segunda-feira, 19 de maio de 2025

Caiam As Rosas Brancas - Quando o erotismo encontra o misticismo, mas ambos se perdem no caminho para São Paulo

Caiam As Rosas Brancas | Boulevard Filmes


No filme Caiam as rosas brancas! acompanhamos Violeta, uma jovem cineasta, durante a produção de um filme pornô lésbico. Com o sucesso de uma versão amadora filmada pelo seu grupo de amigas, ela é convidada a dirigir uma versão capaz de atingir o grande público. O orçamento e ideias já defendidas transformam a narrativa e Violeta precisa fugir com sua equipe de Buenos Aires para São Paulo, no intuito de ampliar suas percepções e realizar uma verdadeira obra de arte.

O filme tem início ancorado no erotismo e na estética do road movie. O erotismo em questão recorre a representações superficiais e estereotipadas do desejo lésbico, transformando-o em uma ferramenta de exploração visual que muitas vezes se distancia de uma representação autêntica e multifacetada da experiência lésbica. As personagens são apresentadas de maneira hipersexualizada, o que resulta na criação de figuras que se reduzem a objetos de desejo, em vez de personagens complexas e tridimensionais. 

As cenas, em sua maioria, parecem mais focadas em provocar uma reação visual imediata do público do que na construção de vínculos afetivos genuínos e profundos. Ao invés de explorar as nuances das relações lésbicas, o filme adota uma abordagem simplista que não vai além do erotismo gratuito, tratando o desejo como algo superficial e descartável. A falta de uma elaboração psicológica sólida nas interações entre as personagens é notável, pois as relações não são construídas com profundidade emocional ou intimidade real, mas sim como uma forma de alimentar uma narrativa visual que se baseia em um apelo sensorial imediato.

Embora a fusão entre erotismo e misticismo seja proposta de maneira intrigante, o filme acaba por cair em uma fórmula previsível, onde a busca por simbolismos e metáforas acaba obscurecendo a clareza da narrativa. Ao tentar integrar essas camadas sensoriais e espirituais, a obra por vezes se perde no excessivo misticismo, transformando eventos e situações cotidianas em algo excessivamente criptografado, o que pode alienar o público e gerar confusão. 

A ideia de um realismo fantástico, onde o real e o imaginário se entrelaçam, poderia ter sido mais explorada de forma coesa, mas muitas vezes se vê um desequilíbrio entre a profundidade dos símbolos e a falta de uma trama sólida, resultando em uma experiência que, ao invés de cativar, acaba por parecer forçada. Além disso, o misticismo, que deveria emergir como uma extensão natural das experiências internas das personagens, acaba por parecer uma tentativa de dar profundidade a uma história que, no fundo, carece de substância e desenvolvimento emocional genuíno. O filme, ao final, mais parece um emaranhado de imagens e sensações, mas com pouca relevância ou impacto real.

As escolhas visuais revelam-se especialmente agradáveis, evocando com sutileza um estilo intimista e sensorial que convida o espectador a uma experiência mais emocional e contemplativa. A trilha sonora, por outro lado, percorre uma dinâmica marcante, alternando passagens de silêncio denso e contemplativo com explosões inesperadas de sons orgânicos e dissonantes. Essa oscilação sonora não apenas acompanha, mas amplifica o turbilhão emocional vivido pelas personagens, funcionando como uma extensão sensível de seus estados internos. Sendo capaz de sugerir nuances psicológicas e criar atmosferas de tensão, introspecção ou desconforto, dependendo da intensidade e da textura musical empregada.

Caiam as rosas brancas! se apresenta como um filme com grandes ambições, mas que se perde em suas tentativas de unir erotismo, misticismo e sensações visuais de maneira coesa. Embora a proposta de explorar o desejo lésbico através de uma lente erotizada e superficial seja um ponto de partida interessante, a obra não consegue ir além dos estereótipos e da exploração visual, negligenciando a profundidade emocional e a complexidade das relações humanas. A tentativa de integrar o misticismo e o realismo fantástico, ao invés de enriquecer a narrativa, acaba por obscurecer a clareza da história, resultando em uma experiência confusa e desconectada.


Autor:


Meu nome é João Pedro, sou estudante de Cinema e Audiovisual, ator e crítico cinematográfico. Apaixonado pela sétima arte e pela cultura nerd, dedico meu tempo a explorar e analisar as nuances do cinema e do entretenimento.

quarta-feira, 14 de maio de 2025

Premonição 6: Laços de sangue - Morte, Família e o Mortal 'Deja Vu'

Premonição 6: Laços de Sangue | Warner Bros. Pictures


Na década de 1960, uma avó prevê o desabamento de um prédio e salva um grupo de pessoas de uma morte certa. Décadas depois, sua neta começa a ter visões semelhantes sobre o destino fatal de seus familiares.

No primeiro filme, um grupo de estudantes escapa da explosão de um avião após o protagonista ter uma visão premonitória do desastre. Na sequência, motoristas e passageiros evitam um engavetamento fatal em uma rodovia graças a uma nova antecipação da tragédia. O terceiro longa acompanha jovens em um parque de diversões, salvos momentos antes de um acidente mortal em uma montanha-russa. Já no quarto capítulo, o desastre ocorre durante uma corrida automobilística, colocando em risco a vida dos espectadores.

No quinto filme, a catástrofe se dá com o colapso de uma ponte suspensa, também previsto momentos antes. Agora, no sexto título da franquia, uma estudante universitária começa a ter pesadelos intensos relacionados a um acidente ocorrido nos anos 60, envolvendo sua avó. Ao retornar à cidade natal, ela descobre que a Morte está à espreita de sua família. Determinada a interromper a sequência de fatalidades, ela precisa encontrar uma maneira de romper o ciclo antes que seus entes queridos sejam tragicamente levados.

Premonição é uma franquia que, na minha opinião, parte de uma premissa interessante, mas nunca conseguiu explorá-la com a profundidade ou consistência necessárias. Frequentemente, os filmes apresentam falhas de roteiro e ignoram regras previamente estabelecidas. Um exemplo notável acontece no terceiro filme, onde a causa do acidente na montanha-russa seria uma câmera derrubada por um dos passageiros, que acaba provocando a tragédia. No entanto, após a protagonista ter uma visão e sair do brinquedo junto com os amigos — incluindo o rapaz responsável pela câmera — o desastre ainda ocorre, o que contradiz a lógica do enredo e prejudica a consistência narrativa. Contudo, neste novo capítulo da saga, os realizadores entregam o melhor filme da franquia até o momento.

As mortes continuam repletas de humor ácido e criatividade, características que se tornaram marcas registradas da série. Embora a fórmula tenha começado a se mostrar cansativa em alguns momentos, este capítulo consegue renovar o interesse ao brincar com as expectativas do público. Em certos pontos, a narrativa leva o espectador a acreditar que algo trágico está prestes a acontecer, apenas para subverter a situação de maneira inesperada. Esses truques bem executados ajudam a manter a tensão e a surpresa, mesmo para quem já está familiarizado com os padrões da franquia.

Embora Premonição não se encaixe diretamente no gênero slasher — já que não há um assassino visível atrás das vítimas — ela adota muitos dos elementos típicos desse tipo de filme. Nos capítulos anteriores, é comum a presença de personagens estereotipados, como o atleta musculoso, o nerd inseguro, a patricinha fútil, entre outros. Embora essa abordagem seja eficaz para rapidamente estabelecer os perfis dos personagens, ela acaba reforçando clichês já bastante explorados no cinema de terror.

No entanto, neste novo capítulo, a trama tenta se distanciar desses estereótipos, concentrando-se em uma família que luta para escapar do destino trágico traçado pela Morte. Essa mudança adiciona um tom mais emocional à história, criando um senso maior de urgência e profundidade nos laços entre os personagens. Ao invés de apenas esperar pelas mortes criativas — que são a marca registrada da franquia — o público se vê mais envolvido com a busca por respostas e a proteção daqueles que se amam. Essa abordagem, se bem aproveitada, pode representar um novo fôlego para a franquia.

Premonição 6 se afasta habilidosamente dos estereótipos tradicionais do gênero ao priorizar a dinâmica familiar, oferecendo, além das mortes criativas que já são marca registrada da franquia, uma profundidade emocional que enriquece a trama. A capacidade do filme de subverter expectativas e manter a tensão, mesmo para os fãs que já estão acostumados com os padrões da série, é um dos elementos que o distingue. Se essa abordagem for bem explorada, a franquia pode encontrar um novo fôlego, transformando-se em algo mais do que uma sequência de tragédias – em uma história envolvente sobre destino, família e a luta contra a inevitabilidade.

Autor:


Meu nome é João Pedro, sou estudante de Cinema e Audiovisual, ator e crítico cinematográfico. Apaixonado pela sétima arte e pela cultura nerd, dedico meu tempo a explorar e analisar as nuances do cinema e do entretenimento.

segunda-feira, 12 de maio de 2025

Ouija: Origem do Mal - O feitiço virou contra o feiticeiro

Ouija: Origem do Mal | Universal Pictures


Quando se trata de horror sobrenatural, é quase impossível não pensar em Mike Flanagan, responsável por títulos como A Maldição da Residência Hill (2018), A Maldição da Mansão Bly (2020) e, mais recentemente, a adaptação do clássico conto de Edgar Allan Poe, A Queda da Casa Usher (2023). Apesar de todos esses sucessos, o filme que irei analisar hoje é anterior à concepção desses projetos. Com direção, roteiro e montagem de Mike Flanagan, trago Ouija: Origem do Mal (2016).

O longa inicia-se nos apresentando a Alice Zander (Elizabeth Reaser), uma vidente que realiza uma sessão com um pai e sua filha em busca de contato com a falecida mãe da garota, esta, mais cética que o pai. A sessão é interrompida por algo que, à primeira vista, parece ser a manifestação de uma entidade. No entanto, logo após a saída dos clientes, descobrimos que todos os eventos sobrenaturais não passavam de uma encenação elaborada por Alice e suas filhas, Paulina Zander (Annalise Basso) e Doris Zander (Lulu Wilson), a caçula. Esta é a forma que a mãe encontrou de sustentar a família após a morte do patriarca. Essa introdução é muito eficaz, pois gera tensão logo nos primeiros minutos, quebra expectativas e apresenta a história e os personagens de maneira instigante e inusitada.

Por algum tempo, o filme foca em mostrar a relação entre mãe e filhas, sua rotina e como a ausência do pai afeta essa dinâmica, gerando uma conexão emocional entre o espectador e os dramas da família. A trama toma rumos ainda mais interessantes quando, em uma festa, Paulina tem contato com um tabuleiro Ouija. Apesar da expectativa de algo imediato, Flanagan brinca novamente com a ansiedade do espectador, distribuindo pistas sem revelar o destino da narrativa. Durante o jogo, nada acontece, mas logo em seguida vemos Doris sofrendo bullying na escola por conta do trabalho da mãe. Na sequência, Alice compra um tabuleiro Ouija. Essa ordem de eventos não é aleatória: a montagem brinca com a percepção do espectador e conecta os elementos de forma tão sutil que pode passar despercebida por olhos menos atentos.

À medida que o filme avança, Alice tenta interagir com o tabuleiro, sem sucesso. No entanto, vemos que a manifestação ocorre através de Doris, que está no quarto com Paulina. Até então, tudo bem, mas as coisas tomam um rumo mais bizarro quando a caçula afirma conseguir se comunicar com o pai. A partir daí, eventos estranhos e não manipulados começam a assombrar a rotina da família Zander. O que antes parecia um milagre passa a se revelar como uma possível maldição.

Quanto aos aspectos técnicos, é até difícil separá-los, já que Flanagan assina três funções fundamentais. Mas vale destacar os demais elementos, e não menos importantes. A direção de fotografia, assinada por Michael Fimognari, provoca curiosidade e apreensão ao manter o foco fixo em pontos específicos do cenário, estimulando o olhar de quem assiste, para depois usar luz e sombra como instrumentos de sugestão paranormal. Além disso, a câmera muitas vezes mostra simultaneamente o que acontece em primeiro e segundo plano, ampliando a tensão. Já o design de produção, assinado por David Yost, contribui muito para a imersão no universo do filme. A ambientação reproduz com eficácia a época em que a história se passa, que, embora nunca seja declarada abertamente, fica evidente através do figurino e decoração tratar-se de um período remoto. A casa, sombria e opressiva, transmite uma sensação constante de desconforto e confinamento, elementos que ajudam a reforçar a atmosfera de terror.

Em resumo, Ouija: Origem do Mal é um filme que cumpre com todos os requisitos técnicos e apresenta uma direção extremamente inspirada. Arrisco dizer que serviu de ensaio para os futuros trabalhos de Flanagan. É fato que a história em si não é inovadora, mas a maneira como ela é contada dá um toque especial ao que poderia ser apenas mais um filme genérico. As atuações são competentes: Elizabeth Reaser dá vida a uma mãe que ainda não superou o luto pela perda do marido — sua performance pode não ser repleta de nuances, mas tampouco prejudica a narrativa. Annalise Basso interpreta uma irmã mais velha que tenta viver sua puberdade enquanto lida com o próprio luto, os atritos com a mãe e a preocupação com a irmã mais nova; sua personagem, por vezes mimada, pode soar irritante. Já Lulu Wilson, apesar da pouca idade, rouba a cena: sua Doris é doce e misteriosa, despertando empatia no público ao mesmo tempo em que insinua algo inquietante por trás de sua figura inocente.

O filme entrega o que promete, e talvez até um pouco mais, com um plot twist que, embora não fosse necessário, desperta a curiosidade sobre o que virá a seguir. Em termos de qualidade, Ouija: Origem do Mal é uma obra ousada, que não deve nada ao seu antecessor Ouija: O Jogo dos Espíritos (2014) e que pode ser uma ótima escolha para quem está em busca de um bom terror sobrenatural.


Autor:


Mateus José é graduando de Licenciatura em Cinema e Audiovisual pela UFF, escritor, poeta, montador e aspirante a diretor de fotografia. Apaixonado pelas artes, literatura, música e principalmente o cinema, dedica-se a consumir, estudar e dissecar as camadas mais profundas do cinema e da arte.

segunda-feira, 5 de maio de 2025

THUNDERBOLTS* - Quando "Heróis" Também Precisam de Terapia

THUNDERBOLTS | Disney


THUNDERBOLTS* é um grupo de anti-heróis – formado por Yelena Belova, Soldado Invernal, Agente Americano, Guardião Vermelho, Treinadora e a Fantasma. A Marvel Studios e uma equipe de veteranos independentes que se venderam apresentam uma equipe irreverente composta pela assassina deprimida Yelena Belova (Florence Pugh) e o grupo de desajustados menos aguardado do Universo Cinematográfico Marvel.

A premissa lembra inevitavelmente O Esquadrão Suicida, especialmente a versão de 2021 dirigida por James Gunn. Ambas as obras trazem personagens considerados vilões ou anti-heróis, reunidos pelo governo para executar missões secretas, perigosas e eticamente duvidosas — tarefas que os heróis convencionais jamais aceitariam. Assim como no filme da DC, Thunderbolts investe na ideia de redenção e no questionamento sobre o que realmente define alguém como herói ou vilão. E, novamente, vemos o conceito de usar “peças quebradas” para realizar o trabalho sujo.

Entre os personagens, John Walker (Agente Americano) continua com a mesma arrogância e impulsividade já mostradas na série Falcão e o Soldado Invernal. Ainda tentando se provar digno do legado do Capitão América, ele se impõe de maneira agressiva e autoritária, o que gera constantes atritos dentro da equipe — e certa antipatia por parte do público. Em contraste, Bob, inicialmente visto como um mero alívio cômico nos trailers e pôsteres, surpreende com uma construção mais emocional e humana. Desajeitado e deslocado entre figuras mais duronas, ele acaba se revelando um dos personagens mais cativantes da narrativa.

A relação entre Bob e Yelena é, talvez, um dos pontos mais sensíveis do filme. Enquanto os demais membros vivem em tensão constante, os dois desenvolvem um laço baseado na escuta, no respeito e na empatia. Essa amizade inesperada adiciona camadas de humanidade à história, oferecendo momentos de leveza e emoção que contrastam com a intensidade e o peso emocional do resto da trama.

Aliás, a doença mental é um elemento central em Thunderbolts*. Cada personagem carrega cicatrizes — físicas, emocionais ou morais — que os unem em silêncio. A ausência dos Vingadores é sentida como uma sombra constante, reforçando o clima de incerteza, esgotamento e desesperança. O filme surpreende ao colocar temas como depressão, trauma e vazio existencial no centro da narrativa, tratando a saúde mental não como um detalhe periférico, mas como parte essencial da jornada dos personagens.

No entanto, nem todos os membros da equipe recebem o mesmo cuidado narrativo. O Guardião Vermelho, apesar de entregar alguns momentos cômicos, acaba reduzido a esse papel, com pouca profundidade emocional ou relevância na trama. Já a Fantasma, com um passado marcado por sofrimento e habilidades únicas, surge com potencial, mas permanece subutilizada, deixando a sensação de que poderia ter contribuído muito mais.

Thunderbolts* Mesmo com esses desequilíbrios, se destaca por sua abordagem mais sombria e emocional dentro do universo Marvel. Ao invés de focar em grandes batalhas ou ameaças intergalácticas, o filme aposta em conflitos internos, relações humanas e a complexidade dos que vivem à margem do heroísmo. É uma história sobre falhas, sobre tentar fazer o certo mesmo sem ter certeza do que isso significa — e, sobretudo, sobre encontrar humanidade em meio ao caos.

Autor:


Meu nome é João Pedro, sou estudante de Cinema e Audiovisual, ator em formação e crítico cinematográfico. Apaixonado pela sétima arte e pela cultura nerd, dedico meu tempo a explorar e analisar as nuances do cinema e do entretenimento.

terça-feira, 29 de abril de 2025

Pecadores - Uma Mistura Que Só Coogler Conseguiria!

Pecadores | Warner Bros. Pictures


Tentando deixar suas vidas problemáticas para trás, os irmãos gêmeos retornam à sua cidade natal para recomeçar, apenas para descobrir que um mal ainda maior está esperando para recebê-los de volta.

A direção fica por conta de Ryan Coogler, o mesmo cineasta por trás de Pantera Negra, Creed: Nascido para Lutar e Fruitvale Station. Neste trabalho, Coogler entrega um filme autoral, no qual imprime de forma marcante sua visão pessoal. Diferente de adaptações de quadrinhos, biografias ou outros formatos preexistentes, este é um projeto original — com uma forte "assinatura" criativa que reflete seu estilo único de contar histórias.

Pecadores é como dois filmes em um. De um lado, acompanha a trajetória dos irmãos gêmeos Smoke e Stack — ambos interpretados por Michael B. Jordan. Smoke é o mais centrado: um estrategista dos negócios, sempre atento às consequências e protetor em relação ao irmão. Stack, por outro lado, é impulsivo, movido por adrenalina e instinto, vivendo sempre no limite. Juntos, eles se envolvem com gangues nas ruas de Chicago e acabam trabalhando para ninguém menos que Al Capone.

Mais tarde, os irmãos deixam o norte e retornam ao sul do Mississippi — um dos estados mais marcados pelo racismo da época. Levam consigo uma fortuna e um propósito: abrir uma casa de shows voltada para o público negro, um refúgio de celebração e liberdade em meio ao preconceito e à violência. Mas "Pecadores" vai além do drama criminal. Em paralelo, o filme mergulha no universo sombrio dos vampiros, misturando crime, crítica social e elementos sobrenaturais numa narrativa ousada e envolvente.

O filme retrata com maestria a alma do Blues — não apenas como gênero musical, mas como expressão visceral da dor, da luta e da resistência de um povo historicamente marginalizado. Cada nota arrastada, cada lamento cantado, carrega o peso de gerações que transformaram sofrimento em arte e invisibilidade em potência sonora. A casa de shows que os irmãos Smoke e Stack constroem no coração pulsante do Mississippi vai muito além de um simples empreendimento comercial — ela é um refúgio, um templo de criação, um santuário onde a ancestralidade encontra eco e onde o presente se reconcilia com o passado.

É nesse espaço carregado de suor, de fé e de promessas que os artistas negros finalmente encontram não só voz, mas pertencimento. No palco iluminado por holofotes precários, mas cheios de significado, o Blues deixa de ser apenas música e se torna linguagem de libertação, ponte para o sagrado, grito coletivo. E é ali, entre solos improvisados que parecem rasgar a alma, olhares suados que dizem mais que palavras e multidões em transe que se entregam à vibração de cada acorde, que o filme encontra seu verdadeiro coração — um coração que bate no ritmo ancestral do tambor, pulsando resistência, memória e esperança.

Os vampiros, aqui, não brilham com o glamour estereotipado das criaturas imortais que encantam os cinemas contemporâneos. Eles são, na verdade, parasitas sociais, cujas presenças corporificam as sombras de uma exploração histórica profunda, uma exploração que se arrasta como um pesadelo não resolvido, consumindo corpos, vidas e memórias com uma fome insaciável. Esses vampiros não são apenas predadores de carne, mas de tudo o que define a dignidade humana, personificando a dor e o sofrimento de um povo marcado pelo colonialismo, pela escravidão e pela opressão.

Eles são os fantasmas da escravidão, cujos ecos continuam a assombrar as estruturas sociais e as relações humanas. São os sussurros de medo que se perpetuam nas noites insones, e as figuras insidiosas que habitam as periferias da história, impelindo pactos de silêncio entre os opressores que preferem que a verdade permaneça enterrada. A obra, ao se debruçar sobre esses seres, revela significados multifacetados e complexos que só se tornam mais intensos e reveladores quando se considera o impacto da raça, da posição social e da ancestralidade. Ela nos convida a olhar além da superfície do mito e a compreender como esses vampiros, como metáforas de sistemas de dominação, estão entrelaçados com a construção das hierarquias sociais e raciais, deixando uma marca indelével que atravessa o tempo, as gerações e os corpos.

Pecadores é um filme que vai além do simples entretenimento, mergulhando nas complexas questões de identidade, resistência e na luta contra as forças históricas que moldam as vidas de seus personagens. Ryan Coogler nos entrega uma obra profunda e multifacetada, onde a violência do passado se entrelaça com a busca por um futuro mais digno. A narrativa não apenas explora a relação dos irmãos gêmeos Smoke e Stack com o crime e a cultura do Blues, mas também traça uma linha direta entre as feridas do passado e o presente, com os vampiros servindo como uma representação perturbadora dos fantasmas da escravidão e do racismo sistêmico.


Autor:


Meu nome é João Pedro, sou estudante de Cinema e Audiovisual, ator em formação e crítico cinematográfico. Apaixonado pela sétima arte e pela cultura nerd, dedico meu tempo a explorar e analisar as nuances do cinema e do entretenimento.

segunda-feira, 28 de abril de 2025

Bolero: A Melodia Eterna - A música silenciosa que desnuda a alma

Bolero : A Melodia Eterna | Mares Filmes

Com direção de Anne Fontaine, que divide o roteiro com Claire Barré, Bolero: A Melodia Eterna nos apresenta à vida do músico Maurice Ravel e sua obstinada trajetória em busca do sucesso. Com uma montagem não linear — presente desde a primeira sequência —, somos levados ao universo de um protagonista que parece habitar um mundo particular e que, mesmo diante das adversidades e frustrações, tem sempre a música como grande alicerce. Uma das cenas iniciais ilustra bem isso: após ser rejeitado no conservatório de música, Ravel cai da janela do prédio, levado pelo encantamento da melodia que ecoava no pátio.


O desenvolvimento do filme, porém, sofre com o ritmo apressado e uma certa confusão causada pela montagem fragmentada. Apesar dos marcadores de tempo, algumas fases da vida do músico parecem apenas tocadas superficialmente, o que torna a introdução enfadonha e de difícil assimilação. Por outro lado, o roteiro acerta ao construir uma sensação de intimidade e descoberta gradual. Vamos acessando, pouco a pouco, as camadas mais profundas da personalidade de Ravel, sem a necessidade de diálogos prolixos ou exposição excessiva. O longa aposta nos flashbacks como estratégia narrativa, mas a forma como esses elementos são inseridos pode causar estranhamento à primeira vista.


À medida que o filme avança, vamos compreendendo melhor os dilemas e enigmas que movem Maurice Ravel. Ainda assim, a narrativa só parece realmente engrenar quase na metade do segundo ato, quando ele é convidado a compor para um balé — nascendo ali aquela que viria a ser sua grande obra-prima.


No aspecto técnico, a fotografia de Christophe Beaucarne é um dos pontos altos: ora se concentra em planos-detalhe que evidenciam elementos simbólicos do cenário, criando uma sensação de intimidade, ora abre-se em grandes planos que ampliam a solidão do protagonista e destacam a imponência das cenas. A montagem, assinada por Thibaut Damade, aposta numa métrica que dialoga com a trilha e dá ritmo à narrativa — especialmente nas sequências em que sons e músicas se repetem como tema. Já a trilha sonora de Bruno Coulais é marcante, e traz impacto a cada vez que emerge.


Em suma, Bolero: A Melodia Eterna, como indica seu título, é um filme biográfico de uma música — e não necessariamente de um artista. O foco está, majoritariamente, no processo de composição do Bolero. Claro que, ao longo do caminho, a vida de Ravel ganha contornos e detalhes, mas não se trata de uma biografia completa. Apesar do primeiro ato arrastado, o longa consegue reconquistar o espectador no segundo ato e, a partir daí, só cresce. Quanto às atuações, Raphaël Personnaz se esforça para dar vida a Ravel, mas o roteiro insiste em moldá-lo de maneira tão soturna e introspectiva que, por vezes, seu brilho como ator passa despercebido.


Bolero: A Melodia Eterna, não é inovador e é evidente à semelhança com seu colega de streaming, O Maestro (2023) , mas faz bem o básico feijão com arroz. Pode agradar ao espectador que tiver paciência para acompanhar sua cadência.


        Autor:


Mateus José é graduando de Licenciatura em Cinema e Audiovisual pela UFF, escritor, poeta, montador e aspirante a diretor de fotografia. Apaixonado pelas artes, literatura, música e principalmente o cinema, dedica-se a consumir, estudar e dissecar as camadas mais profundas do cinema e da arte.


quinta-feira, 3 de abril de 2025

Um Filme Minecraft - Blocos, Risos e Personagens Que Precisam de um Pouco Mais de Construção

Minecraft | Warner Bros. Pictures


Um portal misterioso puxa quatro desajustados para o mundo superior, uma terra maravilhosa bizarra e cúbica que prospera na imaginação. Para voltar para casa, eles terão que dominar o terreno enquanto embarcam em uma jornada mágica com um artesão inesperado chamado Steve.

Adaptar um jogo de videogame para o cinema ou a televisão não é algo recente. Desde as décadas de 80 e 90, já surgiam essas tentativas, embora muitas delas não tenham sido bem-sucedidas. No entanto, nos últimos anos, vimos adaptações de sucesso, assim como outras que não atingiram o mesmo nível de aprovação. Existem diferentes abordagens para fazer essa transição: em vez de adaptar um jogo específico, é possível criar uma história nova utilizando o universo e os personagens do jogo, como foi feito nos filmes do Sonic e do Mario, que acabaram dando certo. Essa abordagem pode ser considerada canônica dentro do universo original, como aconteceu com a série de Fallout. Outra opção é seguir uma adaptação mais fiel, como na série The Last of Us, que, embora tenha mantido muitos elementos do jogo, acrescentaram novos detalhes.

Minecraft é um jogo eletrônico dos gêneros sandbox e sobrevivência, que oferece aos jogadores total liberdade para explorar e jogar sem objetivos fixos. O mundo do jogo é composto por blocos tridimensionais que representam materiais como pedra, água e lava, e os jogadores podem extrair e reposicionar esses blocos para construir e criar estruturas. O sistema de física do jogo é considerado irrealista, especialmente no comportamento dos líquidos. O mundo de Minecraft é praticamente infinito e gerado proceduralmente enquanto os jogadores o exploram. Embora existam limites para o movimento vertical, o jogo permite a criação de vastos mundos no plano horizontal. No filme, são apresentados tanto o mundo real quanto o mundo de Minecraft.

O protagonista, Steve, que no jogo é uma figura do universo pixelado, é retratado como uma pessoa do nosso mundo que acaba sendo transportada para esse mundo de blocos, onde assume o papel de guia para outros personagens que chegam ali. Além dele, o enredo também apresenta Garrett Garrison, um ex-campeão de videogame que alcançou o sucesso muito cedo, mas, com o tempo, não conseguiu recuperá-lo, o que resultou em um ego inflado e uma busca incessante por validação. A história inclui ainda Henry, um jovem criativo e inteligente, sua irmã mais velha, Natalie, que se tornou responsável por ele, e Dawn, uma mulher que apoia Natalie e desempenha vários empregos, incluindo o de veterinária.

A dinâmica entre Steve e Garrett é interessante e rende bons momentos cômicos. A arrogância de Garrett, por exemplo, contrasta de forma divertida com a abordagem mais prática e simples de Steve. Um exemplo disso é a cena em que Steve ensina Garrett a cozinhar no mundo de blocos. Steve prepara uma galinha cozida usando lava, mas, como era de se esperar, a comida fica extremamente quente, o que dificulta para Steve comer. Garrett, por outro lado, consegue comer, mas não por muito tempo, criando uma situação hilária em que a resistência de Garrett é posta à prova. Esse tipo de interação entre os dois traz leveza e humor à narrativa.

Natalie e Henry vivenciam a clássica subtrama entre irmãos: ambos são órfãos, e a irmã mais velha se vê forçada a assumir a responsabilidade de cuidar do irmão mais novo. Natalie, em sua tentativa de se ajustar à nova cidade, busca um emprego, enquanto Henry, tentando se enturmar na escola, acaba se metendo em uma grande confusão. Embora essa dinâmica de irmãos enfrentando dificuldades seja algo familiar e até comovente, a forma como é abordada cai em clichês, como a figura da irmã responsável e o irmão que acaba arrumando alguma encrenca.

Dawn não possui uma subtrama propriamente desenvolvida na história. Seu personagem é introduzido de forma superficial, com a informação de que ela desempenha diversos empregos, mas isso é tudo o que é revelado sobre ela. Não há exploração de suas motivações, desafios pessoais ou qualquer contexto que justifique suas escolhas ou ações. Isso a torna um tanto unidimensional, limitando seu impacto na trama. Para tornar a personagem mais interessante, seria necessário um maior aprofundamento, seja no aspecto emocional, nas relações com outros personagens, ou nas razões que a levam a assumir tantos empregos, além de uma contextualização mais rica sobre sua vida fora desse papel de apoio.

Outro ponto que me incomodou no filme foi o tratamento das personagens femininas. Em determinado momento, os personagens masculinos se separam das personagens femininas, e enquanto os rapazes estão envolvidos em grandes aventuras, as mulheres simplesmente encontram um lobo, que é o animal de estimação do Steve, e passam o tempo todo procurando por ele. Esse papel secundário e sem maiores desafios para as personagens femininas parece subaproveitar seu potencial e limita a profundidade de suas participações na trama.

Em relação ao CGI, ficou bem feito. No trailer, pode causar um certo estranhamento, mas, ao se acostumar com o universo de formato quadrado proposto, é possível apreciar o visual sem maiores dificuldades. Até mesmo o aldeão do filme, que inicialmente pode parecer fora de lugar, acaba se encaixando bem nesse estilo.

Um Filme Minecraft apresenta uma proposta interessante ao tentar transitar do universo dos jogos para o cinema, explorando a ideia de um mundo cúbico gerado de maneira procedural. No entanto, as subtramas e o desenvolvimento dos personagens não atendem plenamente às expectativas. Embora a obra tenha um grande potencial, falta-lhe profundidade nas relações interpessoais e nos próprios personagens. Ainda assim, é capaz de entregar uma experiência bastante divertida.

Autor:


Meu nome é João Pedro, sou estudante de Cinema e Audiovisual, ator em formação e crítico cinematográfico. Apaixonado pela sétima arte e pela cultura nerd, dedico meu tempo a explorar e analisar as nuances do cinema e do entretenimento.

Telefone Preto 2 - Do Suspense Psicológico para a Hora do Pesadelo

Telefone Preto 2 | Universal Pictures Pesadelos assombram Gwen, de 15 anos, enquanto ela recebe chamadas do telefone preto e tem visões pert...