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segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

A Verdadeira Dor – E Nossos Mecanismos de Defesa

 

A Verdadeira Dor | Searchlight Pictures

A segunda direção de Jesse Eisenberg foi uma agradabilíssima surpresa. Tenho uma admiração pessoal pelos filmes que conseguem demonstrar o quadro geral da obra logo em seu primeiro plano, o que é exatamente o caso. Começamos com um fade in decorado com a clássica Nocturne de Frédéric Chopin e um travelling lateral lento em um aeroporto, com incontáveis figurantes, alguns em movimento outros em sua tediosa espera pelo próprio voo, até que damos uma volta para seguirmos então com o travelling, agora frontal, que nos revelará então, aparecendo entre as pessoas, um dos nossos dois protagonistas, Benji, interpretado por Kieran Culkin, e terminamos o shot em um close-up frontal no ator com uma expressão neutra. É daqui que vemos que o trabalho de escolha de elenco foi perfeito. 

Cada ator transmite uma emoção específica quando se põe com o rosto neutro ou em descanso. Na maioria das vezes a leitura que se faz é de raiva, ou com atores mais jovens, como seria o caso de Culkin, inocência, às vezes medo. Mas o que vemos, também influenciado pelo próprio título do filme que aparece quase em cima do protagonista, é tristeza. Recentemente me chegou a informação de que Culkin quase teve de sair do elenco do filme, por complicações em sua agenda, mas Emma Stone (Pobres Criaturas, La La Land), sendo uma das produtoras do filme, o convenceu a ficar, mesmo com as dificuldades, e ainda bem, pois em ele teríamos talvez um filme ligeiramente diferente, e ligeiramente fora do ponto.

Logo após esses maravilhosos 50 segundos, que já haviam me ganhado completamente, somos introduzidos ao nosso segundo protagonista, primo de Benji, interpretado por Jesse Eisenberg, que mesmo participando do filme como escritor e diretor, não perde a mão de sua atuação, e o mais interessante de tudo, sabe exatamente que tipo de personagem aproveita melhor de seus específicos talentos, voz e forma. Seu personagem David sai de casa com o telefone na orelha, ligando incessantemente para Benji, que nunca retorna à ligação. David é ansioso, nervoso, nunca calmo. Parece estar constantemente incomodado, como se passasse a vida se segurando para não correr para dentro de um buraco para se esconder para sempre. Então quando David finalmente chega ao aeroporto recebemos um susto – Benji aparece e recebe David com um sorriso gigante no rosto. Mas com o decorrer da história, vamos perceber o motivo desse suposto engano.

David e Benji embarcam em uma viagem para a Polônia (justificando a escolha de Chopin, compositor polaco, durante o filme) para honrar a memória de sua recém-falecida avó, que ambos amavam, e aproveitam para conhecer melhor sua história através de um tour dedicado a descendentes de judeus vítimas do holocausto. O filme é um clássico exemplo de road movie, em que a viagem em si transforma e aproxima dois personagens centrais, com participações importantes de alguns adjacentes. Não demora muito até que a obra nos arranque as primeiras risadas, com um tipo de comédia muito específico e interessante que se torna cada vez mais presente em filmes estadunidenses, que trabalha uma naturalidade de micro tiradas, pequenas gags dedicadas a causar aquela risada nasal quase imperceptível, ajudando a ter uma imersão um pouco mais pessoal no filme. Benji é tão irritante e ao mesmo tempo carismático, e David quase se contorce ao não saber lidar com a extroversão do primo, num ambiente onde nossos atores criam uma improvável química, que não só funciona como também contagia.

Kieran Culkin nos dá uma de suas melhores performances, com esse personagem extremamente humano, real e relacionável a nós mesmos, escondida nessa comédia. Ao descobrirmos que seu personagem fez uma tentativa de suicídio numa cena também de impecável atuação de Eisenberg, percebemos que talvez o tema central a ser conversado no filme sejam as nossas máscaras do dia-a-dia, que usamos para lidar com nossas dores. 

Benji age sem remorso de suas ações e falas, ele diz o que pensa, faz o que quer, trata as coisas com leveza, tudo tentando abstrair do próprio sofrimento pessoal, expondo suas emoções a todo o momento, enquanto David faz quase o oposto, ele acredita que seus problemas são apenas seus, e não existe razão nem desculpa para buscar ajuda. Os dois são opostos mas os mesmos, e um não quer viver a vida sem o outro, e mesmo entendendo que nunca serão capazes de curar um ao outro de seus problemas pessoais, passam a pelo menos compreender o outro lado, fechando o filme com o mesmo Close-up em Benji, no mesmo lugar no aeroporto, mas dessa vez com o título no lado oposto da tela, mostrando que cada lado de uma história tem a sua própria verdadeira dor.  

Autor:


Henrique Linhales, licenciado em Cinema pela Universidade da Beira Interior - Covilhã, Portugal. Diretor e Roteirista de 6 curta-metragens com seleções e premiações internacionais. Eterno pesquisador e amante do cinema.

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