![]() |
| Truque de Mestre: O 3° Ato | Paris Filmes |
A franquia Truque de Mestre sempre foi feita de fumaça e espelhos, se traduzirmos a expressão "smoke and mirrors" ao pé da letra.
Os filmes da série pegaram do público de surpresa na década passada com a figura emblemática dos "Quatro Cavaleiros", um grupo de mágicos e ilusionistas que fazem parte de uma organização secreta, o "Olho", dedicada ao fazer do mundo um lugar mais justo e expor o 1% da sociedade, junto de seus crimes. É uma versão fantasiosa do mundo real em que a mágica é levada a sério e artistas como David Copperfield (tirando a referência empoeirada da cartola aqui) fosse uma espécie de James Bond ou Ethan Hunt, misturado com Robin Hood.
Mesmo aplicando a suspensão da descrença, os longas sofrem com problemas estruturais de narrativa, em favor de uma experiência visual, e, de preferência, com impacto. Muitas vezes, gerando plot twists e continuidade retroativa entre partes que, honestamente, parecem forçar a barra para seu lado, do que deixar seu universo verossímil. São obras que divertem, mesmo que a lógica da narrativa tende a ser meio acéfala, pelo deslumbramento, a ilusão das imagens editadas aqui; um ópio para as massas.
É preciso ver de perto, para não enxergar as falhas, ou, em outras palavras, para não descobrir como o truque é feito. No entanto, tais manias exageradas, de certa forma, se cristalizaram e se tornaram parte da identidade da franquia. De certo modo, o público sabe o que esperar e não se importa muito sobre verossimilidade do mundo real aplicado a este mundo mágico, o que importa é se deixar levar pela ilusão. Este novo capítulo da franquia não poderia ser diferente neste aspecto.
Em Truque de Mestre: O 3° ato, após uma década desde a sua última aparição pública, os Cavaleiros, liderados por Atlas (Jesse Eisenberg), são chamados pelo "Olho" para recrutar uma nova geração de ilusionistas (Justice Smith, Dominic Sessa, Ariana Greenblatt) para uma nova missão: desmascarar uma bilionária dona de um império de diamantes, Veronika Vanderberg (Rosemund Pike), associada a um esquema de lavagem de dinheiro em escala mundial.
A premissa do terceiro filme parece um amálgama de narrativas recortas e coladas de seus antecessores; a recriação de situações similares e temas recorrentes, reforçam essa sensação do que está sendo desenvolvido seja uma reciclagem do que algo 100% inédito.
Há truques, cenários impossíveis, vinganças, reviravoltas no meio do caminho. O que para esta franquia é o estado normal do mundo, um dia como qualquer outro. Os roteiristas da vez se esforçam na emulação do tom exacerbado e fantasioso, mas a direção de Ruben Fleischer consegue contrabalancear entre a seriedade e o camp; algo que Leterrier e Chu, os diretores anteriores, não conseguiam de fato: criar uma galhofa assumida, sem fugir de sua superficialidade, interlaçado de camadas. O primeiro se levava muito a sério, enquanto o segundo não conseguia desenvolver seu lado mais dramático.
O filme toca em temas como políticas pós-coloniais, exploração de recursos naturais, passado nazista, relações étnico raciais e de classe, que parecem, ao mesmo tempo, fazer e não fazer sentido algum para a narrativa. Tornando esta mistureba fascinante, dentro de um texto que, escrito entre três a cinco pares de mãos, é um tanto redundante e quase paródico de si (Há um momento que o nome completo de uma personagem é repetido umas quatro vezes em menos de cinco minutos, o que é um péssimo exemplo de escrita por sinal). É um quebra-cabeça bobo, mas há uma diversão implícita ao vê-lo sendo montado. As cenas que envolvem os truques de mágica do grupo ainda continuam sendo o chamariz da franquia: toda a construção do roubo do diamante é bem feita e o todo o cenário do castelo ilusionista é divertidíssimo de olhar.
Se o roteiro há uma simplicidade pífia na narrativa, o elenco consegue compensar a escrita com uma sinergia estrondosa em tela, daquelas que fazem o público se divertir, pois os atores estão se divertindo em tela com as situações absurdas e fantasiosas desse mundo. O elenco original do primeiro filme (Jesse Eisenberg, Woody Harrelson, Dave Franco, Isla Fisher) volta desta vez e tem bastante química com o novo elenco: Justice Smith é um atores mais underrated da geração atual e a química entre Eisenberg e Sessa é bastante elétrica; e até Morgan Freeman retorna com seu antagonista transformado em aliado para uma ponta aqui.
Mas talvez, a adição de elenco mais chamativa seja a de Rosemund Pike, que consegue misturar classe e farofa, junto de um sotaque sul-africano, de forma cativante. Mesmo com um texto cafona, Pike não perde a elegância e contribui com um toque de humor próprio a uma personagem que, em outras mãos, poderia ser pálida e hermética. Ela, junto do restante do elenco, entende a proposta do filme e embarca, com a cabeça erguida, na fantasia.
Truque de Mestre: O 3° ato repete a grandiosidade e as manias de seus antecessores, com um elenco afiado que consegue vender as situações mais impossíveis e os diálogos redundantes e explicativos com um carisma cativante. Existem surpresas no caminho, que vão agradar o público. Mesmo com suas manias e defeitos, é um longa divertido que não esconde a sua identidade de galhofa e consegue trabalhar de megalomania de modo que não aparenta ser mais inteligente do que é. Tem seus momentos de previsibilidade, é claro, mas há uma graça em assistir uma farofa recheada de ilusões.
Eduardo Cardoso é natural do Rio de Janeiro, Cidade Maravilhosa. Cardoso é graduado em Letras pela Universidade Federal Fluminense e mestre em Estudos de Linguagem na mesma instituição, ao investigar a relação entre a tragédia clássica com a filmografia de Yorgos Lanthimos. Também é escritor, tradutor e realizador queer. Durante a pandemia, trabalhou no projeto pessoal de tradução poética intitulado "Traduzindo Poesia Vozes Queer", com divulgação nas minhas redes sociais. E dirigiu, em 2025, seu primeiro curta-metragem, intitulado "atopos". Além disso, é viciado no letterboxd.

%2003.38.57_fd35a3e9.jpg)