quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

Aqui - Um Filme que Passa a Vida Inteira Sem Sair do Mesmo Lugar

Aqui | Sony Pictures


Em Aqui, produção do diretor Robert Zemeckis, se ambienta em um único lugar: a sala de uma casa. Acompanhando diversas famílias ao longo de gerações, todas conectadas por este espaço tempo que um dia chamaram de lar. Usando esse espaço único para ilustrar as transformações ocorridas em diversas eras, desde os primórdios da humanidade. Richard (Tom Hanks) e Margaret (Robin Wright) são um casal prestes a deixar o lar onde colecionaram uma emocionante jornada de amor, perdas, risos e memória, que transportaram desde o passado mais distante até um futuro próximo. Apresentando uma viagem pela linha do tempo da humanidade, contada de forma emocionante e surpreendente, onde tudo acontece em um único lugar: Aqui.

A direção do filme, conforme indicado na sinopse, é atribuída a Robert Zemeckis, renomado cineasta responsável pela aclamada trilogia De Volta para o Futuro, Forrest Gump, O Expresso Polar, Os Fantasmas de Scrooge e pelo polêmico live-action Pinóquio (2022), que, embora tenha gerado controvérsias, é apreciado por uma parte do público. Neste trabalho, Zemeckis apresenta uma narrativa que, assim como Forrest Gump, tem a capacidade de provocar risos, emoções intensas e reflexões profundas sobre a vida.

Embora o filme aborda várias gerações ao longo de sua narrativa, a escolha de manter a câmera fixa no mesmo local durante toda a projeção é uma decisão ousada e intrigante. Essa abordagem, além de transmitir uma sensação de continuidade e imersão, convida o espectador a se concentrar profundamente nos diálogos e nas nuances dos personagens, sem a distração de mudanças visuais constantes. Tal escolha acrescenta uma camada de profundidade ao filme, permitindo que a atenção se volte para a evolução emocional e narrativa das personagens, o que se revela uma ideia cinematograficamente rica e eficaz.

Embora o filme explore a história de várias gerações no mesmo cenário, o foco principal está na trajetória de Richard Young e Margaret Young. O público é profundamente cativado pela evolução de Richard, acompanhando sua jornada desde o nascimento até a infância, adolescência — quando conhece Margaret —, passando pela fase adulta e chegando à velhice. Essa narrativa dinâmica e multifacetada é eficaz em criar uma conexão emocional com o espectador, permitindo que ele testemunhe o amadurecimento de Richard ao longo do tempo e a transformação de seu relacionamento com Margaret. A riqueza dos personagens e a maneira como suas vidas se entrelaçam ao longo das décadas adicionam uma profundidade única à trama, tornando-a não apenas uma história de amor, mas também uma reflexão sobre o ciclo da vida e as mudanças que o tempo impõe.

Robert Zemeckis utilizou inteligência artificial para modificar digitalmente as imagens de Tom Hanks e Robin Wright, permitindo que interpretassem versões mais jovens e velhas de suas personagens ao longo de cinquenta anos. Desenvolvida pela Metaphysic, a tecnologia elimina a necessidade de pós-produção, mas seu uso levanta sérias questões éticas e artísticas. A técnica pode comprometer a essência da interpretação, reduzindo a complexidade e a expressividade humana em prol de um artifício tecnológico.

Aqui é uma obra emocionante que, com a direção de Robert Zemeckis, explora o ciclo da vida e as transformações ao longo das gerações, ambientando toda a narrativa em um único espaço. A história de Richard e Margaret cativa pela profundidade emocional, refletindo sobre o amor, as perdas e o legado que deixamos, proporcionando uma experiência cinematográfica íntima e impactante.

Autor:


Meu nome é João Pedro, sou estudante de Cinema e Audiovisual, ator em formação e crítico cinematográfico. Apaixonado pela sétima arte e pela cultura nerd, dedico meu tempo a explorar e analisar as nuances do cinema e do entretenimento.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

Queer - O descobrimento através do surreal

Queer | A24

Do diretor que abriu o ano com seu aclamadissimo filme “Rivais”, Luca Guadagnino decide mostrar o quão diferente suas obras podem ser, e de forma incrível conta em película o livro “Queer” de Burroughs, um conto que foge totalmente do “padrão” Guadagnino.

Me encanta muito a primeira parte do filme, principalmente na construção do personagem de Lee, vemos um homem que sofreu e sofre tanta descriminação que por muitas vezes se sente culpado por ser quem é, e por isso age da forma que vemos. Outro ponto que me atrai bastante é a materialização dos desejos de William Lee, como aqueles pensamentos mais puros deles se materializam em tela de forma quase espiritual.

Um filme que começa numa espécie de realismo bem centrado na relação de seu protagonista com sua sexualidade, porém que transita para um surrealismo totalmente surpreendente, afinal a primeira metade não nos prepara para algo assim, e isso é maravilhoso.

Personagens apresentados de forma fechada e fria, quando a conexão mundana não é capaz de suprir os desejos dos personagens, a solução é escapar para o surreal, onde não há limitações de alma e corpo, onde não é preciso se expressar verbalmente, apenas sentir.

Na minha visão o filme ganha muita força quando abraça o surrealismo de forma total, quando você se entrega totalmente ao que está vendo, é como se estivesse junto à eles naquela viagem. Cada cena é visualmente espetacular e única, personagens vomitando corações, corpos que se abraçam e se unem, Lee observando ele mesmo no apartamento, entre muitas outras.

Guadagnino mesmo que filme de forma bastante clássica, observamos uma desconstrução moderna em sua narrativa. Os corpos são postos em cena como principal meio de expressão dos sentimentos, além disso a forma com que o tesao do filme se sustenta apenas no físico, nos corpos que compõe a cena, diferentemente de Rivais.

Autor:


Me chamo Gabriel Zagallo, tenho 18 anos, atualmente estou cursando o 3º ano do ensino médio e tenho o sonho de me tornar jornalista, sou apaixonado por cinema e desejo me especializar nisso. Meus filmes favoritos são Stalker, Johnny Guitar, Paixão e Rio, 40 graus.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2025

SuperMan: A História de Christopher Reeve - Um ícone que se tornou ícone

SuperMan: A História de Christopher Reeve | Warner Bros. Pictures


Seria de extrema ingenuidade pensar que o filme Superman de 1978 não faz parte do repertório cultural de todos os entusiasta de cinema e cultura popular vivos hoje. Mesmo já tão distante, o rosto de Reeve sempre aparecerá na cabeça das pessoas do mundo todo ao ouvir o nome “Super-Homem”. O documentário - sendo esse a primeira promessa de Gunn e obra fundadora do que será agora o DC Studios, criado para competir com a já gigante porém decadente Marvel no grande e lucrativo mercado de filmes de super-heróis - É uma abordagem nova e corajosa, passa longe de ser um simples caça-níquel e honra e homenageia uma das histórias mais interessantes, tristes e comoventes da indústria cinematográfica, e aborda todo o tema com maestria e sensibilidade. 

O documentário é contado através de imagens de arquivo da vida e dos filmes que Reeve atuou, somados com filmagens atuais de seus familiares e alguns colegas de trabalho, e a narrativa começa nos mostrando o início de carreira de Reeve, em alto astral, fingindo que o acidente que mudaria a vida do ator para sempre nunca aconteceu, e nos enganando conforme o fazia. O que importava era a ascensão desse antigo porém novo personagem, e de um ator que passaria de quase desconhecido para ícone eterno do gênero e do cinema. 

Vemos seus romances, o nascimento de seus filhos e de como ele aproveitava a vida com um estilo muito ativo fisicamente. Tudo levando a nos chocar mais ainda com o evento futuro. Como é possível que uma coincidência tão assustadora pudesse acontecer? Talvez exista ainda um sentimento de negação a esse evento. O imaginário da humanidade é quase tão indestrutível quanto o homem de aço em si, e é quase impossível acreditar que esse símbolo de força e invulnerabilidade pudesse ter sofrido tão desastroso acidente, tornando sua história de vida quase tão icônica quanto o personagem em si.

Do meio para o final do filme acompanhamos a história após o acidente de hipismo que deixou Christopher Reeve tetraplégico. A montagem paralela que contrasta arquivos do filme do invencível Superman com filmagens da luta diária de Reeve com sua nova realidade provoca um sentimento que depois nos é mastigado no próprio enredo do documentário de que sua força e coragem inabaláveis se comparavam agora com seu personagem mais do que nunca. 

Apesar de completamente dependente vinte e quatro horas por dia, esse super homem permaneceu ativo na vida de sua família e lutou até o final dos seus dias pelos direitos dos estadunidenses que passam por deficiências físicas, e por conta de talvez uma eterna negação de seu estado somados com uma inabalável esperança de voltar a andar, foi peça fundamental para o financiamento de estudos revolucionários de medicina que podem ajudar pessoas como ele mesmo a recobrarem seus movimentos em sua totalidade. E mesmo após sua triste

Morte, suas ações em vida permanecem a ajudar. O documentário não falha em nos apresentar e até mesmo responder a questão que ele mesmo levanta: “O que é um herói?”. Como é possível ter na história da humanidade uma coincidência tão grande que debilitou um símbolo de indestrutibilidade? Que após seu acidente nos mostra que Reeve não apenas nasceu para interpretar esse símbolo, como também o símbolo do Superman nasceu para que fosse interpretado por Reeve.

Autor:


Henrique Linhales, licenciado em Cinema pela Universidade da Beira Interior - Covilhã, Portugal. Diretor e Roteirista de 6 curta-metragens com seleções e premiações internacionais. Eterno pesquisador e amante do cinema.

Nosferatu (2024) - Bela Estética, Boas Atuações e Só!

Nosferatu | Universal Pictures

Nosferatu, de Robert Eggers, é um conto cinematográfico gótico sobre a obsessão entre uma jovem mulher amedrontada e o aterrorizante vampiro apaixonado por ela, indiferente ao rastro do mais puro horror que deixa em seu caminho em direção a ela.

O filme original, dirigido por Friedrich Wilhelm Murnau e lançado em 1922, é considerado um ícone do expressionismo alemão, esse que foi um movimento artístico do início do século XX que buscava expressar emoções intensas e subjetivas, muitas vezes de forma distorcida e exagerada. No cinema, caracterizou-se por cenários e ângulos distorcidos, luzes dramáticas e atmosferas sombrias, influenciando o gênero de terror e a estética cinematográfica. Filmes como O Gabinete do Dr. Caligari e Nosferatu são exemplos marcantes dessa corrente. 

O filme foi inspirado no romance Drácula, de Bram Stoker, mas, devido a questões legais sobre direitos autorais, permanece até hoje como o filme mais famoso e ilegal da história do cinema. A obra foi criada sem a autorização da viúva de Stoker, Florence, que detinha os direitos do livro na Alemanha, onde Drácula não havia entrado em domínio público até 1962. Apesar de Drácula ter caído em domínio público nos Estados Unidos devido a um erro no registro de copyright, a adaptação de Nosferatu infringiu os direitos autorais na Alemanha. 

O produtor Albin Grau, o roteirista Henrik Green e Murnau alteraram nomes e detalhes da história para tentar disfarçar a semelhança com o original, mas a viúva de Stoker entrou com um processo judicial. Em 1925, Florence venceu a ação e obteve a ordem para destruir todas as cópias do filme. Contudo, algumas cópias sobreviveram, principalmente nos Estados Unidos, onde o filme pôde ser exibido livremente. Com o tempo, o culto ao filme cresceu e novas cópias foram feitas, perpetuando a existência de Nosferatu. 

Assim, apesar das tentativas legais de destruição, o filme sobreviveu e, por causa da falha na execução completa da sentença e o erro no registro de copyright nos Estados Unidos, mantém seu status de "filme ilegal" até hoje. Nosferatu já recebeu diversas versões remarcadas ao longo dos anos, mas o mais recente remake foi amplamente considerado um exemplo bem-sucedido dessa prática. Dirigido por Robert Eggers, renomado por seu trabalho em A Bruxa, O Farol e O Homem do Norte, o filme traz de volta o estilo único de horror pelo qual Eggers é reconhecido.  A adaptação, embora competente, parece carecer de um verdadeiro senso de inovação ou de uma abordagem que justifique sua existência além da estética. No fim, o longa acaba mais como uma homenagem ao original do que uma reinvenção convincente, deixando uma sensação de oportunidade desperdiçada.

O vampiro interpretado por Bill Skarsgård, embora grotesco, não provoca o temor esperado. Enquanto a criação de Murnau imortalizou um vampiro monstruoso e demoníaco, afastando-se da figura carismática de Drácula, o personagem de Eggers adota uma abordagem mais estilizada e menos aterrorizante. A fraqueza emocional do vampiro, especialmente sua paixão por Ellen, não assume a intensidade ameaçadora que poderia, sendo a tensão psicológica transferida para o dilema da protagonista, que se vê dividida entre atração e repulsa pelo vampiro. 

O filme, portanto, funciona como uma homenagem respeitosa ao original. Bill Skarsgård, no entanto, entrega uma performance notável e com grande profundidade, que vai além do aspecto físico grotesco de seu personagem. Sua interpretação é marcada por uma sutileza inquietante, trazendo uma vulnerabilidade inesperada ao vampiro, que, apesar de monstruoso, é permeado por uma certa humanidade contida. O ator utiliza seu olhar e gestos contidos para transmitir uma sensação de constante conflito interno, equilibrando a frieza sobrenatural do personagem com uma tensão emocional que, embora nunca totalmente explícita, permeia suas ações. Skarsgård não apenas evoca a presença ameaçadora de um monstro, mas também adiciona uma camada de melancolia e desejo que torna seu vampiro mais complexo e intrigante, mesmo que menos aterrador do que sua versão original.

À medida que o filme se aprofunda nos simbolismos e rituais típicos do estilo de Robert Eggers, ele se perde em situações que, embora aparentemente bem planejadas, se revelam excessivas e artificiais. O diretor tenta adicionar camadas de profundidade à trama, mas, em vez de enriquecer a narrativa, essas tentativas acabam sobrecarregando a história, tornando-a mais confusa e menos impactante. 

Embora Eggers demonstre habilidade na composição de cenas e na criação de ambientes sombrios, seus filmes carecem de uma conexão emocional autêntica, o que resulta em uma atmosfera que se sente estagnada e sem vida. Em vez de gerar um envolvimento emocional profundo, a narrativa fica imersa em um ponto intermediário, onde a tensão se esvai, e a história perde sua força dramática.

A primeira metade do filme é marcada por diálogos longos, sotaques artificiais e um inglês inadequado à ambientação, aliado a uma iluminação sombria, o que cria uma atmosfera propensa ao tédio, embora com raros jumpscares. Já a segunda metade é mais dinâmica, com menos diálogos e maior ação, mas o inglês forçado persiste.

Nosferatu (2024) é uma homenagem visualmente impressionante ao clássico de Murnau, mas falha em ser uma reinvenção impactante. Apesar da boa atuação de Bill Skarsgård, que adiciona nuances ao personagem, o filme não consegue criar a tensão esperada. A narrativa, carregada de simbolismos e excessos estilísticos, perde força emocional, com um ritmo desigual e uma falta de conexão autêntica. No final, a obra se torna mais uma reverência ao original do que uma reinterpretação convincente.

Autor:


Meu nome é João Pedro, sou estudante de Cinema e Audiovisual, ator em formação e crítico cinematográfico. Apaixonado pela sétima arte e pela cultura nerd, dedico meu tempo a explorar e analisar as nuances do cinema e do entretenimento.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

Corpo Presente – Expressão e Liberdade dos mais Subjetivos Corpos

Corpo Presente | Embaúba Filmes


O cineasta veterano Leonardo Barcelos, resolveu embarcar, desta vez, na direção de outro documentário bastante experimental. O produtor apresenta “Corpo Presente”, filme com um tom bastante conceitual, que dialoga com as questões e pluralidades que nossos corpos podem representar na sociedade. Narrado e protagonizado pela atriz Ludmilla Ramalho, mas também com narrações de depoimentos citados em paralelo por alguns expoentes sociais brasileiros como Suely Rolnik, Ailton Krenak e Erika Hilton. O documentário é dividido em cinco atos, são eles: a pele, o outro, a natureza, as marcas e a expansão. E é a partir de cada um deles que destrincharei esse texto.

Ato 1 – A pele

“Busco saídas pra não ser devorada no meio da cartografia que desenho”, Ludmilla comenta. Nesse primeiro momento é possível perceber que a narradora expõe sobre as problemáticas das cobranças que a sociedade impõe aos nossos corpos, principalmente no que tange o feminino. Em um uma determinada cena, há uma personagem inteiramente coberta com uma espécie de algodão enquanto outro personagem vai retaliando e moldando a forma desta camada branca. Isso nos traz para um lugar onde analisamos sobre como temos sempre padrões de beleza inalcancáveis e muitas vezes tentamos nos moldar para chegar nesses parâmetros. Nossa matéria física é constantemente inferida e julgada; nossos aspectos são reduzidos, quando, na verdade, simplesmente refletem a singularidade e a diversidade de quem somos como pessoa.

Ato 2 – O outro

“É só através do outro que posso existir? Estou preso nessa imagem que fazem de mim e eles também? O mesmo processo.”

Nesse ponto a personagem se questiona como os outros são muitas vezes nossos espelhos e nos identificamos a partir de outros corpos. No início do documentário, há um plano de uma cena bem dirigida fotograficamente com um espelho numa praia de costas para o mar, como se nós, espectadores, estivéssemos nos olhando nesse objeto. Entretanto, não há reflexo de ninguém, apenas das ondas no mar desaguando na baía. Essas alegorias tanto do espelho quanto do mar interrelacionam com os reflexos que temos como ser humano e como o mar representa as infinitas possibilidades que podemos nos enxergar de si mesmo, mas também no outro. A busca pela nossa identidade é contínua, seja nos modos de nos expressarmos, como no modo de agir,vestir, andar, falar, gesticular, etc.

Nossos comportamentos e influências, muitas vezes, são pautados pelo outro, mas até onde vai esses limites de comparação? É possível sermos nós mesmos sem estarmos o tempo todo nos olhando a partir da percepção do “outro”? Sendo que provavelmente o “outro” também pode estar seguindo o mesmo padrão. São questões que precisamos repensar como indivíduos e discernir até que ponto devemos nos deixar ser enxergados por outras pessoas e por opiniões que não nos cabem, nosso corpo é apenas uma estrutura física de quem somos. Nossos pensamentos, ideias e personalidades também fazem parte do nosso corpo, é preciso levar em conta esses fatores e não nos limitarmos em relação ao interlocutor.

Ato 3 – A natureza

“A mulher é a matéria, o homem é o verbo. O homem é uma ideia e a mulher um barro que deve ser moldada”

Neste ato, a protagonista discute sobre a visão da mulher em relação ao homem, abordando sobre o viés machista e misógino que a sociedade vive. O homem, na maioria das vezes, é visto como símbolo de liderança e porta-voz, enquanto a mulher uma agente condescendente que deve seguir as regras e os comportamentos ditados por ele. Isso pode ser comprovado em diversos aspectos sociais, exemplo disso, é a questão que ocorreu recentemente no  novembro passado, na Câmara de Brasília, onde vários deputados, na maioria homens, votaram a favor da PEC 164 na  Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), com 35 votos favoráveis contra 15 opositores, essa PEC em questão pode acabar com os direitos das mulheres de interromperem gravidezes em caso de estupro, anencefalia fetal e risco de morte da gestante, lei essa que já é outorgada no 5º parágrafo da Constituição Federal. Ou seja, são direitos de corpos femininos que podem ser violados por opiniões ideológicas masculinas na esfera política.

Isso reflete em vários outros campos da sociedade, onde a mulher é inferiorizada ou questionada pelos seus atributos apenas por ser quem é, sem contar a grande taxa de feminicídio que o Brasil tem anualmente. Enquanto os políticos em atividade poderiam estar trabalhando em programas de combate à violência contra mulher que acontece em varias camadas sociais, muitos estão simplesmente debatendo sobre a redução dos direitos das mesmas.

Ato 4 – Marcas

“O corpo feminino tem essa história de violência, de Aia […] O corpo fala e expõe conflitos, se dividem em ideologias e preconceitos. Lembrar do corpo afro indígena que tem no Brasil. É preciso lembrar da ancestralidade”.

A partir deste trecho é destacado sobre os corpos que sofreram violência no passado, principalmente em peles indígenas e africanas femininas. Durante esse ato, o documentário nos mostra cenas de corpos negros e de variados pesos. As mulheres, desde os tempos de colonização eram sujeitas a várias barbáries, inclusive o estupro. Elas sempre foram vistas como um corpo apenas de reprodução ou prazer carnal. Até os tempos atuais, é possível perceber essa herança ancestral de preconceito, e analisar como muitas vezes os corpos femininos são objetificados e violados. 

Etnias indígenas, quilombolas e outros grupos de raça negra têm um histórico de exploração muito forte no país, o que acabou perpetuando em várias gerações posteriormente. Além disso, os corpos negros são os que mais sofrem repressão atualmente. Corpos negros femininos são muitas vezes sexualizados e estereotipados pela população e precisamos como cidadãos desmitificar esses estigmas e reconhecer essa violência propagada por nossos antepassados e promover discussões que viabilize essas histórias, para que, de alguma maneira, tenhamos mais consciência sobre a realidade que um corpo negro vive e já viveu no país. Não podemos ter memória curta.

Ato 5 – A expansão

“Não há limites para o corpo. Ser arquiteto da sua identidade. A construção do gênero é binária, uma cultura antiga. Cada um pode estar no lugar onde quer. Transfobia. Esses corpos são invisíveis. A sociedade precisa enxergar o lado deles. Dessa humanidade.”

A narradora expõe aqui sobre a expansão dos corpos tradicionais, sobre a ilimitada possibilidade que os corpos podem ser. Discute sobre como a sociedade desde os primórdios, implementou essa cultura da binariedade e ao mesmo invisibilizou corpos não binários. É o caso do preconceito com todos os grupos LGBTQIA+. Esses corpos sentem na pele todo tipo de discriminação infringido sobre eles, em um instante do documentário é mostrado um caso de violência que aconteceu com um corpo trans na vida real, registrado em vídeo, e não aparecia ninguém prestando assistência; é uma impunidade constante. São indivíduos que possuem inúmeras dificuldades para se inserirem na sociedade e que lutam para ter o mínimo de respeito. Ao longo desse ato, é possível ouvir em um trecho da deputada federal, Erika Hilton, que é travesti e, está sendo porta-voz em um discurso que parece ser em uma tribuna, reafirmando e conscientizando sobre a justiça e liberdade desses corpos trans.

Mesmo com tanta informação, dados científicos, pesquisas, etc., ainda é possível visualizar o quanto a população está longe de legitimar esses corpos. Exemplo disso, são as pesquisas de taxas que revelam que o Brasil é um dos países que mais matam pessoas trans no mundo. É uma luta constante que esses grupos enfrentam para serem reconhecidos e validados.

Acredito que o documentário poderia esclarecer melhor as identidades das personalidades que possuem citações, as quais são ouvidas em paralelo. Não é mostrada nenhuma imagem desses ícones, tampouco legendas para o espectador. Nem todo mundo tem consciência de quem são esses expoentes, como Suely Rolnik que é uma grande escritora e psicanalista, Ailton Krenak, um indígena e ambientalista dos mais respeitados do país, e claro, Erika Hilton, uma política muito eloquente que luta pelos direitos humanos na Câmara dos Deputados. Não há como reconhecer todos apenas por suas vozes. Creio que faltou um didatismo nesse tópico, pois temos interesse em saber quem está falando para podermos associar com a causa.

Em questão da narrativa, em alguns momentos, achei cansativa. Poderia ter um ritmo mais fluído na edição dos atos. A fotografia é muito bem trabalhada. Sobre as representações dos corpos nus, achei muito potente essa liberdade que o documentário buscou e mostra de forma crua e artística a diversidade de todas nossas matérias físicas.

Autor:


Meu chamo Leonardo Veloso, sou formado em Administração, mas tenho paixão pelo cinema, a música e o audiovisual. Amante de filmes coming-of-age e distopias. Nas horas vagas sou tecladista. Me dedico à exploração de novas formas de expressão artística. Espero um dia transformar essa paixão em carreira, sempre buscando me aperfeiçoar em diferentes campos criativos.

Mufasa: O Rei Leão – Uma Nova Origem, mas sem Reconquistar a Magia dos Clássicos

Mufasa: O Rei Leão | Disney


Prólogo do live action de Rei Leão, produzido pela Disney e dirigido por Barry Jenkins, o longa contará a história de Mufasa e Scar antes de Simba. A trama tem a ajuda de Rafiki, Timão e Pumba, que juntos contam a lenda de Mufasa à jovem filhote de leão Kiara, filha de Simba e Nala. Narrado através de flashbacks, a história apresenta Mufasa como um filhote órfão, perdido e sozinho até que ele conhece um simpático leão chamado Taka – o herdeiro de uma linhagem real. O encontro ao acaso dá início a uma grande jornada de um grupo extraordinário de deslocados em busca de seu destino, além de revelar a ascensão de um dos maiores reis das Terras do Reino.

O filme O Rei Leão (2019) recebeu críticas negativas devido à falta de expressões faciais nos animais, o que conferiu à obra um tom mais próximo de um documentário sobre a vida selvagem do que de uma animação. Embora a qualidade técnica da produção seja inegável, o realismo excessivo resultou na ausência de características emocionais nos personagens animais. Em Mufasa, somos apresentados a uma história inédita, que não foi explorada nas animações anteriores, mas que já havia sido mencionada em livros, os quais, no entanto, foram desconsiderados como parte do cânone oficial. Considerando a minha antipatia pelo filme de 2019, decidi dar uma segunda chance à nova produção devido à introdução de uma história inédita. Embora não queira me apoiar exclusivamente na nostalgia como argumento, confesso que ficaria mais inclinado a assistir se a animação fosse no estilo clássico.

O filme narra a história de Mufasa e como ele conheceu Taka, que futuramente seria conhecido como Scar, deixando claro que ambos não são irmãos de sangue, mas sim irmãos de criação. Essa abordagem difere da apresentada no livro A Tale of Two Brothers, que relata a história de Ahadi, o Rei Leão, que tinha grande afeição por seus filhos, Mufasa e Scar. Mufasa, sendo o primogênito, assumiria o trono um dia, motivo pelo qual Ahadi passava longas horas com ele, ensinando-lhe tudo o que precisaria saber. Com o tempo, Scar passou a nutrir ciúmes de Mufasa. Foi então que Ahadi quebrou uma promessa feita a Scar. Sentindo-se frustrado e consumido pelo rancor, Scar fez sua própria promessa: um dia governaria as Terras do Reino. Essa narrativa faz parte da coleção The Lion King: Six New Adventures, uma série de livros derivados, inspirados no universo de The Lion King. 

A coleção, composta por seis histórias escritas por diferentes autores, foi publicada pela Grolier Enterprises, Inc. e produzida pela Mega-Books, Inc., em 1994. Infelizmente, essa história foi negligenciada, já que o primogênito de Simba e Nala não foi mencionado nos filmes, na série animada, nem mesmo nesta produção cinematográfica. Na série animada A Guarda do Leão, a origem da cicatriz de Scar é apresentada de maneira distinta da mostrada nos livros e neste novo filme. O que decepciona os fãs da franquia, que esperavam ver os livros adaptados para o formato audiovisual, é que, embora se trate de uma adaptação, ela não ocorre da maneira desejada. A produção se afasta consideravelmente da proposta original dos livros.

A relação entre Mufasa e Taka é profundamente envolvente, mesmo com o público ciente do trágico desfecho que os aguarda. O filme constrói habilmente uma dinâmica rica entre os dois personagens, marcada por respeito mútuo e uma saudável competitividade. A tensão entre eles é visivelmente alimentada pela rivalidade, mas também pela admiração, o que acrescenta complexidade à sua interação. Embora o pai de Taka, o rei da região onde Mufasa chega, não nutria simpatia por ele no início, o filme lida com essa diferença de maneira sutil, mostrando como Mufasa é aceito e acolhido pela mãe de Taka, o que ajuda a humanizar o conflito.

O filme utiliza fanservice de maneira eficaz, agradando tanto aos fãs de longa data quanto aos espectadores que conhecem os filmes clássicos. A música tema e os easter eggs, que fazem referência a eventos futuros, são momentos de nostalgia que certamente provocam sorrisos. No entanto, em alguns casos, o fanservice parece ser uma estratégia um pouco forçada, servindo mais como uma forma de apelo fácil ao público do que como uma contribuição significativa à trama.

Ao contrário do primeiro filme, em que os animais não exibiam expressões faciais, nesta nova versão, a tecnologia avançada permite que eles mostrem emoções de forma muito mais clara e detalhada. As expressões faciais agora transmitem com maior intensidade os sentimentos dos personagens, o que aproxima o público de suas experiências e cria uma conexão emocional mais forte. Essa melhoria na animação permite que os espectadores entendam melhor o que os animais estão vivenciando.

Mufasa: O Rei Leão apresenta uma história inédita sobre Mufasa e Taka, oferecendo uma nova perspectiva sobre a origem de Scar. A animação melhorada permite expressões faciais mais detalhadas, criando uma conexão emocional mais forte com os personagens. Contudo, o filme se afasta das narrativas originais dos livros e da série animada, com fanservice que pode parecer forçado. Embora a produção traga elementos de nostalgia, ela não consegue resgatar completamente o espírito dos clássicos, deixando uma impressão mista.


Autor:


Meu nome é João Pedro, sou estudante de Cinema e Audiovisual, ator em formação e crítico cinematográfico. Apaixonado pela sétima arte e pela cultura nerd, dedico meu tempo a explorar e analisar as nuances do cinema e do entretenimento.


Sonic 3 - Shadow Chegou, Robotnik Está de Volta e a Velocidade Não Para!

Sonic 3 | Paramount Pictures

Sonic, Tails e Knuckles devem enfrentar um adversário misterioso, Shadow, o Ouriço, enquanto o Dr. Robotnik ressurge após sua derrota com um novo plano. 

Sonic, desde o lançamento de seu primeiro filme em 2020, tornou-se um dos exemplos bem-sucedidos de adaptações de jogos para o cinema. No entanto, inicialmente, seu design gerou estranhamento, o que levou a críticas do público. O estúdio, atento às reclamações, ouviu os fãs e ajustou o visual do personagem, resultando em um design mais amigável e menos realista. O primeiro filme apresentava uma premissa típica de "Sessão da Tarde", com uma criatura de outro planeta, o Sonic, e um ser humano. A conexão com os jogos estava no embate entre Sonic e o Dr. Robotnik. 

No segundo filme, os personagens humanos, que eram exclusivos da adaptação cinematográfica, foram mais afastados, a fim de dar mais espaço para o Sonic, além de Tails e Knuckles, que foram os novos personagens introduzidos no filme. No terceiro filme, os personagens humanos foram relegados a um papel secundário, mas sua reintrodução na trama ocorre de maneira mais coerente, alinhada com o desenvolvimento da história. 

Os filmes anteriores não seguiram uma adaptação literal dos primeiros jogos da franquia dos anos 90, mas incorporaram de maneira inteligente elementos que agradaram tanto aos fãs de longa data quanto ao público mais amplo. No segundo filme, por exemplo, a introdução de Tails, previamente anunciada na cena pós-créditos do primeiro longa, foi um acerto ao expandir o universo de Sonic. Além disso, o enredo traz influências de jogos como Sonic Adventure, onde o personagem chega à Terra, e Sonic Adventure 2, com o confronto entre Sonic e Shadow. 

Essas referências não apenas mantêm a essência dos jogos, mas também fortalecem a conexão dos filmes com a mitologia original de forma eficaz, agradando aos fãs sem perder a oportunidade de introduzir novos elementos e desenvolver a trama de maneira envolvente. O uso desses elementos do jogo enriquece a narrativa e mostra um respeito pela franquia, ao mesmo tempo em que a adapta de maneira criativa para o cinema.

O Shadow está impressionante, fiel aos jogos. Ele é, sem dúvida, o personagem mais icônico e complexo da franquia. Como contraparte de Sonic, Shadow compartilha habilidades semelhantes às do herói, como sua supervelocidade, além de técnicas características, como o Spin Dash. Essa técnica, que pode ser traduzida como "Ataque Giratório", consiste em o personagem se enrolar em forma de bola e se lançar rapidamente contra os inimigos, enquanto gira. Outra habilidade notável é o Homing Attack, ou "Ataque com Mira", um movimento no qual o personagem salta e, ao se aproximar de um inimigo, o ataca automaticamente, se dirigindo para ele com precisão.

Uma das principais diferenças entre Shadow e Sonic está nos tênis de Shadow, cuja origem é misteriosa, mas que possuem propulsores, permitindo-lhe até voar. Nos jogos, Shadow também utiliza armas de fogo, o que causou surpresa e até choque na comunidade na época, já que foi a primeira vez que o anti-herói foi retratado com uma arma. Essa decisão gerou um debate acalorado, com alguns defendendo que se tratava de uma evolução natural do personagem, enquanto outros consideravam isso uma tentativa forçada de tornar a série mais "adulta". No entanto, no longa-metragem, o personagem utiliza apenas um revólver, sem disparar tiros reais.

A história de Shadow nos jogos revela que ele foi criado na Colônia Espacial ARK como uma arma biológica, sendo designado "a forma de vida suprema". O objetivo principal do projeto era descobrir a fórmula da imortalidade. O Professor Gerald Robotnik, avô de Dr. Eggman, liderava as pesquisas com a intenção de usar os resultados para curar sua neta, Maria, que sofria de uma doença autoimune. No entanto, no longa-metragem, Maria, a única amiga de Shadow, não está doente, embora a tragédia subsequente seja a mesma. Quando esse arco foi adaptado no anime Sonic X, ele foi censurado ao chegar ao Ocidente. Isso fez com que o filme e o arco de Shadow adquirissem um tom mais sombrio, ao mesmo tempo em que se distanciaram da proposta original da franquia, resultando em uma obra mais obscura e dramática em comparação aos seus predecessores. 

Robotnik retorna com um visual mais fiel aos jogos. No primeiro filme, ele apresentava cabelos castanho-escuros e um bigode fino com cachos nas extremidades. No segundo filme, o personagem adotou uma aparência significativamente diferente: raspou a cabeça completamente careca, deixou seu bigode crescer de forma desleixada, mais espesso e de tom avermelhado, e seu nariz passou a exibir uma notável queimadura de sol de tom rosado-avermelhado, aproximando-se mais do visual dos jogos. No terceiro filme, o personagem ganha peso, e seu visual vai se tornando progressivamente mais fiel ao dos jogos. 

Jim Carrey continua a se destacar no papel, com suas expressões faciais e gestos caricatos característicos. Além de interpretar o próprio Robotnik, Carrey também assume o papel de Gerald Robotnik, o avô do personagem, que, de certa forma, é uma versão mais envelhecida de Robotnik, lembrando a interpretação de María Antonieta de las Nieves, que no seriado Chaves interpretava tanto a personagem Chiquinha quanto sua avó. No entanto, isso funciona devido ao tom exagerado do filme, que é essencialmente caricatural, especialmente no que se refere à interpretação do personagem Robotnik. 

Sonic 3 mantém a essência da franquia ao introduzir Shadow de forma fiel aos jogos, explorando seu passado misterioso e complexo. A trama expande o universo de Sonic com a participação de Tails e Knuckles, enquanto Robotnik retorna com um visual mais fiel aos jogos. O filme equilibra ação, humor e drama, com Jim Carrey continuando a brilhar como Robotnik. A adaptação respeita a mitologia, agradando aos fãs de longa data, ao mesmo tempo em que oferece uma experiência divertida e acessível para todos.

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Meu nome é João Pedro, sou estudante de Cinema e Audiovisual, ator em formação e crítico cinematográfico. Apaixonado pela sétima arte e pela cultura nerd, dedico meu tempo a explorar e analisar as nuances do cinema e do entretenimento.

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