terça-feira, 7 de outubro de 2025

O Estrangeiro (2025) toma um sol de matar

O Estrangeiro (2025) | Gaumont

O Estrangeiro é um romance de Albert Camus, publicado em 1942 pela Gallimard, cuja trama se passa durante a colonização da Argélia pela França, ainda no século XX. O livro contém um teor psicológico, contado em primeira pessoa. O narrador, Meursault, um colono francês comete um crime contra um nativo e cabe a justiça se deve sentenciá-lo ou não. 

A obra se tornou um clássico da literatura ocidental. A estória foi adaptada para o cinema duas vezes: uma em 1967, Il Straniero, dirigida por Luchino Visconti e estrelada por Marcelo Mastroianni; e a outra é uma adaptação turca, Yazgı, lançada em 2001. A influência de Camus atingiu o imaginário popular e também abrangeu diversas artes e mídias ao longo dos séculos, como na música Killing an Arab da banda The Cure (que toca durante os créditos do filme de 2025). 

François Ozon, um dos mais prolíferos diretores franceses da atualidade, lançando novos projetos quase anualmente a esse ponto, é o diretor dessa nova versão que estreou no Festival de Veneza deste ano. Tendo em mente da responsabilidade de adaptar um texto icônico, o realizador opta em um releitura que explicita a tensão entre os colonos europeus e o nativos árabes, antes da guerra da Argélia, sem abrir mão do seu queer gaze.

Benjamin Voisin é Meursault, um jovem e taciturno colono francês na Argélia dos anos 30. Ele trabalha em um escritório e tem uma vida muita pacata, muito protocolar e essa rotina muda quando recebe um telegrama que sua mãe faleceu no asilo. Ele vai até o local onde acontece a vigília, mas nunca demonstra as típicas reações de alguém em luto, o que deixa algumas pessoas desconfiadas. 

Ao retornar, Meursault se esbarra em Marie (Rebecca Marder), uma antiga paixão, que reata com ele e Sintès (Pierre Lottin), um amigo e vizinho de prédio, que o arrasta para seus problemas pessoais, que envolve uma nativa local, Djemilla (Hajar Bouzaouit), e seu irmão. Após um evento, em uma praia, em que o irmão de Djemilla vai atrás de Sintès para tirar satisfações, Meursault, ao ver esse nativo com uma faca, atira a queima-roupa, matando o jovem.

Ozon estabelece bem a atmosfera e o ambiente em que a narrativa se passa, recriando com uma Argélia segregada ora pela política de colonizadora ora pelas questões culturais entre franceses e nativos; uma vez que os árabes da narrativa, apesar de presentes pelas ruas, estão ausentes em prédios públicos e áreas de lazer, reservadas somente para os colonos, evidenciando a política racista europeia. A personagem de Djemilla até mesmo denuncia, de modo bem sutil e claro, o absurdo deste projeto colonial. Aqui, mesmo não tendo o protagonismo da estória, os colonizados tem nome e voz e sabem que são invisibilizados pelo poder colonial.

Se os colonizadores ditam as regras sociais, a natureza é diferente. Meursault passa boa parte do tempo de tela ou coberto de suor ou se refrescando no mar. O sol o persegue. Seu corpo transpira como precisasse de fôlego. A protagonista ocupa um solo do qual não pertence e sente o presságio da natureza, rejeitando a presença dela. Existe um sufoco, um cansaço do qual ele se aliena, pois é contrário a ideia de retornar a Paris com convicção, ao mesmo tempo que complacente com o pensamento colonial. O mundo é um parque de diversões, um lugar exótico do qual não há uma familiaridade. Um observador ao seu bel-prazer. 

Além disso, Meursault está a procura de algo que não pode ter: seja uma nova figura materna em seu inconsciente - já que sempre fita mães e mulheres mais velhas acompanhadas de seus filhos -, seja pelo desejo carnal - tanto pela figura de Marie, uma moça disposta a casar com ele, quanto por uma atração por um nativo, que logo, torna-se uma repulsão de seus instintos sexuais. (A vontade de lamber uma axila peluda também pode matar, tá bom?) Como alguém tão direto, tão apático, pode ter uma dualidade da qual não a compreende? 

Ozon dá sua própria leitura à narrativa em que consegue, ao mesmo, triangular existencialismo, alteridade e tensão sexual, ainda que recriando a estrutura narrativa de Camus. A fotografia do filme em preto e branco é suntuosa. O diretor filma os corpos de suas personagens com aquela volúpia preguiçosa de verão, e com gosto, em composições maduras. O elenco é um sabor à parte. Voisin tem uma performance esplêndida como a protagonista niilista: a postura serena, o olhar lânguido e vazio de emoção, a energia de twink soberbo; enquanto outros personagens são mais expressivos ou causam impacto, como as participações especiais de Denis Lavant, como um vizinho viúvo de Meursault, e de Swann Arlaud, como um padre (gostoso) que tenta "convertê-lo" a "fé" cristã.

O Estrangeiro é uma adaptação sedenta cuja leitura do material original é amplificada para uma interpretação que evidencia o contexto original da obra e os traumas da herança colonial dos povos nativos. Um incômodo... tal como um corpo transpirado de suor e sem ar num dia de sol escaldante. O sol na cabeça queima a visão. E sem visão, somente resta a hamartia.

*Esta crítica faz parte da cobertura do 27o Festival do Rio, realizado em 2025.

Autor:
                                  

Eduardo Cardoso é natural do Rio de Janeiro, Cidade Maravilhosa. Cardoso é graduado em Letras pela Universidade Federal Fluminense e mestre em Estudos de Linguagem na mesma instituição, ao investigar a relação entre a tragédia clássica com a filmografia de Yorgos Lanthimos. Também é escritor, tradutor e realizador queer. Durante a pandemia, trabalhou no projeto pessoal de tradução poética intitulado "Traduzindo Poesia Vozes Queer", com divulgação nas minhas redes sociais. E dirigiu, em 2025, seu primeiro curta-metragem, intitulado "atopos". Além disso, é viciado no letterboxd.

O retorno dos serial killers mascarados: Os Estranhos - Capítulo 2

Os Estranhos - Capítulo 2 | Paris Filmes


'' Os Estranhos - Capítulo 2 '' é a nova sequência da franquia de terror que teve o seu início em 2008 com o diretor Bryan Bertino, trazendo de volta a atmosfera sufocante e a ideia central que sempre definiu esses filmes: o medo do inesperado e a violência gratuita. Dessa vez sendo dirigido por Renny Harlin, já conhecido por outros trabalhos de suspense e ação, incluindo o capítulo 1 de '' Os Estranhos '' em 2024, o longa mantém a proposta de causar inquietação no público, ao mesmo tempo em que busca expandir a história dos assassinos mascarados. 

Logo no início, o filme estabelece um tom informativo, trazendo referências e dados reais sobre casos de assassinatos em série ocorridos nos Estados Unidos. Essa escolha nos oferece um caráter quase documental, que contribui para inserir o espectador em um clima de desconforto antes mesmo da ação propriamente ter o seu início. Tal recurso funciona bem, pois amarra a trama a uma sensação de realidade, mesmo que a narrativa seja ficcional. Assim, cria-se uma ponte entre a ficção do terror e os temores que já habitam o imaginário coletivo. 

A tensão é estabelecida de forma imediata. Nos primeiros minutos, o público já é colocado em uma atmosfera de suspense crescente, sendo desempenhados por um papel crucial feito pela ambientação. Harlin acerta ao construir o primeiro ato, pois consegue manter a atenção do espectador presa e antecipar os eventos que se desenrolam em seguida. É nesse momento que o filme atinge seu ponto mais eficiente: os jogos psicológicos e o clima de perseguição que sempre foram a marca registrada da franquia.

Um dos destaques da obra está justamente nas cenas de perseguição. O diretor utiliza a câmera de forma estratégica, explorando ambientes fechados no hospital, florestas escuras e corredores estreitos para criar a sensação de claustrofobia. O espectador sente a impotência da vítima, Maya, que corre sem ter para onde fugir, e isso gera um desconforto eficaz. Embora a narrativa não traga muitas novidades dentro do gênero, a sequência ainda consegue prender pela execução técnica e pela intensidade do momento.

Porém, nem todos os elementos funcionam com a mesma eficiência. Uma cena envolvendo um javali na floresta, por exemplo, destoa do restante da obra. Mal executada, a sequência parece deslocada e quebra parte da tensão acumulada até então. A tentativa era provavelmente criar um susto adicional ou um elemento surpresa, mas o resultado fica mais próximo do estranho do que do assustador. Esse é um dos pontos em que o filme tropeça e deixa a desejar.

Ainda assim, '' Os Estranhos - Capítulo 2 '' procura dar mais profundidade à sua trama em comparação ao primeiro capítulo. A narrativa se esforça para oferecer algumas respostas sobre a motivação dos serial killers e, ainda que não seja um mergulho profundo, há mais diálogos que ajudam a compreender melhor quem são essas figuras mascaradas, por que agem de forma tão cruel e quando tudo aquilo teve o seu início. Isso adiciona uma camada de interesse extra, já que até então o grande diferencial da franquia era justamente a ausência de explicações.

O filme também planta as sementes para o que vem a seguir. A presença de um trailer no final da sessão é um indicativo claro de que essa não é uma história isolada, mas sim parte de uma trilogia planejada. Essa estratégia pode dividir opiniões: para alguns, é empolgante ver que a narrativa terá uma continuidade, para outros, pode soar como uma manobra comercial que enfraquece o impacto do filme atual, já que parte da resolução é deixada para mais a frente.

De um modo geral, '' Os Estranhos - Capítulo 2 '' cumpre por partes o seu papel de assustar, embora não atinja todo o potencial que poderia ter. É um filme com boas cenas de perseguição e momentos de suspense bem construídos, mas que também sofre com escolhas de narrativas com alguns problemas de execução e algumas quebras de ritmo. Ainda assim, para quem acompanha a franquia ou gosta de slashers que brincam com o medo da invasão e do imprevisível, o longa entrega uma experiência razoável e que prepara terreno para o desfecho.

Com 98 minutos de duração, a obra não se arrasta, mas também não consegue se aprofundar tanto quanto promete. Renny Harlin, no comando, mostra segurança na criação de tensão, mas tropeça quando tenta inovar. A nota justa é 3 de 5: um filme que entretém e inquieta, mas que não alcança o impacto memorável de outros títulos do gênero.

Autor:

Bárbara Borges é do Rio de Janeiro e estudante de Jornalismo. Apaixonada por cinema desde criança, sempre foi movida por histórias intensas, especialmente as de terror, seu gênero favorito. Em 2024, dirigiu o documentário Além do Recinto, que levanta questionamentos sobre o bem-estar de animais silvestres em zoológicos e o impacto do confinamento longe de seus habitats naturais. Gosta de pensar no cinema como uma forma de provocar, sentir e transformar. Vive atualizando seu Letterboxd com comentários sinceros e, às vezes, emocionados. Entre seus filmes favoritos estão Laranja Mecânica, Psicopata Americano, Pânico, Pearl e Premonição 3.


O Olhar Misterioso Do Flamingo (2025) - Faroeste trans sob uma lente cis

O Olhar Misterioso do Flamingo | Imovision

Fazer um faroeste é difícil. Agora fazer um faroeste queer durante a crise da AIDS é ambicioso. Na verdade, podemos dizer que O Olhar Misterioso do Flamingo (La misteriosa mirada del flamenco, no original), não é um faroeste à moda antiga,  mas sim um neo-western. Ou seja, é uma narrativa que tem a estrutura e códigos do gênero desconstruídos e/ou atualizados para mais próximo do contemporâneo. 

O filme é dirigido por Diego Céspedes e foi lançado na mostra Un Certain Regard do Festival de Cannes desse ano, obtendo o prêmio principal, e é o representante do Chile para tentar uma vaga de Melhor Filme Internacional no Oscar do ano que vem.

A ação se passa nos anos 80, em uma vila de mineradores, no deserto do norte do Chile. Um local árido e maciçamente ocupado pelos homens que trabalham nas minas. Nossa protagonista é Lídia (Tamara Cortés), uma garota de 11 anos, bem moleca, e vive com sua amorosa família, composta de mulheres travestis. São elas que ocupam o espaço da feminilidade da trama, ao longo da trama. Essa família é um clã que cuida do bar local (ou seja, o salloon daquela vila) e elas são lideradas pela matriarca Boa (Paula Dinamarca), que também é conhecida como Mama Jiboia. Lídia é filha adotiva de Flamingo (Matías Catalán), uma performer nesse bar e, no momento, está passando por uma doença então desconhecida. 

Apesar dessas mulheres terem a sua função social, elas não são bem quistas por uma grande parte da população local, que evitam olhá-las diretamente nos olhos, em específico. A situação muda quando, uma noite, um homem alega que foi infectado pelo olhar de Flamingo e, mais tarde na mesma noite, um crime acontece na comunidade. Estes acontecimentos vão causar um novo atrito entre o clã de travestis e os homens da vila em que eles decidem então controlar os corpos das mulheres, como um meio de não se infectarem.

A obra se destaca pela representação trans, com personagens vívidas e com suas complexidades. Quando o filme enfoca em sua dinâmica e no cotidiano dessas personagens, ganha uma dimensão bastante rica. E dentre esse grupo de personagens, tenho que destacar aqui a atuação da Paula Dinamarca como Jiboia, principalmente na segunda metade da narrativa. Também vale ressaltar o vínculo criado pelas atuações de Cortés e Catalán, Lídia e Flamingo respectivamente, pois há uma sinergia entre elas denotada de carinho e respeito mútuo. A garota não é só a filha da vedete, mas, de certa forma, também é retratada pelo longa como a protetora de sua mãe.

Também há questão da AIDS que está intrinsecamente ligado com os mitos e crendices locais. O olhar neste caso é a metáfora para o sexo desprotegido. O ato de fitar longamente seus olhos em alguém é tão íntimo quanto despir-se para alguém. Essa informação deixa Lídia curiosa e ela tenta descobrir os motivos por trás dessa "lenda". Enquanto isso, vemos a evolução do embate entre os homens locais e as mulheres trans se desenvolver com contornos interessantes em um jogo de poder e amor entre as partes envolvidas; já que Jiboia consegue o fascínio e o respeito com um homem influente da comunidade.

No entanto, ao tentar balancear as dores e as delícias da vida, o filme comete erros crassos de tom, principalmente em uma parte específica que envolve um assassinato de uma travesti do clã. Além disso, há um subtrama de vingança por tal barbárie, o que seria uma batida clássica de narrativas de faroeste, que é deixado de lado em prol de uma "mensagem maior". Ao sair da sessão do filme, completamente enebriado e alienado, me deparei uma questão que transpassa o filme e boa parte da representação transgênero no cinema atual: este filme é para qual público, trans ou cisgênero?  

Por mais que o filme tenha personagens trans bem desenvolvidas, a sensibilidade do filme recaí sobre uma lógica ligada a sensibilidade cis, que precisa se comover com a situação daquelas mulheres e em um recorte específico de tempo em que muitas delas começam a perecer por causa da epidemia da AIDS. O público trans, inerentemente, sabe que esse período dizimou muitas de suas ancestrais e tem o direito de recontar essas experiências de vida com sensibilidade. 

A direção de Céspedes peca justamente neste quesito. O choque da violência fica pelo choque, no trauma em que uma situação dessas possa acarretar na vida de uma garota cis que está saindo da infância e entrando na adolescência. Parece que roteiro pesa tanto de um lado que precisa compensar de outro, ao contrapor a violência da narrativa com momentos mais leves, porém o clima continua pesado. É um filme feito milimetricamente para fazer o seu público-alvo chorar às custas de um sofrimento real. 

Apesar de sua beleza e qualidades, a obra, em suma, apresenta um tom inconsistente em prol que uma catarse manipulativa. A sensação que fica é que o espectador saia da sessão com um gosto agridoce, um pouco mais azedo do que doce, mas confuso com seus próprios sentimentos em relação com o rumo da narrativa. Uma dismorfia emocional.

*Esta crítica faz parte da cobertura do 27o Festival do Rio, realizado em 2025.

Autor:
                                  

Eduardo Cardoso é natural do Rio de Janeiro, Cidade Maravilhosa. Cardoso é graduado em Letras pela Universidade Federal Fluminense e mestre em Estudos de Linguagem na mesma instituição, ao investigar a relação entre a tragédia clássica com a filmografia de Yorgos Lanthimos. Também é escritor, tradutor e realizador queer. Durante a pandemia, trabalhou no projeto pessoal de tradução poética intitulado "Traduzindo Poesia Vozes Queer", com divulgação nas minhas redes sociais. E dirigiu, em 2025, seu primeiro curta-metragem, intitulado "atopos". Além disso, é viciado no letterboxd.

Orfeu (2025) - Uma releitura narcisista


Orfeu (2025) | True Colors


Um pianista toca no salão do clube Polypus.

Seu nome é Orfeu (Luca Vergoni) e, com o toque de seus dedos, conquista a atenção de Eura (Giulia Maenza), uma jovem dançarina que está junto à plateia. Antes que ela desapareça pelas ruas de Milão, o artista se aproxima dela e declara sua paixão. Mas o que não sabia, o quanto esse romance já estava malfadado pela vontade das parcas. 

Um dia, Eura morre. Orfeu, à princípio, não sabe desse fato, mas ao ver o fantasma de sua musa amada, o artista deseja seguí-la ao mundo dos mortos e trazê-la de volta à vida.

Orfeu (2025) - Orfeo, no original - é o primeiro longa-metragem do realizador milanês Virgilio Villoresi, adaptação do quadrinho Poema a Fumetti (Poema em Quadrinhos, em português) do autor Dino Buzzati, que, por sua vez, reconta o mito de Orfeu e Eurídice na década de 1960. 

Além disso, o filme é um experimento híbrido entre live-action e animação. Levando em conta que trata-se de uma produção independente, é um feito bastante trabalhoso e cujo resultado é interessantíssimo aos olhos. A forma que Villoresi mistura o real e o fantasioso, cria uma plasticidade em cena que é linda aos olhos do espectador. É uma direção esteta e rigorosa, movida pelo sensorial e tudo aquilo que foge de uma concretude, um pouco próximo do efeito que os filmes de Cattet & Forzani causam, por exemplo.

De acordo com a mitologia greco-romana, Orfeu era um poeta que tinha o dom de encantar o mundo com suas doces palavras e sua lira. Ele se apaixona por Eurídice. Eles se casam, mas por pouco tempo. Há versões que Eurídice morre ao ser picada por uma cobra, enquanto tentava se desvencilhar de Aristeu, um apicultor que a perseguia sexualmente; enquanto em outras, a morte foi causada por ninfas que a atacaram na floresta.

Protegido pelos deuses que se solidarizaram pela perda dele, Orfeu desce ao mundo dos mortos. Depois de encantar Cérbero, o cão guardião de três cabeças, Caronte e todas as almas no submundo, Orfeu consegue convencer Hades e Perséfone a retornar Eurídice para o mundo dos vivos; porém havia uma condição: Orfeu não poderia olhar para trás.

Por todo o percurso, Orfeu foi fiel à condição de Hades e não olhou na direção de Eurídice, conduzindo-a em direção à saída do submundo. Ao pensar que eles saíram, Orfeu finalmente olha para trás, só para ver Eurídice desaparecer de volta para o submundo. Amargo, Orfeu teve seus dias contados por causar a fúria das bacantes, adoradoras de Dionísio, que o esquartejaram e deixaram sua cabeça cantarolando boiando em um rio.

Se o quadrinho de Buzzati tem uma inspiração fellinesca do mito, o longa de Villoresi flerta com um toque cocteauniano. O astro do rock torna-se um pianista, sem nenhuma menção às bacantes que o idolatram, mas ainda carrega o surrealismo de sua obra de partida. Tudo parece ser grandiosamente artesanal, ao mesmo tempo que todo o trabalho estético aqui tenta elevar o material. E, de fato, é um filme elegante.

No entanto, a tentativa de Villoresi de dar sentido lógico para o sonho fervoroso de Buzzati não é tão frutífera assim. O realizador se apropria do imagético da obra base e reformula que, por trás de todo o pensamento onírico, há uma certa predestinação em toda jornada de Orfeu. Enquanto o quadrinho é bem direto na fonte grega e apresenta um “twist” com o desenlace do mito, o longa-metragem reconfigura esse Orfeu numa jornada de autodescoberta em que precisa aprender algo a partir disso. 

Talvez o mais trágico nessa abordagem, é a falha em estabelecer a relação entre o artista e Eurídice, apresentado de forma superficial, e, sendo o relacionamento deles o ponto central da narrativa, acaba enfraquecendo a jornada do herói mítico. Eurídice aqui acaba se tornando uma parte estendida de Orfeu do que uma personagem desenvolvida e independente. De certa forma, é como se o público passasse a ver Orfeu buscando a olhar para o próprio reflexo, amorfo, que transforma a cada passo da jornada.

 Apesar de uma interpretação reducionista da mitologia, quase beirando à autoajuda, que não agrada a sensibilidade artística deste crítico que vos escreve, Orfeu (2025) brilha como uma adaptação audaciosa, um sonho febril sobre lembranças que nos atormenta, frenético, brincando com a forma do próprio fazer cinematográfico. Villoresi é um diretor ambicioso, só falta um pouco mais de maturidade. 

*Esta crítica faz parte da cobertura do 27o Festival do Rio, realizado em 2025.

Autor:
                                  

Eduardo Cardoso é natural do Rio de Janeiro, Cidade Maravilhosa. Cardoso é graduado em Letras pela Universidade Federal Fluminense e mestre em Estudos de Linguagem na mesma instituição, ao investigar a relação entre a tragédia clássica com a filmografia de Yorgos Lanthimos. Também é escritor, tradutor e realizador queer. Durante a pandemia, trabalhou no projeto pessoal de tradução poética intitulado "Traduzindo Poesia Vozes Queer", com divulgação nas minhas redes sociais. E dirigiu, em 2025, seu primeiro curta-metragem, intitulado "atopos". Além disso, é viciado no letterboxd.

quinta-feira, 2 de outubro de 2025

“Papai do ano” enfrenta país distópico em: Uma Batalha Após a Outra (2025)

Uma Batalha Após a Outra (2025) | Warner Bros. Pictures


Os Estados Unidos é um país bastante contraditório, quase dicotômico em sua organização cultural e social, em prol de um mito idealizador de uma grande nação e potência mundial. Porém, nem todos cineastas estadunidenses conseguem enxergar a contradição do próprio país como Paul Thomas Anderson.  

O realizador de 55 anos é fascinado pelas histórias que seu país proporciona e pelas questões culturais e sociais presentes em vários campos temporais. Seja pela mineração de petróleo no oeste norte-americano, o auge da era de ouro do cinema pornô, a solidão no contemporâneo, os corres e sonhos de uma juventude em meio uma crise financeira, os traumas da sociedade após a Segunda Guerra Mundial, ou até mesmo a ascensão de um culto manipulador e influente. Anderson costura comentários sobre os Estados Unidos a partir de parábolas, que muitas vezes, se passam em um passado recente. Mas agora, o diretor volta ao contemporâneo, após Embriagado de Amor (2001), e fala tão diretamente com o estado atual de seu mundo.

Assim como em seu Vício Inerente (2014), PTA retorna com a influência do escritor Thomas Pynchon (1937 -), desta vez, adaptando a ideia por trás do livro Vineland (1984). A obra é uma reflexão sobre o movimento da contracultura durante o governo Nixon, nos anos 60, e o contraste desta geração com os problemas enfrentados, agora, durante a reeleição de Reagan, nos anos 80. Por sua vez, o diretor recria a narrativa de Pynchon a um momento atual em que movimentos sociais de  antirracismo, antifascismo e pró imigração se enfrentam com um governo conservador e cada vez mais inclinado ao poderio fascista. E como os idealistas do passado podem não estar tão alinhados com os problemas atuais do mundo em que vivem. 

A partir dessa ideia e da transposição temporal, PTA cria sua própria Vineland. Em Uma Batalha Após a Outra (2025), lançamento da Warner Bros., Bob Ferguson (Leonardo DiCaprio) é um ex-integrante do French ‘75, um esquadrão de revolucionários contra o governo americano, e se vê na mira de um antigo inimigo, o coronel Lockjaw (Sean Penn), que está perseguindo-o, além de sua filha adolescente, Willa Ferguson (Chase Infiniti). Antes que seja tarde demais, Bob e Willa tentam se reencontrar, enquanto fogem de Lockjaw e atravessam em uma jornada pelas terras arenosas do deserto californiano.  

E de fato, é uma batalha após a outra, pois, além da corrida pela sua vida e de sua filha, a revolução mudou com o mundo, mas Bob continua estagnado em seu passado.

O Paul Thomas Anderson tem uma habilidade que nem todos os diretores possuem: ele consegue encaixar no filme uma variação de tons que vai da comédia à ação e ao drama de modo bastante suave. Afinal, os esforços de Lockjaw em achar os Ferguson são extremos e para fins puramente egóicos. Muitos filmes acabam se perdendo nessa mudança de tom, mas aqui todos esses elementos funcionam harmonicamente aqui; com base em uma montagem bastante ágil e suave, nos planos fluidos e muito bem posicionados (filmados em Vistavision!) que são marca registrada do diretor, na trilha sonora de Jonny Greenwood que marca o tom necessário para cada cena, e, principalmente, pelo elenco eletrizante que captura a atenção do espectador. 

Existe um gosto imensurável em ver o Leonardo DiCaprio como um pai semipresente, que, ao mesmo tempo, tem suas mágoas e traumas do passado e se aliena do mundo atual, através das entorpecentes. É um papel diferente para o ator que assume a manta de um herói esquecido e, por muitas vezes, incompetente. Benício del Toro e Regina Hall estão bem, mesmo em papéis secundários, a novata Chase Infinity brilha no terceiro ato do filme com uma força magnética; porém, os destaques do elenco são Sean Penn, como um antagonista que transita entre a hipocrisia e o cartunesco, e Teyana Taylor como Perfidia Beverly Hills, esposa de Bob e mãe de Willa, é uma força da natureza cativante.

O longa é uma parábola com várias camadas e significados, o abuso do poder, a falência das instituições, o preço da liberdade e da revolução, ou até mesmo uma batalha ao posto de “papai do ano”… Mas talvez a principal é como uma família pode ser fragmentada pelo poder abusivo do Estado contra sua mulheres, pessoas negras, imigrantes, pessoas LGBTQIAPN+, entre outros; e também como essa violência é informalmente normalizada. 

Se na primeira parte da narrativa acompanhamos a trajetória de Perfidia no auge do French ‘75, a segunda é focada na busca de Bob e Lockjaw, enquanto na terceira e última parte vemos a corrida de Willa para sobreviver. O roteiro de Anderson formaliza a relação entre família e Estado na própria estrutura da narrativa, em que temos uma hierarquia genealógica da tensão entre uma visão utópica e distópica do mundo. É dessa tensão que nascem as revoluções. E, se pensarmos no contexto político em que o filme está sendo lançado, é uma carta de amor aos idealistas e uma carta de ódio contra o governo atual.

Tal como Trama Fantasma (2017) e Licorice Pizza (2021), Uma Batalha é um dos filmes mais pessoais de PTA, porém, de certo, o seu mais político até aqui. Apesar do fôlego faltar um momento ou outro, o novo longa-metragem de Anderson é uma maratona, um épico moderno com toques de neo western; um cinema político engajante e dinâmico, cheio de personalidade e humor, longe de uma rigidez narrativa. Uma perseguição a um ideal, um filme de pai e filha, uma denúncia ao fascismo, uma pós tragédia, uma batalha pela sobrevivência contra um Estado assassino, um filme sobre a desilusão aos Estados Unidos. 

Não é à toa que a crítica está chamando o filme de “obra-prima” do cinema americano contemporâneo. Mas como foi dito antes, não é todo mundo que consegue enxergar os Estados Unidos do jeito que o PTA o faz e, por isso, ele tem a sua importância no cinema.


Autor:
                                  

Eduardo Cardoso é natural do Rio de Janeiro, Cidade Maravilhosa. Cardoso é graduado em Letras pela Universidade Federal Fluminense e mestre em Estudos de Linguagem na mesma instituição, ao investigar a relação entre a tragédia clássica com a filmografia de Yorgos Lanthimos. Também é escritor, tradutor e realizador queer. Durante a pandemia, trabalhou no projeto pessoal de tradução poética intitulado "Traduzindo Poesia Vozes Queer", com divulgação nas minhas redes sociais. E dirigiu, em 2025, seu primeiro curta-metragem, intitulado "atopos". Além disso, é viciado no letterboxd.

segunda-feira, 22 de setembro de 2025

Ne Zha 2: O Renascer Da Alma - Entre a Confusão e o Topo da Bilheteria

Ne Zha 2 | A2 Filmes


Após uma grande catástrofe, as almas de Ne Zha e Ao Bing são salvas, mas seus corpos enfrentam a ruína. Para lhes dar uma nova vida, Taiyi Zhenren recorre à mística lótus de sete cores em uma ousada tentativa de reconstruí-los e mudar seus destinos.

A sequência retoma imediatamente os eventos do primeiro filme, iniciando com a épica batalha entre Ne Zha e Ao Guang, o Rei Dragão do Mar do Leste. Esse começo direto reforça a conexão com o longa anterior e demonstra respeito pela narrativa já estabelecida. Ao continuar exatamente de onde parou, o filme aprofunda o conflito e expande a trama com intensidade e ritmo consistentes, mantendo a tensão e o envolvimento do público. Após os acontecimentos finais do primeiro filme, Ne Zha e Ao Bing restaram apenas como almas.

Ambos tentam recuperar seus corpos, mas apenas Ne Zha tem sucesso. Sem alternativa, Ao Bing é forçado a habitar temporariamente o corpo de Ne Zha. Diante dessa situação, Ao Guang propõe um cessar-fogo: Ne Zha e Ao Bing deverão compartilhar o corpo por sete dias e enfrentar três provações para alcançar a imortalidade. Caso sejam bem-sucedidos, receberão uma poção capaz de restaurar o Lótus Sagrado e criar um novo corpo para Ao Bing — o que levará as forças de Ao Guang a recuarem. Trata-se de uma continuação que respeita o legado do original, mas que também se arrisca a expandir seu universo de forma ambiciosa e satisfatória.

No primeiro filme, Ne Zha era retratado como um encrenqueiro rejeitado por todos da vila, visto com desconfiança por ser um "demônio". Na continuação, embora sua personalidade rebelde e provocadora permaneça, nota-se um sutil amadurecimento do personagem. Ele começa a compreender o valor de ajudar os outros e demonstra, ainda que relutantemente, traços de empatia e responsabilidade. Essa transição, no entanto, é tratada com cuidado pelo roteiro, que evita transformá-lo repentinamente em um herói tradicional. Em vez disso, o filme mantém sua essência desbocada e irreverente — o que, embora possa parecer exagerado em alguns momentos, reforça a coerência com seu arco anterior. Um exemplo emblemático desse contraste ocorre quando Ne Zha e seu mestre, Taiyi, chegam ao sagrado Palácio Yuxu, onde o protagonista enfrentará importantes provações.

Mesmo diante da solenidade do lugar, ele urina em um canto do palácio, evidenciando seu desrespeito pelas convenções e sua tendência a romper com o esperado. Essa cena, embora cômica e propositalmente provocativa, pode dividir opiniões: para alguns, reforça o carisma anárquico do personagem; para outros, pode parecer um exagero que enfraquece a seriedade do momento. Ainda assim, essa abordagem irreverente é parte fundamental da identidade do filme, que opta por equilibrar elementos de comédia e fantasia com uma jornada de crescimento pessoal. Ne Zha continua sendo um anti-herói instável, mas é justamente nesse conflito interno que reside o interesse por sua trajetória.

Diferentemente do filme anterior, que tinha cerca de uma hora e cinquenta minutos, esta sequência é mais longa, com duração de duas horas e vinte e quatro minutos. Embora a extensão maior permita um desenvolvimento mais detalhado da história, em certos momentos o ritmo acaba se tornando arrastado, tornando a experiência um pouco cansativa. Acredito que uma edição mais enxuta teria ajudado a manter o interesse do público ao longo de toda a projeção.

Ne Zha 2: O Renascer Da Alma mantém a essência ousada do primeiro filme, ampliando seu universo com profundidade e respeito à narrativa original. Apesar da duração maior, que por vezes torna o ritmo mais lento, o filme entrega uma história envolvente, equilibrando ação, emoção e fantasia, sendo uma continuação satisfatória para fãs e novos espectadores.

Autor:


Meu nome é João Pedro, sou estudante de Cinema e Audiovisual, ator e crítico cinematográfico. Apaixonado pela sétima arte e pela cultura nerd, dedico meu tempo a explorar e analisar as nuances do cinema e do entretenimento.

Irmão Urso - A Joia Subestimada da Era Experimental da Disney

Irmão Urso | Disney


Kenai é um jovem índigena que tem aversão a ursos. Após um trágico evento envolvendo seu irmão Sitka, Kenai se vê transformado em um urso. Agora, ele precisa contar com a ajuda de Koda, um filhote de urso, para chegar a uma montanha mágica onde acredita poder voltar à sua forma humana.

Irmão Urso foi um dos filmes lançados durante a era experimental da Disney, um período em que muitos filmes não receberam o reconhecimento merecido em sua época, mas com o passar dos anos se tornaram cultuados. Lançado nos anos 2000, o filme pode ser considerado injustiçado, pois carrega uma mensagem profunda sobre amadurecimento e autodescoberta. A história de Kenai, que inicialmente não entende o significado do seu totem (o urso do amor), reflete a luta contra uma masculinidade tóxica que o impede de aceitar sentimentos mais profundos, como o amor.

A animação ensina que o amor transcende barreiras e que, assim como os humanos, os ursos também são capazes de amar. Percebendo isso ao conhecer Koda, um urso filhote alegre e carinhoso, Kenai começa a entender o verdadeiro significado de seu totem. Koda, que o vê como um irmão mais velho, cria um vínculo genuíno e afetuoso com Kenai, desafiando suas crenças anteriores. 

A obra se destaca pelo seu estilo de arte belíssimo e expressivo. O filme apresenta paisagens deslumbrantes inspiradas na natureza selvagem da América do Norte, com florestas densas, montanhas majestosas, rios cristalinos e céus coloridos pela aurora boreal. A animação aposta em cores vibrantes e contrastes marcantes, criando uma atmosfera visual rica que reforça o tom espiritual e poético da história. Um detalhe artístico notável é a mudança sutil no formato da imagem ao longo do filme: no início, a tela tem proporções mais estreitas e cores mais frias, refletindo a visão limitada e endurecida de Kenai. Quando ele se transforma em urso, o formato se expande para widescreen e a paleta de cores se torna mais quente e viva, simbolizando sua abertura a uma nova perspectiva e conexão com o mundo natural.

Desde criança, nunca enxerguei Denahi — o irmão mais velho de Kenai — como o vilão. Na verdade, sua motivação é compreensível: ele acredita que Kenai foi morto por um urso, sem saber que seu irmão havia sido transformado em um. Movido pela dor da perda e pelo desejo de vingança, Denahi parte em busca do animal, sem imaginar a verdade por trás da situação. Logo no início, já é possível perceber a dinâmica entre os irmãos. Kenai e Denahi vivem se provocando, com Denahi frequentemente implicando com o irmão caçula de forma bem-humorada, como parte daquela típica rivalidade fraterna. Essas interações ajudam a construir uma relação crível e afetuosa entre eles, tornando os acontecimentos seguintes ainda mais impactantes emocionalmente.

Para Koda, que desconhece o passado de Kenai como humano, Denahi parece ser o verdadeiro vilão da história. No entanto, é importante entender que Denahi é, na verdade, um antagonista — e antagonista não é sinônimo de vilão. Um antagonista é simplesmente alguém (ou algo) que se opõe ao protagonista e representa um obstáculo em sua jornada. Ele não necessariamente age por maldade, mas por ter objetivos ou crenças que entram em conflito com os do personagem principal. Nesse sentido, Denahi representa mais uma figura trágica do que mal-intencionada, reforçando a complexidade emocional do filme e a forma como ele trata temas como dor, perda, amadurecimento e reconciliação.

Irmão Urso é muito mais do que uma simples animação infantil — é uma obra sensível e reflexiva que aborda temas universais como amadurecimento, empatia, perdão e a capacidade de amar. Com personagens cativantes, uma direção de arte deslumbrante e uma narrativa emocionalmente envolvente, o filme convida o espectador a olhar o mundo com outros olhos, assim como Kenai aprende a fazer ao longo de sua jornada. Mesmo tendo sido subestimado em seu lançamento, a profundidade da sua mensagem e a beleza de sua execução fazem com que a animação mereça ser redescoberta e valorizada como uma das joias emocionais da era experimental da Disney.

Autor:


Meu nome é João Pedro, sou estudante de Cinema e Audiovisual, ator e crítico cinematográfico. Apaixonado pela sétima arte e pela cultura nerd, dedico meu tempo a explorar e analisar as nuances do cinema e do entretenimento.

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