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segunda-feira, 11 de agosto de 2025

O Ritual (2025) - HIC FILM NON EXORCISTAM EST*

O Ritual | Paris Filmes

No ano de 1928, um exorcismo ocorreu nos solos sagrados de uma igreja na cidade de Earling, no estado de Iowa. O objeto da suposta possessão demoníaca é Emma Schmidt, uma senhora balzaquiana, filha de imigrantes alemães. Caso você leu a última frase do parágrafo anterior e percebeu um tom de história de superação, ou até mesmo uma pitada de auto-ajuda, neste caso, você leu certo e não está possuído por um demônio algum; pois, em dado momento da narrativa, o filme embarca nessa mesmo ideia. 

Seus dados biográficos são confusos. Aparentemente, não era a primeira vez que fora possuída por forças ocultas. Porém, anos após ser vitimada pelos espíritos possessores, Emma é novamente submetida ao exorcismo. O pároco Joseph Steiger consulta o padre que realizou a primeira tentativa de exorcizar Schmidt há duas décadas atrás, o Pe. Theophilus Riesinger; e sugere que um novo ritual deve acontecer. 

Durante várias sessões na segunda metade do ano, Riesinger e Steiger, com ajuda de freiras da congregação local, realizaram os procedimentos para o expurgo. Schmidt, possuída, apresentava sinais de inanição e desidratação, reagia de forma bastante violenta às tentativas dos religiosos, levitava da cama, se debatia, vomitava dejetos estranhos, falava em línguas que desconhecia, que estava possuída por Judas (sim, este mesmo que você está pensando agora!) e pelo espírito do próprio pai… Este longo e tortuoso exorcismo terminou bem perto da véspera de natal, e o caso foi documentado e difundido através dos anos como o caso secular de exorcismo nos Estados Unidos. Por mais que o ritual de Reisinger e Steiger foi um sucesso, sua adaptação cinematográfica, lançada em 2025, é uma outra história.

O filme O Ritual, lançamento da Paris Filmes no Brasil, é dirigido por David Midell, cujo currículo é modesto. Mas se esta obra for a prova de sua filmografia, suas intenções na sétima arte não são promissoras. 

Na trama do filme, um recém enlutado Joseph Steiger (Dan Stevens) retoma a normalidade de sua paróquia após o suicido de seu irmão. A rotina da comunidade muda completamente quando Steiger é procurado por seus superiores para abrigar Emma Schmidt (Abigail Cowen), uma jovem de vinte e poucos anos possuída, e o Pe. Theophilus Riesinger (Al Pacino) que irá se encarregar de seu exorcismo. 

O comportamento violento da moça assusta as freiras, incluindo a Irmã Rose (Ashley Greene), e a Madre Superiora (Patricia Heaton) da congregação. Enquanto Steiger questiona sua fé divina e Riesinger tenta esconder seu passado, ambos precisam colocar de lado suas diferenças e unir forças para tentar salvar Emma dos demônios que a atormentam, em várias tentativas frustradas de exorcismo. Midell utiliza-se da carta manjada do cinema de “baseado em fatos reais” para tentar causar empatia e medo em seus espectadores. No entanto, Al Pacino falando chavões motivacionais para a personagem de Stevens é um artifício pobre e cafona de uma escrita clichê; e os momentos de sustos são compostos de jumpscares aleatórios e bastante forçados por uma sonoplastia exagerada. O filme almeja por um shock value, mas consegue alguns bocejos e sobrancelhas arqueadas, ou um leve arrepio no máximo.

As personagens parecem opacas, patéticas, durante toda a narrativa. Arcos dramáticos são quase nulos. Embora Emma Schmidt seja importante para a trama, é mal articulada, não há vínculo emocional com ela; explorando mais sua possessão e o abuso físico que seu corpo sofre pelas entidades demoníacas. A atuação de todas as personagens é mal dirigida, não-existente na maior parte. 

O roteiro não consegue desenvolver o seu lado psicológico nem os temas do filme - como morte, fé e compulsão sexual -  de forma minimamente interessante, pipocando quase de forma aleatória. A fotografia é tenebrosa, mal enquadrada, tremida, estilo mockumentary, com uso excessivo de zoom ins e fundo desfocado que distraem o espectador, junto de uma edição picotada e confusa. Tais imagens desorientam o público e dizem absolutamente nada do ponto de vista semiótico.

Para um filme de época, mesmo que seja uma produção de baixo orçamento, o design de produção e figurino são bem limitados, tanto que a personagem de Pacino usa o mesmo traje a narrativa inteira. Orçamento minúsculo não é sinônimo de falta de criatividade. Pelo menos, o Steiger de Stevens preenche a caixinha do hot priest, mesmo sem a intenção.

Apesar do longa-metragem fugir da abordagem dos filmes de terror atuais recheados de cinismo, a obra não constrói uma carga dramática e nem atmosfera para sedimentar uma base catártica. David Midell utiliza do livre arbítrio da ficção para realizar escolhas sem sal que não compensam em nada; porém ao fazer Joseph Steiger, e não Riesinger, como o protagonista da trama, estabelece uma relação paradoxal com o Exorcista (1973) de William Friedkin. 

Por mais que William Peter Blatty não se inspirou, pelo o que este afirma, no caso de Emma Schmidt para confeccionar o Exorcista, o diretor de Ritual se apropria da jornada de Padre Karras e Merrin de Blatty para construir sua versão ficcional de Steiger e Riesinger. Há um paralelo claro entre as personagens mencionadas, mas Midell nunca dá a importância ou a originalidade para se sustentarem por si. O resultado dessa falta de exercício de narrativa? Uma cópia barata do clássico dos filmes de exorcismo. Ou tão ruim quanto: uma fanfic especulativa. 

No fim, O Ritual é um filme feio, irritante, carecido de originalidade, forçado, exploratório, risível, que não entende ao certo tanto importância da temática abordada quanto a gramática do gênero do terror. A história de Emma Schmidt merecia um tratamento cinematográfico à la Robert Eggers do que essa pataquada. Melhor assistir uma reprise de Exorcista ou de Exorcismo de Emily Rose (2005) que o susto é garantido.

*Este filme não é o Exorcista (Tradução do título em latim)


                                                                  Autor:
                                  

Eduardo Cardoso é natural do Rio de Janeiro, Cidade Maravilhosa. Cardoso é graduado em Letras pela Universidade Federal Fluminense e mestre em Estudos de Linguagem na mesma instituição, ao investigar a relação entre a tragédia clássica com a filmografia de Yorgos Lanthimos. Também é escritor, tradutor e realizador queer. Durante a pandemia, trabalhou no projeto pessoal de tradução poética intitulado "Traduzindo Poesia Vozes Queer", com divulgação nas minhas redes sociais. E dirigiu, em 2025, seu primeiro curta-metragem, intitulado "atopos". Além disso, é viciado no letterboxd.

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