Cléo das 5 às 7 | Athos Films |
Aclamadíssimo, sucesso inquestionável de críticas e queridinha hors concours do movimento da Nouvelle Vague, Cléo das 5 às 7, dirigido por Agnès Varda e estrelado por Corinne Marchand, é uma bomba de simbolismo e uma aula de direção e produção cinematográfica, que mais uma vez prova e exemplifica que pode-se fazer muito, com pouco.
O filme conta a história em tempo quase diegético de duas horas na vida de “Cléo”, enquanto ela muito amedrontada aguarda o veredito de um suposto diagnóstico de câncer, buscando consolo e conforto na companhia de seus amigos e alguns desconhecidos, mas também em sua própria imagem.
Cléo é extremamente narcisista, e muito explicitamente revela que se importa mais com sua beleza do que com a sua vida, a ponto de dizer que se a possibilidade do câncer – uma doença que além de muitas vezes fatal, afeta a figura – se dar por verdadeira, se suicidaria. Ela então se concentra em permanecer bela, pois afirma que ser feia é um tipo de morte, sendo esse um comentário de protesto de Agnes sobre a opressão estética que existe no universo feminino, especialmente em Paris da época, onde mulheres, muito mais do que homens passam por uma propaganda cultural que as encoraja a construir uma imagem de beleza e perfeição. Ideia essa que permeia nosso subconsciente também pela aparência geral do filme em si, onde quase não há sombra alguma, tudo é bem iluminado e esmaecido, dando a sensação onírica de perfeição recurso comum no cinema para embelezar personagens ou até cenas inteiras.
Cléo passa o filme inteiro rodeada de reflexos, seja através de diversas formas de espelhos, vidraças intermináveis pelas ruas parisienses e encontra conforto na sua própria imagem, hipnotizada e aficionada por ela, usando esse recurso para se distrair do medo da morte, ou mais especificamente, do medo de ficar feia em resultado da inevitabilidade da morte. Não apenas pela sua imagem de forma literal, Cléo se deixa enganar pela imagem que sua aparência transmite. Em determinado momento do filme ela se monta inteira para receber seu parceiro amoroso, da forma que ela acredita que é a imagem perfeita dela mesma, uma imagem que seria do interesse dele, e se encara uma última vez antes de sua chegada em um espelho de mão, como se a realidade se reduzisse àquele espaço ínfimo, onde nada existe, apenas ela.
Só para então ser completamente ignorada pelo homem, que faz sua presença no filme parecer quase inexistente e fazendo Cléo se sentir da mesma forma. Se sua beleza já não importava, o que mais ela poderia fazer? Chegam então seus produtores, pois a personagem Cléo é uma cantora musical, e a pedem para cantar uma música nova, tristíssima apesar de muito belamente cantada por Marchand, na qual a letra conta sobre uma mulher que sem seu amor, morreria sozinha e feia, até que Cléo, em um zoom-out extremamente expressivo, se dá conta de que ela não quer ser lembrada assim. Ela então se desmonta e põe sua peruca em cima de um espelho.
Mais tarde no filme, em mais um momento de simbolismo quando Cléo se encontra com uma amiga sua que trabalha como modelo, e é de forma literal um modelo de pessoa para a protagonista, as duas conversam sobre padrões de beleza e se a imagem é algo importante, se não existe um medo de que outras pessoas encontrem imperfeições em seus corpos, e chegam à conclusão que o que realmente importa era se elas mesmas amavam seus corpos. Após esse momento, Cléo deixa cair o espelho que carrega em sua bolsa e ele se parte. Vemos o reflexo da nossa personagem no caco e então ela o abandona, sendo essa a última vez que um espelho aparece no filme.
Isso permite Cléo a abraçar mais a si mesma, se abrir para novas experiências, conhecer potenciais novos amores e, de repente, o resultado de sua exame passa a não a amedrontar mais tanto assim, pois o que importa não é mais sua aparência ou o que o mundo pensa dela ou vê nela, mas sim quem ela é, e o tempo que lhe resta.
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