segunda-feira, 23 de junho de 2025

Elio - Amizade intergaláctica, roteiro meio espacial

Elio | Disney

Elio se vê transportado pela galáxia e é confundido com o embaixador intergaláctico da Terra.

A animação segue a fórmula clássica do estúdio: um personagem pequeno diante de um mundo muito maior. Um exemplo disso é Toy Story, em que Woody e Buzz, sendo brinquedos, precisam se esconder dos humanos para não revelarem sua verdadeira natureza. Em Elio, o protagonista — uma criança — viaja pelo espaço, o que remete a Wall-E, tanto pela grandiosidade do cenário quanto pela jornada solitária do personagem. O filme aborda de forma sensível a solidão do protagonista, uma criança órfã e sem amigos, que encontra no espaço uma forma de escapar de sua realidade. Movido por uma paixão genuína pelo universo, ele tenta se comunicar com formas de vida extraterrestre — os alienígenas — numa busca por conexão e pertencimento. Essa premissa traz uma camada emocional interessante à narrativa, tornando a ficção científica mais humana e tocante.

Elio aposta em uma ideia interessante ao explorar a solidão e o pertencimento através de uma aventura intergaláctica, um tema que sempre desperta a curiosidade do público ao misturar elementos de fantasia com questões humanas universais. O roteiro propõe uma reflexão sobre como nos sentimos sozinhos mesmo quando cercados por outros, e como a busca por conexão pode ultrapassar fronteiras e até mesmo espécies. No entanto, apesar da premissa interessante e do potencial para um desenvolvimento mais profundo, o filme sofre com um desenvolvimento narrativo superficial e apressado, que prejudica o envolvimento do espectador com a história. A construção do Comuniverso, embora visualmente criativa e rica em detalhes gráficos, acaba por não ir além da estética. 

A ambientação, que poderia ser um ponto forte para ampliar a imersão, torna-se um cenário vazio que não contribui significativamente para a construção dos personagens ou para o avanço da trama. Os personagens alienígenas, apesar de terem um design interessante e único, carecem de uma complexidade emocional e motivações claras, tornando difícil para o público se conectar verdadeiramente com eles ou entender as nuances de suas ações. Dessa forma, Elio acaba desperdiçando parte do potencial de sua premissa, entregando uma experiência que, embora divertida e visualmente atraente, não consegue deixar uma marca duradoura na memória do espectador. O filme se apresenta como uma aventura leve e acessível, indicada para quem busca entretenimento descomplicado, mas dificilmente será lembrado por sua profundidade ou originalidade. Com um roteiro mais elaborado e uma exploração mais cuidadosa dos temas centrais, Elio poderia ter sido uma obra muito mais impactante e significativa.

A relação entre Elio e Glordon, apesar de suas diferenças marcantes, evolui gradualmente para um vínculo especial — e literalmente de outro planeta. Desde o primeiro encontro, a interação entre os dois personagens revela uma dinâmica repleta de contrastes, mas também de complementaridades inesperadas. Elio, com sua curiosidade humana e fragilidade emocional, encontra em Glordon, um ser alienígena com uma cultura e comportamento totalmente distintos, um contraponto que instiga o crescimento de ambos. A conexão que se forma entre eles é construída com sensibilidade e leveza. Essa amizade interespécies se desenrola de maneira natural, com pequenos gestos e diálogos que revelam aos poucos o quanto, apesar das diferenças óbvias, há um terreno comum na busca por pertencimento e aceitação. Assim, o filme reforça uma mensagem poderosa e universal: a amizade verdadeira pode florescer mesmo entre seres completamente distintos, superando preconceitos e medos, e criando laços que transcendem mundos e origens.

Elio apresenta uma proposta visual interessante e aborda temas como solidão e amizade, mas seu roteiro superficial limita o impacto emocional da história. Embora a relação entre Elio e Glordon seja sensível e cativante, o filme acaba sendo uma aventura agradável, porém pouco memorável. Com um desenvolvimento mais profundo, poderia ter sido uma obra muito mais significativa.


Autor:


Meu nome é João Pedro, sou estudante de Cinema e Audiovisual, ator e crítico cinematográfico. Apaixonado pela sétima arte e pela cultura nerd, dedico meu tempo a explorar e analisar as nuances do cinema e do entretenimento.

Como Treinar o Seu Dragão (2025) - DreamWorks entra na onda do live-action com um ‘copia e cola’ caprichado

Como Treinar o Seu Dragão | DreamWorks


Na acidentada ilha de Berk, um garoto viking chamado Soluço desafia séculos de tradição ao se tornar amigo de um dragão chamado Banguela. No entanto, quando surge uma ameaça ancestral que coloca ambas as espécies em perigo, a amizade de Soluço com Banguela se torna a chave para forjar um novo futuro. Juntos, eles devem navegar pelo delicado caminho rumo à paz, alçando voo além das fronteiras de seus mundos e redefinindo o que significa ser um herói e um líder.

Este é o primeiro live-action da DreamWorks Animation, e sinceramente, não consigo imaginar o estúdio fazendo versões em carne e osso de outras de suas animações. Seria estranho ver uma adaptação de Madagascar, por exemplo. Por outro lado, uma versão live-action de O Caminho para El Dorado seria simplesmente perfeita. Engraçado que, nesse mesmo período, lançaram mais um live-action de uma obra criada pelo Chris Sanders — a outra sendo Lilo & Stitch. Se eu ganhasse um real toda vez que isso acontece, não é muito, mas é cômico que, no mesmo período, tivemos dois! Faz sentido ter uma versão live-action de Como Treinar o Seu Dragão pelo estilo visual relativamente realista e pelo fato de ser protagonizado por humanos. Embora os dragões sejam parte essencial da história, eles podem ser perfeitamente recriados graças ao avançado CGI. Além disso, vendo o sucesso que sua concorrente está fazendo ao transformar suas animações em versões live-action, a DreamWorks não perdeu tempo e apostou em uma adaptação de um dos seus ovos de ouro.


O filme é praticamente uma cópia fiel da animação original, mantendo a mesma história central com poucas alterações nos detalhes. Essas mudanças, embora sutis, tentam dar uma nova cara à narrativa, mas não chegam a transformar a essência da trama. Por exemplo, numa cena importante em que Astrid descobre o segredo de Soluço — que ele está escondendo um dragão — há uma pequena diferença entre as versões. Na animação, Banguela prende Astrid a uma árvore, criando um momento de tensão e humor característicos. Já no live-action, essa mesma cena acontece num penhasco, o que muda um pouco a dinâmica, dando um tom mais dramático e perigoso à situação. São essas pequenas alterações que tentam diferenciar o filme, mas que no geral não escapam do tradicional “copia e cola” da obra original. Mas isso não quer dizer que o filme seja ruim — muito pelo contrário. Mesmo sendo uma reedição do que já vimos na animação de 2010, isso não impediu que eu gostasse da adaptação. Diferente do Rei Leão (2019), que me pareceu um filme sem alma, uma mera cópia e cola, onde os animais, apesar do visual impressionante, não tinham expressões faciais que transmitissem emoções de verdade.


A história comove ao retratar de forma sensível o vínculo que se desenvolve entre Soluço e Banguela. No começo, Soluço é guiado pelo medo e pelos preconceitos enraizados em sua sociedade, mas aos poucos percebe que o dragão não representa perigo — pelo contrário, é uma criatura com sentimentos, tão sensível e solidária quanto qualquer ser humano. Essa mudança representa o crescimento do personagem principal e traz uma crítica sutil à intolerância e à violência sem razão. Ao mostrar o "inimigo" de forma mais humana, o filme provoca uma reflexão sobre o verdadeiro significado de coragem, força e convivência, revelando uma profundidade que vai além da superfície da narrativa.

 

O CGI dos dragões é realmente impressionante. Cada movimento, desde o bater das asas até os pequenos gestos, é cuidadosamente trabalhado para transmitir uma sensação incrível de realismo e personalidade. As texturas das escamas, o brilho nos olhos e as expressões faciais são tão detalhadas que os dragões parecem criaturas verdadeiras, com emoções palpáveis. Banguela, em especial, ganha vida de forma tão convincente que é fácil esquecer que ele é totalmente digital — ele demonstra uma gama completa de sentimentos, desde a travessura até momentos de ternura, trazendo para a tela toda a emoção e carisma que a animação já havia conquistado. Essa qualidade técnica não só impressiona visualmente, mas também fortalece a conexão do público com a história, tornando a experiência muito mais envolvente e memorável.


A essência dos personagens humanos da animação também está muito bem preservada no live-action. Os protagonistas mantêm suas características e personalidades marcantes, o que é fundamental para preservar a conexão emocional que o público já estabeleceu com a história. Mesmo com a transição para atores reais, as nuances de cada personagem são cuidadosamente mantidas — desde as inseguranças e dúvidas de Soluço até a coragem e determinação de Astrid. A química entre o elenco é evidente, trazendo autenticidade às relações que já conhecemos e amamos. Além disso, as motivações e conflitos internos permanecem fiéis ao original, garantindo que a alma da narrativa não se perca na adaptação. Essa fidelidade ajuda a criar uma ponte entre fãs antigos e novos espectadores, fazendo com que a experiência seja genuinamente envolvente para todos.


Como Treinar o Seu Dragão em live-action é uma adaptação que honra a essência da animação original, trazendo à tela uma história familiar com visuais deslumbrantes e personagens bem interpretados. Embora não se arrisque muito, optando por seguir fielmente o roteiro conhecido, o filme se destaca pelo impressionante trabalho do CGI, especialmente na criação dos dragões, e pela química autêntica entre os atores humanos. Para quem é fã da franquia, é uma experiência que reforça o carinho pelos personagens e seu universo; para novos espectadores, uma porta de entrada visualmente rica e emocionante. Talvez não seja uma revolução no gênero, mas é, sem dúvida, uma homenagem digna e encantadora a um dos grandes sucessos da DreamWorks.


Autor:


Meu nome é João Pedro, sou estudante de Cinema e Audiovisual, ator e crítico cinematográfico. Apaixonado pela sétima arte e pela cultura nerd, dedico meu tempo a explorar e analisar as nuances do cinema e do entretenimento.

sexta-feira, 20 de junho de 2025

O Grande Golpe do Leste - Uma Sandra Hüller Totalmente Desperdiçada

Um Grande Golpe do Leste | Synapse Distribution

Baseado em uma história real, O Grande Golpe do Leste se passa no final dos anos 1990, após a queda do Muro de Berlim. O filme acompanha a trajetória de Maren (Sandra Hüller), Robert (Max Riemelt) e Volker (Ronald Zehrfeld), que, ao encontrarem um bunker abandonado contendo uma grande quantia em dinheiro, decidem roubá-lo antes que as cédulas percam o valor devido à reunificação da Alemanha. Para isso, contam com o auxílio dos vizinhos do condomínio, que compartilham ideais comunistas, para encontrar um destino para o montante antes que seja tarde demais.

A fotografia de Martin Langer busca retratar com vivacidade o calor do ambiente da antiga Alemanha Oriental, utilizando uma paleta de cores quentes que evoca nostalgia e otimismo. É interessante notar como certos elementos do design de produção e dos figurinos contrastam com esse cenário ensolarado, através do uso de tons pastéis que quebram a monotonia de maneira harmônica e visualmente cinematográfica. Na minha opinião, esse parece ser o maior trunfo do longa.

Contudo, o mesmo não pode ser dito sobre o roteiro e a direção de Natja Brunckhorst. A narrativa se desenvolve de forma rasa, sem grandes picos emocionais, e falha em criar uma atmosfera minimamente envolvente. Mesmo durante as sequências de invasão ao bunker que, embora desprovido de um sistema de segurança eficaz, ainda é vigiado por guardas, o filme não consegue reproduzir a urgência que sequências de assaltos à bancos geralmente causam. Logo, fracassa em se definir como uma película de ação ou comédia, limitando-se a expor apenas os conflitos políticos do período.

Apesar da presença de Sandra Hüller, indicada ao Oscar, a obra não aproveita o talento da atriz, tampouco do restante do elenco, que demonstra potencial e carisma. Isso é particularmente frustrante, pois como sabemos ao menos da capacidade de Hüller, especialmente após sua temporada notável nas premiações, com atuações brilhantes em Anatomia de uma Queda e Zona de Interesse, é nítido que poderíamos ver ela entregar muito mais do que se obteve.

À medida que a trama avança, vemos os protagonistas recorrerem à ajuda dos vizinhos para tentar dar um destino ao dinheiro antes que ele se torne inútil. A partir disso, é organizada uma espécie de "reunião de condomínio", onde revelam a origem das cédulas e dão início a um debate coletivo. Todos, então, decidem colaborar na empreitada.

Essa dinâmica reflete a instabilidade política vivida naquele momento. Em um cenário pós-Guerra Fria, marcado por dificuldades econômicas e altos índices de desemprego, muitos cidadãos perdem a confiança no Estado, que falha em implementar políticas públicas voltadas às classes menos favorecidas. Em O Grande Golpe do Leste, isso é evidenciado pela precariedade das condições de vida e pelo desejo de algumas pessoas em emigrar para regiões mais desenvolvidas, em busca de recomeços. A corrupção também é simbolizada por meio de um político que, ao descobrir o esquema dos protagonistas, opta por se aliar aos moradores do prédio, ilustrando a fragilidade ética que permeava o período.

Em suma, O Grande Golpe do Leste parte de uma premissa instigante, com potencial para explorar temas históricos, sociais e políticos de forma envolvente, mas esbarra em uma execução sem vigor narrativo. Apesar da estética visual cativante e de um elenco talentoso, o filme não consegue alcançar humor, tensão e crítica social de maneira eficaz e a direção também parece não se preocupar com nenhum desses fatores. Fica a sensação de uma oportunidade desperdiçada, que, mesmo tratando de um período turbulento e cheio de nuances da antiga Alemanha, além de possuir uma atriz de alto escalão em seu elenco, opta por uma abordagem morna e tampouco memorável.

Autor:


Meu chamo Leonardo Veloso, sou formado em Administração, mas tenho paixão pelo cinema, a música e o audiovisual. Amante de filmes coming-of-age e distopias. Nas horas vagas sou tecladista. Me dedico à exploração de novas formas de expressão artística. Espero um dia transformar essa paixão em carreira, sempre buscando me aperfeiçoar em diferentes campos criativos.

domingo, 8 de junho de 2025

Bailarina - Elevando o Universo John Wick com Ação e Profundidade

Bailarina - Do Universo de John Wick | Paris Filmes

Ocorrendo durante os eventos de John Wick: Capítulo 3 – Parabellum, Eve Macarro começa seu treinamento nas tradições assassinas dos Ruska Roma.

Esse é o derivado de uma das maiores franquias de ação dos últimos tempos, conhecida por suas sequências intensas, coreografias de combate impecáveis e um universo rico em mitologia de assassinos. A série expandiu seu universo ao explorar novos personagens e culturas dentro desse submundo, oferecendo aos fãs uma experiência ainda mais profunda e emocionante, com histórias que se entrelaçam com o enredo principal e ampliam a mitologia já estabelecida. Isso não apenas reforça a mitologia complexa e fascinante que tornou John Wick um fenômeno, mas também eleva o padrão para futuros spin-offs, mostrando que é possível expandir um universo tão icônico sem perder a qualidade ou o impacto emocional.


Ana de Armas encara o papel mais exigente em termos físicos até agora em sua trajetória profissional. Mais do que apenas força e resistência, o papel demanda um alto nível de preparo corporal aliado a uma presença imponente e convincente em cena. O filme funciona como um verdadeiro palco para destacar a habilidade da atriz em realizar sequências de ação complexas, demonstrando agilidade, técnica e uma resistência impressionante. A atuação física de Ana vai muito além do esforço físico — ela incorpora a essência de uma combatente determinada, entregando uma performance que cativa e convence o público com sua autenticidade e intensidade.


A trama, por sua vez, não pretende ser original: é uma vingança motivada pela perda do pai, algo simples e direto. Esse tipo de narrativa já foi explorado não apenas na franquia John Wick, mas em diversas outras obras. No entanto, clichê não significa necessariamente algo negativo, desde que a história seja bem conduzida. E é justamente nesse ponto que o filme se sobressai, entregando sequências de ação impactantes e uma protagonista que mantém a narrativa firme e envolvente.


No aspecto visual, o longa realmente impressiona e se destaca. A estética neon, que é uma marca registrada da franquia, permeia cada cena, criando um ambiente vibrante e envolvente. Essa escolha visual não apenas reforça a imersão do espectador no universo da narrativa, como também estabelece uma identidade estética única e facilmente reconhecível. O uso consistente dessa paleta de cores contribui para intensificar o clima e a atmosfera do filme, tornando cada enquadramento visualmente impactante e memorável.


Eve Macarro não é uma personagem inabalável ou perfeita; ela enfrenta dificuldades reais, se machuca e tropeça ao longo da jornada. Essa humanização traz uma profundidade rara aos protagonistas desse tipo de filme, tornando-a muito mais autêntica e fácil de se identificar. Ao mostrar suas fragilidades e vulnerabilidades, o personagem ganha uma dimensão mais complexa, fugindo do estereótipo do herói invencível e proporcionando ao público uma conexão emocional mais genuína.


Bailarina consegue expandir com sucesso o universo já consolidado da franquia John Wick, trazendo uma narrativa que, apesar de familiar, ganha vida através de uma execução cuidadosa e personagens bem construídos. A combinação de uma protagonista complexa e humana, interpretada por Ana de Armas em sua melhor forma física e dramática, com um visual marcante e cenas de ação intensas, resulta em uma obra que honra suas raízes ao mesmo tempo em que se estabelece como um título sólido e envolvente por si só. O filme prova que, mesmo dentro de um gênero conhecido e com fórmulas já vistas, é possível entregar uma experiência emocionante e autêntica, capaz de cativar tanto fãs antigos quanto novos espectadores.


Autor:


Meu nome é João Pedro, sou estudante de Cinema e Audiovisual, ator e crítico cinematográfico. Apaixonado pela sétima arte e pela cultura nerd, dedico meu tempo a explorar e analisar as nuances do cinema e do entretenimento.

quinta-feira, 22 de maio de 2025

Lilo & Stitch (2025) - Finalmente a Disney Acertou, Apesar de Alguns Desafios Visuais

Lilo e Stich | Disney

O filme conta a história do vínculo afetivo entre uma garota humana solitária chamada Lilo e um alienígena geneticamente modificado chamado Stitch, criado para ser uma força de destruição. A trama envolve alienígenas em perseguição, assistentes sociais atentos e, sobretudo, a ideia de família como um elo construído, não apenas herdado.

O novo longa-metragem é mais uma tentativa da Disney de revisitar seu catálogo por meio de adaptações em live-action. Desta vez, o estúdio retorna a uma animação lançada nos anos 2000 — um período conhecido como a “Era Experimental” da Disney. Essa fase, compreendida entre o fim do chamado Renascimento (1989–1999) e o início da nova era de sucessos como Enrolados e Frozen, é considerada pela própria Disney como sua segunda era sombria. A primeira, entre 1970 e 1988, foi marcada por obras que deixaram legados afetivos, mas não atingiram o mesmo prestígio comercial e crítico dos clássicos da Era de Ouro.

Durante a Era Experimental, a Disney tentou se afastar da fórmula tradicional que havia consagrado o estúdio nos anos 1990. Investiu em novas linguagens, abordagens visuais diferentes e temas menos convencionais. Ainda que essas apostas tenham sido louváveis do ponto de vista criativo, muitas delas resultaram em bilheterias modestas e recepção crítica dividida. Lilo & Stitch (2002), no entanto, destacou-se como exceção: foi um sucesso de público e crítica, conquistou uma base fiel de fãs e tornou-se uma das marcas mais queridas da empresa nas últimas décadas.

A adaptação em live-action permanece bastante fiel à animação original, preservando os principais elementos que cativaram o público. Como é natural em qualquer transposição, algumas mudanças foram feitas — e, em geral, de maneira cuidadosa e respeitosa. Uma das alterações mais notáveis é a ausência do vilão Gantu, que, embora tivesse papel limitado no filme original (aparecendo mais no início e no final), acabou se tornando um dos antagonistas centrais na série derivada. Confesso que essa ausência me preocupou inicialmente, mas felizmente a narrativa encontrou outras formas de gerar tensão e conflito, sem comprometer a essência emocional e divertida da história. A substituição de Gantu por novos elementos abre espaço para uma abordagem diferente, que explora nuances inéditas dos personagens e do universo de Lilo & Stitch, mantendo seu espírito com uma perspectiva renovada.

Embora o filme apresente sua própria mitologia e elementos de ficção científica, o coração da trama continua sendo emocional, centrado no tema da família. É impossível ignorar a importância de Nani na narrativa — algo já marcante na animação original. Nani é uma verdadeira guerreira: cuida sozinha da irmã caçula, Lilo, enquanto luta para manter um emprego e garantir alguma estabilidade para ambas. Quando assistimos ao filme na infância, é comum enxergá-la como a “irmã chata”, sempre impondo regras e limites. No entanto, ao rever a história com um olhar mais maduro, fica claro que suas ações são movidas por amor, responsabilidade e sacrifício. Nani não está apenas tentando manter a ordem — ela está lutando com todas as forças por um futuro melhor para sua família. Essa profundidade emocional é o que torna Lilo & Stitch tão poderoso e atemporal, tocando diferentes gerações de maneiras distintas.

Um dos pontos que mais gerou expectativa e preocupação antes do lançamento foi o CGI, especialmente em relação ao Stitch. E, felizmente, o resultado surpreendeu positivamente. O personagem foi recriado com um equilíbrio notável entre fidelidade ao design original e adaptação ao realismo do live-action. A textura da pele, os olhos expressivos e a fluidez da movimentação deram vida ao Stitch de forma convincente, sem parecer artificial. O modelo 3D respeita as proporções caricatas do original, mas com um acabamento realista que se encaixa bem no novo ambiente. Além disso, o CGI consegue transmitir emoções com clareza, mantendo intacta a conexão emocional que o personagem sempre proporcionou. Em suma, o visual do Stitch é um dos grandes acertos da produção, demonstrando um cuidado especial em preservar a identidade do personagem sem comprometer a estética live-action.

Por outro lado, o CGI do Jumba e do Pleakley causa certa estranheza à primeira vista, tornando a transição para o live-action visualmente mais desafiadora. No caso de Jumba, sua estrutura corporal robusta e traços exagerados parecem um pouco deslocados no contexto realista do filme. Pleakley, com seu corpo alongado e feições excêntricas, também enfrenta dificuldades na adaptação, resultando em um visual inicialmente destoante. No entanto, à medida que a narrativa avança, essas escolhas visuais se tornam mais aceitáveis. Felizmente, o carisma da dupla permanece intacto: Jumba continua sendo o cientista maluco e impulsivo, enquanto Pleakley conserva seu entusiasmo contagiante pela Terra, quase como um especialista obcecado pelo planeta. Apesar das limitações visuais, a essência dos personagens e a dinâmica entre eles seguem divertidas e reconhecíveis.

Lilo & Stitch consegue respeitar o legado da animação original, mantendo a essência que conquistou o público, ao mesmo tempo em que traz uma nova visão sobre essa história atemporal. A adaptação live-action consegue equilibrar a fidelidade ao material original e a necessidade de atualização, explorando aspectos visuais e narrativos que ampliam a compreensão da trama. Ao longo do filme, a mensagem central sobre a família se fortalece, destacando que o verdadeiro significado de ser uma família vai além do laço sanguíneo: ela é construída por meio de escolhas, amor e dedicação, independentemente de onde você venha ou das circunstâncias. Essa abordagem renovada reforça a universalidade da história e a importância de criar vínculos genuínos, mostrando que, por mais diferentes que sejamos, a conexão humana é o que realmente define a família.

Autor:


Meu nome é João Pedro, sou estudante de Cinema e Audiovisual, ator e crítico cinematográfico. Apaixonado pela sétima arte e pela cultura nerd, dedico meu tempo a explorar e analisar as nuances do cinema e do entretenimento.




terça-feira, 20 de maio de 2025

12.12: O Dia - Drama Político Sul-Coreano que Ainda Ecoa no Presente

12:12 - O Dia | Sato Company


O filme sul-coreano 12.12: O Dia mergulha nas sombras de um dos períodos mais sombrios da história recente da Coreia do Sul: o golpe militar de 1979 que levou Chun Doo-hwan ao poder. Esse evento histórico ecoa com o recente episódio de 2024, quando o presidente Yoon Suk-yeol declarou a lei marcial, suspendendo liberdades civis e impondo censura à mídia. Embora a medida tenha sido revogada rapidamente após protestos massivos e oposição parlamentar, ela revelou a fragilidade democrática do país e trouxe à tona discussões sobre os limites do poder executivo. Assim como no filme, onde militares manipulam o sistema para consolidar poder, o episódio de 2024 demonstrou como líderes podem recorrer a medidas extremas para controlar a narrativa política.

Hwang Jung-min, interpretando Chun Doo-gwang, entrega uma performance imponente e ameaçadora. Sua presença em cena é marcante, transmitindo a frieza e o autoritarismo do personagem. Ao lado dele, Jung Woo-sung, como o general Lee Tae-shin, apresenta uma atuação contida, mas carregada de tensão emocional, refletindo o dilema moral de um homem dividido entre a lealdade e a consciência. A interação entre os dois protagonistas é o ponto alto do filme, evidenciando a luta pelo poder e os jogos psicológicos que permeiam o ambiente militar.

A direção opta por uma abordagem minimalista, com planos estáticos e ritmo deliberadamente lento. Embora essa escolha busque transmitir a rigidez e a tensão do ambiente militar, ela acaba tornando o filme cansativo e difícil de acompanhar. Com mais de duas horas de duração, a falta de dinamismo e a repetição de cenas prolongadas acabam afastando o espectador, tornando a experiência cinematográfica exaustiva.

Apesar dos desafios impostos pela direção, o filme consegue construir uma atmosfera de instabilidade e tensão que precede o golpe militar. A representação das intrigas internas, das manipulações políticas e da ascensão de um líder autoritário é convincente, permitindo ao público compreender os mecanismos que levaram à ruptura democrática. Essa construção é particularmente relevante quando comparada ao episódio de 2024, onde a tentativa de Yoon Suk-yeol de consolidar poder por meio da lei marcial gerou uma crise política semelhante, evidenciando a persistência de práticas autoritárias na história recente da Coreia do Sul.

12.12: O Dia é uma obra cinematográfica que, apesar de suas limitações em termos de ritmo e direção, oferece uma visão profunda sobre os meandros do poder militar e as fragilidades da democracia. As atuações de Hwang Jung-min e Jung Woo-sung são notáveis, trazendo complexidade aos personagens que interpretam. Embora o filme exija paciência do espectador devido à sua abordagem deliberadamente lenta, ele proporciona uma reflexão sobre os perigos do autoritarismo e a importância da vigilância democrática.

Autor:


Meu chamo Leonardo Veloso, sou formado em Administração, mas tenho paixão pelo cinema, a música e o audiovisual. Amante de filmes coming-of-age e distopias. Nas horas vagas sou tecladista. Me dedico à exploração de novas formas de expressão artística. Espero um dia transformar essa paixão em carreira, sempre buscando me aperfeiçoar em diferentes campos criativos.

segunda-feira, 19 de maio de 2025

Notas de Película: O Medo (1955)

 

O Medo | Aniene Film

Um dos pontos que mais me interessam no conjunto da obra de Roberto Rossellini é a forma que o diretor consegue navegar em tantos gêneros cinematográficos e ter a habilidade de criar uma atmosfera tão específica em cada um dos seus filmes mais conhecidos. Em 3 dias, tive o tempo para assistir "Francisco, Arauto de Deus"(1950), "L'Amore"(1948) e "O Medo", e algo que me seduziu em todos esses 3 filmes, além dos outros que eu já conhecia do diretor, era sua capacidade em desenvolver narrativas tão contemplativas. No conjunto de suas obras mais conhecidas, não existem narrativas mirabolantes e nem mesmo pirotecnias técnicas(bem característico do Neorrealismo Italiano), mas Rossellini faz questão de utilizar todo o espaço fora seus personagens como utensílio para colocar o espectador preso em um pesadelo, não necessariamente violento, muito menos sangrento, mas hipnotizante. 

Em "O Medo", o diretor coloca nossa protagonista em completa tensão e medo sobre a verdade aparecer a tona para seu marido, mas Rossellini não coloca a personagem de Ingrid Bergman em um estado exaustivo e sem esperanças como a protagonista em Stromboli(1950), mas faz uma alusão à miséria da mentira humana. Nossa protagonista Irene e seu marido Wagner são químicos que desenvolvem substâncias para uma fábrica, onde as testam em animais como ratos, camundongos, coelhos, etc. O filme não começa com um plano sobre esses animais mas os coloca como um artifício em cenas rápidas onde os químicos estão testando um veneno e sua cura. Irene não foge de ser um animal manipulado como os mesmos animais que ela e sua equipe utilizam como teste, principalmente como a manipulação sobre ela funciona. 

Enquanto seu marido, Professor Wagner, age com a maior delicadeza e super atento à sua mulher, sua manipulação em não contar sobre já saber da traição e colocar a ex-mulher do homem com quem Irene teve um caso como aquela que chantageasse sua esposa em contar a verdade, coloca Irene exatamente como em um dos últimos planos onde ela caminha sobre as salas onde todos os animais estão presos em pequenas jaulas. No final, Rossellini coloca os três personagens protagonistas como animais encarcerados, sejam por suas mentiras, seja por vingança, ou mesmo por uma lição moral. 

O próprio diretor já executou isso em parte de suas obras, seja a miséria dos conflitos e da existência humana nas guerras e nas relações amorosas, sendo mais otimista e esperançoso nos planos contemplativos e no desenvolvimento de seus personagens em "Francisco, O Arauto de Deus". Mas Rossellini segue um outro caminho com "O Medo", onde a tensão existe em todos os personagens presentes, até mesmo em Eric, homem com que Irene traiu seu marido, em sua incerteza do amor de Irene por ele ter acabado ou não. 

Mas Rossellini não finaliza sua narrativa com a tensão, mas com um abraço de um casal apaixonado, se desculpando um com o outro. Essa tensão existente entre todos e a desconfiança sobre cada um ali tem total conexão com o momento de tensão política existente pós-Segunda Guerra Mundial, onde ainda prevalecia a tensão sobre os países participantes dos conflitos que foram destruídos e se mantinha a insegurança financeira e alimentícia, além de emendar com a tensão da Guerra Fria, onde a tensão prevalecia em não saber oque vai acontecer. 

No final, o abraço de Irene e Wagner é um afago para o espectador para ter segurança de que tudo ficará bem. Rossellini poderia ter deixado de lado esse abraço e seguir como planejado em deixar nossa protagonista se matar para não enfrentar a decepção de seu marido, mas faz questão de converter sua narrativa em uma esperança sem medo de toda desconfiança e caos que prevaleceu após os anos 40.

TEXTO DE ADRIANO JABBOUR. 


Telefone Preto 2 - Do Suspense Psicológico para a Hora do Pesadelo

Telefone Preto 2 | Universal Pictures Pesadelos assombram Gwen, de 15 anos, enquanto ela recebe chamadas do telefone preto e tem visões pert...