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segunda-feira, 20 de outubro de 2025

Telefone Preto 2 - Do Suspense Psicológico para a Hora do Pesadelo

Telefone Preto 2 | Universal Pictures

Pesadelos assombram Gwen, de 15 anos, enquanto ela recebe chamadas do telefone preto e tem visões perturbadoras de três rapazes sendo perseguidos em um acampamento de inverno. Com a ajuda de seu irmão, ela deve agora confrontar um assassino que se tornou ainda mais poderoso na morte.

O Primeiro Telefone Preto seguiu a linha do suspensa psicológico, centrado em um garoto sequestrado por um assassino em série. Com elementos sobrenaturais, o protagonista encontra um telefone antigo em seu cativeiro, o que lhe permite se comunicar com as vítimas anteriores do criminoso e, assim, tentar escapar. No segundo filme da franquia, a história se expande, mas mantém algumas semelhanças com o primeiro. O telefone não está mais no cativeiro, mas sim em uma cabine telefônica, localizada em um acampamento onde o protagonista, Finney, vai com sua irmã, Gwen. Ao contrário do primeiro filme, Finney não está preso, mas a tensão permanece. A principal novidade é que Gwen, irmã de Finney, começa a ter pesadelos premonitórios sobre o assassino, o que faz lembrar o clássico A Hora do Pesadelo. Ela também corre o risco de morrer na vida real caso morra em seus sonhos, criando um paralelismo com os eventos que envolvem o assasino e seu irmão.

Embora o filme traga algumas boas ideias e a continuidade dos elementos sobrenaturais que funcionaram no primeiro, a sequência não consegue replicar a tensão psicológica que fez o original tão eficaz. Apesar da premissa do telefone ter mudado, o desenvolvimento do mistério se arrastar um pouco mais do que no seu antecessor. A comparação com A Hora do Pesadelo é interessante, especialmente pela dinâmica dos pesadelos premonitórios, mas, no geral, o filme falha em aproveitar plenamente o potencial da trama. Isso faz com que a sequência se sustente mais por nostalgia e elementos familiares do que por inovação.

No primeiro filme, o foco estava no protagonista, Finney, que era a principal vítima do sequestrador. Gwen, embora tivesse um papel relevante, era mais uma figura de apoio — a irmã caçula que buscava pistas sobre o desaparecimento do irmão. No entanto, em Telefone Preto 2, gostei de ver uma expansão signficativa de seu papel. Agora, ela não é apenas uma personagem secundária, mas uma parte fundamental da trama. Além de continuar sendo uma presença importante na busca por Finney, Gwen também se vê em perigo, pois seus pesadelos premonitórios a colocam em risco, ampliando ainda mais a tensão e o suspense da história. Esse aprofundamento no papel de Gwen traz uma dinâmica mais interessante, especialmente porque ela deixa de ser uma mera coadjuvante para se tornar uma protagonista no enfrentamento do assassino. A sequência acerta ao dar a ela mais espaço, equilibrando a narrativa e oferecendo uma perspectiva adicional sobre a ameaça que paira sobre os personagens. Essa ampliação da trama, ao mesmo tempo em que mantém o suspense, torna o filme mais envolvente e menos centrado apenas no sofrimento de Finney, o que traz um ar de frescor e evolução ao enredo.

Nos sonhos de Gwen, a alteração da estética da câmera, dando-lhe a aparência de um filme antigo, quase como se estivesse sendo visto através de uma lente embaçada ou desgastada. Esse recurso visual não só cria uma distinção clara entre os mundos oníricos e reais, mas também intensifica a atmosfera de mistério e tensão dos pesadelos de Gwen. A escolha de simular esse estilo "retrô" remete a filmes clássicos de terror, estabelecendo uma conexão com o gênero de forma sutil e eficaz. Quando os sonhos terminam e Gwen retorna ao mundo real, a câmera volta ao seu formato habitual, o que reforça ainda mais a ideia de que, nos momentos em que ela está dormindo, está em uma realidade completamente diferente — mais distorcida e perigosa. Essa técnica é habilidosa porque não só serve a uma função narrativa, mas também contribui para a construção da tensão emocional e visual da história. Ao longo do filme, essa mudança estilística ajuda a mergulhar o espectador na experiência de Gwen, tornando seus pesadelos ainda mais palpáveis e imersivos.

Telefone Preto 2 expande a história do primeiro filme, mas, embora traga algumas novidades interessantes, não consegue capturar a mesma tensão psicológica que fez o original tão impactante. A principal adição, que é o aprofundamento no papel de Gwen, funciona bem em termos de dar à personagem mais relevância e complexidade, mas o desenvolvimento do mistério acaba sendo mais arrastado do que no primeiro filme. A inclusão dos pesadelos de Gwen, é um bom toque, mas não consegue gerar a mesma sensação de desespero que o cativeiro de Finney proporcionava.

Autor:


Meu nome é João Pedro, sou estudante de Cinema e Audiovisual, ator e crítico cinematográfico. Apaixonado pela sétima arte e pela cultura nerd, dedico meu tempo a explorar e analisar as nuances do cinema e do entretenimento.

terça-feira, 7 de outubro de 2025

Love Kills (2025) - Anjos da Noite na Cracolândia não surte efeito

Love Kills (2025) | Filmland International


Como diria Lady Gaga, na era The Fame Monster, este filme me deixou "speechless"...

Love Kills (2025) é o primeiro longa-metragem da diretora Luisa Shelling Tubaldini, que produziu diversos projetos como Qualquer Gato Vira-Lata (2011), O Vendedor de Sonhos (2016), Divórcio (2017) e Motorrad (2017), e é uma adaptação do quadrinho de mesmo nome de Danilo Beyruth, lançado pela Darkside em 2019. A história trata de vampiros vivendo no centro de um grande centro urbano brasileiro. Portanto, uma adaptação potencialmente queer de uma obra de uma editora de certa importância no gênero terror apresenta-se como uma proposta interessantíssima.

Mas como preconiza a letra da Vera Fischer Era Clubber, ao som da voz de Crystal: "Eu sem depressão, sou uma outra proposta..."  E por mais que a citação ao lado seja uma piada interna deste crítico, realmente o que foi proposto não chega ao resultado final de pé (ou com cabeça) e "depreciativo" aos meus olhos.

No centro de São Paulo, devastado pelo crack, uma vampira, Helena (Thaís Lago), assombra um café sujo, cativando um garçom ingênuo, Marcus (Gabriel Stauffer). À medida que ele descobre os segredos dela, assim como o submundo da cidade, passa a ser atraído para um mundo perigoso de intrigas imortais, liderado por um "ex" comparsa dela, Leander (Erom Cordeiro).

O lado positivo dessa experiência é que Tubaldini tem um ótimo olho para fotografia e iluminação das cenas compostas aqui e, além disso, tem as referências de obras vampirescas do cinema na ponta da língua, recriando um estilo neo gótico Y2K que foi popular em filmes dos anos 90 e 2000 como Matrix (1998-2001) e, muito especialmente, a franquia Anjos da Noite (Underworld, 2001-2016). 

Tal como as personagens de Kate Beckinsale e Scott Speedman, no primeiro filme da franquia, há a mesma dinâmica em que um humano mortal acaba entrando no meio de um submundo no qual o desconhece, a ingenuidade de Marcus equivale ao fascínio. Em uma trama em que Helena, uma vampira milenar, deveria assumir o protagonismo, o filme foca mais na personagem masculina e em seus dilemas como um ex-enfrator que recomeça sua vida em um emprego de merda. Porém, tal figura do outsider, seja bem batida a esse ponto (péssimas recordações de quando assisti Eu, Frankenstein nos cinemas séculos atrás...), mais atrapalha do que a ajuda a progressão narrativa.

Se a personagem de Marcus seria o único elo entre o filme e a Cracolândia Paulistana, honestamente, é um desperdício de ambientação. Apesar de ser uma realidade social bastante proeminente no município, a Cracolândia é vista - na verdade, o centro histórico de São Paulo no geral - como um ambiente dispensável, usada por razões puramente estética do que uma grande personagem espacial. 

Existe uma correlação entre o vampirismo e da decadência e o estar à margem da sociedade (este último um tema bastante recorrente e presente nas vivências queer) que, surpreendentemente, é mal feita e em detrimento de plot points que a equipe criativa julga mais essenciais. Há figuras representativas da comunidade no longa, por mais que sejam tão acessórios e mal utilizadas. Do que adianta ter une vamprie chefe não-binarie cheio da grana e de atitude, se o roteiro trata esta personagem como figurante de luxo? Pessoas e personagens LGBTQIAPN+ e periféricos precisam sim ocupar espaços e narrativas. Exemplos não faltam, bons inclusive. Esse não é um deles.

Por mais que a história tenha referências ao lore vampiresco, a obra falha em justamente dar a sua própria versão da mitologia da figura do vampiro, há muitos diálogos expositivos e falas vagas, as regras e as relações do submundo são quase inexistentes. O pior que é o expectador nunca sabe o certo retraduzir os acontecimentos do filme de forma inteligível, afinal como Helena transformou e deu poderes a Leander? Qual é o propósito desse vilão gostoso?  (Sério, Erom Cordeiro caracterizado numa mistura anacrônica de Conde Orlok com Drácula de Lugosi me deixou interessado, em um personagem que só aprece nos últimos dez minutos e... vocês já sabem o resto.) 

Há claramente ruídos no roteiro e a direção é engessada. Para ser caridoso com a diretora, não sei se ela ficou refém do material de partida ou de uma visão mercadológica para uma visibilidade financeira e comercial da produção; afinal, o filme será distribuído pela Warner no ano que vem. No entanto, o filme é limpo demais para ser trash, se leva muito a sério para ser camp, possuí uma estética acima de substância, e impessoal demais para que seja uma reflexão ou metáfora para os espectadores.

Em suma, Love Kills é uma tentativa de cinema comercial brasileiro, com potenciais promissores, mas que nunca são entregues por uma narrativa sem atmosfera e personalidade sedutoras, deixando de sublinhar os pontos de interesse do gênero do horror e da ação. Um estética que vende algo que não é. Um banquete mofado trancafiado no armário. 

Logo... "what doesn't kill you, makes you stronger?" Hum... não sei. 

Te deixa anêmico? Talvez.

*Esta crítica faz parte da cobertura do 27o Festival do Rio, realizado em 2025.

Autor:
                                  

Eduardo Cardoso é natural do Rio de Janeiro, Cidade Maravilhosa. Cardoso é graduado em Letras pela Universidade Federal Fluminense e mestre em Estudos de Linguagem na mesma instituição, ao investigar a relação entre a tragédia clássica com a filmografia de Yorgos Lanthimos. Também é escritor, tradutor e realizador queer. Durante a pandemia, trabalhou no projeto pessoal de tradução poética intitulado "Traduzindo Poesia Vozes Queer", com divulgação nas minhas redes sociais. E dirigiu, em 2025, seu primeiro curta-metragem, intitulado "atopos". Além disso, é viciado no letterboxd.

O retorno dos serial killers mascarados: Os Estranhos - Capítulo 2

Os Estranhos - Capítulo 2 | Paris Filmes


'' Os Estranhos - Capítulo 2 '' é a nova sequência da franquia de terror que teve o seu início em 2008 com o diretor Bryan Bertino, trazendo de volta a atmosfera sufocante e a ideia central que sempre definiu esses filmes: o medo do inesperado e a violência gratuita. Dessa vez sendo dirigido por Renny Harlin, já conhecido por outros trabalhos de suspense e ação, incluindo o capítulo 1 de '' Os Estranhos '' em 2024, o longa mantém a proposta de causar inquietação no público, ao mesmo tempo em que busca expandir a história dos assassinos mascarados. 

Logo no início, o filme estabelece um tom informativo, trazendo referências e dados reais sobre casos de assassinatos em série ocorridos nos Estados Unidos. Essa escolha nos oferece um caráter quase documental, que contribui para inserir o espectador em um clima de desconforto antes mesmo da ação propriamente ter o seu início. Tal recurso funciona bem, pois amarra a trama a uma sensação de realidade, mesmo que a narrativa seja ficcional. Assim, cria-se uma ponte entre a ficção do terror e os temores que já habitam o imaginário coletivo. 

A tensão é estabelecida de forma imediata. Nos primeiros minutos, o público já é colocado em uma atmosfera de suspense crescente, sendo desempenhados por um papel crucial feito pela ambientação. Harlin acerta ao construir o primeiro ato, pois consegue manter a atenção do espectador presa e antecipar os eventos que se desenrolam em seguida. É nesse momento que o filme atinge seu ponto mais eficiente: os jogos psicológicos e o clima de perseguição que sempre foram a marca registrada da franquia.

Um dos destaques da obra está justamente nas cenas de perseguição. O diretor utiliza a câmera de forma estratégica, explorando ambientes fechados no hospital, florestas escuras e corredores estreitos para criar a sensação de claustrofobia. O espectador sente a impotência da vítima, Maya, que corre sem ter para onde fugir, e isso gera um desconforto eficaz. Embora a narrativa não traga muitas novidades dentro do gênero, a sequência ainda consegue prender pela execução técnica e pela intensidade do momento.

Porém, nem todos os elementos funcionam com a mesma eficiência. Uma cena envolvendo um javali na floresta, por exemplo, destoa do restante da obra. Mal executada, a sequência parece deslocada e quebra parte da tensão acumulada até então. A tentativa era provavelmente criar um susto adicional ou um elemento surpresa, mas o resultado fica mais próximo do estranho do que do assustador. Esse é um dos pontos em que o filme tropeça e deixa a desejar.

Ainda assim, '' Os Estranhos - Capítulo 2 '' procura dar mais profundidade à sua trama em comparação ao primeiro capítulo. A narrativa se esforça para oferecer algumas respostas sobre a motivação dos serial killers e, ainda que não seja um mergulho profundo, há mais diálogos que ajudam a compreender melhor quem são essas figuras mascaradas, por que agem de forma tão cruel e quando tudo aquilo teve o seu início. Isso adiciona uma camada de interesse extra, já que até então o grande diferencial da franquia era justamente a ausência de explicações.

O filme também planta as sementes para o que vem a seguir. A presença de um trailer no final da sessão é um indicativo claro de que essa não é uma história isolada, mas sim parte de uma trilogia planejada. Essa estratégia pode dividir opiniões: para alguns, é empolgante ver que a narrativa terá uma continuidade, para outros, pode soar como uma manobra comercial que enfraquece o impacto do filme atual, já que parte da resolução é deixada para mais a frente.

De um modo geral, '' Os Estranhos - Capítulo 2 '' cumpre por partes o seu papel de assustar, embora não atinja todo o potencial que poderia ter. É um filme com boas cenas de perseguição e momentos de suspense bem construídos, mas que também sofre com escolhas de narrativas com alguns problemas de execução e algumas quebras de ritmo. Ainda assim, para quem acompanha a franquia ou gosta de slashers que brincam com o medo da invasão e do imprevisível, o longa entrega uma experiência razoável e que prepara terreno para o desfecho.

Com 98 minutos de duração, a obra não se arrasta, mas também não consegue se aprofundar tanto quanto promete. Renny Harlin, no comando, mostra segurança na criação de tensão, mas tropeça quando tenta inovar. A nota justa é 3 de 5: um filme que entretém e inquieta, mas que não alcança o impacto memorável de outros títulos do gênero.

Autor:

Bárbara Borges é do Rio de Janeiro e estudante de Jornalismo. Apaixonada por cinema desde criança, sempre foi movida por histórias intensas, especialmente as de terror, seu gênero favorito. Em 2024, dirigiu o documentário Além do Recinto, que levanta questionamentos sobre o bem-estar de animais silvestres em zoológicos e o impacto do confinamento longe de seus habitats naturais. Gosta de pensar no cinema como uma forma de provocar, sentir e transformar. Vive atualizando seu Letterboxd com comentários sinceros e, às vezes, emocionados. Entre seus filmes favoritos estão Laranja Mecânica, Psicopata Americano, Pânico, Pearl e Premonição 3.


quinta-feira, 18 de setembro de 2025

A Longa Marcha: Caminhe ou Morra - A Maratona da Morte

A Longa Marcha: Caminhe ou Morra | Paris Filmes


Em um futuro distópico, 100 jovens participam de uma competição brutal na qual só um pode sobreviver. A cada passo, a tensão aumenta. A Longa Marcha é uma adaptação eletrizante da obra de Stephen King.

O filme é uma daquelas obras de sobrevivência intensas, que conseguem prender o espectador do início ao fim. Assim como em Jogos Vorazes, também dirigido por Francis Lawrence, aqui o diretor mostra mais uma vez sua habilidade em criar atmosferas de tensão e urgência. A comparação com Round 6 também é válida, especialmente pelo caráter brutal da competição, onde seguir em frente é a única regra  — qualquer deslize, por menor que seja, significa a morte. O longa se destaca por sua narrativa direta e impactante, que não dá respiro ao público, refletindo a exaustão dos personagens. A maneira como a tensão é construída — especialmente quando uma vítima está prestes a morrer — é eficiente e emocionalmente envolvente. A câmera se aproxima, o som estrondoso da arma vem como um choque, e o espectador sente o peso da perda. Tudo isso mostra que, mesmo em meio a violência, o filme consegue despertar empatia e reflexão. Com uma direção segura e um ritmo bem conduzido, o filme não apenas entrega entretenimento, mas também provoca o espectador a pensar sobre os limites humanos e o custo da sobrevivência.


O protagonista da história é Raymond Garraty, um jovem que se alista para a competição motivado por questões mal resolvidas com o Major, uma figura autoritária que representa tanto o sistema opressor quanto um conflito pessoal direto na vida de Raymond. A relação entre os dois é marcada por tensão e ressentimento, funcionando como um dos pilares emocionais da narrativa. Esse embate simbólico entre o jovem rebelde e a figura de poder acrescenta profundidade ao enredo, destacando temas como controle, resistência e a busca por identidade em meio ao caos.


Durante a caminhada, Ray desenvolve uma forte amizade com Peter — uma conexão que, apesar de recente, rapidamente se transforma em um laço profundo de companheirismo no inferno que estão enfrentando. Em meio à brutalidade da competição, os dois se tornam uma espécie de porto seguro um para o outro: ajudam-se nos momentos de fraqueza, quando um está à beira da morte, e se puxam de volta para a realidade do jogo. Em certos momentos, trocam provocações e brincadeiras como forma de aliviar a tensão, o que humaniza a jornada e oferece respiros emocionais ao espectador. Essa relação sincera entre os personagens é um dos pontos altos do filme, pois mostra que, mesmo em um cenário desumano, ainda é possível encontrar solidariedade, afeto e resistência por meio dos vínculos humanos.


As cenas de violência são intensas e impactantes, retratando de forma crua as consequências físicas e psicológicas da competição. A direção não poupa o espectador da brutalidade, mas evita o exagero gratuito, mantendo a tensão constante e reforçando o clima opressivo da narrativa.


A Longa Marcha se destaca como uma adaptação poderosa e emocionalmente carregada da obra de Stephen King. Com uma direção precisa de Francis Lawrence, o filme não apenas entrega cenas de tensão e impacto visual, mas também mergulha em temas profundos como opressão, amizade, resistência e o limite da condição humana. Ao equilibrar brutalidade com momentos de humanidade genuína, a narrativa consegue ser envolvente sem perder sua crítica social. É uma obra que não se limita a entreter — ela também provoca, incomoda e faz refletir. Uma experiência intensa e memorável para quem busca mais do que apenas ação em uma história de sobrevivência.


Autor:


Meu nome é João Pedro, sou estudante de Cinema e Audiovisual, ator e crítico cinematográfico. Apaixonado pela sétima arte e pela cultura nerd, dedico meu tempo a explorar e analisar as nuances do cinema e do entretenimento.

segunda-feira, 15 de setembro de 2025

Rosário - Um terror, 200 contas de terço e uma hora e vinte oito minutos que parecem não ter fim

Rosario | Imagem Filmes


Rosário (Emeraude Toubia), uma jovem latina e bem-sucedida funcionária de uma empresa de investimentos em Nova Iorque, recebe uma ligação informando sobre a morte de sua avó. Ao atender, o porteiro do prédio informa que, por ser uma imigrante ilegal, o corpo dela será levado para um hospital qualquer e pode desaparecer no sistema. Determinada a evitar isso, Rosário decide ir ao apartamento da avó para ficar com o corpo até a chegada da ambulância. É quando coisas sinistras começam a acontecer.

Rosário, dirigido por Felipe Vargas, começa com uma premissa interessante: a urgência de uma jovem presa em um local isolado com o corpo de sua avó enquanto eventos terríveis se desenrolam. Essa situação inicial cria uma tensão palpável, capturando a atenção nos primeiros minutos. No entanto, a inspiração do filme parece esgotar-se rapidamente, e a obra se rende a jumpscares e flashbacks excessivamente expositivos.

Apesar do potencial do prédio abandonado e do apartamento bizarro, a direção falha ao tornar a experiência previsível. O cenário excessivamente claro e o filtro verde constante tornam as cenas visualmente exaustivas, prejudicando a atmosfera de terror que o filme tenta construir. A montagem acelerada é um dos principais pontos fracos, pois não permite que os eventos causem o impacto necessário no espectador. A falta de um verdadeiro senso de risco para a protagonista, Rosário, faz com que o público não tema por ela, tornando a narrativa desinteressante.

O filme busca, também, abordar a experiência traumática da imigração ilegal, ligando os eventos sobrenaturais à travessia da fronteira. Contudo, essa proposta acaba sendo superficial, pois a obra não aprofunda questões culturais e religiosas que permeiam a vida de imigrantes. O roteiro tenta criar elos entre o sobrenatural e o passado familiar, expandindo a história para além da relação entre avó e neta. No entanto, essa escolha se perde ao não aprofundar de fato em nenhuma das relações, diluindo a força emocional do enredo.

Em suma, Rosário é um filme ambicioso que falha na execução. Ele tenta ser muitas coisas, mas a falta de consistência na direção, a montagem problemática e o roteiro superficial o impedem de sustentar sua premissa. O filme acaba se tornando um exemplo de como uma ideia promissora pode ser sacrificada em favor de artifícios como o bom e velho jumpscare, deixando de lado a oportunidade de construir um terror psicológico mais significativo.



Autor:


Mateus José é graduando de Licenciatura em Cinema e Audiovisual pela UFF, escritor, poeta, montador e aspirante a diretor de fotografia. Apaixonado pelas artes, literatura, música e principalmente o cinema, dedica-se a consumir, estudar e dissecar as camadas mais profundas do cinema e da arte.

segunda-feira, 8 de setembro de 2025

Invocação do Mal 4: O Últmo Ritual- OU DELÍRIO COLETIVO?

 

Invocação do Mal 4: O Último Ritual | Warner Bros. Pictures


Tudo que há de bom, tem que acabar. Em alguns casos, a bonança já foi embora algum tempo atrás…

 Um fenômeno do mundo do terror nasceu em 2013, uma assombração que pegou o público desprevenido e implorando por mais: a franquia Invocação do Mal (The Conjuring, no original), encabeçado pelo diretor James Wan, que pariu duas outras sagas do gênero, Jogos Mortais, em 2004, e Sobrenatural, em 2010. 

A série paranormal de filmes acompanha alguns dos casos mais espinhosos do casal Ed e Lorraine Warren (Patrick Wilson e Vera Farmiga, respectivamente), especialistas, como eles dizem, do além e da demonologia. O primeiro filme arrecadou mais de 300 milhões de dólares mundiais contra um orçamento de 20, desencadeando, naturalmente, sequências e spin-offs interligados: como o da boneca Annabelle (2014-2019) e a demoníaca Valak, também conhecida como  A Freira (2018-2023). 

Os longas são dramatizações desses casos (o famoso/infame “baseado em fatos reais”) pela visão do casal, enraizada em crenças do catolicismo, que, por muito tempo, se envolveu em controvérsias sobre a documentação e veracidade dos fatos que tanto alegava para a mídia. Estas narrativas colocam os Warren como salvadores de um seio familiar diferente a cada filme, expurgando-lhes do mal que o devora por dentro: o caso da família Perron, no primeiro filme (2013); a possessão em Enfield, no segundo (2016); o julgamento de Arne Johnson, no terceiro (2021); e o poltergeist da família Smurl, agora nesta última parte (2025).

Ambientados nos anos 80, após os eventos do filme anterior, Ed e Lorraine Warren vivem uma pausa em sua carreira de investigadores paranormais, restringindo-se em realizar palestras sobre antigos casos, devido à problemas de saúde do patriarca. Lorraine começa a ter suspeitas de que a filha do casal, Judy (Mia Thomlison), que está prestes a se casar, esteja apresentando problemas em relação a sua mediunidade. Enquanto isso, em um subúrbio industrial da Pensilvânia, acompanhamos a assombração que atormenta os Smurl, uma família católica da classe operária; porém, a mesma entidade demoníaca tem uma ligação importante com o passado dos Warren e deseja reclamar Judy para si.

A franquia Invocação do Mal, desde os seus primórdios, usa da liberdade criativa, em graus variados ao longo dos filmes, para preencher as lacunas e incongruências dos relatos dos Warren e deixar a narrativa mais uniforme e linear; isto não é uma novidade. O que fez os primeiros capítulos desta saga funcionarem foram uma série de fatores estéticos e narrativos, muito além do “baseado em fatos”: a química entre Wilson e Farmiga como o casal de protagonistas; a direção afiada de James Wan que constrói com precisão a atmosfera sensorial da narrativa; o roteiro que desenvolve bem os personagens e arquiteta muito bem a suspensão da descrença, que é fundamental para um terror católico. 

Com a renovação da equipe criativa no terceiro filme -  sai Wan na direção e os irmãos Hayes no roteiro, respectivamente, e entra Michael Chaves e David Leslie Johnson-McGoldrick -  e duas das três qualidade citadas no parágrafo anterior são obliteradas por uma direção e um roteiro igualmente fracos. Deste modo, aproximando a qualidade da franquia principal com os seus derivados, que tiveram uma recepção mista em seus lançamentos. Agora, esta mesma equipe criativa tem a missão de encerrar o ciclo de narrativas dos Warrens, em um longa-metragem que promete muito e pouco se concretiza. Ou seja, o que não estava funcionando na obra anterior, ainda continua capenga.

Após a recepção divisiva de Invocação 3 entre críticos e fãs, principalmente pela estrutura de investigação procedural, a equipe, para este novo projeto, tenta a todo custo “voltar às origens”, ao estilo que fez a franquia ressoar bastante no público. Contudo, o filme apresenta uma narrativa que, ao mesmo tempo, é bastante redundante em si e mal desenvolvida ao ponto da franquia retomar a forma de outrora. 

Chaves tem uma direção mais direta e agressiva, cujo clima e tempo transcorrido é demasiado corriqueiro; enquanto o guião de Johnson-McGoldrick (e reescrito por Ian Goldberg e Richard Niang) é inflado, mas não tem muita sustância que o deixe firme. A interação entre os dois núcleos da trama é quase inexistente até o terceiro ato, deixando a sensação de que o espectador está assistindo a dois filmes completamente diferentes, amarrados de forma frouxa. 

Existe o sacrifício simbólico da relação entre os Warren e a família assombrada da vez, para focar na trajetória de Judy (e possível rosto do futuro da franquia), como uma vítima indefesa de uma possível e iminente tragédia, que é arquitetada pela obra. As relações interpessoais entre pessoas de diferentes contexto é substituída por um solipsismo piegas, projetado para a manipulação emocional escancarada do público. Os Smurl, como uma personagem coletiva, em contrapartida, são mal explorados aqui, uma escolha muito estranha; pois até o catolicismo é uma personagem mais proeminente na obra do que eles. O exagero na liberdade poética da produção acaba diminuindo o potencial narrativo e as situações parecem forçadas ao espectador, beirando ao sensacionalismo. A suspensão da descrença? Não existe aqui, desde que somos apresentados por uma cena com tons escancarados de “pró-vida” logo nos primeiros minutos. Que situação!

Apesar de ter poucos momentos bons, bem esparsos e todos envolvendo espelhos e cabos por sinal, os momentos de susto e de tensão são como uma piada sem graça: tem uma construção, mas não o punchline. Além disso, o filme usa referências e momentos dos capítulos anteriores como uma muleta: um punhado de truques baratos e soltos. Afinal, o longa não sabe se quer contar o caso ou ser uma homenagem que toma orgulho de se auto referenciar para agradar os fãs. São dois eixos que nunca acertam ao alvo, mas os quais a obra insiste em não querer largar a mão. 

O resultado final é um delírio maniqueísta que não consegue manter uma sobriedade, funcionando como um combustível reacionário de um conservadorismo religioso para questões atuais. É um filme que abraça e reforça a sua mediocridade narrativa e temática sem ter a vergonha de ser como tal; embalado como uma despedida a Wilson e Farmiga, como se fossem parte da sua família. A sensação que fica na boca é de um espectador que é obrigado a assistir ao final de novela religiosa da Record, enquanto mastiga cacos de vidro ao longo de sua enfadonha e incompreensível duração. A memória de que os filmes de Invocação foram minimamente bons, é coisa do passado. De certo, e sem chances de voltar atrás, essa franquia já virou um delírio coletivo.

                                                                  Autor:
                                  

Eduardo Cardoso é natural do Rio de Janeiro, Cidade Maravilhosa. Cardoso é graduado em Letras pela Universidade Federal Fluminense e mestre em Estudos de Linguagem na mesma instituição, ao investigar a relação entre a tragédia clássica com a filmografia de Yorgos Lanthimos. Também é escritor, tradutor e realizador queer. Durante a pandemia, trabalhou no projeto pessoal de tradução poética intitulado "Traduzindo Poesia Vozes Queer", com divulgação nas minhas redes sociais. E dirigiu, em 2025, seu primeiro curta-metragem, intitulado "atopos". Além disso, é viciado no letterboxd.

segunda-feira, 1 de setembro de 2025

A Praia do Fim do Mundo — O Pessimismo para Festivais

A Praia do Fim do Mundo | Sereia Filmes


Lançado em festivais no ano de 2021, mas com lançamento comercial apenas no ano de 2025, Praia do Fim do Mundo conta a estória da cidade fictícia de Ciarema, interior do Ceará, onde o nível do mar começa a aumentar em níveis catastróficos, prenunciando o fim daquela cidade. Com o tempo contado, Alice (Fátima Macedo), uma jovem ambientalista, tenta convencer sua mãe (Marcélia Catarxo) a abandonar a cidade, porém a mesma se recusa a deixar o lugar onde cresceu. O longa ainda conta com a presença na pré-lista do Brasil para o Oscar 2025.

Apesar do filme ainda contar com temas de cunho ambientalista, a dimensão estabelecida pelo diretor Petrus Cariry é muito mais onírica que realista. Ele preza por essa noção meio Tarkovski de planos abertos e longos, o que já virou tradicional no cinema brasileiro de festivais em filmes como Arábia, de Affonso Ûcho ou até mesmo Pedágio, da Carolina Markowicz. Entretanto, a lógica realista desses filmes é subvertida nesse longa.

Ao mostrar a cidade em ruínas, Petrus questiona se aquele lugar que parece estar em seu fim já não de fato acabou. O trabalho é semelhante ao de arqueologia, onde parecemos ter pequenos pedaços do que já foi uma cidade turística e cheia de visitantes, e que é definitivamente a protagonista do longa-metragem.

E ao fixar a direção, Petrus parece estar muito bem decidido no que planeja fazer com Praia do Fim do Mundo. Todavia, toda a visão dele ainda me parece estar muito interligada com a lógica de filme de festival, que infelizmente limita completamente toda a visão dramatúrgica do longa, que é extremamente mal feita.

Abdicando de qualquer elemento dramático maior, Petrus deixa de lado muitos momentos que poderiam engrandecer a obra em favor de um mistério que se distancia muito de uma pergunta realizada ao espectador. Até os momentos mais exclusivos da personagem de Marcélia Catarxo soam como avulsos em meio a essa unidade tão gourmetizada.

Contém sim alguns momentos que são verdadeiramente interessantes, mas ficam por isso mesmo, já que nunca são levados adiante. É o mesmo problema que eu vejo nos longas da cineasta Anitta da Rocha Silveira, que parecem confundir mistério com perguntas, e acabam anulando sua unidade.

E no fim, Praia do Fim do Mundo é um longa que faz um comentário pessimista a realidade brasileira da maneira mais “gringa” possível e se mantém numa postura de filme de festival quase em todo momento, sendo nunca o que prometeu ser: um filme.

Autor:


Meu nome é Rodolfo Luiz Vieira, tenho 17 anos e curso o terceiro ano do Ensino Médio. Produzo alguns curtas-metragens e escrevo textos sobre cinema. Meus filmes favoritos são: Em Ritmo de Fuga; La Haine; Eu Vos Saúdo, Maria e Pai e Filha.

segunda-feira, 11 de agosto de 2025

O Ritual (2025) - HIC FILM NON EXORCISTAM EST*

O Ritual | Paris Filmes

No ano de 1928, um exorcismo ocorreu nos solos sagrados de uma igreja na cidade de Earling, no estado de Iowa. O objeto da suposta possessão demoníaca é Emma Schmidt, uma senhora balzaquiana, filha de imigrantes alemães. Caso você leu a última frase do parágrafo anterior e percebeu um tom de história de superação, ou até mesmo uma pitada de auto-ajuda, neste caso, você leu certo e não está possuído por um demônio algum; pois, em dado momento da narrativa, o filme embarca nessa mesmo ideia. 

Seus dados biográficos são confusos. Aparentemente, não era a primeira vez que fora possuída por forças ocultas. Porém, anos após ser vitimada pelos espíritos possessores, Emma é novamente submetida ao exorcismo. O pároco Joseph Steiger consulta o padre que realizou a primeira tentativa de exorcizar Schmidt há duas décadas atrás, o Pe. Theophilus Riesinger; e sugere que um novo ritual deve acontecer. 

Durante várias sessões na segunda metade do ano, Riesinger e Steiger, com ajuda de freiras da congregação local, realizaram os procedimentos para o expurgo. Schmidt, possuída, apresentava sinais de inanição e desidratação, reagia de forma bastante violenta às tentativas dos religiosos, levitava da cama, se debatia, vomitava dejetos estranhos, falava em línguas que desconhecia, que estava possuída por Judas (sim, este mesmo que você está pensando agora!) e pelo espírito do próprio pai… Este longo e tortuoso exorcismo terminou bem perto da véspera de natal, e o caso foi documentado e difundido através dos anos como o caso secular de exorcismo nos Estados Unidos. Por mais que o ritual de Reisinger e Steiger foi um sucesso, sua adaptação cinematográfica, lançada em 2025, é uma outra história.

O filme O Ritual, lançamento da Paris Filmes no Brasil, é dirigido por David Midell, cujo currículo é modesto. Mas se esta obra for a prova de sua filmografia, suas intenções na sétima arte não são promissoras. 

Na trama do filme, um recém enlutado Joseph Steiger (Dan Stevens) retoma a normalidade de sua paróquia após o suicido de seu irmão. A rotina da comunidade muda completamente quando Steiger é procurado por seus superiores para abrigar Emma Schmidt (Abigail Cowen), uma jovem de vinte e poucos anos possuída, e o Pe. Theophilus Riesinger (Al Pacino) que irá se encarregar de seu exorcismo. 

O comportamento violento da moça assusta as freiras, incluindo a Irmã Rose (Ashley Greene), e a Madre Superiora (Patricia Heaton) da congregação. Enquanto Steiger questiona sua fé divina e Riesinger tenta esconder seu passado, ambos precisam colocar de lado suas diferenças e unir forças para tentar salvar Emma dos demônios que a atormentam, em várias tentativas frustradas de exorcismo. Midell utiliza-se da carta manjada do cinema de “baseado em fatos reais” para tentar causar empatia e medo em seus espectadores. No entanto, Al Pacino falando chavões motivacionais para a personagem de Stevens é um artifício pobre e cafona de uma escrita clichê; e os momentos de sustos são compostos de jumpscares aleatórios e bastante forçados por uma sonoplastia exagerada. O filme almeja por um shock value, mas consegue alguns bocejos e sobrancelhas arqueadas, ou um leve arrepio no máximo.

As personagens parecem opacas, patéticas, durante toda a narrativa. Arcos dramáticos são quase nulos. Embora Emma Schmidt seja importante para a trama, é mal articulada, não há vínculo emocional com ela; explorando mais sua possessão e o abuso físico que seu corpo sofre pelas entidades demoníacas. A atuação de todas as personagens é mal dirigida, não-existente na maior parte. 

O roteiro não consegue desenvolver o seu lado psicológico nem os temas do filme - como morte, fé e compulsão sexual -  de forma minimamente interessante, pipocando quase de forma aleatória. A fotografia é tenebrosa, mal enquadrada, tremida, estilo mockumentary, com uso excessivo de zoom ins e fundo desfocado que distraem o espectador, junto de uma edição picotada e confusa. Tais imagens desorientam o público e dizem absolutamente nada do ponto de vista semiótico.

Para um filme de época, mesmo que seja uma produção de baixo orçamento, o design de produção e figurino são bem limitados, tanto que a personagem de Pacino usa o mesmo traje a narrativa inteira. Orçamento minúsculo não é sinônimo de falta de criatividade. Pelo menos, o Steiger de Stevens preenche a caixinha do hot priest, mesmo sem a intenção.

Apesar do longa-metragem fugir da abordagem dos filmes de terror atuais recheados de cinismo, a obra não constrói uma carga dramática e nem atmosfera para sedimentar uma base catártica. David Midell utiliza do livre arbítrio da ficção para realizar escolhas sem sal que não compensam em nada; porém ao fazer Joseph Steiger, e não Riesinger, como o protagonista da trama, estabelece uma relação paradoxal com o Exorcista (1973) de William Friedkin. 

Por mais que William Peter Blatty não se inspirou, pelo o que este afirma, no caso de Emma Schmidt para confeccionar o Exorcista, o diretor de Ritual se apropria da jornada de Padre Karras e Merrin de Blatty para construir sua versão ficcional de Steiger e Riesinger. Há um paralelo claro entre as personagens mencionadas, mas Midell nunca dá a importância ou a originalidade para se sustentarem por si. O resultado dessa falta de exercício de narrativa? Uma cópia barata do clássico dos filmes de exorcismo. Ou tão ruim quanto: uma fanfic especulativa. 

No fim, O Ritual é um filme feio, irritante, carecido de originalidade, forçado, exploratório, risível, que não entende ao certo tanto importância da temática abordada quanto a gramática do gênero do terror. A história de Emma Schmidt merecia um tratamento cinematográfico à la Robert Eggers do que essa pataquada. Melhor assistir uma reprise de Exorcista ou de Exorcismo de Emily Rose (2005) que o susto é garantido.

*Este filme não é o Exorcista (Tradução do título em latim)


                                                                  Autor:
                                  

Eduardo Cardoso é natural do Rio de Janeiro, Cidade Maravilhosa. Cardoso é graduado em Letras pela Universidade Federal Fluminense e mestre em Estudos de Linguagem na mesma instituição, ao investigar a relação entre a tragédia clássica com a filmografia de Yorgos Lanthimos. Também é escritor, tradutor e realizador queer. Durante a pandemia, trabalhou no projeto pessoal de tradução poética intitulado "Traduzindo Poesia Vozes Queer", com divulgação nas minhas redes sociais. E dirigiu, em 2025, seu primeiro curta-metragem, intitulado "atopos". Além disso, é viciado no letterboxd.

Hora do mal - Sumiram as crianças, sobrou o mistério

Hora do Mal | Warner Bros. Pictures

Todas as crianças da mesma sala de aula, exceto uma, desaparecem misteriosamente na mesma noite e exatamente no mesmo horário. A comunidade fica se perguntando quem ou o que está por trás do desaparecimento.

O filme é contado em capítulos, apresentando a história de cada personagem. Ao mesmo tempo, ocorrem eventos que só serão revelados em capítulos futuros. Por exemplo, há uma cena em que Justine vai até um posto de gasolina e, de repente, um homem aparece tentando matá-la. A forma como a narrativa do longa é construída — dividida em capítulos que acompanham diferentes personagens e revelam gradualmente os acontecimentos — lembra o estilo do filme Elefante, de Gus Van Sant. Assim como em Elefante, os eventos são mostrados de perspectivas diferentes, e certas cenas só fazem sentido quando revisitadas por outro ponto de vista, o que cria uma sensação de suspense e sobreposição temporal. A Narrativa se destaca por parecer uma série de contos que se conectam aos poucos. O filme aposta em uma abordagem menos convencional, focando em uma construção mais ambiciosa e menos previsível. O desaparecimento das crianças e a mudança de perspectiva na câmera aumentam a tensão, enquanto os cortes inesperados mantêm o ritmo, reforçando a ligação entre os capítulos.

Distanciando-se da fórmula tradicional baseada em jumpscares, o filme opta por uma construção de tensão mais sutil e progressiva. Em vez de recorrer a sustos fáceis ou efeitos sonoros abruptos, a narrativa se desenvolve com base em um clima crescente de desconforto e inquietação, que vai se intensificando à medida que novas camadas da história são reveladas. Essa tensão é amplificada por um trabalho de câmera extremamente cuidadoso — com enquadramentos que ora seguem os personagens de perto, ora os isolam no espaço, reforçando a sensação de vulnerabilidade e suspense. Essa abordagem permite que o terror surja não do choque imediato, mas da atmosfera e da antecipação, criando uma experiência mais psicológica e imersiva. Ao evitar os recursos convencionais do gênero, o filme direciona o foco para o desempenho do elenco, oferecendo aos atores espaço para desenvolver emoções mais complexas, contidas e realistas. Com isso, o horror se torna mais humano e palpável, refletindo não apenas o medo do que está por vir, mas também o peso emocional que cada personagem carrega ao longo da trama.

O filme vai além das convenções do terror ao inserir camadas temáticas que aprofundam sua narrativa. Entre os temas abordados estão a negligência parental, refletida em figuras paternas ausentes ou desconectadas; a tendência da sociedade em apontar culpados imediatos para tragédias complexas, muitas vezes sem compreender as nuances envolvidas; e a dificuldade humana em lidar com o desconhecido ou com eventos que escapam à lógica. Esses subtextos não apenas enriquecem a trama, mas também convidam o espectador à reflexão, tudo isso sem prejudicar o ritmo ou a fluidez da história. Pelo contrário, eles acrescentam densidade emocional e ampliam o impacto da narrativa, elevando o filme para além do mero entretenimento.

Hora do Mal possui uma narrativa fragmentada, visualmente precisa e tematicamente ousada, o filme se consolida como uma obra de terror que desafia convenções e aposta na inteligência do espectador. Ao evitar fórmulas batidas e sustos previsíveis, entrega uma experiência mais madura, atmosférica e emocionalmente impactante. A combinação entre estrutura narrativa não linear, tensão cuidadosamente construída e subtextos sociais relevantes transforma o longa em algo mais do que um simples thriller: é uma reflexão sobre medo, perda e a complexidade das relações humanas diante do inexplicável. Em um gênero muitas vezes limitado por suas próprias regras, esta é uma obra que encontra força justamente ao quebrá-las.

Autor:


Meu nome é João Pedro, sou estudante de Cinema e Audiovisual, ator e crítico cinematográfico. Apaixonado pela sétima arte e pela cultura nerd, dedico meu tempo a explorar e analisar as nuances do cinema e do entretenimento.

Juntos - Nem Freud explica essa mistura

Juntos | Diamond Films


Após se mudarem para o campo, um encontro sobrenatural começa a transformar o amor de um casal, suas vidas e sua carne.

O filme se insere no subgênero body horror, um tipo de terror que aborda a transformação, mutilação e degradação do corpo humano, frequentemente por meio de imagens gráficas e perturbadoras. Esse estilo explora angústias existenciais profundas, usando o corpo como metáfora para temas como doenças, envelhecimento e a perda de controle sobre si mesmo. Juntos, essa abordagem ganha uma dimensão literal: O casal protagonista experimenta uma união física desconcertante, em que beijos fazem seus lábios se fundem de forma dolorosa e mãos penetram na pele do outro como se fossem matéria maleável. Esses momentos causam forte desconforto, não apenas pelo aspecto visual, mas pelo simbolismo da fusão amorosa levada ao extremo — onde a intimidade e a invasão se tornam indistinguíveis.


Millie Wilson é uma mulher decidida, afetuosa e resiliente. Ao pedir Tim em casamento em sua festa de despedida no início do filme, ela demonstra coragem emocional e desejo de estabilidade, mesmo diante da hesitação dele. Sua capacidade de tomar a iniciativa e se adaptar a mudanças — como aceitar um novo emprego e se mudar para o interior — mostra uma personalidade prática e determinada. Ainda assim, há uma certa vulnerabilidade em sua tentativa de manter o relacionamento funcionando a todo custo, como se quisesse salvar algo que está escorregando por entre os dedos. Millie é sensível e acolhedora, como se vê no modo como lida com Jamie, o novo colega, mostrando abertura para novas conexões e tentando se inserir num novo ambiente com naturalidade.


Tim, por outro lado, é um homem emocionalmente retraído, ainda lidando com um luto profundo e um trauma mal resolvido relacionado à morte dos pais. Como aspirante a músico, ele carrega em si uma natureza introspectiva e sensível, mas está num momento em que parece paralisado, desconectado de seus sentimentos e do mundo ao redor. A hesitação diante do pedido de Millie reflete não apenas insegurança, mas talvez uma recusa inconsciente à intimidade. As lembranças bizarras e perturbadoras que ele revive — como a imagem da mãe ao lado do cadáver do pai — revelam a profundidade de seus traumas, que ele reprimiu por tanto tempo que agora retornam distorcidos e intesificados. Tim parece confuso, passivo, carregando culpa ou medo que não consegue nomear, o que o torna cada vez mais instável.


A dinâmica entre Millie e Tim é marcada por um desequilíbrio crescente. Enquanto ela tenta manter os dois próximos e construir uma nova vida, ele se afasta, afundando-se em um território emocional sombrio. A caverna onde passam a noite pode ser vista como uma metáfora do inconsciente — um espaço onde segredos, traumas e desejos reprimidos começam a se manifestar. Ambos emergem dessa experiência diferentes, ainda que tentem fingir o contrário. A tensão crescente entre o desejo de normalidade e o peso do passado parece prestes a explodir, ameaçando o relacionamento e a própria sanidade deles.


Juntos transforma a intimidade em uma experiência visceralmente incômoda, onde o desejo de proximidade se confunde com a perda de limites, identidade e controle. Essa abordagem radical não apenas atualiza os códigos do Body Horror, mas também desafia ideias romantizadas de conexão e entrega emocional. O desconforto visual das transformações físicas é apenas a superfície de um mal-estar mais profundo: a sensação de que, ao tentar se fundir completamente com o outro, o ser humano corre o risco de desaparecer. É nesse ponto que o filme se revela mais perturbador — não por seus efeitos grotescos, mas por aquilo que eles simbolizam. Ao fim, resta menos uma resposta do que uma inquietação persistente: até onde é possível amar sem se destruir?


Autor:


Meu nome é João Pedro, sou estudante de Cinema e Audiovisual, ator e crítico cinematográfico. Apaixonado pela sétima arte e pela cultura nerd, dedico meu tempo a explorar e analisar as nuances do cinema e do entretenimento.


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