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Amores à Parte | Diamond Films |
Relacionamentos não são fáceis. Carey (Kyle Marvin) e Ashley (Adria Arjona) sabem muito bem disso. Ele é um professor de educação física, ela uma life coach. Os dois estão casados há vários anos e, ultimamente, a relação está passando por um momento de baixa. Eles ainda não tem filhos e a vida sexual deles não é das melhores. Tudo muda quando eles presenciam um acidente na estrada e a Ashley finalmente toma a decisão de pedir o divórcio do marido, que está bem acomodado nesse relacionamento.
Sem muito chão para se firmar, depois dessa revelação, Carey acaba se refugiando na casa de um casal de amigos: Julie (Dakota Johnson), uma artesã e ceramista, e Paul (Michael Angelo Covino), um empresário do ramo imobiliário. Eles são ricos, vivem em uma mansão um pouco afastada da cidade e tem um filho, Russ (Simon Webster), que é ao mesmo tempo doce e endiabrado. A Julie e Paul aparentam ter uma vida perfeita, um relacionamento duradouro e sólido. Qual é o segredo deles? Um relacionamento aberto.
Essa informação muda a percepção de Carey sobre o casal. Mas as aparências enganam. Pois, a situação começa a mudar, quando, em uma noite em que Paul não está em casa, a Julie começa a se abrir mais com Carey sobre o seu relacionamento e dá sinais de que ela quer ter uma interação mais íntima com o amigo, no que este cede. E o que irá suceder, após a transa de Julie e Carey, é uma rede quadrilátera de paixões e altas invejas em Amores à parte (2025), uma atrapalhada e divertida comédia que estreou no 78o Festival de Cannes, lançamento da Neon nos Estados Unidos. O filme está programado para quinta-feira, 21/08, pela Diamond Filmes no Brasil.
O longa-metragem é dirigido por Michael Angelo Corvino e coescrito por ele e Kyle Marvin; Dakota Johnson e Adria Arjona também ajudam na produção, uma na produção e outra como produtora executiva, respectivamente. Corvino despontou na direção com o longa-metragem Climb (2019), que, por sua vez, tem temáticas muito parecidas com este filme.
O título original Splitsville exprime melhor a sensação de “quadrilha” (sim, aquele poema de Carlos Drummond de Andrade) que o roteiro arquiteta, pois acompanhamos, de forma bem humorada, a dissolução de dois casamentos interligados entre si. Enquanto Carey tenta aplicar a lógica do relacionamento aberto para evitar um divórcio formal com Ashley, a Julie termina o casamento com Paul, porque ele colocou a família em uma posição financeiramente vulnerável. Mas a fagulha daquela noite ainda é presente tanto em Carey quanto em Julie.
Existe uma certa ironia nos personagens: eles se apropriam do conceito de relacionamentos abertos e não monogâmicos, mas não sabem ao certo a diferença que existe entre essas formas de amar. São pessoas possessivas e egoístas que, por mais que tentem se adaptar a uma nova situação, ainda têm aquele sentimento de territorialidade presentes nelas.
No momento em que Carey conta a Paul sobre ter ficado com a esposa do amigo, de forma bem direta e honesta, a cordialidade entre eles se quebra. Paul dá um tapa em Carey, depois um outro, logo o amigo revida e, de pouco em pouco, a situação se escala em um briga completa em que a casa em que eles estão é quase destruída no processo. É uma cena muito bem feita e, o modo que a progressão da decupagem desse conflito é espetacular, de um ponto de vista técnico.
Covino apresenta um ótimo senso de fotografia: os enquadramentos são bem feitos e realçam a comédia física do filme; o jogo de luzes e sombras nas cenas noturnas denotam uma relação de desejo e objeto. Só reparar como, nesses momentos, o rosto da personagem de Johnson está iluminado, enquanto os das outras personagens estão envoltos na obscuridade. E quando ambos personagens estão envoltos em luz e sombra, de forma igual, o desejo é mútuo, porém conflituoso. Há um limite no qual não sabem que podem ultrapassar. É um trabalho visual bem preciso que eleva a experiência do filme e cria um clima muito aconchegante até.
Outro ponto positivo é o roteiro de Corvino e Marvin que, apesar de ser um pouco redundante na temática, funciona como um estudo bastante divertido de personagem. O texto coloca uma situação aos personagens principais e acompanhamos justamente a evolução dessas pessoas ao longo da narrativa, que é dividida em partes para demarcar os pontos de virada da obra; não sei se era 100% necessário, neste caso. Além disso, o trabalho de mesclar todo esse trabalho de desenvolvimento de personagem e mesclar com cenas de comédia física e momentos de piada não é tarefa fácil. O que temos aqui é uma comédia que bebe de várias fontes: a fisicalidade das comédias de Buster Keaton, tom megalomaníaco das screwball comedies dos anos 30 e o estilo de humor das comédias que surgiram na nova Hollywood, nos anos 70; algo entre Allen e Bogdanovich.
É claro que para carregar a pretensão artística da produção, o filme necessita de performances que não deixam a peteca do roteiro cair no chão. Há uma sinergia entre os atores bem palpável que deixa o clima bem íntimo dos espectadores:
Michael Angelo Corvino e Kyle Marvin tem bastante química juntos, que não vem somente deste projeto. Enquanto Corvino traz uma performance bem passivo agressiva, Marvin incorpora uma personalidade mais inocente e o ator consegue lidar bem com o humor físico. A reação dele em uma cena que envolve peixes é impagável. Dakota Johnson tem um papel contido, porém ambíguo, no qual se encaixa bastante no seu leque de performances de personagens carismáticas e introvertidas. Adria Arjona também está bem em um papel egocêntrico e narcisista, que começa a repensar suas prioridades amorosas, com resultados que beiram ao fator cringe (como qualquer pessoa que se diz como coach de algo).
Amores à parte (2025) é um filme que peca um pouco no desenvolvimento do tema, mas tem um trabalho de direção de atores bem forte, personagens complexos e sua comédia de situação que atinge o seu alvo, com algumas das cenas mais hilárias do ano. Uma farsa com tempero estético. A moral é: relacionamentos abertos não funcionam com os héteros, são possessivos e apegados demais, é melhor deixar nas mãos das gays mesmo.