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segunda-feira, 25 de agosto de 2025

Anônimo 2 (2025) - Recalcula a rota

Anônimo 2 | Universal Pictures


Nem todos os filmes são considerados de primeira classe e está tudo bem. Nós, como espectadores, precisamos ver filmes B para distrair a cabeça ou ajudar na nossa dissociação diária. E tal como os filmes prestigiados, filmes B, seja de qualquer gênero narrativo, tem o seu valor. Porém o maior pecado que pode acometer uma produção desse porte é uma crise de identidade. Esse foi o caso do primeiro filme da franquia Anônimo, estrelado por Bob Odenkirk.

O longa-metragem foi lançado em 2021, durante o período de reabertura dos cinemas por causa da Covid-19. A produção tem o dedo da 87North, a mesma produtora da franquia John Wick: Derek Kolstad assina o roteiro e David Leitch, junto com Odenkirk, assume o cargo de produtor.

A premissa é clara. Um zé ninguém vive sua vidinha pacata junto de sua rotina entediante. Ele está preso em um ciclo sem fim. Quando um roubo acontece em sua casa e todos o veem como um pateta, esse mesmo homem acaba se envolvendo, em episódio de raiva, numa briga com um bando de jovens russos arruaceiros dentro de um ônibus. A partir desse ponto, nós, enquanto audiência, descobrimos que ele é um ex-agente e assassino da CIA com “habilidades especiais” e um dos jovens, que fica gravemente ferido, é o filho de um chefão da máfia. E esse mafioso vai querer retribuir o favor…

Se fizermos um exercício de memória coletiva e lembrarmos da sinopse do primeiro filme de John Wick, a premissa é quase idêntica.  Porém, ao invés do viúvo atlético de Reeves, temos a personagem de Bob Odenkirk, que é tratado pelo filme como um homem emasculado; principalmente pela sua esposa, que assume um papel mais ativo na família: há um plano muito específico no início do filme que marca essa posição de superioridade e inferioridade entre o casal. No entanto, apesar de ser bastante direto ao ponto, o roteiro de Kolstad se demonstra muito empobrecido de nuance com suas personagens. Quer tocar em uma psicanálise que nunca chega ao ponto que deseja. E a direção não ajuda muito com tom frio e seco, diminuindo o humor e a ironia presente no trabalho do roteirista. 

O primeiro filme tinha alguns planos e sequências interessantes, mas flertava com a cultura incel e deixou um gosto reacionário, bem amargo na boca. Era um lado B de John Wick, mas sisudo, sem o olhar que eleva a franquia rival. Mas, para a felicidade de todes envolvides, a produção foi bem de crítica e de público e Bob Odenkirk tinha agora uma franquia de ação para chamar de sua. E quatro anos após, veio a sequência do longa de 2021.

Dirigido por Timo Tjahjanto, Anônimo 2 (2025) acompanha Hutch Mansell (Bob Odenkirk), após voltar a trabalhar como assassino profissional, em sua nova rotina. Seu retorno à essa linha de trabalho se dá pela dívida que contraiu do submundo no episódio anterior. Ele e sua esposa, Becca (Connie Nielsen), estão sobrecarregados e a distância que havia entre eles voltou e está os separando novamente. 

Ao sentir que o seio familiar está cada vez mais desunido, Hutch decide levar a família toda a uma cidadezinha, em que há um parque temático, para uma pequena viagem de férias. É um local em que ele teve ótimas lembranças com o pai (Christopher Lloyd) e o irmão (RZA). No entanto, quando um encontro trivial com valentões locais, Hutch coloca a família na mira do dono do parque (John Ortiz), um xerife corrupto (Colin Hanks), e uma chefe do crime (Sharon Stone).

Se o primeiro filme é uma criação de uma nova franquia de ação, este segundo serve mais para fazer a manutenção das ideias do que expandir a narrativa à diante. O roteiro de Kolstad, que retorna para o projeto, usa da fórmula da obra anterior de novo: rotina incansável, relação entre Hutch e Becca instável, um evento que quebra a rotina da família, Hutch se envolve em um conflito violento, os antagonistas vão atrás do assassino em um vai-e-volta que culminará em um combate final à la “Esqueceram de Mim”...

Porém, com o tempo vem a sabedoria. Kolstad consegue, mesmo dentro de sua idiossincrasia já estabelecida, recalcular a rota. Aqui, temos uma narrativa que emula as tramas clássicas de filmes de ação dos anos 80 e 90, como a de um forasteiro que acaba criando uma rusga com os valentões de uma cidade do interior; e abraça um viés absurdista de sua situação, dando tanto ênfase no humor quanto nos momentos de ação. Se essa qualidade estava nas entrelinhas do anterior, aqui está mais explícito.  O mundo masculino desse universo tem sua expressão carrancuda transformada em uma paródia de si. Tal mudança de tom é bem-vinda, já que se trata de uma fantasia cheia testosterona com requintes de violência e crueldade e seu herói, uma figura altamente capaz, porém, ao mesmo tempo, patética.

Tjahjanto, ao contrário de Ilya Naishuller, diretor do primeiro filme, abraça o lado galhofa da narrativa e não tem medo do filme ser considerado straight camp por parte dos espectadores. Além disso, a decupagem das cenas de ação é fluída, como sangue, e de forma mais consistente. O diretor consegue imitar o jogo de planos e os movimentos de câmera que são parte essencial de filmes de ação como a já mencionada franquia John Wick, pois põe em evidência o trabalho de performance dos dublês da produção. Lembrem-se que, antes de se tornar diretor, David Leitch era coordenador de dublês em várias produções de Hollywood, e claro que, em uma produção dele, não poderia faltar um competente trabalho neste quesito.

Os filmes da franquia Anônimo, em seu âmago, servem para catapultar Bob Odenkirk, ator cômico e dramático, como um astro do cinema de ação. Aos 62 anos, o ator demonstra, em ambos os longas, uma agilidade e condicionamento físico bastante disciplinado. Neste novo capítulo, o Hutch de Odenkirk está, de fato, completamente humanizado, admite que tem problemas de raiva, apesar do filme tratá-lo como uma máquina de matar; muito diferente da personagem mecanizada que havíamos conhecido anteriormente, mas tão vigoroso quanto outrora.

Christopher Lloyd e RZA, que fizeram pontas no longa de 2021, respectivamente, como pai e irmão de Hutch, voltam para esta nova parte e roubam a cena nos momentos em que aparecem. Já a personagem de Connie Nielsen é mais explorada aqui e possui uma agência maior do que no longa anterior. O relacionamento dela com Hutch se torna parte central da narrativa, pois  o desgaste de seu relacionamento é mútuo, e não mais unilateral. Eles estão na mesma posição, em lados espectros. Nielsen já havia expressado anteriormente que gostaria de revisitar e desenvolver a sua Becca e, aqui, ela consegue fazer isso.

Do novo elenco, destaco dois personagens: o xerife de Colin Hanks, uma pessoa mesquinha e de má índole, que antagoniza com Hutch logo à primeira vista. Tal antagonismo possuí (na minha leitura) um queer coding do modo em que os planos são decupados, os olhares perdidos, a agressividade hiper-masculina e irracional, a posição de figuras fálicas entre as personagens: o tipo de performance de gênero que dá volta e ganha outras conotações. 

E a mafiosa Lendina de Sharon Stone, que parece estar se divertindo em tela. Uma personagem deliciosamente camp: expansiva, debochada, desnecessariamente cruel e de vez em quando fica dançando e dissociando do absoluto nada. Ela manipula o dono do parque (que por algum motivo narrativo também o prefeito da cidade) a fazer parte de seu esquema de contrabando. A razão para isso? Porque ela gosta. Faz sentido? Não; mas quem se importa a esse ponto? Mesmo com o pouco tempo de tela, Stone tem o carisma para vender a ideia de sua personagem em segundos.

Apesar da produção deste longa-metragem ter feito a escolha segura e sem sair muito de sua zona de conforto, sem nenhum desenvolvimento de universo, o ângulo de sua mira é um pouco diferente, e talvez para melhor. Ao assumir a identidade de um filme B de ação, Anônimo 2 torna-se um filme divertido de se assistir, sem pretensões que o traía a longo prazo. Agora, pelo menos, é um filme com personalidade. Não se preocupe, o Hutch não vai atrás de você e queimar seu dinheiro, se discordar dessa opinião.


  Autor:
                                  

Eduardo Cardoso é natural do Rio de Janeiro, Cidade Maravilhosa. Cardoso é graduado em Letras pela Universidade Federal Fluminense e mestre em Estudos de Linguagem na mesma instituição, ao investigar a relação entre a tragédia clássica com a filmografia de Yorgos Lanthimos. Também é escritor, tradutor e realizador queer. Durante a pandemia, trabalhou no projeto pessoal de tradução poética intitulado "Traduzindo Poesia Vozes Queer", com divulgação nas minhas redes sociais. E dirigiu, em 2025, seu primeiro curta-metragem, intitulado "atopos". Além disso, é viciado no letterboxd.

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