quinta-feira, 3 de abril de 2025

Desconhecidos – Um estudo do Slasher

 

Desconhecidos | Magenta Light Studios

               Quando fazemos análise de filmes temos que levar em consideração que o roteiro conta a história, mas a direção decide de que maneira essa história será contada. O diretor e também escritor do filme JT Mollner ganha crédito ao saber disso, pois se não fosse pelo artifício cinematográfico de apresentar o enredo de forma não-linear – escolha muito incomum no cinema americano-, sua história não teria sabor nenhum, mas é também graças a esse roteiro não espetacular que a ordem de eventos escolhida ganha valor, colocando vários acontecimentos do filme em posição de plot twist, sendo que se contada a história de forma cronológica, não seriam surpresa nenhuma. Ou seja, não é a história em si do filme que agrada ao espectador, mas sim a escolha específica de apresentação dos eventos que o torna interessante e diferente.

               O filme começa com a personagem de Willa Fitzgerald, The Lady, já ferida, sendo perseguida pelo até então antagonista, batizado de The Demon, interpretado por Kyle Gallner. Ambas as performances são adequadas aos papéis e entregam um bom e envolvente trabalho. Porém, por conta da não-linearidade da disposição de eventos, logo descobrimos que tal perseguição se tratava de uma exagerada e vingativa legítima defesa por parte do demônio, pois a Lady era uma serial killer conhecida que não contava com os artifícios de sua mais nova vítima. 

               Após o final do filme, com a história montada na ordem cronológica, o filme acaba por perder força, pois seu único artifício interessante pesa mais na balança para o lado dessa desordem criativa de acontecimentos. A decupagem de planos parece gratuita, o roteiro é extremamente básico tendo talvez um trecho de diálogo com mais de uma dimensão, onde a criminosa admite ter medo de ser presa e morrer mesmo após todas as suas vítimas, e os simbolismos visuais, como o uso da cor vermelho para indicar a ameaça, seja com a luz, filtros ou o uso e remoção de uma peruca como indicativo de troca de posição de lugar de vítima são válidos e criativos, mas quase invisíveis no resumo da ópera.

               Uma curiosidade que vale a pena ser comentada sobre o filme é a inclusão muito à luz do dia de uma opinião não muito comumente retratada em obras atuais e certamente contrária às ondas de discussão social no audiovisual, que seria uma crítica negativa à ideia de sororidade, quando em determinado momento na metragem, a personagem Lady é encontrada pela polícia (interpretados por Madisen Beaty e Steven Michael Quesada) e finge ter sido vítima de estupro para explicar dois de seus assassinatos. A policial feminina prontamente a ajuda a se recuperar enquanto o policial masculino suspeita e obedece a parceira, relutantemente. 

              Ambos acabam mortos pela assassina do thriller mas não sem antes ouvirmos o personagem de Quesada chamar sua colega de profissão de, e eu cito - "vadia estúpida". Fazendo essa cena, somada ao contexto do próprio filme nos fazer pensar que Lady inicialmente é uma vítima, tornar um comentário do tipo "o crime não tem rosto e é necessário tomar cuidado com tudo" parecer mais como "sororidade é estúpido e pode te matar". Certamente uma jogada crítica corajosa, apesar de extremamente retrógrada e reduzida a uma piada.

               Desconhecidos agrada pelo que se vende a ser, um thriller/slasher e garante divertimento no decorrer da obra, mas ao sair da sala de cinema, tende a cair no grande vale do esquecimento, se prestando a ser uma sangrenta viagem só de ida.

              Autor:


Henrique Linhales, licenciado em Cinema pela Universidade da Beira Interior - Covilhã, Portugal. Diretor e Roteirista de 6 curta-metragens com seleções e premiações internacionais. Eterno pesquisador e amante do cinema.

Abá e sua Banda - Entre Músicas, Frutas e Revolução, A Política Nunca Foi Tão Animada!

Abá e sua Banda | Globo Filmes


Abá é um jovem príncipe em conflito com seus sonhos musicais e suas responsabilidades. Após romper com o pai, ele foge para se apresentar no Festival da Primavera ao lado dos amigos e descobre os planos de seu tio para acabar com a diversidade de Pomar.

A animação ensina política para as crianças por meio de uma analogia que compara o reino a uma cidade ou país. Nesse cenário, a população está revoltada com o governante devido às suas ações autoritárias, injustiças ou falhas na administração. A resistência, composta por cidadãos comuns e grupos organizados, busca derrubar esse governante para promover mudanças e garantir mais direitos e liberdade para todos. No entanto, a lição que Abá transmite vai além da simples abordagem de revoltas ou revoluções. 

Ele ensina às crianças que, para que a mudança seja realmente positiva, é necessário compreender as razões por trás da insatisfação. A política não se resume apenas a quem ocupa o poder, mas a como esse poder é exercido e quais valores ele promove. O filme também destaca a importância de cuidar do planeta e respeitar todos os seres vivos ao nosso redor, transmitindo a mensagem de que o meio ambiente é fundamental para nossa sobrevivência e bem-estar. Além disso, enfatiza a necessidade de união para que a sociedade evolua, mostrando que colaboração e solidariedade global são essenciais para resolver os desafios que enfrentamos.

O título Abá e sua Banda sugere que o protagonista faz parte de uma banda musical, indicando que o filme se insere no universo da música. Para os fãs desse gênero, o longa traz referências a bandas, frequentemente acompanhadas de trocadilhos relacionados a frutas. No entanto, como filme musical, ele acaba deixando a desejar ao não apresentar uma melodia marcante, com uma trilha sonora que, infelizmente, se revela bastante esquecível. 

A única música que realmente me agradou foi O Rap dos Rebeldes. Essa faixa é um manifesto dos jovens rebeldes que, por meio das rimas e da batida, expressam suas dificuldades, as injustiças que percebem ao seu redor e seus sonhos de mudança. Toca em temas como liberdade, igualdade e resistência ao sistema — conceitos comuns no rap, mas também apresenta uma abordagem de resistência positiva, que foca no poder da união e da ação coletiva. 

O estilo de rap se torna uma poderosa forma de expressão das angústias e desejos dos personagens. Suas rimas abordam questões como a rebeldia contra normas opressoras, a busca por um mundo melhor e a valorização de uma juventude que se une para transformar a realidade ao seu redor. O Rap dos Rebeldes não é apenas uma música, mas um símbolo do movimento dos protagonistas, que, como membros de uma banda, utilizam a música como forma de protesto e, ao mesmo tempo, como um meio para conscientizar outros jovens sobre o poder da união e da transformação. A canção reforça o tema central da animação: a importância de lutar pelos próprios ideais, mesmo que isso signifique ir contra a corrente.

O estilo visual da animação é amplamente inspirado na arte indígena brasileira. Isso se reflete nas formas geométricas simples, padrões simétricos e o uso de linhas orgânicas e fluidas. As ilustrações de personagens e cenários fazem uso de uma paleta de cores vivas e saturadas, que lembram as tintas e pigmentos naturais usados pelas culturas indígenas para pintar corpos e artefatos. Os traços são muitas vezes arredondados e orgânicos, com algumas representações de personagens que possuem características estilizadas que lembram as pinturas corporais e as esculturas tradicionais das tribos. As formas dos personagens são simplificadas e destacam-se pela estilização, sem perder a essência cultural e simbólica. 

A animação utiliza uma paleta de cores quentes e intensas, dominadas por tons de laranja, vermelho, amarelo e verde, representando tanto o calor tropical do Brasil quanto as cores vibrantes da natureza. A paleta é pensada para evocar a energia da terra e da floresta, com destaque para os cenários naturais, como as florestas tropicais e rios, que são representados com tons de verde e azul em harmonia. A paleta de cores também varia de acordo com as emoções e momentos da história. Durante cenas mais agitadas ou de crescimento, as cores são mais saturadas e intensas. Já em momentos mais introspectivos ou reflexivos, há um uso mais suave de tons pastéis e sombras mais suaves.

Abá e sua Banda é uma animação que aborda temas como política, resistência e preservação ambiental de forma educativa. A obra transmite importantes lições sobre união, transformação social e o cuidado com o meio ambiente, convidando as crianças a refletirem sobre a importância da colaboração e da justiça. Ao entrelaçar esses valores, a animação se estabelece como uma poderosa ferramenta para sensibilizar as novas gerações sobre a responsabilidade coletiva e o impacto das escolhas individuais na construção de um futuro mais justo e sustentável.

Autor:


Meu nome é João Pedro, sou estudante de Cinema e Audiovisual, ator em formação e crítico cinematográfico. Apaixonado pela sétima arte e pela cultura nerd, dedico meu tempo a explorar e analisar as nuances do cinema e do entretenimento.

Código Preto - Novos Filmes sobre Espionagem são sempre Bem-vindos

Código Preto | Universal Studios


Novos filmes sobre espionagem são sempre bem-vindos. O estilo, que se reinventa a cada obra, não se resume apenas a “007”, “Missão Impossível”, Hitchcock, e afins. Vemos uma gama intensa, atualmente, de longas-metragens que trazem novidades para a categoria que, se não cuidada primorosamente, pode soar piegas. “Código Preto”, de Steven Soderbergh, lançado há pouco tempo, é um dos exemplos de thrillers que mais acrescentam do que reduzem.

George (Michael Fassbender) é um espião casado com Kathryn (Cate Blanchett). Em um matrimônio tranquilo e cheio de carinho, ambos mantém seus próprios segredos, visto que a mulher atua na mesma profissão. Entretanto, quando George se vê diante da tarefa de descobrir um traidor e delator inserido em seu meio de trabalho, Kathryn é uma das principais suspeitas. Não apenas ela; alguém próximo foi responsável por vazar informações importantes destinadas apenas à inteligência. Resta, então, adentrar em um jogo de gato e rato sofisticado, eloquente e até divertido aos olhos dos demais.

Em “Código Preto”, é necessário paciência. Enquanto as camadas dos personagens se desdobram, o espectador é conduzido através de cenas longas, focadas somente nos diálogos afiados e duvidosos, amarradas por uma tensão constante. Junto de Kathryn e George, outros possíveis criminosos são apresentados, como a psicóloga Zoe (Naomie Harris), o companheiro de profissão do casal, James (Regé-Jean Page), e a jovem Clarissa (Marisa Abela). A princípio, ninguém é confiável, e a cautela apresentada nas cenas, a exemplo de uma ambientada no jantar frequentado pelos suspeitos, reverbera o clima de questionamento, procurando instigar cada vez mais o público.


Andando ao lado da atividade de detetive impregnada em George, existe seu casamento com Kathryn. Fassbender e Blanchett, aqui, exibem uma dupla apaixonada tanto por seu parceiro quanto por seus mistérios, não abrindo mão de ares questionáveis inclusive de seu caráter. Os atores, então, hiperdimensionam a personalidade de suas figuras, trazendo ao filme uma profundidade que preza pelo benefício da dúvida a todo momento. Não obstante, os demais personagens nunca demonstram uma única face, o que é sustentado pelo ótimo elenco, aparentemente escolhido a dedo. 

Steven Soderbergh, como já havia provado em seus longas anteriores, detém a capacidade de conduzir de forma classuda, direta e provocativa, histórias que, em tese, parecem simples e clichês. Não é revolucionária a ideia de abordar falhas na inteligência britânica, porém, o corpo que o diretor dá à obra, condensando enigmas que confundem a mente a todo passo dado pelos protagonistas, transforma a experiência de assistir ao filme, inquietante ao passo que é silenciosa. O tom mais quente e estático da fotografia, além disso, combina com a diretiva mensagem de que não se pode confiar em ninguém.


“Código Preto” é capaz de ser tido como uma boa surpresa para o universo dos thrillers de espionagem, dada a boa gerência da produção, que conta ainda com um elenco afiado e comprometido em embolar os pensamentos de quem o vê sem fazer um esforço grandioso. O que o faz monumental, entretanto, é a qualidade da maneira que a trama simples é contada, sendo Cate Blanchett e Michael Fassbender as cerejas do bolo de uma narrativa sedutora e de prender a atenção. Nisso tudo, quem se deleita com um presente, é o espectador. 


Autora:


Laisa Lima 

25 anos, formada em cinema, roteirista, crítica, videomaker e moradora do Rio de Janeiro, minha paixão pelo cinema transcende as telas. 
De “Guarda-Chuvas do Amor” até “Laranja Mecânica”, meu amor pela arte não se prende a nenhum gênero, mas sim ao que me toca. 
Também sou apaixonada pelos pormenores da vida, que se apresentam sem nenhum roteiro. 
Logo, imaginação não falta em mim. 
Sou de tudo um pouco, e procuro sempre expor minha versão mais democrática, que enfrenta a realidade com a maior criatividade possível.



terça-feira, 1 de abril de 2025

Onda Nova - Sexo, drogas, futebol feminino e quebra de tabu

Onda Nova | Vitrine Filmes


Sinopse: ONDA NOVA, 1983, é uma comédia erótica e anárquica que reúne histórias das jogadoras do Gayvotas Futebol Clube, um time de futebol feminino recém-formado em plena ditadura militar, no ano em que o esporte foi regulamentado no Brasil, depois de ter sido banido por 40 anos. Com o apoio de renomados jogadores da época como Casagrande, Pitta e Wladimir, elas enfrentam os preconceitos de uma sociedade conservadora. Paralelamente, lidam com seus problemas pessoais e familiares, e se preparam para um simbólico jogo internacional contra a seleção italiana.

Após sua primeira exibição na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em 1983, Onda Nova foi censurado pela ditadura militar, por ser considerado “subversivo e amoral”. Dessa forma, estreou apenas quarenta e dois anos depois de sua produção, o que diz muito sobre o passado e o presente. Em uma época de ascensão da extrema direita, temas como os retratados no filme correm o risco de serem suprimidos novamente.  


Sob direção de José Antonio Garcia e Ícaro Martins, o elenco conta com nomes como Wladimir Rodrigues dos Santos, Walter Casagrande e Olívio Pitta, ícones da Democracia Corintiana, além do narrador Osmar Santos e de Caetano Veloso, figura fundamental na oposição à ditadura, especialmente no meio musical.  


Nesse contexto, somos apresentados ao Gayvotas Futebol Clube, um time fictício de futebol feminino carioca, treinado por Casagrande. Gradualmente, o filme nos introduz aos personagens, suas vidas e dilemas. Se, por um lado, o simples fato de retratar o futebol feminino já era considerado problemático e transgressor para a época, o longa vai além ao abordar temas como sexualidade, consumo de drogas, aborto e não monogamia, tudo de maneira explícita e sem pudores. O próprio nome do time, “Gayvotas”, já carrega uma sátira por si só.  


Há quem diga que as cenas de sexo em Onda Nova são excessivas e despropositadas, mas é essencial considerar o contexto em que o filme foi realizado e sua ressonância até os dias atuais. Em uma sociedade onde a vida era restringida por limites arbitrários e uma moralidade imposta que não tolerava certas pautas, o longa surge com a proposta de romper totalmente com o que era considerado aceitável e resgatar o imaginário de uma juventude liberal, que desafia os pais e tem sua própria maneira de enxergar o mundo.  


Entre as discussões levantadas pelo roteiro, uma das mais presentes é o espaço que as mulheres ocupam. Um dos melhores exemplos disso é a personagem Lilli (Cristina Mutarelli), goleira do Gayvotas, que corta o cabelo curto, beija meninas e tem diversos atritos com sua mãe (Patrício Bisso), interpretada por um ator de traços grosseiramente masculinos. Essa escolha reforça um contraponto, promovendo uma “inversão de papéis” e desmistificando os rótulos sociais.  


Nos aspectos técnicos, o longa se destaca pela direção de fotografia excepcional, que capta belos planos da vida urbana noturna do Rio de Janeiro, além de criativas passagens oníricas que, ora comunicam uma mensagem objetiva, ora apenas “viajam”. Em linhas gerais, Onda Nova não é um filme que agradará a todos os públicos, mas levanta debates importantes e contemporâneos de maneira engenhosa e ousada, além de oferecer uma experiência desafiadora e provocativa para aqueles dispostos a abrir a mente para sua proposta.  


                                                              Autor:


Mateus José é graduando de Licenciatura em Cinema e Audiovisual pela UFF, escritor, poeta, montador e aspirante a diretor de fotografia. Apaixonado pelas artes, literatura, música e principalmente o cinema, dedica-se a consumir, estudar e dissecar as camadas mais profundas do cinema e da arte.



Milton Bituca Nascimento - Um Tributo Em Vida ao Grande Músico Brasileiro

 

Milton Bituca Nascimento | Gullane Filmes

O documentário do grande cantor e compositor brasileiro, Milton Bituca Nascimento, homenageia o astro ainda em vida e mostra como sua música atravessou fronteiras e conquistou milhares de fãs ao redor do mundo. Seus versos líricos e ritmos inconfundíveis foram inspiração para diversos cantores, inclusive no âmbito do jazz, onde o músico tem fortes raízes e influenciou uma geração de instrumentistas que se admiraram com suas músicas e arranjos excepcionais.

No último dia 2 de fevereiro, Milton passou por uma grande polêmica na 67ª edição do Grammy. O cantor estava indicado na categoria de Melhor Álbum de Jazz com Vocal, em parceria com a cantora americana Esperanza Spalding. Entretanto, Milton não teve um lugar reservado no salão principal ao lado de Esperanza na cerimônia em Los Angeles. Isso repercutiu mundialmente e muitos se perguntaram como um cantor desse calibre e um ícone da música brasileira teve um assento negado ao lado de Esperanza, que apareceu com um cartaz com a foto de Milton em protesto, escrito: "Esta lenda viva deveria estar sentada aqui."

Esperanza também é uma das convidadas que aparece no documentário reverenciando o grande Bituca. Ao lado dela, vários expoentes da música brasileira também surgem, como: Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Djavan, entre outros. Narrado pela incrível Fernanda Montenegro, o filme reflete o impacto que Milton causou em vários artistas e seus fãs ao longo de sua carreira. Se no Grammy o cantor foi completamente esnobado, aqui ele brilha e tem sua voz escutada, além de suas músicas totalmente contempladas.

Todavia, o documentário tropeça em alguns momentos, como, por exemplo, no saudosismo exacerbado sobre a figura de Bituca. É fato que o cantor é um dos maiores compositores e multi-instrumentistas do país, mas quando se tem tantas reverências e elogios em torno da figura do cantor mineiro, acaba-se saturando esse ponto de vista e transparecendo uma competição de quem o homenageia da melhor forma.

O documentário não se preocupa em mostrar as dificuldades que Milton enfrentou em sua carreira, suas decepções, seus álbuns que não tiveram grande repercussão. Em uma obra como essa, é importante sabermos não apenas seus pontos altos, mas também seus baixos. Isso, de certa forma, acaba humanizando mais ainda o artista.

Além disso, a narração de Fernanda Montenegro se torna um tanto problemática em certos trechos. A extensão de seu discurso acaba se alongando e tornando-se cansativa. Em um instante, ela narra enquanto um dos convidados está conversando com Milton Nascimento, e não entendemos o que eles estão de fato dizendo. A edição não se atentou a esse problema e acabou se enrolando nessa questão.

O filme também se limita a demonstrar tantos cantores norte-americanos citando a inspiração que Milton trouxe para suas carreiras. Acredito que esses registros foram coletados durante a turnê mundial que Bituca realizou quando passou pelos Estados Unidos. Entretanto, Milton Nascimento foi referência musical para muito além de outros países, não apenas nos Estados Unidos. Ainda assim, é interessante perceber como seu repertório no estilo jazz contribuiu tanto para o cenário musical da região.

O ícone da música popular brasileira tem seu devido tributo representado neste documentário. Apesar de a película não destacar outros momentos da carreira do cantor e apontar outros lados que também são pertinentes para entendermos a trajetória de Milton, como suas inspirações, sua busca por reconhecimento, a escolha de gravadoras. O filme, contudo, cumpre seu papel em retratar a grandeza de suas músicas e o afeto de tantos amigos e familiares que foram tocados por sua arte ao longo de gerações. Uma pena para o Grammy, que não soube reconhecer esse artista legendário.


Autor:


Meu chamo Leonardo Veloso, sou formado em Administração, mas tenho paixão pelo cinema, a música e o audiovisual. Amante de filmes coming-of-age e distopias. Nas horas vagas sou tecladista. Me dedico à exploração de novas formas de expressão artística. Espero um dia transformar essa paixão em carreira, sempre buscando me aperfeiçoar em diferentes campos criativos.

segunda-feira, 31 de março de 2025

Resgate Implacável - Quando a Ação é Previsível, mas o Carisma é Explosivo!

Resgate Implacável | Warner Bros. Pictures


Levon Cade deixou para trás uma carreira militar condecorada nas operações secretas para viver uma vida simples de trabalho na construção civil. No entanto, quando traficantes de pessoas sequestram a filha de seu chefe, sua busca para trazê-la para casa revela um mundo de corrupção muito maior do que ele jamais poderia ter imaginado.

Jason Statham, que ganhou destaque no cinema de ação com Carga Explosiva (2002) de Louis Leterrier, tem mais de 20 anos de carreira. Durante esse tempo, trabalhou com diretores como Michael Mann, interpretou vilões, integrou a franquia Velozes e Furiosos e teve um spin-off de Velozes & Furiosos. O ator é parecido com Liam Neeson, devido ao tipo de papéis que ambos passaram a interpretar ao longo de suas carreiras, especialmente em filmes de ação. Assim como Neeson, que se tornou famoso por interpretar personagens mais maduros, durões e em busca de justiça (como na franquia Busca Implacável), Statham seguiu um caminho similar, estrelando filmes de ação em que seu personagem geralmente é um homem implacável em situações de alto risco. Ambos, com o tempo, foram associados a esse tipo de herói de ação mais envelhecido, mas igualmente eficaz, o que gera a comparação entre eles.

O filme falha em trazer qualquer inovação significativa, tanto na história quanto na ação, caindo na armadilha da previsibilidade. A trama segue um caminho já explorado em diversos filmes de ação, sem oferecer algo de novo ou surpreendente. No entanto, o verdadeiro ponto forte da produção é Jason Statham, que consegue dar vida ao seu personagem com sua presença carismática e peculiar. Ele mistura sua força física imponente com um ar de mistério, criando uma sensação de que seu personagem, embora pareça estar agindo por impulso, sempre está controlando a situação. Ele também é habilidoso em usar objetos ao seu redor para criar armadilhas e manipular gadgets de forma engenhosa, algo que acrescenta um toque de complexidade ao personagem. 

Sua performance é recheada de traços que os fãs adoram, como a voz rouca, os movimentos contidos e as frases curtas, frequentemente salpicadas com um humor irônico. Esse estilo, que é praticamente sua marca registrada, realmente prende a atenção no início, oferecendo uma dinâmica interessante para quem espera esse tipo de personagem. 

No entanto, à medida que a trama avança e o personagem entra de fato em ação, o filme perde força. A repetição dos mesmos elementos e a falta de evolução no enredo fazem com que a intensidade da história diminua. O filme, que começa com um ritmo envolvente, se arrasta quando se torna mais previsível e segue os clichês do gênero, fazendo com que o espectador perca o interesse. No fim, o carisma de Statham não é suficiente para manter o nível de emoção e empolgação que o filme tenta criar.

O clichê, por si só, não é necessariamente um ponto negativo, desde que seja bem explorado. No entanto, aqui, sabendo exatamente o que vai acontecer a cada momento, a experiência perde um pouco da graça e a previsibilidade acaba prejudicando o envolvimento. Não diria que não gostei do filme — pelo contrário, achei-o extremamente divertido. Contudo, ele não consegue alcançar o nível de excelência que poderia, ficando aquém do que poderia ser.

Resgate implacável embora divertido, cai na previsibilidade e falta de inovação. A trama segue clichês do gênero, o que prejudica a experiência, apesar da presença marcante de Jason Statham, que dá vida a um personagem carismático e imbatível. Seu estilo único mantém o interesse nos primeiros momentos, mas à medida que a história avança, ela se torna monótona. No fim, o filme não alcança seu potencial máximo, ficando abaixo das expectativas de um grande sucesso.

Autor:


Meu nome é João Pedro, sou estudante de Cinema e Audiovisual, ator em formação e crítico cinematográfico. Apaixonado pela sétima arte e pela cultura nerd, dedico meu tempo a explorar e analisar as nuances do cinema e do entretenimento.

quarta-feira, 26 de março de 2025

Presença - Soderbergh navega entre Tensão, Drama e Planos Sequências

Presença | Neon

O novo lançamento do diretor Steven Soderbergh mostra uma direção mais contida, mesmo sendo certa parcela de sua obra em pequenos planos sequências, utilizando uma trama convencional. A utilização de uma trama convencional do gênero de drama e terror espiritual não é uma problemática aqui, até porque se formos colocar a reutilização de tramas como um termômetro a nossa visão sobre os últimos anos para o cinema seria algo bem pessimista. A ideia de como Soderbergh conduz a ideia da presença espiritual em meio a uma família americana disfuncional por inúmeras questões, é o chamariz principal para o filme chamar a atenção do espectador.

Uma história sendo contada pelo ponto de vista desse ser que se encontra na residência e a utilização dos planos sequências para a obra consegue desenvolver uma boa tensão sobre tudo que acontece naquele espaço. Acredito que a capacidade técnica de Soderbergh compensa a falta de desenvolvimentos propostos na própria trama, aqui se encontra temas como divórcio, luto, drogas, manipulação, entre outros, e muitos são só "pontos" para trazer mais dramaticidade para a narrativa, mas não tendo uma função realmente útil em meio à tensão e ao drama final proposto. 

A forma em como Soderbergh trabalha tal figura presente de forma espiritual é madura até a sequência final onde a obra explica sem necessidade quem é tal figura. Enquanto ele como enigma, funcionava perfeitamente como causa de ansiedade e interesse do espectador, sendo um dos elementos que fazia a tensão da obra ser criada de forma efetiva. O enigma funciona também na jornada do personagem Ryan, que tem uma atuação surpreendente de Mulholland como antagonista, sendo uma surpresa positiva no meio dos pontos dramáticos soltos pelo diretor. 

A trilha sonora do filme acaba sendo evasiva em certas sequências, além de não acrescentar muito a dramaticidade exigida em certos momentos da trama onde acontece discussão entre os pais e os irmãos. A jornada do irmão do protagonista afeta o produto final por conta de como o roteiro desenvolve a sua figura como algo bastante problemático. Existe em sua resolução uma tentativa de perdão por parte do espectador que é pouco funcional, até por ser um filme curto e que não deixa muito espaço para se conectar aos personagens. 

O trabalho de fotografia aqui é um fator que chama atenção pela calma e execução que os planos acontecem, contando também pelo ensaio de câmera com os atores que consegue ser uma facilitação simples de espectador com personagem, mas sem parecer algo apelativo. O trabalho dos atores Lucy Liu e Chris Sullivan como os pais funciona a medida do que é permitido por Soderbergh, que cria uma atmosfera melodramática entre os personagens e sobre o futuro de seu casamento, mas que o roteiro, junto com a direção, decidem não dar mais espaço para facilitar a finalização da narrativa. 

A maior problemática da obra se encontra em ser um filme básico que se perde em qualquer momento que tentar seguir alguma linha fora do proposto, como dito anteriormente. Funciona a ideia de um ser desconhecido estar na casa e ser um mero espectador de uma família que tem seus problemas, mas quando chega o momento de dar espaços aos seres humanos se torna uma mistura de drama adolescente e familiar carregados de conflitos sem solução. A forma de desenvolvimento narrativo em cada uma das sequências, de forma picotada, parece intuito de Soderbergh em fazer um filme conforto para espectadores de Tiktok. 

Acaba que no final das contas, é um filme que se mantém na risca de ser uma obra simples com certa parcela de drama efetiva. Mas não foge de fazer parte da cinematografia de Soderbergh como mais um produto vendável e esquecível onde a técnica simples se torna um dos chamariz para não diminuir sua obra, mais do que a própria se diminui.  

TEXTO DE ADRIANO JABBOUR. 

Telefone Preto 2 - Do Suspense Psicológico para a Hora do Pesadelo

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