segunda-feira, 28 de julho de 2025

Fuga Para Odessa - A Tragédia Sagrada de James Gray

Fuga Para Odessa | Paramount Pictures

Fuga Para Odessa (1994) retrata, por meio de tradições da tragédia russa, a vida do jovem Reuben (Edward Furlong) no bairro de Brighton Beach, no Brooklyn, que vê o regresso de seu irmão Joshua (Tim Roth) após anos sem contato. A ocasião é desconfortável, pois a mãe de ambos (Vanessa Redgrave) está no leito de morte, e o pai dos dois (Maximilian Schell) não se mostra nem um pouco complacente com a presença de Joshua, que se tornou um criminoso nos anos de ausência.

James Gray – o diretor do filme - retrata o Brooklyn de uma maneira muito menos encantada que diretores como Martin Scorsese ou até mesmo Brian De Palma o retrataram. A fumaça dos bueiros é tóxica, o ambiente é desconfortavelmente frio, e os espaços mais vazios daquele movimentado lugar são inóspitos. As pessoas daquele bairro são traiçoeiras, e o protagonista Reuben soa tão passivo a essa situação quanto os espectadores.

Os ambientes claustrofóbicos da casa da família Shapira, ajudam a reforçar o aspecto de desconforto que o filme causa. Reuben é frequentemente agredido pelo seu pai, porém essas agressões se mostram escondidas entre as paredes e portas. Recurso este que poderia soar como covarde, porém servem de agregador ao sentimento de passividade do espectador diante aos acontecimentos, essencial nessa tragédia.

O filme, além de um drama familiar, possui elementos de filme de máfia, porém ele rejeita por muito a tradição clássica do gênero, e a subverte com influencias da tradição moderna. As mortes não são glamorosas como em Os Bons Companheiros (1990), mas frias e realistas como em Roma, Cidade Aberta (1945) ou os maiores clássicos do neorrealismo italiano.

E não é só nas ocasiões mais típicas do gênero de máfia que Gray mostra suas inspirações modernas. Nas relações religiosas que Gray estabelece no filme – provenientes da cultura judaica dos protagonistas – é visto uma clara referencia do autor a cineastas como Bresson e Visconti, que reconheciam a importância do rito religioso como uma força cinematográfica.

A tragédia é filmada nos últimos minutos do filme da mesma forma que Gray filmou o Brooklyn, seco e frio. Nada é moralista, como nos filmes de Scorsese, nem tenta mostrar uma evolução do protagonista, como nos filmes do Coppola. É só o cumulo de tudo aquilo que Gray nos mostra em aprox. 90 minutos de rodagem, com várias perguntas, e uma única resposta: “É isso aí”. 

Fuga Para Odessa é a obra-prima do cineasta James Gray, que recentemente buscou fazer filmes de estúdio, como Ad Astra – Rumo às Estrelas (2019) e Armageddon Time (2022), mas que nas suas origens possui trabalhos de cunho realmente singular, e que por muitas vezes são ignorados pela critica americana. Porém que não devem ser ignorados pela cinefilia, que sempre deve buscar o resgate da memória da linguagem cinematográfica.

Autor:


Meu nome é Rodolfo Luiz Vieira, tenho 17 anos e curso o terceiro ano do Ensino Médio. Produzo alguns curtas-metragens e escrevo textos sobre cinema. Meus filmes favoritos são: Em Ritmo de Fuga; La Haine; Eu Vos Saúdo, Maria e Pai e Filha.

Quarteto Fantástico: Primeiros Passos — Quatro Heróis, Um Galactus Faminto e Zero Ligações com o MCU (E Tá Tudo Bem!)

Quarteto Fantástico: Primeiros Passos | Disney


Forçados a equilibrar seus papéis como heróis com a força dos laços familiares que os unem, eles devem defender a Terra de um voraz deus espacial chamado Galactus e seu enigmático arauto, a Surfista Prateada. E, se o plano de Galactus de devorar o planeta inteiro já não fosse ruim o suficiente, tudo fica ainda mais pessoal.

O Quarteto mais famoso dos quadrinhos teve uma trajetória conturbada nos cinemas. Nos anos 2000, a já extinta 20th Century Fox lançou dois filmes com um tom leve e voltado para o público jovem — verdadeiros clássicos da "sessão da tarde". Apesar das críticas, essas produções acabaram conquistando um espaço no coração de muitos fãs, especialmente por fazerem parte da infância de uma geração. 

Em 2015, o grupo retornou às telonas com um novo elenco e uma abordagem mais sombria. No entanto, o resultado foi um fracasso: o filme sofreu com um ritmo arrastado e pouca ação envolvendo o quarteto, frustrando as expectativas. Agora, dez anos depois, o Quarteto Fantástico está de volta aos cinemas com um visual mais fiel aos quadrinhos e uma estética retrô-futurista que remete à clássica animação. A promessa é de uma nova fase mais autêntica e empolgante para os fãs do grupo.

Embora o público já esteja familiarizado com a história de origem do grupo graças às adaptações anteriores, o novo filme opta por recontá-la — mas de forma mais dinâmica e criativa, evocando o estilo das aberturas das animações de 1967 e 1994. Achei essa escolha bastante interessante. É verdade que o filme poderia simplesmente ter começado com os personagens já estabelecidos, sem revisitar a origem, mas a forma como ela é apresentada — como se fosse a abertura de um programa de TV — dá um toque nostálgico e original que funciona muito bem.

A essência de cada membro do Quarteto Fantástico está bem representada nesta nova adaptação. Reed Richards, o homem mais inteligente do mundo, ganha profundidade ao ser retratado em um novo momento de sua vida: a paternidade. É interessante ver como ele não apenas lida com questões científicas, mas também com o desafio emocional de ser pai, demonstrando uma postura mais madura e assumidamente de liderança, algo que faltou em versões anteriores. Sue Storm, agora casada com Reed e grávida, finalmente recebe o destaque que merece. 

Ao contrário das adaptações dos anos 2000, onde a personagem de Jessica Alba foi excessivamente sexualizada e muitas vezes reduzida ao papel de "namorada do herói", aqui Sue é tratada com mais respeito e importância. Ela se mostra inteligente, determinada e emocionalmente centrada, funcionando como o coração do grupo. Johnny Storm continua sendo o mais irreverente e impulsivo do time, mantendo o humor característico do personagem. 

No entanto, a abordagem desta vez é mais equilibrada — seu deboche não ultrapassa o limite da chatice, como acontecia com a versão de Chris Evans nos filmes anteriores. Isso torna o personagem mais carismático e menos caricato, o que ajuda o público a se conectar melhor com ele. Ben Grimm, o Coisa, permanece como o membro mais trágico do quarteto. Sua transformação ainda carrega o peso emocional da perda da aparência humana, mas aqui a abordagem é um pouco mais suave. Embora continue a sofrer com o preconceito e a solidão, há um toque de ternura ao mostrar que, apesar de sua aparência intimidadora, ele é adorado pelas crianças. Isso acrescenta uma camada de humanidade e esperança ao personagem, que muitas vezes foi retratado apenas como o "bruto com coração mole".

Inicialmente, fiquei reticente com a decisão de ambientar o filme em um universo separado do MCU. No entanto, essa escolha acabou fazendo sentido. O filme funciona bem de forma independente, o que é ótimo para quem nunca assistiu a nenhuma outra produção do Universo Cinematográfico da Marvel. Além disso, ao se passar em um universo alternativo, a história evita conflitos e furos de roteiro na complexa linha do tempo do MCU.

O segundo ato do filme tropeça em um problema comum em produções de super-heróis: a sensação de estagnação narrativa. Após um início empolgante e visualmente criativo, o ritmo desacelera consideravelmente, dando lugar a uma sequência de cenas que parecem girar em torno dos mesmos dilemas e discussões, especialmente envolvendo tecnobaboseiras e debates científicos pouco acessíveis. Os diálogos, embora tentem transmitir a genialidade de Reed e o embasamento da missão do grupo, acabam sendo excessivamente expositivos e pouco dinâmicos, o que compromete a fluidez da trama.

A impressão é de que os personagens estão presos em um ciclo de conversas teóricas, repetindo variações dos mesmos argumentos, sem que isso leve a grandes descobertas ou mudanças concretas na história. Essa repetição compromete um pouco o engajamento do espectador, que espera mais ação, conflito e desenvolvimento emocional. Ainda assim, mesmo com essa barrigada narrativa, o filme consegue se recuperar a tempo para entregar um terceiro ato mais empolgante e visualmente impressionante.

Quarteto Fantástico: Primeiros Passos representa um recomeço promissor para a equipe nos cinemas. Com uma estética inspirada nos quadrinhos clássicos, caracterizações mais cuidadosas e uma abordagem emocionalmente mais madura, o filme acerta em resgatar a essência dos personagens sem abrir mão da inovação. Apesar dos tropeços no ritmo durante o segundo ato, a produção consegue entregar uma experiência nostálgica, envolvente e visualmente marcante. É um sopro de renovação que não só honra o legado do grupo, mas também aponta um caminho empolgante para seu futuro nas telonas — dentro ou fora do MCU.

Autor:


Meu nome é João Pedro, sou estudante de Cinema e Audiovisual, ator e crítico cinematográfico. Apaixonado pela sétima arte e pela cultura nerd, dedico meu tempo a explorar e analisar as nuances do cinema e do entretenimento.

segunda-feira, 21 de julho de 2025

A Melhor Mãe do Mundo - O Sofrimento Periférico como Propaganda de Margarina

A Melhor Mãe do Mundo | Galeria Distribuidora

Em A Melhor Mãe do Mundo se encontra a prática batida de narrativa que já prevalece no cinema nas últimas duas décadas. Não que seja um problema abordar no cinema questões envolvendo maternidade, pobreza, relacionamento tóxico, violência contra mulher, são temas de extrema importância que devem aparecer nas telas do cinema e que sejam trazidas para debate. Mas algo que já tem acontecido na crítica e no cenário audiovisual desde os anos 90, é trabalhar a ideia de filme como uma matemática simples: se o filme tem temas sociais explícitos, logo ele é bom.

Como assim? A que ponto reduzimos cinema a algo tão raso e tão limitado a ponto de qualquer filme abordando pobreza e seu sofrimento da forma mais simplista possível em um convite imediato para os maiores festivais de cinema pelo mundo? Aqui, Anna Muylaerte dirige o filme sem nenhuma profundidade ou construção imagética além da atuação de Shirley Cruz, que é o único fator do filme que tem algum atrativo. Muylaerte faz aqui, o principal chamariz apelativo para uma obra audiovisual segurar seu espectador.

O filme começa com a protagonista Gal depondo em uma delegacia sobre seu companheiro, Leandro, por tê-la agredido. Depois disso, Gal vai até a escola que seus filhos estudam para buscá-los a levá-los para uma "aventura", que na verdade é uma fuga até a casa de uma prima de Gal, que mora no outro lado de São Paulo. A obra gira em torno dessa jornada onde Gal leva seus filhos e precisa fazer de tudo para não mostrar sua vulnerabilidade e nem a pobreza à sua volta para seus dois filhos. 

Muylaerte faz questão de mostrar uma cidade suja e completamente acinzentada, com muitos planos aéreos ou que capturem os personagens em plano conjunto, mas com uma visualização do horizonte um pouco mais livre sobre a cabeça daqueles que aparecem em cena. Sem contar que Muylaerte, sempre que possível, fecha o plano no rosto de nossa protagonista para mostrar o quanto ela está de esforçando e como está cansada a cada passo nessa jornada de fugir do seu antigo relacionamento tóxico e em busca de uma vida nova com seus filhos. 

Mas Muylarte grava seus protagonistas nessa jornada, como uma gama de cineastas atuais, que precisam da contemplação do sofrimento de pessoas pobres e pretas para se manter. Digo isso porque o filme não tem profundidade na sua construção imagética, são imagens sem construção, são planos sem profundidade, não existe construção de cores ou qualquer forma de construção dentro daquele cenário. Muylaerte coloca sua protagonista sofrendo em silêncio a todo tempo e tenta forçar seu desenvolvimento com a participação das crianças e sua ingenuidade sobre toda a situação. 

O filme pega um tema delicado com uma ótima atuação e não tenta ir além. Não é sobre complexidade na direção mas sobre a profundidade da mesma sobre a capacidade de responder aquele mundo com a imagem, Muylaerte faz parte do sintoma atual da direção de filmes com temas sociais explícitos que usam o tema como resposta total. Em meio a uma crise com o aumento estrondoso de moradores de rua nas ruas de São Paulo, a direção e o roteiro decidem fazer uma história de superação em um mundo onde ninguém superou nada. 

Tem uma cena onde Gal com seus dois filhos decidem brincar de se molhar em um chafariz que liga e desliga de noite, e Muylaerte dirige essa sequência com muitos planos conjuntos e slow-motion para mostrar como todos os personagens estão alegres em poder finalmente estar se banhando e se divertindo uns com os outros. Não é sobre o filme tentar dar um jeito em não se mostrar uma vitrine de sofrimentos para o espectador aplaudir, mas é sobre tornar essa jornada, algo belo. 

Esse filme faz parte da leva de criações audiovisuais que foram criados pensando em mostrar para o espectador brasileiro que mesmo você sendo uma catadora de lixo reciclável, com dois filhos e um companheiro abusivo, e alcoólatra, ainda tem um futuro lindo pela frente. Estarmos no ano de 2025 com diretores de cinema fazendo filme propaganda neoliberalismo barato chega a ser trágico. Mas o mais trágico é a direção vender essa ideia e nem se esforçar para fazer esse discurso torpe. 

Quando nos remetemos às outras obras da diretora, como Que Horas Ela Volta?, Durval Discos, até mesmo seu último curta Nosso Pai, existia pelo menos a importância do monumento para a narrativa. Existia posição de atores e trabalho de figurino para dizer que a imagem por si só tinha algo. Mas Muylaerte decide fazer uma propaganda motivacional com a expressão mais acinzentada que a cidade paulista pode entregar. Para que no final, dê tudo certo e a família pode estar junta de novo, assistindo o time do coração jogar. 

Cinema e Verdade dificilmente andam a lado, na teoria cinematográfica nem pensamos em coloca-los de mãos dadas. Mas nunca desvinculamos Cinema de Política, pois ambos estão amarrados, grampeados e grudados sem a possibilidade de não estarem juntos. E nesse filme, Muylaerte não foi somente displicente como alguém que tem como obrigação pensar a imagem sobre oque vai dizer, mas se mostrou desonesta politicamente. 

TEXTO DE ADRIANO JABBOUR.

Eu sei o que vocês fizeram no verão passado (2025) - Afiado, porém enferrujado

 

Eu Sei O Que Vocês Fizeram no Verão Passado (2025) | Sony Pictures

O cheiro da maresia, uma brisa suave, o som das ondas batendo nas rochas, os fogos de artifício explodindo no céu do quatro de julho… Não importa que seja em 1997 ou 2025, se você for jovem e dirigir pela estrada da cidadezinha de Southport é bem provável que cause a morte de um desconhecido e este mesmo indivíduo queira retribuir o favor com chantagem e sangue.

 Após o sucesso de Pânico (Scream, 1996), o roteirista Kevin Williamson apresentou para os executivos da Columbia Pictures a ideia de adaptar o livro infanto-juvenil de Lois Duncan sobre um dilema moral em uma nova franquia de slasher. Eis que surge a versão de 1997 do clássico terror teen Eu sei o que vocês fizeram no verão passado, em que quatro amigos são perseguidos por um stalker vestido de pescador sobre um crime que cometeram um ano antes e acobertam desde então.

Após uma recepção morna da crítica, o primeiro filme foi um sucesso de público e bilheteria. O estúdio lança uma continuação apressada no ano seguinte, Eu ainda sei o que vocês fizeram no verão passado (1998), que é detonada pela crítica e desagrada parte dos espectadores do longa anterior. A franquia entra em um limbo, nunca se concretizando como uma franquia longeva de sucesso, mesmo fazendo parte do imaginário pop dos anos 90. Houveram duas tentativas de ressuscitá-la: como uma continuação em um filme para Home Video em 2006 e como um reboot no formato de série, produzido por James Wan, para Amazon Prime Video em 2021. Ambas falharam.

Após o cancelamento da série de streaming, a diretora Jennifer Kaytin Robinson apresentou aos produtores da franquia sua ideia para revivê-la no cinema, bem no estilo do que ocorreu na franquia Pânico, sua concorrente, em 2022. Interessados no conceito, apesar do fracasso recente, anunciam a produção da nova versão da franquia, que a Sony lança mundialmente, em pleno verão estadunidense.

O longa-metragem de 2025 pega o ponto de partida do primeiro: após causarem um acidente de carro fatal, cinco  amigos (Madelyn Cline, Chase Sui Wonders, Jonah Hauer-King, Tyriq Withers, Sarah Pidgeon) prometem guardar segredo sobre a tragédia que causaram e seguir em frente com suas vidas. Mas, um ano depois, o passado volta para assombrá-los quando são perseguidos pela figura do pescador. Enquanto as autoridades ignoram que uma nova onda de assassinatos esteja acontecendo na cidade, os jovens vão atrás dos dois únicos sobreviventes do Massacre de Southport para conseguirem ajuda: Julie James (Jennifer Love Hewitt) e Ray Bronson (Freddie Prinze Jr.).

Robinson, que também corroteiriza esta versão, parece ter um carinho com o filme original, mas que, dentro da lógica do soft reboot, não consegue transparecer tão bem em tela. A sensação, durante o decorrer da narrativa, é que não se sabe até certo ponto quando o filme entra na homenagem de suas raízes ou no modo paródico. O tom do filme parece, a todo custo, ir de um ponto ao outro. Não é um problema exclusivo desta franquia, mas que se repete aqui.

Se a versão de 97 explora o imaginário das lendas urbanas, as tensões morais e psicológicas, classes sociais e o choque de realidade de suas personagens, a de 25 utiliza do fator nostalgia para fazer um comentário raso a fenômenos que vivemos desde a década passada: gentrificação, a ascensão do true crime, podcasters, o apagamento de histórias e traumas coletivos, a crítica aos ricos. São temas pertinentes, se fossem bem desenvolvidos. As questões morais e de classe aparecem, mas não por muito tempo.

O roteiro aqui tem sua sagacidade, mas é frágil. Ele emula a narrativa do primeiro filme, mas sem as suas nuances. Recorre a situações que aconteceram em versões anteriores. As personagens são arquétipos que servem, muitas das vezes, como reflexos geracionais, desconstruídos ou não, da primeira interação. A figura do pescador é mais agressiva, contudo, menos sociopata. Tem composições interessantes. As cenas das perseguições e mortes, no geral, são satisfatórias, mas não atmosféricas o suficiente para serem memoráveis. A tensão existe, mas é bem encurtada.

Apesar de Robinson tomar escolhas arriscadas no terceiro ato, o que é interessante, elas não se sustentam. A revelação do pescador? Poderia ser melhor. O que aconteceu exatamente entre Julie e Ray em duas décadas? Nunca saberemos. Muitas informações são jogadas sem uma corroboração que seja satisfatória, e outras sem o desenvolvimento apropriado.  É incerto definir se a trama faz um comentário sobre nostalgia ou se apropria puramente dela.

A direção é pautada na ironia, o que é, ao mesmo tempo, o diferencial e o erro do longa. Ela brinca com humor e a tensão durante sequências em que personagens estão correndo risco de vida (como edição paralela da cena do ataque de arpão cortando para outra personagem na banheira alheia ao ataque, por exemplo). Há um flerte com o camp, mas sem se comprometer em ser de fato (o que é um crime!), principalmente em uma cena envolvendo uma personagem icônica para alegria de muitos. Além disso, a carga dramática que foi essencial para o desenvolvimento da versão original é deixada de lado, o que esvazia a obra de alguma conexão genuína e humana. Sutilezas que poderiam elevar uma narrativa.

Mesmo com uma boa interação mútua do elenco, as personagens de Ava e Danica são as mais desenvolvidas na nova versão e suas intérpretes, Wonders e Cline respectivamente, fazem maravilhas com as limitações do roteiro: uma é a protagonista, a outra é o alívio cômico que rouba a cena. O mesmo não pode ser dito para as personagens de Hauer-King, Withers e Pidgeon, que não possibilitam os atores a saírem da caixinha.  A ponta de Gabbriette é divertida. É ótimo ver Hewitt e Prinze Jr. retornarem como Julie e Ray, mas, apesar de serem importantes à trama, seus papéis sofrem de uma escrita fraca, deixando-os deslocados em relação ao novo elenco.

É um filme divertido, sem “barrigas”, para ver com amigos, mas que ainda não encontrou a sua identidade própria. É um reboot ou uma paródia? É genuíno ou irônico? Quer ser cunty, mas sem a garra necessária? Tem alguns acertos, principalmente de elenco, porém é perdido na base de sua proposta, que é bem oca. O problema é o que virá a seguir: o final deixa pontas abertas para uma possível continuação, mas será que a versão de Robinson terá fôlego para carregar uma nova franquia nas costas? O gancho do pescador ainda está afiado, porém enferrujado. Funciona, mas precisa ser mais polido de vez em quando.

                                                                  Autor:
                                  

Eduardo Cardoso é natural do Rio de Janeiro, Cidade Maravilhosa. Cardoso é graduado em Letras pela Universidade Federal Fluminense e mestre em Estudos de Linguagem na mesma instituição, ao investigar a relação entre a tragédia clássica com a filmografia de Yorgos Lanthimos. Também é escritor, tradutor e realizador queer. Durante a pandemia, trabalhou no projeto pessoal de tradução poética intitulado "Traduzindo Poesia Vozes Queer", com divulgação nas minhas redes sociais. E dirigiu, em 2025, seu primeiro curta-metragem, intitulado "atopos". Além disso, é viciado no letterboxd.

sexta-feira, 11 de julho de 2025

Superman (2025) - Um Novo Horizonte Para o Universo DC

Super-Homem | Warner Bros. Pictures


O filme segue a jornada de Clark Kent/Superman para reconciliar sua herança kryptoniana com sua família humana adotiva em Smallville, Kansas.


Este é o primeiro filme oficialmente ambientado no novo universo cinematográfico da DC, marcando o início de uma nova fase após o polêmico universo anterior — iniciado em 2013 — ter chegado ao fim com Flash (2023) e Aquaman 2: O Reino Perdido. Diferente de O Homem de Aço (2013), que adotava uma atmosfera mais sombria e realista, este novo longa aposta em um tom mais leve, visualmente colorido e mais fiel ao estilo dos quadrinhos. O uniforme do Superman no novo filme é mais próximo dos quadrinhos clássicos, com o tradicional azul vibrante, o símbolo no peito mais arredondado e até a cueca vermelha por cima da calça. O visual em geral aposta em cores mais vivas e paletas que remetem aos gibis.


O filme opta por não recontar, mais uma vez, a história de origem do Superman — uma decisão inteligente, considerando que o público já está familiarizado com a trajetória do herói, seja por meio dos quadrinhos ou das várias adaptações anteriores para o cinema e a TV. Seguindo o mesmo caminho de produções como Batman (2022) e Homem-Aranha: De Volta ao Lar (2017), o longa apresenta um protagonista que já está estabelecido como super-herói desde o início da trama. Essa abordagem permite que a narrativa avance de forma mais dinâmica, focando no desenvolvimento do personagem em seu contexto atual, nas suas relações e nos desafios que enfrenta, ao invés de repetir eventos já bem conhecidos como a destruição de Krypton ou a descoberta de seus poderes na adolescência.

David Corenswet se mostra a escolha ideal para interpretar o Homem de Aço. Mais do que um “rosto bonito”, ele é um ator com alcance dramático, capaz de entregar nuances essenciais para um personagem como Superman — alguém que carrega a responsabilidade de salvar o mundo, mas também os dilemas internos de quem tenta viver entre humanos. Sua atuação equilibra com autenticidade as duas faces do herói: como Superman, é confiante, sereno e inspirador, transmitindo autoridade sem intimidação; como Clark Kent, é mais contido, com uma voz mais leve e postura tímida, revelando esforço genuíno em se passar por alguém comum. Essa variação vocal e corporal reforça a dualidade entre o símbolo e o homem — algo que muitos atores no passado deixaram de lado, mas que Corenswet domina com precisão. Mais do que força e poderes, seu Superman tem alma, humanidade e um senso de justiça verdadeiro. Ele entende que ser um herói é menos sobre ser invencível e mais sobre inspirar. Por trás da capa, sua interpretação revela um homem profundamente empático — e é essa verdade emocional que torna sua performance tão marcante.

Durante a trama, somos apresentados a outros heróis que compõem este novo universo da DC, ampliando a sensação de um mundo já habitado por figuras superpoderosas. Entre eles estão o Senhor Incrível , um gênio tático e tecnológico; Guy Gardner, um dos representantes da Tropa dos Lanternas Verdes, conhecido por sua personalidade explosiva e provocadora; e a Mulher-Gavião, uma guerreira feroz com raízes nas antigas civilizações e um forte senso de honra. A presença desses personagens não apenas enriquece o universo compartilhado, como também posiciona o Superman como parte de uma comunidade de heróis — algo muito comum nos quadrinhos, mas raramente explorado com profundidade nas adaptações anteriores. Ao invés de ser o único super-herói em destaque, ele já surge inserido em um mundo maior, repleto de aliados (e possivelmente rivais), o que abre caminho para futuros crossovers e uma construção mais orgânica do novo universo cinematográfico. 

O filme traz diversas cenas de comédia, marca registrada do diretor e roteirista James Gunn, conhecido por seu trabalho na trilogia Guardiões da Galáxia, Esquadrão Suicida (2021) e Pacificador. O humor de Gunn se destaca pela combinação de piadas rápidas, diálogos afiados e um tom irreverente que humaniza até mesmo os personagens mais poderosos. Sua abordagem vai além do simples alívio cômico, integrando o humor ao desenvolvimento dos personagens e explorando tanto situações absurdas quanto a dinâmica entre eles. Gunn tem o talento de equilibrar humor e emoção, criando cenas engraçadas que, ao mesmo tempo, aprofundam relações e revelam vulnerabilidades. Essa mistura garante que o filme não se leve excessivamente a sério, proporcionando leveza e diversão sem perder o foco na narrativa e na carga dramática dos personagens.

Superman representa uma revitalização bem-vinda do personagem e do universo cinematográfico da DC. Ao optar por um tom mais leve, colorido e fiel às raízes dos quadrinhos, e ao contar com uma interpretação sensível e autêntica de David Corenswet, a produção consegue resgatar a essência do herói de forma contemporânea e cativante. A inserção de outros personagens importantes reforça a ideia de um mundo interconectado, que promete expandir ainda mais as possibilidades narrativas. Com a direção de James Gunn equilibrando humor e emoção, o longa não só entretém, mas também emociona, posicionando o Superman como símbolo de esperança e humanidade para uma nova geração. Assim, este filme marca o início promissor de uma fase renovada e cheia de potencial para a DC nos cinemas.

Autor:


Meu nome é João Pedro, sou estudante de Cinema e Audiovisual, ator e crítico cinematográfico. Apaixonado pela sétima arte e pela cultura nerd, dedico meu tempo a explorar e analisar as nuances do cinema e do entretenimento.

segunda-feira, 7 de julho de 2025

Shadow Force: Sentença de Morte - Ou quando o inimigo é o próprio filme

Shadow Force - Sentença de Morte | Lionsgate Films

Nos anos 1980 e 1990, os filmes de ação estadunidenses tiveram seu apogeu na indústria, lançando franquias e astros do gênero à nível internacional, e, lentamente, perderam a força e influência que outrora tinham. Agora, a ação vive de uma profunda crise que vem se arrastando há anos. Os filmes tornaram-se estagnados, as produções cada vez mais barateadas, empobrecidas de técnica e qualidade no geral.

Se Shadow Force: Sentença de Morte (2025), lançamento da Lionsgate (EUA)/Paris Filmes (BRA), prova alguma coisa é que o gênero ainda está respirando por aparelhos. No longa, Kyrah Owens (Kerry Washington) e Isaac Sarr (Omar Sy) já foram líderes de um grupo multinacional de forças especiais da CIA chamado Shadow Force. Eles quebraram as regras ao se apaixonarem e, para proteger o filho, passaram à clandestinidade. Com uma grande recompensa pelas suas cabeças e a vingativa Shadow Force no seu encalço, liderada pelo fundador do grupo e atual secretário geral do G7 Jack Cinder (Mark Strong). A luta de uma família torna-se uma guerra total.

A estória é a mais genérica possível e o diretor Joe Carnahan faz questão de deixar isso bem claro ao espectador com um falta de clareza em sua direção. Os atores parecem estar fora de sintonia com os acontecimentos em tela; o roteiro falta uma lógica interna que seja coesa; a base da narrativa é tão frágil que ela precisa que as personagens tomem decisões estúpidas para a trama avançar; a fotografia é mal iluminada em diversos momentos; a montagem das cenas de ação abusam dos truques de edição; a abordagem com a deficiência auditiva da personagem Isaac, que tinha potencial a ser explorado, beira ao cartunesco.

Isto resulta no fracasso do filme em duas vertentes: a primeira é a falta de envolvimento do público aos personagens ou, em outras palavras, o filme como um reflexo pela falta de esforço dos profissionais envolvidos com a produção; enquanto a segunda é no problema tonal do filme que passa do drama à ação: a carga dramática não tem nenhum sinal de pulso e as cenas de ação são quase cômicas na maioria das cenas. Nem mesmo o uso incessante de Lionel Ritchie consegue ajudar em alguma coisa.

Washington e Sy fazem aquilo que sabem fazer de melhor, mas parecem perdidos com a falta da supervisão de direção, e atores como Strong, que faz o vilão careca gostoso da vez e o ex-tóxico de Kyrah, e a ganhadora do OSCAR Da’Vine Joy Randolph, como uma aliada do casal apelidada de “titia”, são muito mal utilizados em personagens unidimensionais.

Assistir ao filme como uma comédia não-intencional ajuda um pouco no quesito “entretenimento”, principalmente no terceiro ato em que ocorre um exagerado tiroteio entre (quase) todos os personagens da trama. Mas isto não muda o fato de que o longa perpetua a decadência dos filmes de ação no cenário hollywoodiano. Se fosse uma paródia de um filme decadente do gênero dirigido por John Waters ou Paul Verhoeven (ou até mesmo Paul Feig), pelo menos seria divertido.

Porém, não importa que o estúdio gasta 40 milhões de dólares ou mais para lançar um filme nos cinemas, se ele tiver cara de um enlatado de streaming, então teria sido melhor lançar em um. Favor não descartar lixo nos cinemas, a gerência agradece.

                                                                  Autor:
                                  

Eduardo Cardoso é natural do Rio de Janeiro, Cidade Maravilhosa. Cardoso é graduado em Letras pela Universidade Federal Fluminense e mestre em Estudos de Linguagem na mesma instituição, ao investigar a relação entre a tragédia clássica com a filmografia de Yorgos Lanthimos. Também é escritor, tradutor e realizador queer. Durante a pandemia, trabalhou no projeto pessoal de tradução poética intitulado "Traduzindo Poesia Vozes Queer", com divulgação nas minhas redes sociais. E dirigiu, em 2025, seu primeiro curta-metragem, intitulado "atopos". Além disso, é viciado no letterboxd.



sexta-feira, 4 de julho de 2025

Jurassic World: Recomeço - Recomeço? Parece Mais um Replay Mal Programado

Jurassic World: Recomeço | Universal Pictures

Agentes habilidosos são enviados a uma instalação de pesquisa em uma ilha para recuperar DNA capaz de salvar espécies de dinossauros. Conforme a missão ultrassecreta se torna cada vez mais perigosa, eles acabam descobrindo um segredo sinistro que tem sido escondido do mundo por décadas.

A consagrada saga Jurassic Park deveria ter terminado no terceiro filme. Porém, buscando lucrar com a nostalgia, lançaram Jurassic World em 2015. O filme até consegue ser divertido e traz uma ideia interessante, mas sua execução deixa a desejar. Em 2018, veio a continuação, que, sinceramente, não me agradou. Já em 2022, foi lançado o terceiro filme dessa nova trilogia, que eu, honestamente, odiei — conseguiu ser o pior da franquia. E agora, em 2025, para espremer até a última gota da nostalgia, decidiram lançar mais um filme da franquia. Porque, claro, nada grita “inovação” como mais do mesmo: dinossauros correndo em CGI que já cansam desde os anos 90. Mesmo que a recepção seja negativa, é quase certo que o filme terá um bom desempenho nas bilheterias.

O filme começa em um laboratório, onde tudo dá absurdamente errado por causa de um inocente saco de doces que um funcionário distraído estava comendo — cena digna de Premonição. É aquele tipo de momento que já sinaliza o descuido com a lógica interna da história, uma brecha que poderia ter sido evitada com um mínimo de atenção ao roteiro. A partir daí, o caos é inevitável e se espalha rapidamente, como uma bola de neve desgovernada. Na sequência, o roteiro entra no piloto automático clássico da franquia: um milionário excêntrico aparece com seus planos duvidosos e motivações ambíguas, montando uma expedição que mais parece uma armadilha para os protagonistas. E, claro, não poderia faltar a inserção de crianças — porque, afinal, é um dos clichês mais batidos do gênero, um artifício para aumentar o apelo familiar, mesmo que não faça sentido no contexto da história.

Com a proposta de apresentar animais mutantes, o filme quase não mostra essas criaturas — e, quando aparecem, mal sabem o que fazer com elas. Até a ‘grande ameaça’ da vez, o temido D-Rex, parece ter saído de um brainstorm apressado, servindo apenas como figurante de vilão.

Em 2015, Jurassic World já admitia que o público aparentemente não se interessava mais por dinossauros “puros”, então decidiram inventar híbridos genéticos para tentar reanimar a atenção e o entusiasmo do público. A ideia até tinha potencial para explorar questões éticas sobre manipulação genética e os perigos da ciência descontrolada, mas, no final das contas, serviu apenas como um artifício para criar monstros maiores, mais assustadores e visualmente chamativos. Já em Recomeço, o discurso se repete como uma sombra cansada — o filme tenta se apresentar como uma “reinvenção”, mas acaba tropeçando nas mesmas ideias recicladas. O curioso (ou curioso só para quem presta atenção) é que o tal híbrido que desencadeia toda a confusão da trama foi criado muito antes do parque sequer existir, o que contradiz diretamente tudo que foi estabelecido nos filmes anteriores. Essa desconexão mostra o descuido com a coerência interna da saga e a prioridade clara em criar cenas de ação e monstros para impressionar o público, em vez de construir uma narrativa sólida. Mas, afinal, quem liga para lógica quando se tem um T-Rex estampando o pôster? O que importa é o espetáculo visual e o apelo nostálgico — o resto fica para segundo plano.

Jurassic World: Recomeço parece mais uma tentativa desesperada de lucrar com o que já foi sucesso do que um esforço genuíno de inovar ou respeitar a história que conquistou tantas gerações. Entre furos de roteiro, clichês reciclados e dinossauros mal aproveitados, fica a sensação de que estamos diante de uma franquia que perdeu o rumo — e que talvez já devesse ter ficado no passado, onde seu legado realmente brilha. Mas, enquanto houver nostalgia (e dinheiro) para ser explorado, os dinossauros vão continuar correndo, mesmo que a corrida não faça mais muito sentido.

Autor:


Meu nome é João Pedro, sou estudante de Cinema e Audiovisual, ator e crítico cinematográfico. Apaixonado pela sétima arte e pela cultura nerd, dedico meu tempo a explorar e analisar as nuances do cinema e do entretenimento.

terça-feira, 1 de julho de 2025

M3GAN 2.0 - O terror foi embora, mas o caos e o sarcasmo ficaram

M3GAN 2.0 | Universal Pictures



Uma arma robótica de nível militar conhecida como Amelia torna-se cada vez mais autoconsciente e perigosa para a raça humana. Na esperança de detê-la, Gemma decide ressuscitar M3GAN, tornando-a mais rápida, forte e letal.

Diferente do filme anterior, que seguia uma linha mais voltada ao terror psicológico e remetia a produções como Chucky, mas com uma roupagem moderna centrada em uma boneca robótica, M3GAN 2.0 adota uma abordagem mais inclinada à ação. A transição de gênero é evidente desde os primeiros minutos, com uma estrutura narrativa que prioriza cenas dinâmicas, confrontos intensos e uma protagonista ainda mais letal e autônoma. Apesar dessa mudança de tom, o longa não abandona completamente suas raízes. 

Elementos do suspense e do horror tecnológico continuam presentes, especialmente na forma como a inteligência artificial é tratada como uma ameaça imprevisível. A ambientação, por sua vez, permanece no mesmo universo high-tech do primeiro filme, com laboratórios futuristas, dispositivos inteligentes e dilemas éticos sobre o avanço da tecnologia. O longa  pode até trocar o clima de horror por uma narrativa mais explosiva e movimentada, mas ainda carrega, em sua essência, as mesmas provocações sobre o controle da tecnologia e os limites da criação humana. Trata-se, portanto, de uma evolução do conceito original, que busca explorar novos caminhos sem perder totalmente sua identidade.

Dessa vez, a ameaça não vem de M3GAN, mas de uma nova boneca assassina: Amelia, uma criação ainda mais avançada e instável, cuja inteligência artificial representa um perigo iminente para a humanidade. Diante dessa nova ameaça, Gemma, a engenheira responsável por criar M3GAN no primeiro filme, decide reativar sua antiga criação como último recurso. A grande sacada da trama está justamente na maneira como ela reposiciona M3GAN, não mais como vilã principal, mas como uma espécie de anti-heroína. Essa mudança de eixo narrativo dá à personagem camadas mais complexas, promovendo uma dualidade interessante entre o que ela representa como máquina e as emoções quase humanas que demonstra. Longe de ser uma simples repetição do longa original — algo bastante comum em continuações dentro do subgênero slasher — M3GAN 2.0 busca romper com a previsibilidade e expandir sua mitologia de maneira criativa e funcional. A sequência, portanto, não se limita a ser um produto derivado, mas se firma como uma continuação com identidade própria, capaz de abrir espaço para futuras explorações nesse universo tecnológico sombrio.

Mas isso não significa que eu tenha gostado do filme. Pode até ser superior ao seu antecessor em termos de escala e ousadia, mas ainda assim não considero um bom longa. O roteiro, por mais absurdo que seja em diversos momentos, parece existir apenas como uma desculpa para colocar M3GAN no centro das atenções. A trama não se preocupa em desenvolver uma narrativa sólida ou coerente, e sim em criar situações que sirvam de vitrine para a boneca fazer o que o público já espera: instaurar o caos, provocar desconfiança entre os personagens e, claro, roubar a cena com seu carisma sarcástico e seus maneirismos peculiares. Cada aparição de M3GAN é meticulosamente construída para exibir sua personalidade híbrida — ao mesmo tempo ameaçadora e divertida. Seja pelo olhar calculado, pelas falas afiadas ou pelas ações imprevisíveis, ela domina a tela com uma presença quase magnética. O filme sabe disso e aposta tudo nela, deixando o enredo em segundo plano.

M3GAN 2.0 aposta numa abordagem mais voltada para a ação e destaca o carisma da boneca, que continua sendo o principal atrativo do filme. No entanto, o roteiro deixa a desejar, apresentando uma narrativa que prioriza cenas impactantes e momentos de espetáculo, em vez de um desenvolvimento mais sólido dos personagens e da história. Apesar dessas falhas, o longa consegue entreter, especialmente para quem já conhece e gosta da personagem. Ainda assim, fica claro que, embora superior em alguns aspectos ao primeiro filme, M3GAN 2.0 não consegue se firmar como uma sequência memorável ou que realmente expanda o universo de forma consistente.

Autor:


Meu nome é João Pedro, sou estudante de Cinema e Audiovisual, ator e crítico cinematográfico. Apaixonado pela sétima arte e pela cultura nerd, dedico meu tempo a explorar e analisar as nuances do cinema e do entretenimento.

Telefone Preto 2 - Do Suspense Psicológico para a Hora do Pesadelo

Telefone Preto 2 | Universal Pictures Pesadelos assombram Gwen, de 15 anos, enquanto ela recebe chamadas do telefone preto e tem visões pert...