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A Grande Viagem da Sua Vida | Sony Pictures |
Nos primeiros minutos do filme, conhecemos David (Colin Farrell), um homem balzaquiano, solteiro, preparando-se para ir a um evento. Ele descobre que o carro dele foi multado e vai até uma agência, muito suspeita por sinal, para alugar um automóvel. A atendente da empresa (Phoebe Waller-Bridge) é bem peculiar, trata David, um cliente, como se fosse uma diretora de casting, e oferece um modelo de carro antigo com GPS a ele.
David, não tendo outra alternativa, aluga o carro e chega ao evento: um casamento de um amigo, no qual ele nota Sarah (Margot Robbie), pela primeira vez. Eles acabam se conhecendo um pouco e há uma certa química no ar; mas, como os dois são emocionalmente indisponíveis, há também uma certa distância. A partir do ponto em que o GPS do carro de David sugere que ele tem de socorrer Sarah, cujo automóvel para de funcionar no meio do caminho, e seguir por meio de uma jornada mística, o nosso filme, de fato, começa.
A Grande Viagem Da Sua Vida (2025) é o novo filme dirigido pelo Kogonada, de Columbus (2017) e After Yang (2021); e quem conhece o trabalho do diretor vai notar que este lançamento da Sony é, ao mesmo tempo, uma mudança de ângulo e uma continuação temática de sua filmografia. Kogonada tem um profundo olhar estético do cinema como forma: o modo que decupa, filma e edita é formidável; e seus filmes de ficção buscam pela essência das relações humanas ou/e pelo sentimento de humanidade.
O roteiro assinado Seth Reiss, de O Menu (2022), se apropria de arquétipos e de metáforas já manjadas para criar novas ideias mais interessantes, apesar do texto soar muito como livro de autoajuda em um momento ou outro; muito açucarado para o meu gosto. Porém, a abordagem da narrativa através do fantástico talvez seja o maior trunfo do roteiro, já que as regras do mundo dito real não se aplicam na lógica da obra e permite novas camadas a serem exploradas.
A viagem que David e Sarah embarcam é para dentro de si e de entender qual é o próprio papel em sua respectiva narrativa. São pessoas diferentes: ele aparenta ser mais soturno, ela bem solar. David foi uma criança superprotegida pelos pais, tem problemas com rejeição e um complexo de conquistador; enquanto Sarah tem questões pessoais mal resolvidas por não estar presente e se culpa eternamente por isso, levando a não criar nenhum vínculo emocional com ninguém. Para poderem se conectar e se misturar, eles precisam justamente entrar em seus próprios mundos e olhar para a pessoa que um dia foram com outro par de olhos.
David e Sarah são tratados como dois performers que ainda não acharam a identidade de suas personagens, e, portanto, não podem começar um relacionamento. Há um jogo bastante interessante aqui. O amor não é só um sentimento, mas também uma performance afetiva. Por trás da fantasia, há um jogo de cena em que precisam tomar partido.
As protagonistas acabam encarando recriações de seus passados para conseguir ter o vislumbre de como devem agir, sentir e portar em sua performance. O amor torna-se a fantasia que David e Sarah devem justamente incorporar; e, a cada porta que abrem, eles ficam a passos mais próximos, ou distantes, de não só se conectarem, mas de transformar essa fantasia em realidade. Esse jogo metalinguístico, mesmo que sutil, se torna mais claro ao espectador à medida que a narrativa se desenrola. Estariam eles se apaixonando ou próximos de interpretar uma versão apaixonada de si mesmos?
Em mãos menos habilidosas, A Grande Viagem poderia se tornar um filme bem qualquer coisa, pesando a mão no sentimentalismo barato em busca de uma “edificação” do espírito; mas Kogonada soube bem equilibrar o tom meio “sessão da tarde” com o existencialismo, muito próximo de seus projetos anteriores. O diretor cria toda uma atmosfera colorida, cheia de vida, mas traz consigo a sensação da distância, do silêncio, das pausas e do uso da trilha sonora do fabuloso compositor Joe Hisaishi, dando um ar mais sofisticado à narrativa.
Apesar do filme ser um experimento voltado ao mainstream, nem tudo no filme funciona como esperado e, por sinal, alguns pontos chegam a ser rasos; mas ainda há uma sinergia em tela que não deixa o longa afundar dentro de si tão profundamente. Farrell e Robbie parecem estar confortáveis com seus papéis, caindo de cabeça no conceito da trama e suas variantes, e sem a química que há entre eles, a história não funcionaria desde o início.
A Grande Viagem é aquele tipo de “filme conforto” que, entre acertos e tropeços, atinge de alguma forma o espectador que está disposto a embarcar na jornada. É necessário um pouco de paciência, mas o caminho vale a pena.
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