terça-feira, 8 de outubro de 2024

Até que a música pare - O Luto como Forma de Descobrimento

Até que a Música Pare | Pandora Filmes

Cristiane Oliveira vem com a pretensão de reerguer o cinema sulista, e com isso conta a história de Chiara, uma senhora consumida pela morte de seu filho, que quando o cristianismo já não é mais capaz de confortar seu luto, busca conforto em outros horizontes.Com medo de seu marido extremamente conservador, a protagonista esconde sua busca. Assim, durante a trama, a personagem entra em divergência com diversos aspectos de sua vida que antes não lhe foram evidenciados. .

Até que a música pare, é principalmente falado em Talian, um dialeto que mistura o italiano com o português, comum entre os descendentes italianos principalmente do Sul do Brasil. É muito interessante que a diretora apresente uma cultura que uma pequena parcela da sociedade brasileira conhece. 

Um filme envolto de contrastes para desenvolver a percepção da protagonista, o cristianismo e o budismo, as visões da juventude e a visão dos mais velhos, sua moral e as ações do marido. Dessa forma nos é mostrado o abrir dos olhos de Chiara, para que ela pudesse buscar novos horizontes, e assim, a partir do Budismo, ela é capaz de criar esperanças de um possível contato com seu filho, já falecido, através do reencarnacionismo. Essa nova visão a faz perceber antigos comportamentos que a afastava de seus outros filhos e a conecta com a percepção de mundo deles.

Os ambientes vazios se mostram presentes desde o começo do filme, vazios assim como a protagonista se sentia no começo do longa. E, com o passar do tempo, eles se enchem, como se agora a vida de Chiara estivesse preenchida nem que por uma mínima possibilidade de ainda poder estar próxima de seu filho.

O marido de Chiara, é um homem extremamente rígido, que a todo momento rejeita que a personagem desbrave novos horizontes, dessa forma a obra faz um retrato da parcela da sociedade brasileira, que é envolta por um conservadorismo ligado a uma intolerância religiosa. “Mãe, falar da luz para quem vive na escuridão é fazer um bem”.

Um filme que quase alcança a excelência, mas que infelizmente utiliza de um didatismo exacerbado, que atrapalha diretamente na narrativa como um todo. Tudo é metodicamente explicado, emoções, sentimentos, e isso ocorre tanto que os atores acabam parecendo robôs, como se não houvesse emoções verdadeiras naquela situação. Num geral, senti falta da naturalidade e irracionalidade que envolve os sentimentos, é tudo tão certinho, como se os personagens tivessem a necessidade de proferir todos os seus pensamentos, para que não haja dupla interpretação de nada do filme.


Autor:


Me chamo Gabriel Zagallo, tenho 18 anos, atualmente estou cursando o 3º ano do ensino médio e tenho o sonho de me tornar jornalista, sou apaixonado por cinema e desejo me especializar nisso. Meus filmes favoritos são Stalker, Johnny Guitar, Paixão e Rio, 40 graus.

Kasa Branca - Rio de Janeiro além do Cartão Postal

Kasa Branca | Globo Filmes

Kasa Branca conta a história de Dé, um jovem da periferia do Rio de Janeiro que toma conta de sua avó, que sofre de Alzheimer terminal. Dé consegue tomar conta de sua avó com apoio de seus dois melhores amigos passando por várias dificuldades, além dos conflitos de cada um deles com suas próprias vidas. O filme é dirigido pelo conhecido ator Luciano Vidigal e tem como protagonista o ator e comediante Big Jaum, Teca Pereira interpreta a avó de Dé.

O filme mostra um cenário de dificuldade que muitos jovens negros vindos da periferia passam pelo Rio de Janeiro sem ser de forma apelativa. Mostra de forma bem explicita os problemas financeiros que muitos jovens passam por tomar conta de seus ente queridos e tentando dar seu máximo para conseguir sobreviver o mínimo com o apoio daqueles que estão ao seu lado. Mesmo o filme mostrando um cenário bastante drástico, não é um filme que coloca o sofrimento como foco, mas a vida além do sofrimento que já não tem mais solução.

Seus amigos, que o ajudam a tomar conta de sua avó, fazem Dé viver muitas experiências no filme que são a principal corda condutora no quesito cômico, sendo piadas e as formas de falar que a maioria só vai entender sendo um bom carioca da gema. Isso torna todo aquele cenário mais humano, sem tentar focar a vida na comunidade com algo apenas sofrível e pesado como é desenhado muitas vezes no cinema brasileiro. 

Luciano Vidigal faz questão de apontar o foco do filme sendo as relações humanas, oque faz o espectador se sentir abraçado por aquele cenário sem parecer um turista de um espaço que muitos evitam em enxergar humanidade, algo que para quem conhece a visão dos moradores da Zona Sul do Rio de Janeiro sobre as comunidades sabe que existe e acontece. Dé carrega a dificuldade de cuidar de sua avó em seu estágio terminal de Alzheimer, mas isso não o deixa isento de sentir amor, de curtir uma festa, de sair com seus amigos. Existe uma vida ali, e ela é bela.

Sem contar o trabalho de desenvolvimento de seus dois amigos, Martins e Adrianim. Martins é o personagem que é o principal elemento no ponto cômico da obra, vivendo a vida como se não tivesse amanha, e Adrianim sendo um amigo que sofre por um amor que não sabe se existe reparo ou não. O desenvolvimento de ambos os personagens e oque acontece na sua vida em paralelo além de ajudar Dé é feito de forma bastante orgânica e sem nenhum momento perder o tom. 

Luciano consegue conduzir de forma madura e direta a proposta do filme que em nenhum momento se perde, além de ter uma conclusão potente para a jornada dos três personagens. Fazendo o espectador se sentido abraçado pelos personagens e querendo abraçar os mesmos. No quesito técnico, o filme não tenta ir muito além do básico, até mesmo quando se fala de enquadramentos e em pontos estéticos como direção de arte e figurino. É um filme que tem uma proposta de argumento muito bem feita por conta do roteiro e da atuação, mas o resto do filme não casa com oque é proposto por todo o resto. 

Mesmo o ponto técnico sendo apenas funcional, a obra em seu conjunto geral consegue ser finalizada de forma madura e com uma beleza em sua simplicidade no que é entregue ao espectador. Kasa Branca é um drama e uma comédia que consegue exalar um puro sentimento do que significa ser carioca. 

TEXTO DE ADRIANO JABBOUR.

segunda-feira, 7 de outubro de 2024

Termodielétrico – O cientista e a poetisa

 

Termodielétrico | Embaúba Filmes

Filme documental em formato de ensaio audiovisual com uso de imagens de acervo pessoal de Joaquim da Costa Ribeiro, pioneiro da física experimental no Brasil, com foco em sua descoberta do efeito termodielétrico, que dá nome ao filme e se explica como sendo um fenômeno de surgimento de correntes elétricas decorrentes da mudança de estado da matéria.

A diretora Ana Costa Ribeiro é neta do cientista e ressente nunca ter conhecido o avô, transformando a obra em não só relatos de achados do gigantesco acervo da vida de Joaquim da Costa Ribeiro, mas também em uma reflexão íntima e pessoal dessa trajetória e como ela passa a definir aspectos da vida em si. 

Ela constrói o enredo com seus pensamentos, leituras de cartas de sua família, poesias e citações, gradualmente associando filosoficamente o efeito termodielétrico com as mudanças das fases da vida. Em como cada mudança, física ou emocional, gera um traço de energia, uma luz. O dar à luz a um bebê, que no caso de sua avó foram dez, o crescer de uma criança em adulto, até a inevitável morte de uma pessoa, o fracassar em algum objetivo, o reagir de certo modo que nos transforma. Tudo gera uma energia.

O enredo que combina cinema e arte se encontra perfeitamente na linguagem do cinema, que metalinguisticamente tem em sua história uma origem científica, até que se metamorfoseia em arte. É interessante essa abordagem não convencional de contar a vida de um importante físico brasileiro através de pensamentos de sua neta que não chegou a o conhecer. 

Existe uma intimidade nessa forma de direção pois não é estranho a ninguém o sentimento de admirar alguém de nossa família que só conhecemos em base de histórias contadas, fotos e cartas. Conserva-se sempre o melhor que fizemos e que tipo de herança deixamos para nossos familiares, e no caso de Ana Costa Ribeiro, ela divide uma herança deixada por seu avô com o mundo todo, a importância de uma verdade científica descoberta pelo mesmo.

Apesar da interessante abordagem e cativantes personagens dentro da história dessa linhagem, o argumento peca em dar voltas em si mesmo e aposta no seguro dentro de suas escolhas imagéticas, que mesmo com um óbvio domínio da montagem cinematográfica e excelente trilhas sonora e musical, cai em uma mesmice por vezes monótona se afasta da possibilidade de ser um filme para todos, mesmo que o tema central da história seja um tema que diz respeito a todos, família.


Autor:


Henrique Linhales, licenciado em Cinema pela Universidade da Beira Interior - Covilhã, Portugal. Diretor e Roteirista de 6 curta-metragens com seleções e premiações internacionais. Eterno pesquisador e amante do cinema.

Mambembe - Cinema e Circo de Mãos dadas no caos Tropical

Mambembe | Fabio Meira

Mambembe conta a tentativa do diretor Fabio Meira em fazer um longa metragem de ficção a ver com a temática circense, mostrando em paralelo os desafios de conseguir fazer um filme com a vida dura daqueles que vivem como artistas de circo. O filme mostra em seus primeiro minutos a proposta de misturar a ficção com a linguagem documental, além de mostrar que o projeto pensado de início não ser concluído como o diretor visava.

O diretor faz questão de mostrar os artistas circenses de forma honesta, tentando seguir o mesmo estilo de filmagem dos personagens não fictícios como Eduardo Coutinho tinha costume de fazer em seus filmes: conversas fora da formalidade e buscando saber sobre a vida daqueles que estão ali em frente à câmera. É o ponto do filme que mais prende a atenção dos espectadores pela forma cativante que cada personagem é e pelas trajetórias de vida que vão de aceitação da própria sexualidade, à traição entre outros tópicos sociais.

Outro ponto que faz o filme ter uma camada sentimental a mais abordando pontos metalinguísticos cinematográficos é o diretor mostrando as circunstâncias que fez o filme não ser concluído da forma que ele queria, mas jamais cogitando a ideia de fazer aquilo que foi filmado desaparecesse. Para quem vive no meio técnico de fazer cinema entende perfeitamente o sentimento de Moreira em fazer esse filme que mescla realidade e ficção. 

Um ponto cômico do filme, que chega a ser irônico(além do humor entre os personagens presentes) é Fabio contando qual seria a história do filme, e a vida real dos personagens serem todas melhores do que a que ele mesmo estava propondo desde o início. Sem contar a fala de uma das donas de um dos circos que aparecem responder a pergunta de Fabio da seguinte maneira:

"-Para você oque não pode faltar em um filme de circo?"

"-Alguém que realmente é do circo sendo responsável pelo filme."

A fala da personagem que soa quase como uma faca no peito do próprio diretor mostra o quão real é a ideia de que a Verdade dentro do cinema nunca vai acontecer. Nessa resposta ela fala algo que muitos artistas entendem perfeitamente. É uma paixão e um estilo de vida que só quem faz parte é capaz de entender e contar. Fabio ao ouvir isso se mostra incomodado por trás das câmeras com a mudança de seu tom de voz mostrando insegurança, mas que não afeta a obra em nenhum sentido ligado à esse tópico. 

Claro que tal ideia de "lugar de fala" sobre o filme não significa que se caso o diretor responsável fosse circense faria um filme melhor. Até pelo fato de que estar no mesmo lugar não é saber se comunicar em formato audiovisual, que é a camada mais crucial para o filme acontecer. Mas conseguiu em um pequeno espaço de tempo causar uma provocação à cineastas e ao próprio diretor, mostrando a coragem da direção de mostrar que o diretor está disposto em se mostrar como só mais um personagem comum no filme, assim como todos seus personagens. 

Mas percebe-se também que muitos personagens reais apresentados foram colocados de forma deslocada e perdida em comparação com o Circo protagonista e os personagens que fazem parte do lado fictício. Alguns desses personagens não aparecem mais de 2 minutos no filme, e o diretor os coloca no filme sem saber como colocá-los. Soando quase como uma tentativa de fazer o longa ter mais tempo, resultando em algo pouco pensado e sendo um dos poucos problemas do filme.

Mambembe consegue seduzir e abraçar os amantes circenses e cineastas, mesmo com suas problemáticas ligadas a montagens e certas sequências mal elaboradas. Uma obra que consegue satisfazer seu espectador principalmente pela honestidade existente na conversa entre filme e espectador.  

TEXTO DE ADRIANO JABBOUR.

domingo, 6 de outubro de 2024

O Quarto ao Lado - Encontros e Despedidas

O Quarto ao Lado | Warner Bros. Pictures


Ingrid (Julianne Moore) e Martha (Tilda Swinton) eram amigas muito próximas durante a juventude, quando trabalhavam juntas na mesma revista. Enquanto Ingrid tornou-se escritora, Martha seguiu carreira como repórter de guerra e as circunstâncias da vida as separaram. Após anos sem contato, elas se reencontram em uma situação extrema, porém estranhamente doce.

A direção é do diretor espanhol Pedro Almodóvar que frequentemente aborda temas como identidade, sexualidade, amor e relações familiares. Seus filmes costumam apresentar personagens complexos e multifacetados, muitas vezes explorando a experiência feminina e questões LGBTQ+. Aqui envolve a relação entre a Ingrid e Martha, onde a presença de Ingrid como amiga íntima que observa e tenta mediar o conflito é uma temática que Almodóvar frequentemente aborda. Ele retrata a solidariedade e os desafios nas relações entre mulheres, mostrando como essas conexões podem ser profundas e complicadas.


A amizade entre as duas personagens cativa o público, pois é facilmente identificável, uma vez que muitas pessoas já passaram por situações em que, após um longo período sem contato, voltam a se comunicar com um amigo ou amiga. Além disso, o fato de Martha estar morrendo torna-se doloroso de assistir, pois, desde o início, o espectador não se sente preparado para ver a personagem partir, mesmo que ela já tenha aceitado a morte. A fragilidade da vida e a inevitabilidade da morte criam um pano de fundo intenso que torna a reconexão das duas ainda mais significativa. Assim, o filme não apenas explora o tema da amizade, mas também provoca uma profunda reflexão sobre como valorizamos nossos laços afetivos e a necessidade de resolver pendências emocionais antes que seja tarde demais. Essa profundidade emocional é o que torna a história tão ressonante e impactante para o público.


Os momentos cômicos nos filmes de Almodóvar são caracterizados pelo sarcasmo, uma de suas marcas registradas que contribui para o tom único de suas obras. Por exemplo, há uma cena em que as personagens estão em uma livraria, e Martha, que está prestes a morrer, menciona que não terá tempo de concluir o livro que viu na loja. O humor ácido e a leveza com que Almodóvar aborda temas pesados permitem que o público encontre alívio em meio à dor, criando um espaço onde a comédia e o drama coexistem.


Ao utilizar o sarcasmo, ele não apenas proporciona risadas, mas também provoca reflexões sobre a condição humana, mostrando como o riso pode ser uma forma de resistência diante da tragédia. Essa habilidade de transitar entre o cômico e o trágico torna suas obras profundamente ressonantes, capturando a complexidade das emoções humanas de maneira singular. Portanto, cada momento humorístico, mesmo que envolva uma realidade sombria, contribui para um entendimento mais profundo dos personagens e de suas lutas, enriquecendo a experiência do espectador.


O filme é baseado no livro O que você está enfrentando, que narra a história de uma mulher que acolhe relatos de pessoas enfrentando dificuldades, enquanto lida com o pedido inusitado de uma amiga com câncer terminal. Juntas, elas encaram a morte com racionalidade e humor. Embora eu não tenha lido o livro, ao analisar sua sinopse, percebi semelhanças com o longa-metragem. Ambas as obras exploram temas universais de amizade, conflito e reconciliação.


O Quarto ao Lado destaca a importância das conexões humanas em tempos difíceis, desafiando o público a refletir sobre suas próprias relações e a maneira como enfrentam os desafios da vida. Almodóvar também nos lembra que, mesmo diante da dor e da perda, o amor e a solidariedade podem florescer, oferecendo conforto e esperança.

Autor:


Meu nome é João Pedro, sou estudante de Cinema e Audiovisual, ator em formação e crítico cinematográfico. Apaixonado pela sétima arte e pela cultura nerd, dedico meu tempo a explorar e analisar as nuances do cinema e do entretenimento.

sexta-feira, 4 de outubro de 2024

Coringa - Uma Análise Profunda da Mente Humana e da Sociedade

Coringa | Warner Bros. Pictures

Isolado, intimidado e desconsiderado pela sociedade, o fracassado comediante Arthur Fleck inicia seu caminho como uma mente criminosa após assassinar três homens em pleno metrô. Sua ação inicia um movimento popular contra a elite de Gotham City, da qual Thomas Wayne é seu maior representante.


A direção é de Todd Phillips, conhecido por comédias como a trilogia Se Beber, Não Case e Caindo na Estrada. No entanto, o diretor toma um rumo completamente diferente ao trabalhar com o vilão mais icônico da DC Comics e da cultura pop, o Coringa. O filme não adapta uma história em quadrinhos específica, mas cria uma narrativa inédita para o personagem.


Fugindo do convencional dos filmes de super-heróis, o longa adota um estilo de drama psicológico com elementos de thriller. Curiosamente, atraiu um público que talvez não se interessasse por obras desse gênero, mas foi ver Coringa devido ao apelo do personagem. Em seu ano de lançamento, tornou-se o filme para maiores de idade de maior bilheteria, superando Deadpool 2, lançado no ano anterior. Não critico os espectadores que foram atraídos pela popularidade do personagem, apenas apresento os fatos.


O longa explora a trajetória de um homem com transtornos mentais que, aos poucos, se transforma em um palhaço assassino. É impossível não traçar paralelos com Taxi Driver, de Martin Scorsese. Ambos os filmes apresentam protagonistas solitários e marginalizados pela sociedade, que enfrentam dificuldades em estabelecer conexões humanas, o que os leva a uma espiral de violência. As obras também abordam temas como desigualdade, corrupção e abandono social. Em Taxi Driver, Nova York é retratada como uma cidade decadente, assim como Gotham em Coringa, onde crime e injustiça são predominantes.


Tanto Arthur quanto Travis, o protagonista de Taxi Driver, lutam contra doenças mentais, agravadas pelas circunstâncias ao seu redor, e são construídos de modo a provocar, ao mesmo tempo, empatia e desconforto no público, à medida que se tornam mais violentos. A violência, em ambos os casos, representa o ápice de suas frustrações e desespero. Travis tenta "purificar" a cidade em um acesso de raiva, enquanto Arthur encontra sua verdadeira identidade como Coringa após um ato violento no metrô. Além disso, a presença de Robert De Niro, que interpretou Travis e agora atua como o apresentador Murray Franklin em Coringa, reforça ainda mais a conexão entre as duas obras. Essas semelhanças evidenciam como o longa se inspira na obra de Martin Scorsese, reinterpretando temas clássicos de alienação e violência urbana.


Para os fãs do Batman, o filme traz alguns nomes familiares da mitologia do Cavaleiro das Trevas, além do próprio Coringa, que é o protagonista. Entre eles, estão Thomas Wayne e o jovem Bruce Wayne. Não é necessário conhecer as histórias do Batman para apreciar o filme, mas essas referências certamente são um deleite para os fãs da franquia.


Joaquin Phoenix se destacou em Coringa com uma atuação excepcional, marcada por uma impressionante transformação física e emocional. A perda de peso não apenas alterou sua aparência, mas também intensificou a fragilidade e vulnerabilidade de Arthur Fleck. Phoenix entregou uma performance complexa, equilibrando a dor e a solidão do personagem com explosões de violência. A risada, uma condição incontrolável que reflete seu sofrimento, tornou-se um traço marcante. Sua atuação, merecidamente premiada com o Oscar de Melhor Ator em 2020, é considerada uma das melhores de sua carreira.


Coringa vai além de um típico filme de super-herói, oferecendo uma análise profunda sobre a saúde mental e as questões sociais que envolvem seu protagonista. Com uma direção ousada de Todd Phillips e uma atuação impecável de Joaquin Phoenix, o filme se destaca pela sua complexidade e pelo impacto psicológico que causa. Em breve, o público poderá conferir a sequência nos cinemas.


Autor:


Meu nome é João Pedro, sou estudante de Cinema e Audiovisual, ator em formação e crítico cinematográfico. Apaixonado pela sétima arte e pela cultura nerd, dedico meu tempo a explorar e analisar as nuances do cinema e do entretenimento.

quinta-feira, 3 de outubro de 2024

Nazarín - A ingenuidade eclesiástica.

 

Nazarin | Películas Nacionales


Obra que gerou rebuliço entre a alta classe religiosa mundial, mas ironicamente não com discussões, ameaças e falsas acusações ao autor diretor Luís Buñuel, como ele já estava acostumado, mas por uma interpretação equivocada de que o filme teria sido sua tentativa de reconciliação com o tema. Engano esse pois talvez Nazarín tenha sido o trabalho mais crítico à religiosidade que o diretor espanhol já tenha feito, mas dessa vez de forma discreta.

O filme recebeu o grande prêmio internacional de Cannes, que foi inaugurado especialmente em decorrência da exibição desse filme. O texto é uma adaptação do romance homônimo escrito por Benito Pérez Galdós, com algumas adições de referências externas, como “Diálogo entre um padre e um moribundo”, de Marquês de Sade – em uma cena específica, onde uma mulher doente à beira da morte, recusa Deus e chama por seu marido - mais inspirações vindas da própria mente política e adepta do movimento surrealista de Buñuel.

O filme nos introduz o protagonista, padre Nazário, interpretado por Francisco Rabal, como sendo um suposto símbolo de bondade e altruísmo. Ele mora em um albergue extremamente pobre, a ponto de seus vizinhos de porta serem incapazes até de cometer suicídio, pois as vigas de madeira das casas estão podres e se partem com a mais simples pressão, momento que nos lembra também que nenhum filme de Buñuel fica sem um ou dois momentos de humor ácido, característica recorrente de suas obras. 

A trama avança quando uma de suas vizinhas, uma prostituta, comete assassinato e pede santuário para o padre, que, é claro, a acolhe. As autoridades passam a procurá-lo e ele é forçado a partir em uma peregrinação, onde perde cada vez mais, tanto seus poucos bens, pois os dá a quem precisa, quanto sua própria moral. O encontram e passam e segui-lo duas ex-moradoras do mesmo albergue, a própria assassina que causou seu exílio, e a moça depressiva que tentou o suicídio. Quanto mais tempo elas passam com ele, mais se tornam religiosas, supersticiosas e devotas a Nazário, que por sua vez, mesmo sendo um clérigo, tenta as convencer de que a fé delas é tolice.

Em contraponto com suas seguidoras, as autoridades e figuras clericais que encontra pelo caminho o perseguem, criticam e lincham, criando assim um microcosmo da história do próprio Jesus Cristo, motivo esse, talvez, que fez a elite eclesiástica acreditar que o filme fora feito para eles, quando na verdade Buñuel retrata a essa mesma elite como hipócrita, duvidando até da legitimidade dos valores religiosos da missão pessoal de Nazário. 

Não só humilhado por seus iguais, o padre também é afastado pelos desfavorecidos que encontra, sejam trabalhadores do campo ou aldeões doentes, que ironicamente se apresentam como pessoas crentes e devotas, onde apesar de serem adeptas a dogmas que pregam os cuidados entre uns aos outros, suspeitam das intenções por trás das ações de Nazário, que no decorrer de tanta hipocrisia, passa a desacreditar gradualmente de sua própria moral, elemento transmitido não de maneira mastigada pelo texto em si, mas pela irrepreensível atuação de Rabal.

Buñuel termina seu filme com um ponto final, como um discurso incontestado. A obra final, claramente inspirada pela relação entre religiosidade cega e extrema pobreza, muito comum em países das Américas como o México, onde foi filmado, afirma que às vezes a mais cética das pessoas são capazes de compreender e praticar melhor os ensinamentos e valores defendidos pelo cristianismo, em oposição àqueles que se colocam dentro da sociedade como ícones dessa fé de humildade enquanto escalam a posições de soberba, hipócritas e ingênuos os suficiente para não reconhecerem nem uma alfinetada dada nos próprios olhos.


Autor:


Henrique Linhales, licenciado em Cinema pela Universidade da Beira Interior - Covilhã, Portugal. Diretor e Roteirista de 6 curta-metragens com seleções e premiações internacionais. Eterno pesquisador e amante do cinema.

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