segunda-feira, 1 de setembro de 2025

O Último Azul - A luz apagou, mas ainda funciono

O Último Azul | Vitrine Filmes

Em um Brasil distópico, o governo impõe uma política controversa: todos os cidadãos com mais de 75 anos são transferidos compulsoriamente para uma instituição conhecida como "Colônia". A justificativa oficial é que essa medida contribuiria para a produtividade da nação, liberando a população ativa do encargo de cuidar de seus familiares idosos.

É nesse cenário que conhecemos Tereza (Denise Weinberg ), uma mulher de 77 anos. Moradora de uma pequena cidade industrial na Amazônia, sua vida é abruptamente transformada quando recebe a ordem de se mudar para a Colônia. Essa ruptura a leva a uma profunda reflexão: Tereza se dá conta de que ainda nutre sonhos e desejos não realizados, entre eles, o anseio de voar de avião. Determinada a não se submeter ao destino imposto, ela decide fugir com a ajuda de Cadu, um pescador, em uma jornada em busca de sua liberdade.

Dirigido por Gabriel Mascaro, de Divino Amor (2019) e Boi Neon (2015), o filme estabelece com maestria a base de sua narrativa. A trama contextualiza de forma eficaz a vida da protagonista, contrastando-a com a dura realidade imposta aos idosos. Esse conflito é evidenciado em momentos-chave, como na cena em que Tereza expressa sua angústia e desalento ao colega de trabalho, revelando não se sentir preparada para o destino que a aguarda na Colônia.

Mascaro conduz essa jornada com profundidade, construindo personagens que, de certa forma, também buscam se libertar de algo que os aflige. Dessa forma, cada encontro e desencontro vivenciado por Tereza costura sua jornada, tornando o filme coeso, leve e imersivo, com situações que se encaixam organicamente à narrativa e, ao mesmo tempo, preservam o caráter inesperado.

O longa também utiliza muitas metáforas em seu desenvolvimento, desde o caramujo de baba azul que amplia os horizontes da mente, até os pneus na beira do rio. Esses elementos dão um tom místico e um tanto alegórico ao filme. Além disso, Tereza, inicialmente cética em relação aos “sinais” que a vida lhe envia, gradualmente cede, permitindo uma jornada de autodescoberta.

Quanto aos aspectos técnicos, a direção de fotografia, assinada por Guillermo Garza, retrata o cenário da Amazônia com um misto de contemplação e intensidade, dialogando com os sentimentos da personagem, seja através do reflexo da luz no rio ou de pássaros que voam ao alvorecer. Outro aspecto que merece destaque é a direção de arte de Dayse Barreto, que através da mise-en-scène cria cenários cheios de vida que integram e complementam a narrativa.

Sobre as performances, duas se destacam. Tereza (Denise Weinberg) é uma mulher desiludida, mas aguerrida, que apesar de cética se lança no mundo para conquistar sua liberdade. Weinberg entrega uma personagem multifacetada que se adequa aos cenários e situações do filme, sempre de maneira espontânea e em sintonia com o tom das cenas. Já Cadu (Rodrigo Santoro) é um homem fechado que guarda suas dores para si, mas demonstra-se muito frágil através da voz trêmula e dos olhos marejados.

Em linhas gerais, apesar de não possuir uma tarefa simples, O Último Azul não se esquiva da tarefa de expor o etarismo, a instrumentalização e o descarte de indivíduos que já não têm mais serventia para o sistema. Lúcido, o filme mergulha no peso de sua narrativa com uma sensibilidade que evita qualquer caricatura, construindo em Tereza a antítese do idoso fragilizado. Além disso, ao retratar as "Colônias" como ambientes de descarte, o longa faz um paralelo com os campos de concentração, onde aqueles indesejáveis pelo governo vigente são levados e esquecidos. Ao aproveitar a beleza de seu cenário e a profundidade de seus personagens, o filme nos faz refletir sobre uma história que, apesar de parecer estar no fim, na verdade está apenas começando.

Autor:


Mateus José é graduando de Licenciatura em Cinema e Audiovisual pela UFF, escritor, poeta, montador e aspirante a diretor de fotografia. Apaixonado pelas artes, literatura, música e principalmente o cinema, dedica-se a consumir, estudar e dissecar as camadas mais profundas do cinema e da arte.

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