terça-feira, 18 de março de 2025

Deu Preguiça! - Recomeços e Laços Familiares

Deu Preguiça! | Imagem Filmes

Em Deu Preguiça!, após uma tempestade devastadora que destrói sua casa, Laura, a preguiça mais veloz de sua comunidade, decide recomeçar sua vida na cidade grande. Junto de sua família excêntrica, ela se muda para a nova cidade em seu velho e enferrujado food truck, com a esperança de transformar seu negócio em um sucesso. A trama acompanha a jornada de Laura e seus entes queridos enquanto enfrentam os desafios de um novo começo. Ao tentar se estabelecer e conquistar clientes, eles descobrem que a verdadeira força reside na união familiar e na determinação para vencer as adversidades. A deliciosa comida preparada por Laura logo chama a atenção, mas, além de novos clientes, outros desafios surgem, colocando à prova a coragem da família. 

Deu Preguiça! faz parte da franquia “The Tales from Sanctuary City”, iniciada em 2020, esse sendo o quinto longa desse universo. Embora eu não tenha assistido aos filmes anteriores, o filme consegue funcionar de maneira independente, oferecendo uma experiência completa e acessível para quem está entrando no universo agora. A obra se sustenta por si mesma, sem a necessidade de um conhecimento prévio da franquia, o que é uma qualidade importante para atrair novos públicos. No entanto, para os fãs da série, é possível que alguns elementos e referências aos filmes anteriores enriqueçam ainda mais a narrativa.


A narrativa se concentra na relação entre Laura, a filha, e sua mãe, Gabriella, após a mudança para a cidade grande. Enquanto Laura quer aproveitar o tempo para brincar com seus amigos e viver novas experiências, ela se vê obrigada a priorizar as necessidades da família. Esse conflito entre suas vontades pessoais e as responsabilidades familiares é um dos principais temas do filme, ressaltando como, muitas vezes, os desafios do dia a dia exigem sacrifícios. A história, portanto, não só aborda as dificuldades de recomeçar, mas também a importância da união familiar e como os laços familiares podem influenciar nossas escolhas e perspectivas.

Em paralelo, a trama introduz Dotti, uma vilã ambiciosa e proprietária de uma rede de fast-food popular, que luta para manter sua relevância no mercado diante de inúmeros prejuízos e o fechamento de várias unidades. Desesperada para reverter sua situação, Dotti se depara com a família de preguiças, que, ao chegar na cidade, rapidamente conquista o público com sua comida deliciosa. Em um movimento de pura rivalidade e ganância, ela tenta roubar a receita secreta da família, que é transmitida de geração em geração. Embora a vilã se encaixe no estereótipo de empresária inescrupulosa em busca de sucesso a qualquer custo, sua presença no filme não chega a inovar o gênero. A dinâmica entre ela e a família de preguiças, embora eficaz para criar tensão, cai na previsibilidade de sua trama. O conflito entre o pequeno empreendedorismo e a grande corporação é um tema recorrente, e, embora seja relevante dentro do contexto da história, poderia ser explorado de maneira mais criativa, fugindo um pouco dos clichês típicos dessa disputa.

O filme transmite uma mensagem tocante sobre a importância de valorizar a família, mostrando como os laços familiares são essenciais para enfrentar dificuldades e alcançar objetivos. Embora o tema da união familiar seja bastante explorado, o longa consegue abordá-lo de forma genuína, sem cair em excessos melodramáticos. A trama destaca como o apoio mútuo e o trabalho conjunto podem ser a chave para superar desafios, o que ressoa de maneira positiva, especialmente em um contexto de recomeço. Mesmo sendo uma ideia recorrente, a forma como a história se desenrola, com momentos de cumplicidade e sacrifício, reforça de maneira eficaz essa mensagem, tocando no coração do público de maneira simples e verdadeira.

Deu Preguiça! é uma obra leve e divertida que, embora não se reinvente em todos os aspectos, consegue entregar uma experiência envolvente e positiva. A combinação de uma narrativa simples, com personagens carismáticos e uma mensagem sincera sobre a importância da união familiar, cria uma história que ressoa com o público, especialmente para aqueles em busca de uma produção com valores familiares.

Autor:


Meu nome é João Pedro, sou estudante de Cinema e Audiovisual, ator em formação e crítico cinematográfico. Apaixonado pela sétima arte e pela cultura nerd, dedico meu tempo a explorar e analisar as nuances do cinema e do entretenimento.

segunda-feira, 17 de março de 2025

Two Lovers - A face não dita do amor

Two Lovers | Magnolia Pictures


Daqueles filmes que abrem portas para tantos debates pessoais, de forma que falar sobre qualquer um deles soa como diminuição da grande magnitude humana que exala esse filme. De qualquer forma, ainda assim, perante toda a minha incapacidade, quero escrever algo sobre ele, mesmo que insuficiente.

O mundo perfeitamente imperfeito de Gray, que escolhe filmar o amor, mas não o amor romântico, o realista. O amor que não se escolhe, se sente, e é aí que o personagem interpretado por Joaquin Phoenix se encontra, nessa face dolorida do amor, onde as emoções são mais complexas e as incertezas são maiores que as certezas.

Talvez o que mais me chame a atenção seja como Gray trabalha os espaços, a interação entre enquadramento e pessoa. Essa interação mostra-se evidente na forma como os porta-retratos oprimem o ambiente, especialmente quando Leonard está com uma de suas “amantes”, como se, embora fora do plano material, a família ainda tivesse influência na vida de Leonard.

A depressão entra como fator narrativo, pois o próprio personagem não poderia conceber aquela felicidade para si mesmo. Ou seja, a tragédia é premeditada a todo momento, e cada caminho que Leonard trilha o leva àquele final tão triste. Arriscaria dizer que é um dos mais tristes que já vi. Ele agora não só perdeu sua forma de desfrutar das novas possibilidades mundanas, mas terá de ficar preso naquele mesmo ambiente opressivo.

O grande olhar familiar que cerca Leonard se forma quase fantasmagórico, reprimindo-o de forma tão severa que suas próprias escolhas se tornam dúvidas, ou até mesmo na forma como lhe é imposto que deveria ficar com Sarah, para o bem da família e, óbvio, do capital. Mas então, o que escolher? O bem-estar do capital familiar ou o novo, o rebelde? Rebelde no sentido mais juvenil possível, já que, a partir das ações parentais, nota-se que a visão infantil é gritante. Mas o questionamento que fica é o de Amor X Capitalismo: é realmente possível amar numa sociedade capitalista, onde os bens materiais valem muito mais que o puro, o inviolável?

Autor:


Me chamo Gabriel Zagallo, tenho 18 anos, atualmente estou cursando o 3º ano do ensino médio e tenho o sonho de me tornar jornalista, sou apaixonado por cinema e desejo me especializar nisso. Meus filmes favoritos são Stalker, Johnny Guitar, Paixão e Rio, 40 graus.

segunda-feira, 10 de março de 2025

O Macaco - Quando o Terror se Perde no Humor

O Macaco | Paris Filmes


Quando irmãos gêmeos encontram um misterioso macaco de corda, uma série de mortes ultrajantes destroem sua família. Vinte e cinco anos depois, o macaco começa uma nova matança, forçando os irmãos afastados a confrontar o brinquedo amaldiçoado.

O filme apresenta os irmãos gêmeos Hal e Bill, cujas personalidades distintas geram uma dinâmica intrigante e enriquecedora para a narrativa. Hal, o mais introvertido, traz uma postura calma e introspectiva, com uma leve ironia que adiciona camadas ao seu personagem, tornando-o uma figura complexa e interessante. Sua distância emocional não é apenas uma característica, mas uma forma de se proteger e observar o mundo ao seu redor com uma perspectiva única. Já Bill, o mais expansivo e impulsivo, é o oposto em muitos aspectos, mas essa diferença não diminui a profundidade de sua personalidade. Sua confiança e comportamento desinibido criam momentos de leveza e espontaneidade, equilibrando a história de forma refrescante.

A interação entre os dois irmãos é fundamental para o desenvolvimento da trama, pois, apesar de suas diferenças, a ligação emocional que compartilham é forte e palpável. A relação deles não só alimenta a narrativa, mas também explora de maneira sutil como dois indivíduos tão diferentes podem influenciar um ao outro, moldando suas escolhas e ações de forma significativa. Essa dinâmica traz uma camada emocional que ressoa com o público, mostrando que as complexidades dos relacionamentos fraternais podem ser tanto um ponto de tensão quanto de crescimento. Bill, em sua essência, lembra o personagem Richie de It - A Coisa, um outro exemplo de personagem desbocado e irreverente.

No entanto, longe de ser uma simples repetição, ele agrega um frescor ao filme, pois suas provocações e atitudes impulsivas, embora possam ser irritantes para alguns, também são um reflexo da vulnerabilidade e da busca por aceitação, temas universais e relevantes. O fato de o público poder, em algum momento, sentir um desgosto por esses comportamentos, acaba sendo um ponto positivo, pois mostra como o filme consegue gerar uma reação emocional verdadeira, algo que muitas obras buscam sem conseguir. A narrativa, ao explorar as diferenças e semelhanças entre Hal e Bill, cria uma trama rica e multifacetada, onde as relações humanas, com todas as suas complexidades, são o verdadeiro centro da história. O filme, assim, consegue fazer com que o público se envolva, refletindo sobre as escolhas dos personagens e como essas escolhas os moldam ao longo do tempo.

O monstro do filme, que é representado pelo próprio macaco, desempenha um papel sutil, mas eficaz, na construção do clima de tensão e mistério. Embora sua presença no início pareça limitada a gestos simples, como bater no tambor e exibir um sorriso macabro, há uma profundidade que vai além de suas ações superficiais. O sorriso do macaco, em particular, é uma escolha interessante, pois ele transmite uma sensação de desconforto que vai crescendo à medida que a história avança. Esse sorriso, que poderia ser facilmente descartado como algo superficial, acaba se tornando uma das imagens mais perturbadoras e simbólicas do filme, representando uma força estranha e ameaçadora que está sempre à espreita, pronta para emergir.

O filme utiliza essas pequenas ações para construir um ambiente de crescente tensão psicológica. A forma como o macaco parece agir com um propósito misterioso, sem explicações claras, faz com que o público se envolva mais profundamente com o mistério, mantendo o interesse pela figura enigmática e desafiando a percepção de que "monstros" precisam ser sempre fisicamente ameaçadores ou violentos. Essa construção do monstro através da sugestão e do comportamento enigmático também ressoa com o tema central do filme, onde o que é "normal" ou esperado está constantemente sendo desafiado. Ao não mostrar o monstro de maneira explícita e ao reduzir suas ações a gestos simples e, ainda assim, perturbadores, o filme faz um excelente uso do suspense psicológico, mantendo o público cativado e, ao mesmo tempo, questionando o que realmente está em jogo.

Eu cheguei a ler o material original O Macaco, que, quando lançado, era um livreto, mas foi posteriormente incluído na coleção de contos Tripulação de Esqueleto, de Stephen King. A obra original é uma narrativa completamente tensa e sombria, marcada pela atmosfera opressiva e pela construção de uma sensação crescente de terror psicológico. Ao contrário da adaptação cinematográfica, que tenta inserir elementos de comédia e humor ácido, o conto de King é imersivo e assustador, onde a tensão se mantém constante e a presença do macaco como figura ameaçadora não é suavizada por piadas ou ironias.

O terror é profundo, enraizado na perda, no medo do desconhecido e na vulnerabilidade humana, temas que King explora com maestria. No livro, o macaco representa algo muito mais do que um simples ser maligno; ele simboliza a inevitabilidade do mal e as consequências de ações passadas, criando uma experiência de horror psicológico que faz o leitor questionar a própria natureza da realidade. O conto original é uma reflexão perturbadora sobre o impacto do trauma e da obsessão, criando uma sensação de desespero quase palpável.

Ao transpor essa obra para o cinema, o tom sombrio e a profundidade emocional que King criou no conto acabaram sendo diluídos em favor de uma abordagem mais leve e irreverente. Enquanto o humor ácido na adaptação pode agradar a alguns, ele enfraquece o impacto do terror psicológico presente na obra original. O Macaco, como foi escrito, é uma história que nos confronta com o medo de forma imersiva, sem apelar para o alívio cômico. Assim, a adaptação perde, em grande parte, a intensidade daquilo que torna o conto original tão perturbador e eficaz em sua narrativa de terror.

O Macaco mistura terror psicológico e comédia irreverente, oferecendo uma dinâmica interessante entre os irmãos gêmeos. No entanto, ao suavizar o tom sombrio do conto original com humor ácido, perde a intensidade emocional e o impacto aterrador da obra de Stephen King.

Autor:


Meu nome é João Pedro, sou estudante de Cinema e Audiovisual, ator em formação e crítico cinematográfico. Apaixonado pela sétima arte e pela cultura nerd, dedico meu tempo a explorar e analisar as nuances do cinema e do entretenimento.

domingo, 9 de março de 2025

Máquina do Tempo – Dias De Um Futuro Não Tão Esquecido

 

Máquina do Tempo | Pandora Filmes

Estrelado por Emma Appleton e Stefanie Martini, Máquina do Tempo, segue a história de duas irmãs orfãs, Thomasina (Appleton) e Martha (Martini), que moram de forma isolada no interior da Inglaterra. Filmado em estilo found footage, a trama se passa no início da Segunda Guerra Mundial e mostra os primeiros ataques armados dos países envolvidos, incluindo a Grã-Bretanha. Tudo muda quando Thom e Mars criam um instrumento de rádio-televisão capaz de transmitir matérias de notícias do futuro.

Assim, não demora muito para que as irmãs usem seu aparelho para beneficiar o governo britânico em meio aos confrontos geopolíticos. Além de poderem assistir às notícias vindas do futuro, as mesmas também conseguem ouvir músicos e cantores famosos do futuro. Entretanto, mesmo com Thomasina informando a polícia local de forma anônima sobre os ataques iminentes no seu país, não demora muito para que as autoridades policiais descubram seu paradeiro. Logo, os oficiais se juntam a elas para interceptarem ataques vindos da Alemanha.

Sempre gostei de assistir produções de gênero found footage por trazer um tom documenteal para a trama e aqui, a direção de Andrew Legge é competente ao ambientar as filmagens para a época dos anos 1930. As cenas filmadas entre as irmãs foram feitas em câmeras Bolex e Arriflex de 16 mm, com lentes do período. As atrizes foram treinadas para usar o aparelho e realizam um trabalho excepcional. Somos transportados para aquele tempo de forma imersiva, ainda mais com uma fotografia em preto e branco.

Como consequências clássicas de filmes que retratam viagem no tempo, não demora para que percebamos o primeiro efeito das mudanças que elas acabam fazendo na história. Em um momento, Martha, que aprecia bastante as músicas dos anos 1970, sintoniza o dispositivo e percebe que seu cantor favorito, David Bowie, não está mais cantando no futuro (eu também ficaria muito triste com essa notícia). Logo, ela se assusta e se pergunta o que aconteceu, já que quem canta no lugar dele é outro músico com canções explicitamente fascistas. Thomasina, então, explica que isso foi um desdobramento das suas ações em prol da defesa da Inglaterra nos ataques militares.

Então, nos deparamos com o famoso dilema da temática de viagens no tempo: até onde podemos interferir nos acontecimentos da história? Mesmo que seja para proteger pessoas, o que isso pode acarretar no próprio futuro? Bom, pelo menos no longa, não temos mais respostas, já que as irmãs acabam caindo em uma armadilha feita pelos alemães e são acusadas de espiãs conspiratórias pelo governo britânico.

A qualidade técnica do filme é muito responsável por ambientar esse período pré-guerra. A película, filmada durante a pandemia e com um baixo orçamento, mostra como você pode gravar um filme com ótima qualidade, mesmo com recursos escassos. Bastante material do filme foi processado em casa em um tanque de revelação de 16 mm do período soviético.

Por ser dirigido em estilo found footage, isso acaba nos aproximando mais das personagens e, consequentemente, criando empatia pelas mesmas, ainda mais com as excelentes atuações e carisma de Emma e Stefanie. Conseguimos acompanhar, aqui, mais que a história de duas mulheres, mas também uma representação do amor fraternal e até onde estamos dispostos a defender nossos familiares. Afinal, a própria invenção das irmãs foi intitulada como Lola, em homenagem à mãe das protagonistas.

Embora o longa seja um recorte sobre a Segunda Guerra Mundial, viagem no tempo e regimes autoritários. O filme expõe, em sua essência, a importância das relações familiares, como também o poder do amor fraternal entre duas mulheres.

Autor:


Meu chamo Leonardo Veloso, sou formado em Administração, mas tenho paixão pelo cinema, a música e o audiovisual. Amante de filmes coming-of-age e distopias. Nas horas vagas sou tecladista. Me dedico à exploração de novas formas de expressão artística. Espero um dia transformar essa paixão em carreira, sempre buscando me aperfeiçoar em diferentes campos criativos.

sábado, 8 de março de 2025

Better Man: A História de Robbie Williams - O Animal por trás do Homem

Better Man | Paramount Pictures


Primatas são figuras comuns no universo do cinema. Sejam encarnados no famoso e alegórico King Kong, ou em posições dominantes, como em “Planeta dos Macacos”, tais presenças, mais habituais em ficções científicas, não são estranhas aos olhos humanos. Entretanto, uma celebridade musical escolher ser referenciada no papel de um macaco é, no mínimo, curiosa. “Better Man - A História de Robbie Williams”, de Michael Gracey, opta por tal irreverência com o aval total do cantor que dá nome à obra.

Sem qualquer estranheza por parte dos demais, Robbie Williams, interpretado aqui por Jonno Davies, já na pele do animal por intermédio de um ótimo CGI, é um jovem talento descoberto pelo grupo britânico Take That, que o fez obter ascensão meteórica em sua carreira. Porém, após os vislumbres de extravagância que a fama traz, o protagonista se perde e se encontra em uma velocidade disfuncional. De maneira não cronológica, passagens de sua vida são contadas com uma realidade que só é parada pela barreira criada pela fantasia que o próprio filme propõe. Estes momentos, que englobam uma série de aderência a vícios e um sofrimento atroz por parte de Robbie, são tratados de maneira visceral e explicativa, assim como artisticamente belos.


O arco de construção da persona do cantor, que passa de um menino inseguro para uma estrela da música no qual o brilho do reconhecimento o cegou, é apressada, mas compreensível. A ênfase não está apenas no dom de Robbie, mas sim nas consequências, desde familiares até em outros âmbitos sociais, que o fizeram decair significativamente após seu contato com a fama. Sua família, aliás, traz um núcleo de pai e filho que auxilia no crescimento e na formação do corpo da trama, agregando a dramaticidade e um fundamento necessário para que tomemos partido da situação.


Ainda que no palco Robbie fosse um fenômeno, sua vida pessoal, como apresenta a biografia, era conturbada e permeada por dependências, compulsões, autossabotagem e pensamentos intrusivos. Contudo, com a presença dos números musicais, era impossível esquecer que ali também se tratava de um musical com apego à sensibilidade e à sonoridade fantástica do artista, além de sempre nos relembrar que estávamos diante de uma história com seu “quê” fantástico. As canções nem sempre funcionam, visto que, em certo ponto, parecem amontoadas, causando uma possível dispersão do espectador.


Michael Gracey, que já esteve à frente de “Rocketman” e “O Rei do Show”, sabe bem como captar a atenção certa no momento certo para a situação certa. As circunstâncias musicalizadas são caprichosas, embora as ocasiões do dia a dia se resolvessem de maneira um tanto fácil, provando que todo problema tem uma resposta direta e positiva. Como trata-se de um clássico caso de um artista diferenciado e influente em busca de redenção, o filme não se distancia tanto dos demais na mesma linha de pensamento. Todavia, quando o realiza, é com cuidado; não em relação a imagem de Robbie, mas essencialmente na forma de filmagem e zelo com a história.


“Better Man - A História de Robbie Williams” adentra o imaginário de Robbie Williams, que compartilha com o espectador a chance de o conhecer melhor, mesmo na imagem de um macaco. Em um bom passeio pelos altos e baixos de sua vida, percebemos a tentativa de humanizar, mesmo que por meios “animalescos”, uma personalidade inesquecível porém ainda discreta quanto a sua própria história. Embalado por canções do próprio artista, o âmbito musical seria concretizado com maestria se não unisse tantos números em um curto espaço de tempo. Mesmo assim, é possível se entreter com imagens inventivas e uma trajetória cinematográfica interessante. De fato, nada é impossível para o audiovisual.


Autora:


Laisa Lima 

25 anos, formada em cinema, roteirista, crítica, videomaker e moradora do Rio de Janeiro, minha paixão pelo cinema transcende as telas. 
De “Guarda-Chuvas do Amor” até “Laranja Mecânica”, meu amor pela arte não se prende a nenhum gênero, mas sim ao que me toca. 
Também sou apaixonada pelos pormenores da vida, que se apresentam sem nenhum roteiro. 
Logo, imaginação não falta em mim. 
Sou de tudo um pouco, e procuro sempre expor minha versão mais democrática, que enfrenta a realidade com a maior criatividade possível.

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

A Verdadeira Dor – E Nossos Mecanismos de Defesa

 

A Verdadeira Dor | Searchlight Pictures

A segunda direção de Jesse Eisenberg foi uma agradabilíssima surpresa. Tenho uma admiração pessoal pelos filmes que conseguem demonstrar o quadro geral da obra logo em seu primeiro plano, o que é exatamente o caso. Começamos com um fade in decorado com a clássica Nocturne de Frédéric Chopin e um travelling lateral lento em um aeroporto, com incontáveis figurantes, alguns em movimento outros em sua tediosa espera pelo próprio voo, até que damos uma volta para seguirmos então com o travelling, agora frontal, que nos revelará então, aparecendo entre as pessoas, um dos nossos dois protagonistas, Benji, interpretado por Kieran Culkin, e terminamos o shot em um close-up frontal no ator com uma expressão neutra. É daqui que vemos que o trabalho de escolha de elenco foi perfeito. 

Cada ator transmite uma emoção específica quando se põe com o rosto neutro ou em descanso. Na maioria das vezes a leitura que se faz é de raiva, ou com atores mais jovens, como seria o caso de Culkin, inocência, às vezes medo. Mas o que vemos, também influenciado pelo próprio título do filme que aparece quase em cima do protagonista, é tristeza. Recentemente me chegou a informação de que Culkin quase teve de sair do elenco do filme, por complicações em sua agenda, mas Emma Stone (Pobres Criaturas, La La Land), sendo uma das produtoras do filme, o convenceu a ficar, mesmo com as dificuldades, e ainda bem, pois em ele teríamos talvez um filme ligeiramente diferente, e ligeiramente fora do ponto.

Logo após esses maravilhosos 50 segundos, que já haviam me ganhado completamente, somos introduzidos ao nosso segundo protagonista, primo de Benji, interpretado por Jesse Eisenberg, que mesmo participando do filme como escritor e diretor, não perde a mão de sua atuação, e o mais interessante de tudo, sabe exatamente que tipo de personagem aproveita melhor de seus específicos talentos, voz e forma. Seu personagem David sai de casa com o telefone na orelha, ligando incessantemente para Benji, que nunca retorna à ligação. David é ansioso, nervoso, nunca calmo. Parece estar constantemente incomodado, como se passasse a vida se segurando para não correr para dentro de um buraco para se esconder para sempre. Então quando David finalmente chega ao aeroporto recebemos um susto – Benji aparece e recebe David com um sorriso gigante no rosto. Mas com o decorrer da história, vamos perceber o motivo desse suposto engano.

David e Benji embarcam em uma viagem para a Polônia (justificando a escolha de Chopin, compositor polaco, durante o filme) para honrar a memória de sua recém-falecida avó, que ambos amavam, e aproveitam para conhecer melhor sua história através de um tour dedicado a descendentes de judeus vítimas do holocausto. O filme é um clássico exemplo de road movie, em que a viagem em si transforma e aproxima dois personagens centrais, com participações importantes de alguns adjacentes. Não demora muito até que a obra nos arranque as primeiras risadas, com um tipo de comédia muito específico e interessante que se torna cada vez mais presente em filmes estadunidenses, que trabalha uma naturalidade de micro tiradas, pequenas gags dedicadas a causar aquela risada nasal quase imperceptível, ajudando a ter uma imersão um pouco mais pessoal no filme. Benji é tão irritante e ao mesmo tempo carismático, e David quase se contorce ao não saber lidar com a extroversão do primo, num ambiente onde nossos atores criam uma improvável química, que não só funciona como também contagia.

Kieran Culkin nos dá uma de suas melhores performances, com esse personagem extremamente humano, real e relacionável a nós mesmos, escondida nessa comédia. Ao descobrirmos que seu personagem fez uma tentativa de suicídio numa cena também de impecável atuação de Eisenberg, percebemos que talvez o tema central a ser conversado no filme sejam as nossas máscaras do dia-a-dia, que usamos para lidar com nossas dores. 

Benji age sem remorso de suas ações e falas, ele diz o que pensa, faz o que quer, trata as coisas com leveza, tudo tentando abstrair do próprio sofrimento pessoal, expondo suas emoções a todo o momento, enquanto David faz quase o oposto, ele acredita que seus problemas são apenas seus, e não existe razão nem desculpa para buscar ajuda. Os dois são opostos mas os mesmos, e um não quer viver a vida sem o outro, e mesmo entendendo que nunca serão capazes de curar um ao outro de seus problemas pessoais, passam a pelo menos compreender o outro lado, fechando o filme com o mesmo Close-up em Benji, no mesmo lugar no aeroporto, mas dessa vez com o título no lado oposto da tela, mostrando que cada lado de uma história tem a sua própria verdadeira dor.  

Autor:


Henrique Linhales, licenciado em Cinema pela Universidade da Beira Interior - Covilhã, Portugal. Diretor e Roteirista de 6 curta-metragens com seleções e premiações internacionais. Eterno pesquisador e amante do cinema.

Capitão América: Admirável Mundo Novo - Sam Wilson Enfrenta Vilões, Efeitos Especiais e o Legado

Capitão América: Admirável Mundo Novo | Disney


Sam se encontra no meio de um incidente internacional após se encontrar com o presidente Thaddeus Ross. Ele deve descobrir logo a razão por trás de uma conspiração global nefasta antes que o verdadeiro mentor faça o mundo inteiro ficar vermelho.

Para mim, a trilogia do Capitão América, protagonizada por Steve Rogers, é a melhor da Marvel Studios. Desculpem, Guardiões da Galáxia, mas essa honra pertence à saga do Capitão. Eu estava com receio em relação ao quarto filme da franquia, especialmente porque os três anteriores são um exemplo clássico do meme do 'cavalo bem desenhado'. No entanto, neste caso, o cavalo não está bem desenhado. Se eu fosse usar o meme, diria que é apenas um esboço de cavalo. No entanto, ao assistir a este novo capítulo, posso dizer que o cavalo não segue bem desenhado. Se eu fosse usar o meme, diria que é apenas um esboço de cavalo, com boas intenções, mas sem a mesma estrutura sólida que fez os filmes anteriores tão marcantes. 

O filme é extremamente divertido, com cenas de luta impressionantes que capturam a essência da ação da Marvel. Ao evitar o uso de magia ou explosões de laser, as batalhas se destacam pela coreografia detalhada e uma abordagem mais realista, entregando exatamente o que a Marvel faz de melhor: ação de qualidade, repleta de momentos intensos e emocionantes. As lutas são ágeis, bem coreografadas e trazem uma energia única para as telas. No entanto, os efeitos visuais ficam aquém das expectativas, especialmente para um estúdio com o histórico da Marvel. Um exemplo disso, sem entrar em detalhes, é uma cena na reta final que foi alterada de última hora após uma recepção negativa nas sessões de teste. O cenário, feito às pressas, é claramente visível como um trabalho de tela verde, lembrando os ambientes de videogame mais antigos, como os do Playstation 2.

Sam Wilson não é uma réplica de Steve Rogers, e isso é o que torna seu papel como Capitão América ainda mais interessante. Neste filme, ele se distancia do legado de Steve, trazendo uma versão mais humana do herói, com emoções universais e dilemas que refletem sua própria identidade e jornada. Suas palavras e atitudes carregam um peso emocional que o torna mais acessível e real para o público. Além disso, Sam assume um novo e importante papel como símbolo de representatividade no time de heróis, quebrando barreiras ao ser o primeiro Capitão América negro nas telonas. Sua presença vai além da luta contra o mal; ele se torna um reflexo de novos tempos, representando questões sociais e a luta por igualdade. A narrativa não apenas explora sua transformação em herói, mas também a responsabilidade que vem com essa mudança de identidade, enquanto ele busca equilibrar sua própria história com o legado de Steve Rogers.


Harrison Ford foi uma escolha excelente para o elenco, trazendo uma nova profundidade ao personagem Thaddeus Ross. Sua interpretação revelou uma faceta mais humana e vulnerável do personagem, algo que não havia sido explorado de forma tão explícita nas versões anteriores. Ao mesmo tempo, Ford conseguiu manter o vigor e a intensidade que sempre caracterizaram Ross, dando-lhe o ímpeto de ação e o potencial para gerar repulsa, características que os fãs já associavam a ele. A habilidade de Ford em equilibrar essas nuances – a fragilidade e a ferocidade – trouxe uma dimensão única à narrativa, fazendo com que Ross fosse tanto mais compreensível quanto mais ameaçador. 


A introdução do Hulk Vermelho no filme foi um grande destaque, com o CGI sendo de alta qualidade. A transformação de Thaddeus Ross foi bem-executada, com texturas realistas e movimentos poderosos. A aparência do personagem, com seus músculos e pele vermelha, transmitiu força e agressividade, mantendo a credibilidade visual e a essência ameaçadora do Hulk. A animação também conseguiu capturar a intensidade e emoção do personagem.


Capitão América: Admirável Mundo Novo, apesar de algumas falhas nos efeitos visuais e da pressão do legado de filmes anteriores, traz uma jornada poderosa de Sam Wilson como o novo Capitão América. O filme adiciona uma camada de complexidade e representatividade que ressoa profundamente com o público, apresentando um herói mais humano e profundamente conectado às questões sociais. Embora apresente algumas imperfeições, a obra consegue preservar a essência da Marvel, oferecendo ação intensa, momentos emocionantes e uma narrativa corajosa que avança para um futuro repleto de novos desafios.

Autor:


Meu nome é João Pedro, sou estudante de Cinema e Audiovisual, ator em formação e crítico cinematográfico. Apaixonado pela sétima arte e pela cultura nerd, dedico meu tempo a explorar e analisar as nuances do cinema e do entretenimento.

Telefone Preto 2 - Do Suspense Psicológico para a Hora do Pesadelo

Telefone Preto 2 | Universal Pictures Pesadelos assombram Gwen, de 15 anos, enquanto ela recebe chamadas do telefone preto e tem visões pert...