas melhores performances, com esse personagem extremamente humano, real e relacionável a nós mesmos, escondida nessa comédia. Ao descobrirmos que seu personagem fez uma tentativa de suicídio numa cena também de impecável atuação de Eisenberg, percebemos que talvez o tema central a ser conversado no filme sejam as nossas máscaras do dia-a-dia, que usamos para lidar com nossas dores. 

Benji age sem remorso de suas ações e falas, ele diz o que pensa, faz o que quer, trata as coisas com leveza, tudo tentando abstrair do próprio sofrimento pessoal, expondo suas emoções a todo o momento, enquanto David faz quase o oposto, ele acredita que seus problemas são apenas seus, e não existe razão nem desculpa para buscar ajuda. Os dois são opostos mas os mesmos, e um não quer viver a vida sem o outro, e mesmo entendendo que nunca serão capazes de curar um ao outro de seus problemas pessoais, passam a pelo menos compreender o outro lado, fechando o filme com o mesmo Close-up em Benji, no mesmo lugar no aeroporto, mas dessa vez com o título no lado oposto da tela, mostrando que cada lado de uma história tem a sua própria verdadeira dor.  

Autor:


Henrique Linhales, licenciado em Cinema pela Universidade da Beira Interior - Covilhã, Portugal. Diretor e Roteirista de 6 curta-metragens com seleções e premiações internacionais. Eterno pesquisador e amante do cinema.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

Blindado - Mais um entre tantos outros, no qual nem a presença do eterno Rocky Balboa faz surtir o efeito desejado: O de Empolgar

Blindado | Imagem Filmes

Qual será a anatomia de uma queda (sem fazer qualquer alusão ao filme de 2023, feito por Justine Triet)? Quebra de confiança, deslealdade, fraqueza etc., podem configurar um estado de derrocada. No caso cinematográfico, as peças que se juntam formam um fracasso que vai para além da ficção. Este é o caso de um astro, no caso, Sylvester Stallone, em uma obra, “Blindado” (2024), dirigido por Justin Routt, na qual traz à carreira desta estrela um ponto de curva bem duvidoso, sendo, então, capaz de ser um experimento em relação a como a criatura é capaz de enfraquecer seu criador. 

Aqui, temos James Broody (Jason Patric), um experiente agente policial que, junto ao seu filho, Casey (Josh Wiggins), também segurança, está em uma missão de transporte de uma carga importante entre um banco e outro. Entretanto, inseridos em um carro blindado, a finalidade torna-se um grande desafio por conta de uma gangue, liderada por Rook, personagem de Stallone, decidida a interceptar e roubar o conteúdo do veículo. Após uma intensa perseguição, o diálogo e os equipamentos bélicos ditam o rumo do longa-metragem. 

A situação, já nada favorável para Broody e Casey, se torna ainda mais emergencial quando ambos são encurralados pelo grupo de assaltantes em uma ponte - onde, teoricamente, a ação deveria iniciar. Daí para frente, as quase 1 hora e meia expõem um filme inconsistente e pouco desenvolvido em quesitos como roteiro, direção e ritmo. Nele, até o CGI não convence. A trilha sonora, por vezes country, só endossa algo perdido, fixando sua aventura em conversas artificiais entre “herois” e “vilões”, que buscam por uma tensão nunca encaminhada à produção. 

Deste modo, “Blindado” mira alto ao apresentar basicamente um único cenário com os mesmos atores do início ao fim, tentando apoiar-se na trama tal qual seu maior pilar de emoção. Entretanto, a obra não é sensível o suficiente para criar verdadeiros elos entre os protagonistas e os espectadores, sendo, assim, um vazio constante dentro de uma premissa ousada, mas pouco garantida. Stallone, o maior nome do elenco, parece não ter escapatória; um texto sem brilho é capaz de minar qualquer boa performance. Obtendo isso como norte, não é difícil entender os motivos pelos quais os demais atores, embora comprometidos, entregam um desempenho escasso de emotividade e novidade.


A direção de Routt, que deseja transmitir um sentimento similar a “Um Dia de Cão” (1975), filme também policial que possui poucos porém certeiros artifícios, que crescem conforme a trama avança; se perde em uma condução que manuseia sua base em um texto ralo e seu consequente desenrolar na história. Não existe tentativa de engabelar o público com efeitos visuais mirabolantes, somente demonstrar que a ação vendida na sinopse da obra procura ser obtida através de conexões fracas, que nem o paternalismo de Broody consegue elevar ao nível de convencer. 


Blindado” é mais um entre tantos outros, no qual nem a presença do eterno Rocky Balboa faz surtir o efeito desejado: o de empolgar. Além de um desenvolvimento previsível, a superficialidade do longa-metragem fala mais alto durante toda a sua duração. O que supostamente deveria instigar, não passa de uma faísca de uma boa ideia aqui e acolá, mas que, no final, se soma a qualquer coisa já vista antes. Deste modo, não há ação que sustente tantas derrapadas. 


Autora:


Lais Lima 

25 anos, formada em cinema, roteirista, crítica, videomaker e moradora do Rio de Janeiro, minha paixão pelo cinema transcende as telas. 
De “Guarda-Chuvas do Amor” até “Laranja Mecânica”, meu amor pela arte não se prende a nenhum gênero, mas sim ao que me toca. 
Também sou apaixonada pelos pormenores da vida, que se apresentam sem nenhum roteiro. 
Logo, imaginação não falta em mim. 
Sou de tudo um pouco, e procuro sempre expor minha versão mais democrática, que enfrenta a realidade com a maior criatividade possível.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

O Homem do saco - Quando o Terror se Perde na Bagunça

O Homem do Saco | Paris Filmes


Uma família se vê envolvida em um pesadelo enquanto é caçada por uma criatura mítica e maligna. Durante séculos e em todas as culturas, os pais alertaram os seus filhos sobre o lendário Homem do Saco, que rapta crianças inocentes para nunca mais serem vistas. Patrick McKee (Sam Claflin) escapou por pouco quando menino, o que o deixou com cicatrizes ao longo de sua vida adulta. Agora, o pesadelo da infância de Patrick voltou, ameaçando a segurança de sua esposa Karina e de seu filho Jake.

O "Homem do Saco" é uma figura mítica presente em várias culturas, retratada como um homem com um saco que sequestra ou pune crianças desobedientes. Ele aparece em países latinos, Ásia, Europa e África, com diferentes nomes e características, mas sempre com o objetivo de assustar as crianças e fazê-las se comportar. Ao refletirmos sobre a figura do "Homem do Saco" no contexto do filme, é interessante perceber como a mitologia dessa figura pode ser reinterpretada ou utilizada de maneira simbólica em relação a temas contemporâneos, como o controle social, o medo do desconhecido e até mesmo a desconstrução de figuras autoritárias.

A obra pode ser vista como uma crítica ou até uma reflexão sobre como as histórias de medo, com base em figuras como o "Homem do Saco", perpetuam valores de punição e medo. Ao invés de buscar entender as causas do comportamento das crianças ou da sociedade, essas narrativas frequentemente preferem uma abordagem mais punitiva e intimidadora. Não apenas alimentando o medo e o conformismo, mas também serve como metáfora para os próprios mecanismos de controle social na atualidade. A ideia de um ser misterioso que sequestra ou pune aqueles que transgridem pode ser uma alusão indireta à forma como as instituições tentam manter a ordem, com a desculpa de proteger ou educar, mas muitas vezes ignorando questões mais profundas de justiça e compreensão.

Porém, o principal problema do filme é a tentativa de explorar a lenda de maneiras distintas, sem, no entanto, se aprofundar em nenhuma delas. A criatura é retratada tanto como um trauma infantil, quanto uma entidade paranormal, uma alucinação psicológica e uma ameaça física real. O resultado é uma mistura de conceitos desconexos que nunca conseguem estabelecer um tom consistente.

O visual da criatura, o 'Homem do Saco', é um exemplo impressionante de como os efeitos práticos podem ser bem utilizados, mesmo com um orçamento limitado. A figura sinistra, vestindo um capuz preto que cobre a maior parte do seu rosto, exibe apenas uma parte visível: um sorriso distorcido, com dentes irregulares e uma boca exageradamente alargada. Esse detalhe grotesco intensifica a aparência aterradora, amplificando ainda mais o mistério e o terror que ele desperta.

Homem do Saco de 2024 é uma obra que apresenta um potencial interessante ao explorar temas universais como medo, controle social e a figura mítica do sequestrador infantil. No entanto, seu principal defeito reside na tentativa de abarcar diferentes abordagens e interpretações para a lenda, sem se aprofundar de maneira suficiente em nenhuma delas. A mistura de traumas psicológicos, entidades paranormais e ameaças físicas cria uma narrativa confusa que compromete o impacto da história. Apesar de um visual impactante e uma boa utilização dos efeitos práticos, o filme falha ao não conseguir estabelecer um tom consistente, o que prejudica sua capacidade de envolver e gerar o tipo de tensão que se espera de um bom filme de terror. A crítica à perpetuação de valores punitivos através de figuras como o Homem do Saco é válida e instigante, mas se perde na dispersão de ideias, resultando em uma experiência que, embora visualmente eficaz, carece de profundidade e coesão narrativa.

Autor:


Meu nome é João Pedro, sou estudante de Cinema e Audiovisual, ator em formação e crítico cinematográfico. Apaixonado pela sétima arte e pela cultura nerd, dedico meu tempo a explorar e analisar as nuances do cinema e do entretenimento.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

Setembro 5 - Distância Emocional no Retrato do Massacre de Munique

Setembro 5 | Paramount Pictures


Em Setembro 5, uma equipe de jornalistas esportivos precisa mudar sua cobertura radicalmente quando atletas são feitos de reféns dentro da Vila Olímpica. O drama histórico conta a história do Massacre de Munique, atentado que aconteceu nos Jogos Olímpicos de Verão de 1972 na Alemanha, a partir do ponto de vista da equipe de transmissão da ABC Sports. Na noite de 5 de setembro de 1972, um grupo terrorista chamado Setembro Negro invadiu a Vila Olímpica e fez 11 atletas da delegação israelense de reféns. Então, os jornalistas esportivos que estavam cobrindo o evento tiveram que transformar a abordagem de suas pautas para noticiar ao vivo o que estava acontecendo durante o sequestro que viria a se tornar o maior atentado terrorista a acontecer em um evento esportivo até hoje.

O filme aborda os acontecimentos da noite de 5 de setembro de 1972, quando o grupo terrorista "Organização Setembro Negro" invadiu a Vila Olímpica em Munique e fez atletas da delegação israelense reféns. A crise foi transmitida para aproximadamente 900 milhões de pessoas, pois a emissora estadunidense ABC, juntamente com outras de diferentes países, estava presente para cobrir o evento e mostrou cenas ao vivo de ameaças, perseguições e negociações. O ponto de vista central é dos jornalistas esportivos, acompanhando a trajetória daqueles que precisaram adaptar suas coberturas para relatar o sequestro em tempo real. Ao contrário do filme Munique, de Steven Spielberg, que adota a perspectiva de um agente do esquadrão da Mossad (Agência de Inteligência de Israel) na busca por outros possíveis envolvidos no caso.

O filme, assim, não só destaca o papel crucial da mídia na transmissão de crises globais, mas também questiona a crescente influência da imprensa em momentos de tensão extrema, quando a linha entre informar e explorar se torna tênue. Para quem estuda ou trabalha com jornalismo, o filme oferece uma reflexão profunda sobre as responsabilidades da mídia e os dilemas éticos enfrentados pelos profissionais, especialmente em situações de grande pressão e risco. 

A direção adota uma abordagem "neutra", tentando manter a "objetividade" ao retratar os eventos, o que significa que o filme se foca mais nos aspectos técnicos da cobertura jornalística, como os bastidores, o uso de equipamentos e a preparação para a transmissão. Isso desperta interesse, pois permite ao público entender como a notícia foi manipulada e transmitida ao vivo. No entanto, essa ênfase nos aspectos técnicos acaba tornando o filme distante e emocionalmente frio. Apesar da escolha por uma câmera instável (que busca uma sensação de proximidade com a ação) e da imagem granulada com alto contraste (que pode sugerir tensão e drama), o filme não consegue criar uma conexão mais profunda com o público, parecendo mais uma exposição de fatos do que uma imersão emocional nos acontecimentos.

Setembro 5 retrata o Massacre de Munique de 1972 a partir da perspectiva dos jornalistas esportivos que cobriam os Jogos Olímpicos, focando nos bastidores da cobertura ao vivo do sequestro dos atletas israelenses. Embora ofereça uma reflexão importante sobre a responsabilidade da mídia e os dilemas éticos enfrentados em situações extremas, a abordagem técnica e "neutra" do filme, com ênfase nos aspectos operacionais da transmissão, resulta em uma falta de conexão emocional, o que torna a obra distante e menos impactante.

Autor:


Meu nome é João Pedro, sou estudante de Cinema e Audiovisual, ator em formação e crítico cinematográfico. Apaixonado pela sétima arte e pela cultura nerd, dedico meu tempo a explorar e analisar as nuances do cinema e do entretenimento.

terça-feira, 21 de janeiro de 2025

Luiz Melodia: No Coração do Brasil – Uma Ode à Música Popular Brasileira

Luiz Melodia: No Coração do Brasil | Embaúba Filmes

“É bom se soltar…Enquanto existe música em cada um, existe liberdade”

E é assim que se inicia o documentário de um dos maiores expoentes da música popular brasileira: Luiz Melodia, durante um de seus shows pedindo para que as pessoas se movimentem, dancem e cantem, por que era assim que ele gostava de sentir sua plateia, totalmente imersa em sua arte.

O documentário, bastante iconográfico e narrado por Luis durante entrevistas gravadas ao longo de sua carreira, mostra a origem do cantor carioca desde seus primeiros trabalhos até chegar ao estrelato máximo e ser reconhecido por milhões de brasileiros. Logo no primeiro ato, é possivel perceber como cantoras de grande escalão que já eram reconhecidas nos anos 70, ajudaram Luiz a catapultar o seu talento que só precisava de empurrãozinho para ser revelado como um dos maiores cantores e compositores do país.

Seu primeiro LP, Peróla Negra, lançado em 1973 teve bastante repercussão e sucesso de vendas, até porque já vinha com o título de um grande sucesso seu também gravado pela irreverente amiga, Gal Costa. Além de Gal, Maria Bethânia também foi outra artista a ter uma de suas músicas gravada, a famosa “Estácio, Holly Estácio”. Canção essa, que já tinha o puro DNA do multi-instrumentista Luiz Melodia, afinal, o bairro de Estácio, no morro do Rio de Janeiro, foi onde o músico nasceu.

Por mais que Luiz viesse de grandes raízes sambistas, até por seu pai, Oswald Melodia, já ser reconhecido no eixo carioca como um grande músico do gênero e foi até do mesmo que Luiz herdou seu nome artístico. Ele não queria apenas tocar samba, o cantor era contra se prender em um gênero. Isso demonstra como ele tinha uma pluralidade musical e contrariava os estereótipos (como ele mesmo cita) de que o negro tem que descer do morro e tocar apenas samba.

Ao longo de sua carreira, Luiz, tocou diversos estilos musicais como rock, blues e soul. O que acabou deixando várias gravadoras insatisfeitas e recusando trabalhos do cantor para gravar. Mas Luis deixa claro em seu documentário que era uma pessoa sempre seguia sua intuição e não deixava ser moldado por tendências. Ele era um cantor que acreditava no seu potencial e tinha autoconfiança na diversidade musical que podia entregar em seus versos.

O documentário é bastante respeitoso com o cantor que nos deixou a quase uma década. Isso se deve muito também à diretora musical e que também assina o roteiro do filme, Patrícia Columbo, a mesma foi grande amiga de Melodia. É incrível como também, a equipe de produção conseguiu captar tantas reportagens, matérias e entrevistas do músico e editaram em apenas ele como narrador. Isso reproduz uma autenticidade e segurança enorme pro longa, pois temos a certeza que nada está moldado ali. São gravações e imagens reais que transmitem toda a natureza e personalidade desse grande ícone brasileiro.

Luiz Carlos dos Santos, foi um homem simples do morro carioca e que mesmo com a sua fama, nunca esqueceu de onde veio e dos seus amigos. Era um cantor que sempre respeitava seu coração e seu tempo. Mesmo demorando anos para entregar novos discos, ele sabia que valeria a pena no final e estaria em paz consigo mesmo. Afinal, um artista precisa de seus instantes, sejam eles curtos ou longos para compor aquilo que se sente mais confortável. Sem falar, na grande legião fãs e apreciadores das suas músicas que ele sabia que sempre poderia contar.

Um longa que faz uma grande homenagem ao “poeta da Estácio”. Uma grande homenagem à MPB.

Autor:


Meu chamo Leonardo Veloso, sou formado em Administração, mas tenho paixão pelo cinema, a música e o audiovisual. Amante de filmes coming-of-age e distopias. Nas horas vagas sou tecladista. Me dedico à exploração de novas formas de expressão artística. Espero um dia transformar essa paixão em carreira, sempre buscando me aperfeiçoar em diferentes campos criativos.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

Maria Callas - A Complexa Busca por Identidade

Maria Callas | Netflix


Um drama biográfico de uma grande artista em busca de sua identidade. Angelina Jolie interpreta Maria Callas, uma das mais icônicas cantoras de ópera do século XX no filme Maria, dirigido pelo aclamado Pablo Larraín. O longa retrata o período em que a soprano greco-americana se refugia em Paris, após uma vida pública marcada pelo glamour e pela turbulência. O filme Maria Callas revisita os últimos dias da lendária artista, destacando o momento em que ela reflete sobre sua trajetória e identidade na Paris dos anos 1970. Depois de se dedicar ao público e à sua arte, Maria decide encontrar consigo mesma e encontrar sua própria voz e identidade. Esse é um retrato e uma investigação psicológica de uma mulher que teve o mundo ao seus pés e marcada pelos holofotes da fama.

A direção é de Pablo Larraín, cineasta responsável por outros dramas biográficos aclamados, como Jackie (2016), que retratou Jacqueline Kennedy lidando com o luto após a morte de seu marido, o presidente John F. Kennedy, e Spencer (2022), que acompanhou a Princesa Diana durante o Natal de 1991, em meio à crise em seu casamento com o Príncipe Charles e as pressões da monarquia. Neste filme, Larraín narra os últimos dias de Maria Callas em Paris, onde a soprano reflete sobre sua vida e busca reconectar-se com sua identidade, após uma carreira marcada pela fama e pela turbulência. A direção de Pablo Larraín, conhecida por sua habilidade em explorar figuras históricas e psicológicas complexas, oferece uma abordagem sensível e introspectiva sobre a figura de Maria Callas.

No entanto, a forma como Larraín narra os últimos dias da soprano em Paris pode ser vista como uma oportunidade para ir além da simples reconstrução biográfica e explorar as emoções e o turbilhão interno da protagonista com mais profundidade. Em filmes anteriores, como Jackie, o cineasta demonstrou uma habilidade rara de transformar a biografia em um retrato psicológico e emocional, e com Maria Callas, ele novamente se debruça sobre o dilema de uma figura pública que luta para equilibrar sua identidade pessoal com as expectativas e pressões externas.

O uso do preto e branco em algumas cenas do filme vai além de uma simples referência temporal; ele antecipa uma narrativa estética fragmentada, que se distancia das produções anteriores. Essa escolha de paleta de cores cria uma atmosfera que enfatiza o contraste entre passado e presente, memória e realidade, proporcionando ao público uma experiência sensorial única e multifacetada. Ao adotar uma estética fragmentada, Larraín não apenas revisita o legado histórico de Maria Callas, mas também explora as contradições que permeiam sua figura complexa. O preto e branco, portanto, torna-se um meio eficaz para mergulhar nas sutilezas de sua identidade, criando uma vivência emocional que desafia o espectador a se perder, assim como Callas, entre a luz e a sombra de seu legado e de sua vida pessoal.

O filme, marcado por influências do musical e do melodrama, mescla emoções mundanas com aspirações quase transcendentais. Angelina Jolie, ao adotar uma abordagem contida e evitando excessos, entrega uma performance que finca a narrativa na complexidade humana, equilibrando com precisão os momentos estilisticamente audaciosos. Sua dedicação ao papel é evidente: Jolie revelou ter treinado suas cordas vocais por quase sete meses, buscando, dentro de suas limitações, prestar uma homenagem autêntica à figura de Maria Callas. Essa entrega técnica, aliada à sua interpretação sutil, enriquece a obra, tornando-a mais sólida.

Maria Callas é um retrato emocional e introspectivo dos últimos dias de Maria Callas, explorando a complexidade da soprano, sua busca por identidade e as contradições entre sua vida pública e privada. A obra transcende a biografia, oferecendo uma reflexão profunda sobre fama, memória e autodescoberta.

Autor:


Meu nome é João Pedro, sou estudante de Cinema e Audiovisual, ator em formação e crítico cinematográfico. Apaixonado pela sétima arte e pela cultura nerd, dedico meu tempo a explorar e analisar as nuances do cinema e do entretenimento.

Telefone Preto 2 - Do Suspense Psicológico para a Hora do Pesadelo

Telefone Preto 2 | Universal Pictures Pesadelos assombram Gwen, de 15 anos, enquanto ela recebe chamadas do telefone preto e tem visões pert...