quinta-feira, 3 de outubro de 2024

Emilia Pérez - México necessita cantar

Emilia Pérez | Pathé

Emilia Pérez conta a jornada da advogada Rita, que é contratada para resolver os trâmites de uma cirurgia de mudança de sexo de um traficante conhecido no México. Porém, depois de quatro anos, a advogada Rita volta a se encontrar com a não mais traficante, com seu novo nome, Emilia Perez. Emilia pede a Rita para trazer de volta sua família, refugiada na Suécia, para todos viverem juntos no México de novo, mas as coisas não saem como planejado. 

A obra faz questão de mostrar o cenário conturbado de violência que México vive por conta do tráfico de drogas e pelas questões políticas logo na primeira sequência. Necessário apontar que o filme não se envergonha em se assumir um musical logo de cara, com Zoe Saldaña cantando e dançando coreografias bem dirigidas, mostrando sem delongas a insatisfação que a personagem tem sobre sua vida e sobre a situação a sua volta. 

A atuação das três personagens principais (Rita, Emilia Pérez e Jess) conseguem transmitir nas entrelinhas o caos interno que vive o México. A incerteza de como vai ser o futuro, a mentira tendo que existir para se ter paz, os homens como meros piões bobos de algo muito maior do que eles. A obra é fantasiosa como um musical, mas que grita verdades de um México ocultado por um cenário hipócrita e sujo. Mas, mesmo com ótimas atuações de suas protagonistas, e com um conjunto técnico que consegue dançar com todo o resto, o filme se tora bem sucedido por completo?

A direção faz questão em fazer coreografias muito bem conectadas pela condução das câmeras e pela montagem, oque faz o filme manter um ritmo ágil, mas não frenético. Mesmo com o quesito técnico sendo bem efetivo no que entrega ao filme e como se conecta a narrativa, a própria em certo momento não sabe como seguir em frente. Principalmente com a personagem Jess, interpretada pela Selena Gomez, que conduz os principais conflitos do filme, mas ao mesmo tempo faz a obra se perder no tom proposto até metade do filme.

Sem contar que a obra também sofre as consequências do tempo em que o cinema vive, onde tudo é necessário ter explicação em seus mínimos detalhes. Mesmo com ótimas coreografias e músicas compostas de forma madura, muitas das músicas servem apenas para enfatizar mais o óbvio do que é jogado na cara do espectador durante as duas horas de filme. Oque em certo momento começa a incomodar profundamente e a causar desinteresse pelo que acontece durante a narrativa para o espectador. 

Ao mesmo tempo que a obra mostra várias facetas de um México muito pouco falado, o seu discurso vai perdendo potência pela falta de confiança sobre a capacidade de entendimento do espectador e com um novo caminho de condução narrativa que faz a obra se distanciar quase por completo do que foi entregue até metade do filme. Mesmo a obra entregando protagonistas tão potentes, a direção faz com que o fim da jornada delas se torne pouco pra grandiosidade que elas eram em suas raízes na história. 

Emilia Pérez é um espetáculo musical que representa toda a América Latina, mas que tem um maestro que não está a altura de todos os músicos ali presentes. 

TEXTO DE ADRIANO JABBOUR.

quarta-feira, 2 de outubro de 2024

Ato Final - A obsessão é vermelha

Ato Final | Connoisseur Films


Deep End (1970), dirigido por Jerzy Skolimowski, retrata de forma intensa a complexidade das relações humanas, a transição da adolescência para vida adulta, a sexualidade, etc. Tudo isso, a partir de Michael e seu local de trabalho, onde com o passar do tempo se sente mais e mais obcecado por Susan, sua parceira de trabalho.

O protagonista se sente cada vez mais consumido pelo desejo sexual por sua colega, e dessa forma vemos seu amadurecimento, e o virar de chave para sua sexualidade, e a partir desse desejo de Michael, Skolimowski retrata os desejos primitivos do ser humano e a forma com que lidamos com eles. Michael, por sua vez, se sente no direito de sua colega, em certos momentos invadindo claramente seu espaço pessoal, assim vemos a Psicopatia de Michael escalar.

As cores, por muitas vezes são utilizadas como um espelho para as emoções de personagens, nesse caso, o vermelho é utilizado como reflexo das emoções dos personagens. Quando as emoções naquele recinto chegam em seu ápice, sendo a obsessão de Michael, a raiva da secretaria, o descontentamento de Susan etc, as paredes são pintadas de vermelho.

O close-up é uma técnica “simples”, mas que quando utilizada tem intenção de nos colocar mais próximos dos personagens, de forma com que possamos sentir suas emoções mais veemente, Jerzy Skolimowski faz uso de algo parecido, deixando sempre a câmera muito próxima dos personagens, nos deixando de alguma forma, mais conectados com suas emoções, causando de certa forma, uma empatia inconsciente.

Todo enredo e emoções de Michael, nos levam até a cena final, o clímax, não só do filme, mas de suas emoções, naquele momento seu corpo já não era capaz de reter aqueles sentimentos, é então onde vemos o vermelho derramado lentamente sobre a piscina, como se ali Michael tivesse expelido todo seu ódio, tesão e ciúmes.

O protagonista vive uma profunda sensação de alienação, se sentindo muitas vezes desconectado não só do seu redor, mas dos seus próprios sentimentos. Michael busca desesperadamente por intimidade, e dessa forma Jerzy Skolimowski evidência a pressão social em adolescentes, e seus efeitos. Esse estado de isolamento do personagem é intensificado por constantes ambientes claustrofóbicos e uma narrativa mais “desorientada”.


Autor:


Me chamo Gabriel Zagallo, tenho 18 anos, atualmente estou cursando o 3º ano do ensino médio e tenho o sonho de me tornar jornalista, sou apaixonado por cinema e desejo me especializar nisso. Meus filmes favoritos são Stalker, Johnny Guitar, Paixão e Rio, 40 graus.

terça-feira, 1 de outubro de 2024

Coringa: Delírio a Dois - O Palhaço se afogando em sua própria loucura

Coringa: Delírio a Dois | WarnerBros. Pictures


Coringa: Delírio a Dois é a continuação do primeiro filme, lançado em 2019, contando a história de Arthur Fleck. Um comediante frustrado e que passou por uma sequência de abusos psicológicos e sexuais por sua mãe e ex companheiros, até o momento em que ele perde a cabeça e se transforma no símbolo do caos da cidade de Gotham. No segundo filme, conta a continuação de sua história 2 anos depois dos acontecimentos, tendo agora a personagem Lee, interpretada por Lady Gaga, que se torna sua parceira em suas loucuras enquanto acontece seu julgamento. 

O filme não tenta se distanciar esteticamente do primeiro filme, mesmo com as cenas musicais, a direção não tenta se desvincular completamente do que foi proposto na primeira obra. É necessário confirmar que o filme é realmente um musical, e essa escolha de narrativa em certos momentos faz certas conexões plausíveis a ver com o protagonista e todo seu contexto envolta. Porém, o filme se perde bastante em tentar desenvolver o protagonista que já conhecemos do primeiro filme.

Enquanto o primeiro filme faz uma conexão direta à clássicos como "Taxi Driver" e "O Rei da Comédia", ambos do diretor Martin Scorsese, o segundo continua com essa conexão no sentido estético, mas também se baseia no cinema americano musical dos anos 50 e 60, misturando com drama de tribunal. O resultado é como se Todd Phillips estivesse tentando se provar como um bom diretor em todas essas linguagens. Mas o espectador não está interessado em saber do que o diretor é capaz, e sim sobre oque vai ser do palhaço que começou o caos pulsante em Gotham. 

Joaquin Phoenix continua mostrando um bom trabalho, mas fica parado no mesmo Arthur Fleck do primeiro filme, seu desenvolvimento aqui se mostra pífio e sem caminhar para lugar algum. Enquanto Lee, interpretada pela Lady Gaga, é um dos pontos mais chamativos do filme. Não só pelo seu talento como cantora, mas sendo uma Arlequina diferente da proposta de ser uma figura como a das antigas animações e história em quadrinhos que mostram ela completamente obcecada e escrava do Coringa. Temos uma figura aqui tão caótica quanto o próprio Arthur Fleck e os outros coringas já mostrados em outros filmes. 

O filme tem muito menos violência do que o primeiro, pois Todd Phillips faz questão em mostrar que está mais interessado em dirigir os pensamentos do Coringa do que realmente acontece envolta dele. E a trilha sonora consegue se manter da mesma qualidade do primeiro filme, fazendo o espectador desejar muito mais ouvir a trilha de Hildur Guonadóttir do que os musicais propostos ao longo da narrativa. 

É necessário apontar o quão o primeiro filme faz críticas árduas sobre a falta de estrutura e investimento nas áreas ligadas à saúde mental nas grandes metrópoles, e como o segundo filme deixa isso completamente de lado. A potência do primeiro filme também era a de mostrar como o submundo dos Estados Unidos pode ser uma imensa fábrica de caos que se mantém quieta até um mártir aparecer. O segundo filme elabora isso apenas em seus últimos minutos, e de forma completamente desinteressada pela direção executada.  

Coringa: Delírio a Dois é uma continuação que se perde na própria loucura de Arthur Fleck, onde poderia ter adicionado muito mais camadas à história do rei do caos de Gotham, mas acaba sendo uma obra que não complementa oque foi apresentado no primeiro filme e coloca nosso protagonista de escanteio de uma forma amadora e desleixada. 

TEXTO DE ADRIANO JABBOUR.

terça-feira, 24 de setembro de 2024

9 : A Salvação - Animação Sombria e Reflexiva

9: A Salvação | Max

Em um mundo devastado pela ganância do homem, sobraram apenas máquinas e estranhos bonecos de tecido. 9 (Elijah Wood) desperta no laboratório de seu criador e, desorientado, deixa o local. Ele encontra 2 (Martin Landau), que o conserta para que possa também falar. Logo ambos são atacados por uma máquina, que leva 2 como prisioneiro. 9 encontra outros bonecos, que o levam para seu esconderijo. Lá ele conhece 1 (Christopher Plummer), líder dos bonecos, que prega que eles devam se esconder até que as máquinas deixem de funcionar. Só que 9 deseja resgatar 2 e tenta convencer outros bonecos a ajudá-lo em sua missão.

A direção é assinada por Shane Acker, que também dirigiu o curta-metragem homônimo no qual o longa foi baseado. A produção ficou a cargo de Tim Burton, cujo estilo único e inconfundível, marcado por uma combinação de elementos góticos e personagens excêntricos, já dispensa apresentações. O visual do filme carrega uma atmosfera melancólica e sombria, ambientada em um mundo devastado por uma guerra entre máquinas e humanos. Os protagonistas são bonecos de pano, conhecidos como stitchpunks, com um design incomum que mescla o orgânico e o mecânico. 

Esse tipo de personagem, peculiar e fora dos padrões convencionais, é uma característica recorrente nas obras de Burton. Embora a premissa envolva bonecos que ganham vida, semelhante ao que ocorre em Toy Story, a natureza dessa "vida" é distinta. Em 9, os bonecos recebem vida através de um cientista que sacrifica literalmente sua alma para animá-los, o que imprime à narrativa um tom mais sombrio e filosófico. Já em Toy Story, os brinquedos ganham vida de maneira mais lúdica, quando são manuseados por uma criança. Essa comparação não tem a intenção de sugerir que um filme seja superior ao outro, mas apenas destacar as diferenças de abordagem.

A atmosfera do filme é melancólica, tensa e, em diversos momentos, perturbadora, abordando temas como sobrevivência, sacrifício e a luta pela preservação da humanidade. O estilo visual é marcado por um tom sombrio e gótico, com cenários desolados e personagens que aparentam desgaste, sendo construídos a partir de materiais improvisados, como tecido e sucata. A paleta de cores, composta majoritariamente por tons apagados e terrosos, intensifica a sensação de um cenário apocalíptico.

A animação não é voltada para o público infantil, em virtude de sua narrativa sombria, temas complexos e forte carga emocional. O visual pós-apocalíptico, aliado a elementos perturbadores, pode não ser aconselhado para crianças.

O protagonista, 9, é uma figura curiosa e empática, movida pela busca por respostas e pelo desejo de proteger seus companheiros stitchpunks. Embora não almeje a liderança, ele acaba assumindo essa responsabilidade ao enfrentar os perigos de um mundo devastado, empenhando-se em preservar o legado da humanidade diante da ameaça das máquinas. É fácil estabelecer uma conexão com o personagem, apesar de ele cometer um erro grave ao despertar inadvertidamente uma criatura gigantesca, o que pode provocar frustração no espectador, especialmente devido à sua natureza excessivamente curiosa.

9 - A Salvação é uma animação injustiçada que se sobressai pela profundidade de seus temas. Seu tom sombrio e as reflexões filosóficas fazem dela uma obra subestimada, mas indispensável para aqueles que buscam uma narrativa animada direcionada ao público adulto.

Autor:


Meu nome é João Pedro, sou estudante de Cinema e Audiovisual, ator em formação e crítico cinematográfico. Apaixonado pela sétima arte e pela cultura nerd, dedico meu tempo a explorar e analisar as nuances do cinema e do entretenimento.

segunda-feira, 23 de setembro de 2024

O Dia que te Conheci - Se vende como Comédia, mas é só um Drama convencional

 

O Dia que te Conheci | Filmes de Plástico

O Dia que Te Conheci começa mostrando Zeca pedindo repetidas vezes para seu colega que o acorde de qualquer jeito no dia seguinte às 06:20 da manhã para que possa chegar no trabalho a tempo. Porém, mesmo o colega o tentando acordar, Zeca se recusa a levantar e mais uma vez chega ao trabalho atrasado. Ao chegar em seu trabalho, ele recebe um aviso de sua colega de trabalho, Luísa, de que ele foi demitido. Zeca e Luísa voltam juntos de carro para a mesma direção e começa então uma nova história de amor. 

O filme não tenta se mostrar algo muito diferente do que se propõe sendo composto majoritariamente por planos parados, sendo eles conjuntos ou gerais, e com uma trilha sonora que invade por bastante tempo a narrativa. O mais incômodo é o filme tentar se vender com uma atmosfera de comédia romântica norte-americana, tendo uma trilha sonora exagerada e com soluções baratas de roteiro para a narrativa acontecer. 

A obra mesmo sendo feita na forma mais básica possível, sendo na direção e na composição geral da obra, ainda consegue entregar certos pontos que tornam o filme sustentável, sendo no caminho do drama com os diálogos entre os personagens protagonistas. A conversa do casal sobre quais remédios cada um usa, e como é a vida deles no dia a dia mostra a triste realidade que vivem as pessoas no cotidiano, além de ser o principal tópico de conversa entre eles. 

Não atoa o dialogo entre eles em boa parte do filme é só isso, e o ápice do encontro é uma tentativa de fazer algo engraçado e que não fica engraçado por conta da forma que é conduzida e pela atuação do Renato Novaes como Zeca. Sua atuação é operante em meio a uma narrativa que também não exige muito de um personagem que é só um cara atrapalhado. 

O Dia que Te Conheci tenta ser um abraço acolhedor para os amantes de comédias românticas e tenta ser crítico em seus diálogos pouco expressivos, além de ter uma certa aleatoriedade nos diálogos para tentar causar um certo humor que não funciona. Se embaralha dentro de sua própria proposta e não consegue funcionar nem no quesito narrativo, quanto mais no quesito técnico. Não precisava de muito, mas também não se contenta com tão pouco. Ainda sim, consegue ser suportável pela atmosfera aconchegante e com certos diálogos mais orgânicos quando bem aplicados. 

TEXTO DE ADRIANO JABBOUR.

quarta-feira, 18 de setembro de 2024

O Desprezo - O Cinema como Espelho

O Desprezo | Les Films Concordia

O Desprezo (Le Mépris), é um drama francês de 1963, dirigido por Jean-Luc Godard, que explora a crise de um casamento, trabalhando em conjunto com uma releitura da Odisseia de Homero. Além disso, apresenta diferentes pontos de vista do cinema, arte e mercado, de forma que o diretor cria uma grande metalinguagem cinematográfica.

A Novelle Vague ou nova onda, foi um movimento francês, que tinha como um de seus pilares a quebra do clássico, para que novas formas de expressão surjam. “O desprezo” surge como um reflexo tardio e mais sofisticado da Novelle Vague, se utilizando muitos dos pilares cinematográficos do movimento, como a utilização de planos longos, ângulos não convencionais, entre outros. Para Godard, a originalidade do cinema está na forma com que o seu realizador manipula a câmera no intuito de moldar a realidade, portanto, a partir disso Godard cria uma reencenação/reinterpretação da Odisseia, porém, em outro formato, outro contexto e outro tempo, dessa forma Godard põe em evidência a evolução do cinema e da arte num geral, porque toda obra é sobretudo, fruto de seu tempo.

Nessa obra, o diretor se encontra mais maduro cinematograficamente falando, criticando diretamente a divisão e embate do cinema americano (evidenciado como um cinema mercadológico) e o cinema europeu (cinema verdadeiramente artístico). Vemos Fritz Lang, tanto atuando como sendo interpretado, como um clássico diretor europeu, sendo moldado por um produtor americano, deixando seu filme o mais americanizado possível, desenvolvendo um embate entre o cinema mercadológico e o cinema arte, essa dialética é evidenciada na barreira linguística que separa Fritz Lang, do produtor americano.

Sobretudo, é um filme sobre emoções, pessoas e a irracionalidade ao redor delas. O desprezo, que nomeia a obra, é sentido por Camille, maravilhosamente interpretada por Brigitte Bardot, em relação a seu marido, porém ele é mostrado de forma imediatista, de maneira bem colocada, pois apresenta os sentimentos como são em seu cerne, as vezes não existem explicações ou planejamentos. Não existem regras que oprimam as emoções.

Além disso, o filme a todo momento ensaia encerrar, e dessa forma Godard, nos demonstra que o antigo cinema precisa morrer para que um novo floresça. Godard, por muitas vezes, apresenta as estátuas neoclássicas, e o estado em que elas se encontram. Dessa forma, o cineasta francês nos mostra a decadência do cinema, sendo deixado de lado, assim como as estátuas, uma vez gloriosas.

Autor:


Me chamo Gabriel Zagallo, tenho 18 anos, atualmente estou cursando o 3º ano do ensino médio e tenho o sonho de me tornar jornalista, sou apaixonado por cinema e desejo me especializar nisso. Meus filmes favoritos são Stalker, Johnny Guitar, Paixão e Rio, 40 graus.


terça-feira, 17 de setembro de 2024

Sofia Foi - E nunca mais será

 

Sofia Foi | Vitrine Filmes

Antes de mais, vale relembrar que o cinema é uma arte que vive em eterno paradoxo entre a arte expressiva e o meio comercial. E desde sempre parece que são nas obras com menos recursos monetários que se encontram as maiores e mais interessantes cargas de valor artístico e expressão dos autores. A presença do nome do diretor Pedro Geraldo e da protagonista e também roteirista Sofia Tomic em várias outras funções de equipe técnica somada à própria estética visual do filme, que remonta uma aparência do início da era digital, mostra como não são os equipamentos e recursos que fazem um bom filme, e sim as mentes e corações inquietos, e Sofia Foi não falha.

Vencedor do prêmio de Primeiro Filme do Festival Internacional de Cinema de Marseille, vemos a história de Sofia, uma jovem que acaba de ser despejada de seu apartamento e suspende seus estudos para oferecer seus serviços como tatuadora dentro da própria universidade para conseguir sobreviver, enquanto passa pela confusão emocional de um luto decorrente da perda de sua namorada. Ela vaga sem rumo pelo campus da universidade e se permite ser devorada pelas lembranças da sua história de amor que não pôde ter um final, a deixando numa eterna angústia de não saber o que sentir ou o que fazer. O filme apresenta uma relação de reflexo entre as duas meninas, como se com essa morte, Sofia tivesse perdido metade dela mesma, mas não deixando de ser uma personagem verossímil que ri, conversa com seus amigos e sonha quando dorme, pois não resta escolha para os que continuam vivos, a não ser continuar a viver.

Apesar de lento e contemplativo, o filme prende o espectador pela estética e profundidade da personagem, em como ele nos conta essa história de desaparecimento. Desaparecimento de tudo que tem, até o desaparecimento de quem é. Sofia luta para continuar seguindo sua vida, mas a realidade a oprime. O filme relaciona lindamente a relação do espaço com o corpo, que é o que, na forma mais material possível, como a humanidade experiencia a vida e junta a noção de existência e realidade com aquilo que se pode tocar e sentir.

Geraldo se mostra um diretor autor inteligente que domina seu meio para contar a história de Sofia com clareza, sem necessidade de explicação verbal, ou até, em momentos, o uso das falas dos seus personagens para transmitir a ideia contrária do argumento, como num momento pontual onde a protagonista fala com naturalidade sobre o evento da morta da sua namorada para uma cliente durante uma sessão de tatuagem, como se o acontecimento tivesse sido algo mundano e superado, mas a câmera só mostra Sofia da boca para baixo, em close-up, escondendo seus olhos e mascarando seu verdadeiro sentimento.

Outros recursos espetacularmente usados são a falta de movimento de câmera e enquadramento em 3:4 que nos prende junto à Sofia em seu mundo parado e sem perspectiva de avanço, o recurso fotográfico de não produzir a luz, como se faz num cinema mais comercial, mas sim de encontrar a luz, em determinado lugar e em determinado tempo, parra ilustrar a caminhada da personagem de ambientes iluminados, ou seja, alegres e visíveis, para a solidão e tensão do escuro, como também as lentas transições de dissolução, que mesclam momentos de passados e futuro assim como elipses de tempo dentro do próprio decorrer do dia de Sofia, como se ela estivesse não só presa ao seu espaço, mas também presa no tempo, mostrando conhecimento e reflexão sobre a importância da montagem no método de contar a história em forma de filme.

Sofia Foi glorifica a arte do cinema com sua beleza e inteligência narrativa, que nos conecta com nossa vivência de sermos humanos, nessa história que não apenas nos conta, mas claramente nos mostra, a história de um momento em que Sofia foi feliz.

                         
                               Autor:

Henrique Linhales, licenciado em Cinema pela Universidade da Beira Interior - Covilhã, Portugal. Diretor e Roteirista de 6 curta-metragens com seleções e premiações internacionais. Eterno pesquisador e amante do cinema.

 

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