Nazarin | Películas Nacionales |
Obra que gerou rebuliço entre a alta classe religiosa mundial, mas ironicamente não com discussões, ameaças e falsas acusações ao autor diretor Luís Buñuel, como ele já estava acostumado, mas por uma interpretação equivocada de que o filme teria sido sua tentativa de reconciliação com o tema. Engano esse pois talvez Nazarín tenha sido o trabalho mais crítico à religiosidade que o diretor espanhol já tenha feito, mas dessa vez de forma discreta.
O filme recebeu o grande prêmio internacional de Cannes,
que foi inaugurado especialmente em decorrência da exibição desse filme. O
texto é uma adaptação do romance homônimo escrito por Benito Pérez Galdós, com
algumas adições de referências externas, como “Diálogo entre um padre e um
moribundo”, de Marquês de Sade – em uma cena específica, onde uma mulher doente
à beira da morte, recusa Deus e chama por seu marido - mais inspirações vindas
da própria mente política e adepta do movimento surrealista de Buñuel.
O filme nos introduz o protagonista, padre Nazário, interpretado por Francisco Rabal, como sendo um suposto símbolo de bondade e altruísmo. Ele mora em um albergue extremamente pobre, a ponto de seus vizinhos de porta serem incapazes até de cometer suicídio, pois as vigas de madeira das casas estão podres e se partem com a mais simples pressão, momento que nos lembra também que nenhum filme de Buñuel fica sem um ou dois momentos de humor ácido, característica recorrente de suas obras.
A trama avança quando uma de
suas vizinhas, uma prostituta, comete assassinato e pede santuário para o
padre, que, é claro, a acolhe. As autoridades passam a procurá-lo e ele é
forçado a partir em uma peregrinação, onde perde cada vez mais, tanto seus
poucos bens, pois os dá a quem precisa, quanto sua própria moral. O encontram e
passam e segui-lo duas ex-moradoras do mesmo albergue, a própria assassina que
causou seu exílio, e a moça depressiva que tentou o suicídio. Quanto mais tempo
elas passam com ele, mais se tornam religiosas, supersticiosas e devotas a
Nazário, que por sua vez, mesmo sendo um clérigo, tenta as convencer de que a
fé delas é tolice.
Em contraponto com suas seguidoras, as autoridades e figuras clericais que encontra pelo caminho o perseguem, criticam e lincham, criando assim um microcosmo da história do próprio Jesus Cristo, motivo esse, talvez, que fez a elite eclesiástica acreditar que o filme fora feito para eles, quando na verdade Buñuel retrata a essa mesma elite como hipócrita, duvidando até da legitimidade dos valores religiosos da missão pessoal de Nazário.
Não só humilhado por seus iguais, o padre também é afastado pelos desfavorecidos
que encontra, sejam trabalhadores do campo ou aldeões doentes, que ironicamente
se apresentam como pessoas crentes e devotas, onde apesar de serem adeptas a
dogmas que pregam os cuidados entre uns aos outros, suspeitam das intenções por
trás das ações de Nazário, que no decorrer de tanta hipocrisia, passa a
desacreditar gradualmente de sua própria moral, elemento transmitido não de
maneira mastigada pelo texto em si, mas pela irrepreensível atuação de Rabal.
Buñuel termina seu filme com um ponto final, como um
discurso incontestado. A obra final, claramente inspirada pela relação entre
religiosidade cega e extrema pobreza, muito comum em países das Américas como o
México, onde foi filmado, afirma que às vezes a mais cética das pessoas são
capazes de compreender e praticar melhor os ensinamentos e valores defendidos
pelo cristianismo, em oposição àqueles que se colocam dentro da sociedade como
ícones dessa fé de humildade enquanto escalam a posições de soberba, hipócritas
e ingênuos os suficiente para não reconhecerem nem uma alfinetada dada nos
próprios olhos.
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