segunda-feira, 25 de agosto de 2025

No Céu da Pátria Nesse Instante - Cinema Sem Amor

No Céu da Pátria Nesse Instante | O2 Play


O longa criticado abaixo descreve os acontecimentos da eleição de 2022 desde o mês de janeiro do mesmo ano até os ataques terroristas a sede dos três poderes em Brasília em janeiro do ano seguinte.

Assistindo No Céu da Pátria Nesse Instante — novo longa da cineasta Sandra Kogut — veio-me a mente um texto do Paulo Emílio Salles Gomes (não lembro o nome no momento), onde o critico comenta que diversas pessoas da época largaram suas profissões corriqueiras pelo amor ao cinema para se tornarem alguns dos maiores cineastas de todos os tempos: Dziga Vertov, Sergei Eisenstein, Dovjenko, etc. E esse amor era completamente político, a dialética do cinema trazia a esses cineastas a exploração dessas idéias revolucionárias, que traziam acima de tudo o questionamento acima daquele ideal para haver enfim a afirmação.

No documentário brasileiro, ocorre o total oposto. Somos avassalados por 1 hora e 45 minutos com a cineasta buscando reafirmar suas idéias sem trazer qualquer dialética ou questionamento, tornando o longa apolítico, e até mesmo pobre em idéias.

 A idéia de não haver narração e de mostrar os acontecimentos da maneira em que ocorreram é até que interessante, contudo há essa obsessão em pintar o lado de Luiz Inácio Lula da Silva como salvador da pátria — de maneira quase que maniqueísta, diga-se de passagem — que nos torna como indiferentes a qualquer um dos acontecimentos do longa. É a realidade como ela é, mas você não parte do cinema para fazer realidade, e sim da realidade para se fazer o cinema.

Quando o longa alterna com os bolsonaristas, há sim uma possível tentativa de buscar uma dialética, porém ela é suprimida pela euforia de Sandra Kogut ao representar os apoiadores de Lula, e ficar nessa luta de bem e mal. Algo este que pode existir na realidade, mas estamos aqui falando de cinema, e filmes muito piores como “Transe” de Carolina Jabbor fizeram imensamente melhor que essa obra.

E no fim, No Céu da Pátria Desse Instante fica por isso mesmo, auto-afirmação com um teor quase que banal na medida em que os acontecimentos se desenrolam. E em nenhum momento cumpre a promessa de ser realmente uma análise. Encerro o texto com palavras de Eduardo Coutinho:

 “O filme com perguntas é o que presta, o com as respostas você joga no lixo.” 

Autor:


Meu nome é Rodolfo Luiz Vieira, tenho 17 anos e curso o terceiro ano do Ensino Médio. Produzo alguns curtas-metragens e escrevo textos sobre cinema. Meus filmes favoritos são: Em Ritmo de Fuga; La Haine; Eu Vos Saúdo, Maria e Pai e Filha.

Anônimo 2 (2025) - Recalcula a rota

Anônimo 2 | Universal Pictures


Nem todos os filmes são considerados de primeira classe e está tudo bem. Nós, como espectadores, precisamos ver filmes B para distrair a cabeça ou ajudar na nossa dissociação diária. E tal como os filmes prestigiados, filmes B, seja de qualquer gênero narrativo, tem o seu valor. Porém o maior pecado que pode acometer uma produção desse porte é uma crise de identidade. Esse foi o caso do primeiro filme da franquia Anônimo, estrelado por Bob Odenkirk.

O longa-metragem foi lançado em 2021, durante o período de reabertura dos cinemas por causa da Covid-19. A produção tem o dedo da 87North, a mesma produtora da franquia John Wick: Derek Kolstad assina o roteiro e David Leitch, junto com Odenkirk, assume o cargo de produtor.

A premissa é clara. Um zé ninguém vive sua vidinha pacata junto de sua rotina entediante. Ele está preso em um ciclo sem fim. Quando um roubo acontece em sua casa e todos o veem como um pateta, esse mesmo homem acaba se envolvendo, em episódio de raiva, numa briga com um bando de jovens russos arruaceiros dentro de um ônibus. A partir desse ponto, nós, enquanto audiência, descobrimos que ele é um ex-agente e assassino da CIA com “habilidades especiais” e um dos jovens, que fica gravemente ferido, é o filho de um chefão da máfia. E esse mafioso vai querer retribuir o favor…

Se fizermos um exercício de memória coletiva e lembrarmos da sinopse do primeiro filme de John Wick, a premissa é quase idêntica.  Porém, ao invés do viúvo atlético de Reeves, temos a personagem de Bob Odenkirk, que é tratado pelo filme como um homem emasculado; principalmente pela sua esposa, que assume um papel mais ativo na família: há um plano muito específico no início do filme que marca essa posição de superioridade e inferioridade entre o casal. No entanto, apesar de ser bastante direto ao ponto, o roteiro de Kolstad se demonstra muito empobrecido de nuance com suas personagens. Quer tocar em uma psicanálise que nunca chega ao ponto que deseja. E a direção não ajuda muito com tom frio e seco, diminuindo o humor e a ironia presente no trabalho do roteirista. 

O primeiro filme tinha alguns planos e sequências interessantes, mas flertava com a cultura incel e deixou um gosto reacionário, bem amargo na boca. Era um lado B de John Wick, mas sisudo, sem o olhar que eleva a franquia rival. Mas, para a felicidade de todes envolvides, a produção foi bem de crítica e de público e Bob Odenkirk tinha agora uma franquia de ação para chamar de sua. E quatro anos após, veio a sequência do longa de 2021.

Dirigido por Timo Tjahjanto, Anônimo 2 (2025) acompanha Hutch Mansell (Bob Odenkirk), após voltar a trabalhar como assassino profissional, em sua nova rotina. Seu retorno à essa linha de trabalho se dá pela dívida que contraiu do submundo no episódio anterior. Ele e sua esposa, Becca (Connie Nielsen), estão sobrecarregados e a distância que havia entre eles voltou e está os separando novamente. 

Ao sentir que o seio familiar está cada vez mais desunido, Hutch decide levar a família toda a uma cidadezinha, em que há um parque temático, para uma pequena viagem de férias. É um local em que ele teve ótimas lembranças com o pai (Christopher Lloyd) e o irmão (RZA). No entanto, quando um encontro trivial com valentões locais, Hutch coloca a família na mira do dono do parque (John Ortiz), um xerife corrupto (Colin Hanks), e uma chefe do crime (Sharon Stone).

Se o primeiro filme é uma criação de uma nova franquia de ação, este segundo serve mais para fazer a manutenção das ideias do que expandir a narrativa à diante. O roteiro de Kolstad, que retorna para o projeto, usa da fórmula da obra anterior de novo: rotina incansável, relação entre Hutch e Becca instável, um evento que quebra a rotina da família, Hutch se envolve em um conflito violento, os antagonistas vão atrás do assassino em um vai-e-volta que culminará em um combate final à la “Esqueceram de Mim”...

Porém, com o tempo vem a sabedoria. Kolstad consegue, mesmo dentro de sua idiossincrasia já estabelecida, recalcular a rota. Aqui, temos uma narrativa que emula as tramas clássicas de filmes de ação dos anos 80 e 90, como a de um forasteiro que acaba criando uma rusga com os valentões de uma cidade do interior; e abraça um viés absurdista de sua situação, dando tanto ênfase no humor quanto nos momentos de ação. Se essa qualidade estava nas entrelinhas do anterior, aqui está mais explícito.  O mundo masculino desse universo tem sua expressão carrancuda transformada em uma paródia de si. Tal mudança de tom é bem-vinda, já que se trata de uma fantasia cheia testosterona com requintes de violência e crueldade e seu herói, uma figura altamente capaz, porém, ao mesmo tempo, patética.

Tjahjanto, ao contrário de Ilya Naishuller, diretor do primeiro filme, abraça o lado galhofa da narrativa e não tem medo do filme ser considerado straight camp por parte dos espectadores. Além disso, a decupagem das cenas de ação é fluída, como sangue, e de forma mais consistente. O diretor consegue imitar o jogo de planos e os movimentos de câmera que são parte essencial de filmes de ação como a já mencionada franquia John Wick, pois põe em evidência o trabalho de performance dos dublês da produção. Lembrem-se que, antes de se tornar diretor, David Leitch era coordenador de dublês em várias produções de Hollywood, e claro que, em uma produção dele, não poderia faltar um competente trabalho neste quesito.

Os filmes da franquia Anônimo, em seu âmago, servem para catapultar Bob Odenkirk, ator cômico e dramático, como um astro do cinema de ação. Aos 62 anos, o ator demonstra, em ambos os longas, uma agilidade e condicionamento físico bastante disciplinado. Neste novo capítulo, o Hutch de Odenkirk está, de fato, completamente humanizado, admite que tem problemas de raiva, apesar do filme tratá-lo como uma máquina de matar; muito diferente da personagem mecanizada que havíamos conhecido anteriormente, mas tão vigoroso quanto outrora.

Christopher Lloyd e RZA, que fizeram pontas no longa de 2021, respectivamente, como pai e irmão de Hutch, voltam para esta nova parte e roubam a cena nos momentos em que aparecem. Já a personagem de Connie Nielsen é mais explorada aqui e possui uma agência maior do que no longa anterior. O relacionamento dela com Hutch se torna parte central da narrativa, pois  o desgaste de seu relacionamento é mútuo, e não mais unilateral. Eles estão na mesma posição, em lados espectros. Nielsen já havia expressado anteriormente que gostaria de revisitar e desenvolver a sua Becca e, aqui, ela consegue fazer isso.

Do novo elenco, destaco dois personagens: o xerife de Colin Hanks, uma pessoa mesquinha e de má índole, que antagoniza com Hutch logo à primeira vista. Tal antagonismo possuí (na minha leitura) um queer coding do modo em que os planos são decupados, os olhares perdidos, a agressividade hiper-masculina e irracional, a posição de figuras fálicas entre as personagens: o tipo de performance de gênero que dá volta e ganha outras conotações. 

E a mafiosa Lendina de Sharon Stone, que parece estar se divertindo em tela. Uma personagem deliciosamente camp: expansiva, debochada, desnecessariamente cruel e de vez em quando fica dançando e dissociando do absoluto nada. Ela manipula o dono do parque (que por algum motivo narrativo também o prefeito da cidade) a fazer parte de seu esquema de contrabando. A razão para isso? Porque ela gosta. Faz sentido? Não; mas quem se importa a esse ponto? Mesmo com o pouco tempo de tela, Stone tem o carisma para vender a ideia de sua personagem em segundos.

Apesar da produção deste longa-metragem ter feito a escolha segura e sem sair muito de sua zona de conforto, sem nenhum desenvolvimento de universo, o ângulo de sua mira é um pouco diferente, e talvez para melhor. Ao assumir a identidade de um filme B de ação, Anônimo 2 torna-se um filme divertido de se assistir, sem pretensões que o traía a longo prazo. Agora, pelo menos, é um filme com personalidade. Não se preocupe, o Hutch não vai atrás de você e queimar seu dinheiro, se discordar dessa opinião.


  Autor:
                                  

Eduardo Cardoso é natural do Rio de Janeiro, Cidade Maravilhosa. Cardoso é graduado em Letras pela Universidade Federal Fluminense e mestre em Estudos de Linguagem na mesma instituição, ao investigar a relação entre a tragédia clássica com a filmografia de Yorgos Lanthimos. Também é escritor, tradutor e realizador queer. Durante a pandemia, trabalhou no projeto pessoal de tradução poética intitulado "Traduzindo Poesia Vozes Queer", com divulgação nas minhas redes sociais. E dirigiu, em 2025, seu primeiro curta-metragem, intitulado "atopos". Além disso, é viciado no letterboxd.

terça-feira, 19 de agosto de 2025

Neeson brilha e manda avisar: “Corra que a polícia vem aí! (2025)”

Corra que a Polícia Vem Aí (2025) | Paramount Pictures


Sons de tiros. Um assalto ao banco em um dia ensolarado. Os ladrões chegam atirando no local. Fecham tudo, fazem reféns. O chefe da gangue arromba um cofre, pega um dispositivo e sai de fininho. Logo depois, a equipe da SWAT chega e cerca os arredores do recinto e tenta negociar uma rendição. Uma cena clássica, senão já batida do gênero. Eis que me aparece uma garotinha, com pirulito na mão, andando pela área cercada. Os policiais, confusos, tentam avisá-la para não ficar por perto. A mocinha, mesmo assim, entra no edifício. Os assaltantes também ficam confusos com a sua presença. Não tarda muito para aquela menina, vestida com um uniforme de colegial, revelar-se como Liam Neeson, com seus 1,93m de altura, antes de combater seus oponentes. É assim que começa a versão de 2025 de
Corra que a polícia vem aí! 

  Na virada dos anos 80 para os 90, o diretor David Zucker, juntamente com Jim Abrahams e Jerry Zucker, após o sucesso de Apertem os cintos, o piloto sumiu (Airplane, 1980) lançaram uma paródia de filmes policiais intitulada Naked Gun, no original. Nos filmes dessa franquia de humor, acompanhamos as trapalhadas de um esquadrão de polícia da cidade de Los Angeles, sempre envolvendo o tenente Frank Drebin, interpretado por Leslie Nielsen. 

A ideia vinha de um seriado de Zucker-Abrahams-Zucker (grupo conhecido também como ZAZ) lançado na televisão americana no início da década de 80, Police Squad!, mas que foi cancelado após a exibição de pouquíssimos episódios. O conceito e personagens são realizados na versão cinematográfica, e, diferente da sua contraparte televisiva, o primeiro filme, lançado em 1988, foi um sucesso para o estúdio. 

Sua repercussão foi importante para o gênero do humor estadunidense no cinema e também na consolidação de Nielsen, que era conhecido por papéis mais dramáticos, como um comediante, com uma performance que contrasta perfeitamente com o tom cartunesco da obra. Houveram duas continuações, uma em 1991 e outra em 1994, respectivamente. Porém, ao longo das décadas subsequentes, diversas tentativas de continuar e revitalizar a franquia para um novo público parecia nunca sair do papel. Até mesmo Zucker, uma das mentes por trás de Naked Gun, teve suas ideias rejeitadas pelo estúdio da Paramount, que, por sua vez, em 2021, ficou interessada nos planos do produtor Seth MacFarlane em revisitar a franquia.

O Corra que a polícia vem aí! de 2025 é dirigida por Akiva Schaffer e produzida pela produtora de MacFarlane, a Fuzzy Door. O longa-metragem apresenta como protagonista desta vez o filho da personagem de Nielsen, Frank Drebin, Jr., interpretado pelo já mencionado Liam Neeson, que deve salvar o esquadrão de polícia de fechar as portas, enquanto tenta seguir os passos de seu pai. 

Para esta nova empreitada, Schaffer se reúne com os roteiristas Dan Gregor e Doug Mand, com quem já havia trabalhado no filme Tico e Teco de 2022 para o Disney Plus, e o resultado dessa parceria é positivo. O roteiro desta nova versão acerta no tom pastelão do humor, marca registrada das versões anteriores, e também consegue fazer uma paródia do gênero policial no cinema de forma cartunesca; calcando no uso de clichês e vícios de linguagem que filmes e séries do gênero apresentam. A gramática do filme transita entre várias estéticas: o noir, a ação megalomaníaca e até mesmo “documental”. Aqui, o pessoal da produção se prova bem afiado nas referências à cultura pop. Além disso, o uso da comédia física e de piadas visuais continuam sendo a cereja do bolo da franquia.

Para não dizer que o filme é basicamente uma versão live action de desenho animado ou de um besteirol divertido fechado em si mesmo, vale ressaltar que está é a versão mais política da franquia, uma vez que os roteiristas deixam claro que o antagonista de Drebin, Richard Cane (Danny Huston), é uma caricatura de bilionários que existem no mundo real, a inspiração, com certeza, o Elon Musk. Cane tem como plano criar uma nova versão do mundo para os super ricos, enquanto o restante da população é afligida com um mal que a deixa mais próxima da primitividade. A tensão cômica as personagens de Neeson e Huston é cômica, e ilustra justamente o embate do homem com o avanço tecnológico cada vez mais mais invasivo e desnecessário, ao mesmo tempo que o longa “tira sarro” da  masculinidade frágil de homens héteros cis na sociedade.

Mudando o foco para o protagonista do longa, o Liam Neeson foi uma escalação perfeita para viver Frank Drebin, uma vez que possui um semblante tão sério, tão autocentrado, em momentos inusitados e/ou constrangedores. O que ele faz aqui é o equivalente da performance de Nielsen, porém Neeson usa de sua bagagem como um ator de filmes de ação, que vão de medianos a péssimos, nas últimas décadas para dar esse tom ao personagem. Foi uma escolha acertada por parte da produção, em apostar nesta escalação: Neeson brilha como um comediante.

Outro nome de peso no elenco é de Pamela Anderson, que interpreta a personagem Beth Davenport e irá se envolver com a investigação de Drebin ao longo da narrativa. Mais conhecida pela série Baywatch (1989-2001), Anderson é uma atriz que, após passar vários anos longe da atuação, encontrou um novo ressurgimento em sua carreira nos últimos anos e tem arriscado mais em papéis mais desafiadores e diversos nos palcos e no cinema. Na última temporada de premiações, por exemplo, ela foi reconhecida pelo seu papel no filme The Last Showgirl (2024). Aqui, a personagem de Anderson acena para a figura da femme fatale, porém colocando-a em pé de igualdade e em contraponto com a personagem de Neeson. Anderson aqui se entrega e participa da brincadeira, sem ser, em algum momento, o alvo da piada. 

Como qualquer outro longa-metragem que capitaliza ou dá continuidade a uma propriedade intelectual já existente no cinema, a nova versão de Corra que a polícia vem aí!  tem vários momentos de homenagem aos filmes anteriores, sejam eles diretos ou indiretos, para mostrar que a produção desta nova versão é fã dos filmes de Zucker. Inclusive, há uma montagem romântica entre Neeson e Anderson, fazendo um paralelo a um momento parecido ao primeiro filme com Leslie Nielsen e Priscilla Presley, que toma um rumo inesperadamente surreal e maníaco, com um personagem bastante conhecido do imaginário estadunidense.

Apesar de não ser um filme perfeito e do longa sofrer muito com um tom mais sério e repetições e/ou a duração de algumas das piadas visuais bem rapidamente, Schaffer e sua equipe conseguem reanimar a comédia pastelão em que, assim como um detetive confuso embolado em vários fios e causando alguma confusão no caminho, ainda é muito divertida. Parece que a polícia nunca deixou de ser incompetente nessa passagem de tempo e a diversão é a nossa.

Disclaimer: A convite da Paramount Pictures, a Koro Filmes foi convidada para uma cabine no escritório no Rio de Janeiro, em que foi passada a versão dublada do longa, cuja localização de dublagem foi feita por Antônio Tabet. 

    Autor:
                                  

Eduardo Cardoso é natural do Rio de Janeiro, Cidade Maravilhosa. Cardoso é graduado em Letras pela Universidade Federal Fluminense e mestre em Estudos de Linguagem na mesma instituição, ao investigar a relação entre a tragédia clássica com a filmografia de Yorgos Lanthimos. Também é escritor, tradutor e realizador queer. Durante a pandemia, trabalhou no projeto pessoal de tradução poética intitulado "Traduzindo Poesia Vozes Queer", com divulgação nas minhas redes sociais. E dirigiu, em 2025, seu primeiro curta-metragem, intitulado "atopos". Além disso, é viciado no letterboxd.

Amores à parte (2025) - As aparências enganam

Amores à Parte | Diamond Films


Relacionamentos não são fáceis. Carey (Kyle Marvin) e Ashley (Adria Arjona) sabem muito bem disso. Ele é um professor de educação física, ela uma life coach. Os dois estão casados há vários anos e, ultimamente, a relação está passando por um momento de baixa. Eles ainda não tem filhos e a vida sexual deles não é das melhores. Tudo muda quando eles presenciam um acidente na estrada e a Ashley finalmente toma a decisão de pedir o divórcio do marido, que está bem acomodado nesse relacionamento.

Sem muito chão para se firmar, depois dessa revelação, Carey acaba se refugiando na casa de um casal de amigos: Julie (Dakota Johnson), uma artesã e ceramista, e  Paul (Michael Angelo Covino), um empresário do ramo imobiliário. Eles são ricos, vivem em uma mansão um pouco afastada da cidade e tem um filho, Russ (Simon Webster), que é ao mesmo tempo doce e endiabrado. A Julie e Paul aparentam ter uma vida perfeita, um relacionamento duradouro e sólido. Qual é o segredo deles? Um relacionamento aberto. 

Essa informação muda a percepção de Carey sobre o casal.  Mas as aparências enganam. Pois, a situação começa a mudar, quando, em uma noite em que Paul não está em casa, a Julie começa a se abrir mais com Carey sobre o seu relacionamento e dá sinais de que ela quer ter uma interação mais íntima com o amigo, no que este cede. E o que irá suceder, após a transa de Julie e Carey, é uma rede quadrilátera de paixões e altas invejas em Amores à parte (2025), uma atrapalhada e divertida comédia que estreou no 78o Festival de Cannes, lançamento da Neon nos Estados Unidos. O filme está programado para quinta-feira, 21/08, pela Diamond Filmes no Brasil. 

O longa-metragem é dirigido por Michael Angelo Corvino e coescrito por ele e Kyle Marvin; Dakota Johnson e Adria Arjona também ajudam na produção, uma na produção e outra como produtora executiva, respectivamente. Corvino despontou na direção com o longa-metragem Climb (2019), que, por sua vez, tem temáticas muito parecidas com este filme.

O título original Splitsville exprime melhor a sensação de “quadrilha” (sim, aquele poema de Carlos Drummond de Andrade) que o roteiro arquiteta, pois acompanhamos, de forma bem humorada, a dissolução de dois casamentos interligados entre si. Enquanto Carey tenta aplicar a lógica do relacionamento aberto para evitar um divórcio formal com Ashley, a Julie termina o casamento com Paul, porque ele colocou a família em uma posição financeiramente vulnerável. Mas a fagulha daquela noite ainda é presente tanto em Carey quanto em Julie.

Existe uma certa ironia nos personagens: eles se apropriam do conceito de relacionamentos abertos e não monogâmicos, mas não sabem ao certo a diferença que existe entre essas formas de amar. São pessoas possessivas e egoístas que, por mais que tentem se adaptar a uma nova situação, ainda têm aquele sentimento de territorialidade presentes nelas. 

No momento em que Carey conta a Paul sobre ter ficado com a esposa do amigo, de forma bem direta e honesta, a cordialidade entre eles se quebra. Paul dá um tapa em Carey, depois um outro, logo o amigo revida e, de pouco em pouco, a situação se escala em um briga completa em que a casa em que eles estão é quase destruída no processo. É uma cena muito bem feita e, o modo que a progressão da decupagem desse conflito é espetacular, de um ponto de vista técnico. 

Covino apresenta um ótimo senso de fotografia: os enquadramentos são bem feitos e realçam a comédia física do filme; o jogo de luzes e sombras nas cenas noturnas denotam uma relação de desejo e objeto. Só reparar como, nesses momentos, o rosto da personagem de Johnson está iluminado, enquanto os das outras personagens estão envoltos na obscuridade. E quando ambos personagens estão envoltos em luz e sombra, de forma igual, o desejo é mútuo, porém conflituoso. Há um limite no qual não sabem que podem ultrapassar. É um trabalho visual bem preciso que eleva a experiência do filme e cria um clima muito aconchegante até. 

Outro ponto positivo é o roteiro de Corvino e Marvin que, apesar de ser um pouco redundante na temática, funciona como um estudo bastante divertido de personagem. O texto coloca uma situação aos personagens principais e acompanhamos justamente a evolução dessas pessoas ao longo da narrativa, que é dividida em partes para demarcar os pontos de virada da obra; não sei se era 100% necessário, neste caso. Além disso, o trabalho de mesclar todo esse trabalho de desenvolvimento de personagem e mesclar com cenas de comédia física e momentos de piada não é tarefa fácil. O que temos aqui é uma comédia que bebe de várias fontes: a fisicalidade das comédias de Buster Keaton, tom megalomaníaco das screwball comedies dos anos 30 e o estilo de humor das comédias que surgiram na nova Hollywood, nos anos 70; algo entre Allen e Bogdanovich.

É claro que para carregar a pretensão artística da produção, o filme necessita de performances que não deixam a peteca do roteiro cair no chão.  Há uma sinergia entre os atores bem palpável que deixa o clima bem íntimo dos espectadores:

 Michael Angelo Corvino e Kyle Marvin tem bastante química juntos, que não vem somente deste projeto. Enquanto Corvino traz uma performance bem passivo agressiva, Marvin incorpora uma personalidade mais inocente e o ator consegue lidar bem com o humor físico. A reação dele em uma cena que envolve peixes é impagável. Dakota Johnson tem um papel contido, porém ambíguo, no qual se encaixa bastante no seu leque de performances de personagens carismáticas e introvertidas. Adria Arjona também está bem em um papel egocêntrico e narcisista, que começa a repensar suas prioridades amorosas, com resultados que beiram ao fator cringe (como qualquer pessoa que se diz como coach de algo).

Amores à parte (2025) é um filme que peca um pouco no desenvolvimento do tema, mas tem um trabalho de direção de atores bem forte, personagens complexos e sua comédia de situação que atinge o seu alvo, com algumas das cenas mais hilárias do ano. Uma farsa com tempero estético. A moral é: relacionamentos abertos não funcionam com os héteros, são possessivos e apegados demais, é melhor deixar nas mãos das gays mesmo. 

    Autor:
                                  

Eduardo Cardoso é natural do Rio de Janeiro, Cidade Maravilhosa. Cardoso é graduado em Letras pela Universidade Federal Fluminense e mestre em Estudos de Linguagem na mesma instituição, ao investigar a relação entre a tragédia clássica com a filmografia de Yorgos Lanthimos. Também é escritor, tradutor e realizador queer. Durante a pandemia, trabalhou no projeto pessoal de tradução poética intitulado "Traduzindo Poesia Vozes Queer", com divulgação nas minhas redes sociais. E dirigiu, em 2025, seu primeiro curta-metragem, intitulado "atopos". Além disso, é viciado no letterboxd.

segunda-feira, 18 de agosto de 2025

Os Caras Malvados 2 - Redenção difícil, zoeira garantida.

Os Caras Malvados 2 | Universal Pictures

Os Caras Malvados estão lutando para encontrar confiança e aceitação em suas novas vidas como mocinhos quando são retirados da aposentadoria e forçados a fazer “um último trabalho” por um esquadrão do crime composto apenas por mulheres.

No filme anterior, o grupo principal era rotulado como malvado principalmente por conta do preconceito que sofriam por serem animais considerados naturalmente selvagens, perigosos e, portanto, indesejados pela sociedade. Essa marginalização os empurrou para uma vida criminosa, já que, independentemente de suas intenções, eles nunca foram verdadeiramente aceitos ou compreendidos. No entanto, mesmo após sua redenção e os esforços genuínos para se tornarem heróis e fazerem o bem, Os Caras Malvados 2 mostra que a sociedade ainda não está pronta para perdoar ou esquecer o passado deles. A desconfiança persiste, revelando que mudar quem você é por dentro nem sempre é o suficiente quando o mundo ao seu redor continua preso a estigmas e julgamentos antigos. Esse conflito reforça a mensagem de que, muitas vezes, a maior batalha não é contra vilões ou obstáculos externos, mas contra os preconceitos profundamente enraizados nas estruturas sociais.

Esse filme é outro exemplo de sequência que supera seu antecessor, elevando tanto o humor quanto a profundidade emocional dos personagens. Os Caras Malvados 2 mergulha mais fundo nos dilemas internos do grupo, mostrando como cada um lida com a tentação de retornar à antiga vida de crimes enquanto tenta se manter no caminho da redenção. O filme traz o humor ousado característico da DreamWorks, como já vimos em Shrek, por exemplo, na cena em que Shrek chega a Duloc, repara no tamanho da torre do Lorde Farquaad e faz uma piada insinuando que ele estaria tentando compensar alguma coisa. Em Os Caras Malvados 2, o tom é semelhante, especialmente na relação entre o Sr. Cobra e a Sina (ou Susan). Apesar de serem espécies diferentes — algo recorrente nos filmes do estúdio, como o romance entre Melman, a girafa, e Glória, o hipopótamo, em Madagascar — aqui a parceria romântica é entre uma cobra e uma ave. Uma das cenas que melhor exemplifica esse humor mais ousado é os dois se beijando de forma exagerada, com o Sr. Cobra envolvendo totalmente o bico dela com a boca. Em outro momento, durante uma missão em que estão invadindo um cofre, os dois se comunicam por rádio, e o Sr. Cobra faz uma piada com duplo sentido sobre "arrombar o cofre". A conversa acaba sendo ouvida pelo Sr. Piranha, que, chocado, interrompe e pergunta se eles estão mesmo falando do cofre. Enquanto o primeiro filme foi bem mais tímido com esse tipo de piada, aqui os roteiristas se mostraram claramente mais à vontade para ousar — e o resultado é um humor mais afiado, provocativo e divertido.

Aqui, a animação traz bem mais cenas de ação, ao contrário do primeiro filme, que, embora tivesse sequências incríveis — como a cena inicial dos Caras Malvados fugindo da polícia e a da Diane na prisão derrubando os guardas —, apresentava poucas cenas desse tipo. Já nesta continuação, a ação ganha muito mais espaço. Logo no início, há uma sequência ambientada anos antes, quando o grupo ainda era do mal, durante um roubo eletrizante. Além disso, destaca-se a cena da luta livre, em que eles tentam impedir o roubo de um cinturão, trazendo ritmo e intensidade à trama.

A animação continua sendo um verdadeiro espetáculo visual, mantendo a estilosa mistura de 2D com 3D. Há momentos de humor visual bem marcantes, como, por exemplo, quando um dos personagens, em completo desespero, aparece gritando com uma expressão exagerada — totalmente em 2D —, criando um contraste cômico e expressivo com o restante da cena.

Os Caras Malvados 2 consegue ir além do que se espera de uma continuação, entregando um filme que é ao mesmo tempo mais ousado, mais engraçado e mais profundo que o original. Ele não apenas expande o universo e desenvolve ainda mais os personagens, como também reforça temas relevantes sobre identidade, preconceito e aceitação. Com uma animação vibrante, cenas de ação mais intensas e um humor afiado que não tem medo de brincar com os limites, o filme mostra que é possível evoluir sem perder o charme do que veio antes. Seja pela estética marcante, pelas relações inusitadas entre os personagens ou pela crítica social embutida na trama, essa sequência prova que os "caras malvados" ainda têm muito a dizer — e fazer — no mundo dos heróis improváveis. 

Autor:


Meu nome é João Pedro, sou estudante de Cinema e Audiovisual, ator e crítico cinematográfico. Apaixonado pela sétima arte e pela cultura nerd, dedico meu tempo a explorar e analisar as nuances do cinema e do entretenimento.

segunda-feira, 11 de agosto de 2025

O Ritual (2025) - HIC FILM NON EXORCISTAM EST*

O Ritual | Paris Filmes

No ano de 1928, um exorcismo ocorreu nos solos sagrados de uma igreja na cidade de Earling, no estado de Iowa. O objeto da suposta possessão demoníaca é Emma Schmidt, uma senhora balzaquiana, filha de imigrantes alemães. Caso você leu a última frase do parágrafo anterior e percebeu um tom de história de superação, ou até mesmo uma pitada de auto-ajuda, neste caso, você leu certo e não está possuído por um demônio algum; pois, em dado momento da narrativa, o filme embarca nessa mesmo ideia. 

Seus dados biográficos são confusos. Aparentemente, não era a primeira vez que fora possuída por forças ocultas. Porém, anos após ser vitimada pelos espíritos possessores, Emma é novamente submetida ao exorcismo. O pároco Joseph Steiger consulta o padre que realizou a primeira tentativa de exorcizar Schmidt há duas décadas atrás, o Pe. Theophilus Riesinger; e sugere que um novo ritual deve acontecer. 

Durante várias sessões na segunda metade do ano, Riesinger e Steiger, com ajuda de freiras da congregação local, realizaram os procedimentos para o expurgo. Schmidt, possuída, apresentava sinais de inanição e desidratação, reagia de forma bastante violenta às tentativas dos religiosos, levitava da cama, se debatia, vomitava dejetos estranhos, falava em línguas que desconhecia, que estava possuída por Judas (sim, este mesmo que você está pensando agora!) e pelo espírito do próprio pai… Este longo e tortuoso exorcismo terminou bem perto da véspera de natal, e o caso foi documentado e difundido através dos anos como o caso secular de exorcismo nos Estados Unidos. Por mais que o ritual de Reisinger e Steiger foi um sucesso, sua adaptação cinematográfica, lançada em 2025, é uma outra história.

O filme O Ritual, lançamento da Paris Filmes no Brasil, é dirigido por David Midell, cujo currículo é modesto. Mas se esta obra for a prova de sua filmografia, suas intenções na sétima arte não são promissoras. 

Na trama do filme, um recém enlutado Joseph Steiger (Dan Stevens) retoma a normalidade de sua paróquia após o suicido de seu irmão. A rotina da comunidade muda completamente quando Steiger é procurado por seus superiores para abrigar Emma Schmidt (Abigail Cowen), uma jovem de vinte e poucos anos possuída, e o Pe. Theophilus Riesinger (Al Pacino) que irá se encarregar de seu exorcismo. 

O comportamento violento da moça assusta as freiras, incluindo a Irmã Rose (Ashley Greene), e a Madre Superiora (Patricia Heaton) da congregação. Enquanto Steiger questiona sua fé divina e Riesinger tenta esconder seu passado, ambos precisam colocar de lado suas diferenças e unir forças para tentar salvar Emma dos demônios que a atormentam, em várias tentativas frustradas de exorcismo. Midell utiliza-se da carta manjada do cinema de “baseado em fatos reais” para tentar causar empatia e medo em seus espectadores. No entanto, Al Pacino falando chavões motivacionais para a personagem de Stevens é um artifício pobre e cafona de uma escrita clichê; e os momentos de sustos são compostos de jumpscares aleatórios e bastante forçados por uma sonoplastia exagerada. O filme almeja por um shock value, mas consegue alguns bocejos e sobrancelhas arqueadas, ou um leve arrepio no máximo.

As personagens parecem opacas, patéticas, durante toda a narrativa. Arcos dramáticos são quase nulos. Embora Emma Schmidt seja importante para a trama, é mal articulada, não há vínculo emocional com ela; explorando mais sua possessão e o abuso físico que seu corpo sofre pelas entidades demoníacas. A atuação de todas as personagens é mal dirigida, não-existente na maior parte. 

O roteiro não consegue desenvolver o seu lado psicológico nem os temas do filme - como morte, fé e compulsão sexual -  de forma minimamente interessante, pipocando quase de forma aleatória. A fotografia é tenebrosa, mal enquadrada, tremida, estilo mockumentary, com uso excessivo de zoom ins e fundo desfocado que distraem o espectador, junto de uma edição picotada e confusa. Tais imagens desorientam o público e dizem absolutamente nada do ponto de vista semiótico.

Para um filme de época, mesmo que seja uma produção de baixo orçamento, o design de produção e figurino são bem limitados, tanto que a personagem de Pacino usa o mesmo traje a narrativa inteira. Orçamento minúsculo não é sinônimo de falta de criatividade. Pelo menos, o Steiger de Stevens preenche a caixinha do hot priest, mesmo sem a intenção.

Apesar do longa-metragem fugir da abordagem dos filmes de terror atuais recheados de cinismo, a obra não constrói uma carga dramática e nem atmosfera para sedimentar uma base catártica. David Midell utiliza do livre arbítrio da ficção para realizar escolhas sem sal que não compensam em nada; porém ao fazer Joseph Steiger, e não Riesinger, como o protagonista da trama, estabelece uma relação paradoxal com o Exorcista (1973) de William Friedkin. 

Por mais que William Peter Blatty não se inspirou, pelo o que este afirma, no caso de Emma Schmidt para confeccionar o Exorcista, o diretor de Ritual se apropria da jornada de Padre Karras e Merrin de Blatty para construir sua versão ficcional de Steiger e Riesinger. Há um paralelo claro entre as personagens mencionadas, mas Midell nunca dá a importância ou a originalidade para se sustentarem por si. O resultado dessa falta de exercício de narrativa? Uma cópia barata do clássico dos filmes de exorcismo. Ou tão ruim quanto: uma fanfic especulativa. 

No fim, O Ritual é um filme feio, irritante, carecido de originalidade, forçado, exploratório, risível, que não entende ao certo tanto importância da temática abordada quanto a gramática do gênero do terror. A história de Emma Schmidt merecia um tratamento cinematográfico à la Robert Eggers do que essa pataquada. Melhor assistir uma reprise de Exorcista ou de Exorcismo de Emily Rose (2005) que o susto é garantido.

*Este filme não é o Exorcista (Tradução do título em latim)


                                                                  Autor:
                                  

Eduardo Cardoso é natural do Rio de Janeiro, Cidade Maravilhosa. Cardoso é graduado em Letras pela Universidade Federal Fluminense e mestre em Estudos de Linguagem na mesma instituição, ao investigar a relação entre a tragédia clássica com a filmografia de Yorgos Lanthimos. Também é escritor, tradutor e realizador queer. Durante a pandemia, trabalhou no projeto pessoal de tradução poética intitulado "Traduzindo Poesia Vozes Queer", com divulgação nas minhas redes sociais. E dirigiu, em 2025, seu primeiro curta-metragem, intitulado "atopos". Além disso, é viciado no letterboxd.

Uma Sexta-Feira Mais Louca Ainda (2025) - Mesmo raio, contextos diferentes

Uma Sexta-Feira Mais Louca Ainda | Disney


Ao entrar na cabine deste filme, este crítico caiu em lembranças longínquas de ir ao cinema, quando criança que aprendeu a não ter medo do escuro, acompanhado de sua mãe e avó. Muitos dos filmes vistos nesse breve período de tempo, se tornaram marcos cinematográficos de uma geração de jovens. Um desses filmes foi Sexta-Feira Muito Louca, lançado em 2003, que se tornou um clássico entre os late millenials que cresceram nos anos 2000 e foi revisitado pela gen z pela sua estética Y2K nos últimos anos. Mas a história desse filme vem muito antes do século XXI.

Freaky Friday, título no original, é um livro infanto-juvenil escrito por Mary Rodgers, lançado em 1972, que teve seus direitos comprados pela Disney logo após sua publicação. A obra foi adaptada, desde os anos 70, para o cinema, televisão e teatro. Suas duas principais adaptações para o cinema foram: Se eu fosse minha mãe (1976), com Barbara Harris e Jodie Foster; e o já mencionado filme de 2003, com Jamie Lee Curtis e Lindsay Lohan no elenco. 

Na trama desta última versão, Curtis e Lohan são Tess e Anna Coleman, respectivamente, uma mãe psicóloga e uma filha roqueira, que não se dão bem às vésperas do novo casamento de Tess. Após ambas lerem uma profecia em um biscoito da sorte, elas acordam no corpo uma da outra, no dia seguinte. Assim, mãe e filha devem descobrir como reverter a profecia, enquanto tentam convencer a todos em seus novos papéis. Reavaliando antes de assistir sua sequência, é um filme que continua bastante divertido e energético, apesar de apresentar elementos orientalistas, que acabam sendo centrais no decolar da narrativa. 

No entanto, antes de assistir a versão de 2025, este crítico se perguntava de vez em quando: “por que fazer uma continuação desse filme?” Afinal, é um questionamento válido em que a indústria cinematográfica, especialmente a estadunidense, mercantiliza a nostalgia por filmes de épocas passadas, com remakes e continuações. Além disso, precisamos lembrar que estamos falando da Disney, que qualquer animação com mais de dez anos de lançamento seja considerada para ser transformada em um live action. Então, a chance de ser mais uma jogada “caça níquel” da empresa é alta. Felizmente, este não é o caso.

Uma Sexta-Feira Mais Louca Ainda (2025), título brasileiro imenso por sinal, é uma continuação que parte diretamente da adaptação de 2003, e não dos outros livros de Rodgers. 

Vinte e dois anos depois dos eventos do primeiro filme, Anna Coleman (Lindsay Lohan) agora é uma ex-guitarrista e agente musical de uma gravadora de sucesso que cuida de sua filha Harper (Julia Butters), com a ajuda de sua mãe Tess (Jamie Lee Curtis). Após Anna conhecer o viúvo Eric (Manny Jacinto), eles entram em um relacionamento e, meses depois, decidem se casar. Porém, sua filha e sua futura enteada, Lily (Sophia Hammons), se detestam e odeiam o fato de que seus pais irão se unir em matrimônio. E durante os desafios que surgem da união de duas famílias, Tess e Anna descobrem que um raio cai sim duas vezes no mesmo lugar, uma vez que as quatros mulheres, jovens e maduras, trocam de corpos entre si. Enquanto isso, Harper e Lily fazem de tudo para que o casamento de seus pais não aconteça.

Como a sinopse sugere, a nova versão não só continua a história das personagens do primeiro quanto também funciona como um soft reboot ou uma legacy sequel, uma vez que o roteiro de Jordan Weiss se apropria da base narrativa, quase identicamente, do longa anterior. Então, para continuar esta análise, devemos fazer uma pergunta: “quais são os motivos por trás desse filme e o querem provar com isso?”

Sexta-Feira de 2003 foi um sucesso de crítica especializada e público e Jamie Lee Curtis e Lindsay Lohan ficaram imortalizadas em seus papéis. Apesar de serem artistas bastante diferentes, as carreiras de Curtis e Lohan passaram por altos e baixos em mais de vinte anos.

Este foi um dos últimos papéis de Curtis antes de sua brevíssima aposentadoria, por cerca de dois anos, e voltou à atuação em filmes que foram mal de crítica. Trabalhou também na televisão e em dublagens de animação. Sua carreira começou a ter mais visibilidade novamente com a série cult de “terrir” Scream Queens (2015-16) e os legacy sequels da franquia Halloween (2018-22). Em 2023, Curtis ganhou o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante no divisivo Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo (2022). 

Já a carreira de Lohan chegou a um apogeu como uma estrela teen com o lançamento de Sexta-Feira e de Meninas Malvadas (2004), ambos filmes dirigidos por Mark Waters por sinal. Além da atuação, ela também tentou uma carreira musical. Porém, por problemas de ordens pessoais e midiáticas, afastou-se da atuação por um breve tempo para se recuperar. Entre melhoras e recaídas, a atriz tentou, no início da década de 2010, retomar como atriz em dramas biográficos e suspenses psicossexuais que foram fracasso de crítica. Lohan mirou em projetos na televisão como documentários e pontas em seriados durante o restante da década. 

Em 2022, voltou a trabalhar em filmes de streaming nos gêneros de comédia e romance que a consagraram na juventude. Sexta-Feira 2, vamos chamar assim, é o seu primeiro lançamento como protagonista nos cinemas, após The Canyons (2013).

E com este novo ressurgimento no mercado hollywoodiano, temos duas mulheres que, através de uma obra que teve um impacto significativo em suas vidas profissionais, principalmente Lohan, querem provar que ainda possuem o mesmo carisma e energia como protagonistas. De fato, elas esbanjam isso neste filme.

As duas atrizes estão muito confortáveis em seus papéis e continuam ter a mesma química que as fizeram ser elogiadas na dinâmica original. Enquanto Curtis se diverte os divertidos choques de realidade da terceira idade, Lohan tem um papel muito mais central aqui - afinal, o primeiro plano do longa é uma visão idealizada de sua personagem para quem cresceu com o filme - visto que a narrativa foca na sua relação entre Anna e sua filha, assim também com seu noivo. No drama, nem sempre sua atuação flui, mas, na comédia, ela brilha.

Curtis e Lohan se entregam ao ridículo, à comédia corporal, com espontaneidade bastante latente, sem medo do caricato, sem amarras que limitam suas performances e nem o humor leve e bobo da obra. Uma das melhores cenas com as duas em cena envolve Lohan flertando com feições macarrônicas, enquanto Curtis se esconde atrás de vinil de Björk e de outras divas pop. 

Elas, já com uma experiência na atuação, também tem química com as novatas Julia Butters e Sophia Hammons, que conseguem se encaixar no tom do filme e seguraram bem seus papéis; simbolizando a triangulação entre intergeracional entre geração boomer, millenial e gen z que a trama quer promover, de forma orgânica. Aliás, os atores estão bem, nunca extrapolando aquilo que é pedido deles; entendendo quem são seus personagens, como devem agir em cena  e não perdendo o timing cômico de suas piadas. 

A diretora Nisha Ganatra, que tem experiência com filmes de comédia, entende muito bem para quem este longa-metragem está sendo feito e faz um trabalho competente em criar o clima da história. Há sim um apelo nostálgico a versão de 2003, mas, na direção de Ganatra, isso nunca se torna um tópico exagerado, em comparação com outros filmes apelam para a nostalgia e o fan service (detesto essa palavra!); aqui, somente o necessário. O roteiro aqui tem um contexto explicativo que poderia ser um pouco mais enxuto, mas funciona. Além disso, há um esforço da produção em remediar o orientalismo da versão anterior, colocando atores de ascendência asiática em papéis de destaque e agência, e trocando o dispositivo do bolinho da sorte por uma quiromante fracassada (uma participação divertida de Vanessa Bayer).

Comédias como Sexta-Feira 1 e 2, antigamente, eram feitas para ser lançadas diretamente no cinema e com o passar dos anos, tornou-se um gênero bastante nichado para o streaming. Então, é interessante ver um filme do gênero sendo produzido em formato cinematográfico, emulando um estilo de filme que não se produz muito no cenário atual. Porém, mesmo com investimento e uma boa direção, o filme tem um trabalho de fotografia um pouco aquém, menos ousado, se compararmos o longa de 2003; substituindo movimentos e jogos de câmera com efeitos visuais cafonas e baratos que parecem vindo de algum filtro do tiktok. 

A continuação de 2025, com seus acertos e erros, é uma comédia leve e divertida, que revisita seu antecessor, dando o devido respeito que lhe cabe na trama e personagens, com performances cômicas sólidas de seu elenco e sem exagerar demais no quesito da nostalgia. É um longa-metragem que nos lembra o motivo de termos gostado do primeiro filme, em primeiro lugar; mesmo que não tenha o mesmo frescor de outrora. Mesmo raio, contextos diferentes. 

O único questionamento que me permito a fazer, após o filme, é este: será que este estilo de narrativa de troca de corpos e amadurecimento seria um tema atemporal, ou será que é o efeito de mais uma sexta-feira louca nos cinemas? Talvez o tempo nos dará esta resposta.


                                                                  Autor:
                                  

Eduardo Cardoso é natural do Rio de Janeiro, Cidade Maravilhosa. Cardoso é graduado em Letras pela Universidade Federal Fluminense e mestre em Estudos de Linguagem na mesma instituição, ao investigar a relação entre a tragédia clássica com a filmografia de Yorgos Lanthimos. Também é escritor, tradutor e realizador queer. Durante a pandemia, trabalhou no projeto pessoal de tradução poética intitulado "Traduzindo Poesia Vozes Queer", com divulgação nas minhas redes sociais. E dirigiu, em 2025, seu primeiro curta-metragem, intitulado "atopos". Além disso, é viciado no letterboxd.

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