segunda-feira, 21 de outubro de 2024

Serra das Almas - Filme Brasileiro que sonha em ser Hollywoodiano

Serra das Almas | Carnaval Filmes

Serra das Almas conta a história de duas jornalistas que se envolvem em um esquema de venda ilegal de pedras preciosas e acabam sendo raptadas por um grupo de bandidos. Esse grupo decide se refugiar na casa de um amigo de infância, prende as jornalistas em um dos quartos e planejam como vão sair da situação que se encontram. O filme tem a direção de Liro Ferreira e teve estreia mundial no Festival do Rio de 2024.

É preciso apontar como o filme trabalha a sua estrutura narrativa e como acontece o desenvolvimento de cada um dos personagens, pois é um filme que carrega uma forte problemática em sua execução. Mas, que problemática seria essa? O filme tenta se provar a todo momento que o Brasil pode fazer filmes como Hollywood. A montagem paralela mostrando um cenário calmo com uma van correndo loucamente ao som de Rock n'Roll, personagens que sonham em serem deputados nos EUA, bandido perdendo a cabeça e virando um palhaço no caos. 

Tudo que escrevo realmente acontece no filme, e é deprimente. Não que adotar influências do cinema norte-americano seja um problema, é um cinema riquíssimo, mas uma obra brasileira que tenta mostrara todo tempo que pode ser um filme hollywoodiano faz parecer que a própria direção e o roteiristas queriam fazer algo que desvinculasse completamente da estética e do próprio cinema brasileiro. Até mesmo na montagem e na edição do filme mostra uma falta de identidade no fim das contas. 

Mas, a obra consegue ser bem sucedida quando se trata no quesito técnico. Liro faz questão de fazer uma obra carregada de violência, sangue e até mesmo nos movimentos de câmera. O filme consegue pegar a atenção do espectador por conta da criação atmosférica de que tudo aquilo que está acontecendo é uma bomba pronta para explodir. Oque funciona até certo ponto, mas que vai se atrapalhando por escolhas narrativas paralelas de cada um dos personagens. 

A forma que a direção trabalha o simbolismo das vacas nas serras e como a câmera captura todo o ambiente como se fosse um lugar abandonado por Deus torna a experiência mais inquietante em conjunto com as cenas que envolvem mais tensão entre os personagens. Mesmo a trilha sonora invadindo várias cenas, o filme ainda pode ser contemplado por sua produção e pelo conjunto técnico da obra. Além de certas pitadas de humor e de tensão que funcionam, mas e momentos muito pontuais. 

Todos os personagens tem um trabalho de atuação acima da média, sendo os momentos que eles mais se atrapalham tem como problema a forma de condução do roteiro. Mesmo com a forma que a direção tenta se provar ter uma identidade norte americana a todo custo e com um roteiro que não se contenta com a simplicidade, o filme ainda tem algumas sequências que fazem a obra ser um filme de ação sustentável. Porém, pouco notável. 

TEXTO DE ADRIANO JABBOUR.

Centro Ilusão - Viver de Arte dói

Centro Ilusão | Marrevolto Filmes


Centro Ilusão conta a história de 2 músicos que se encontram durante um concurso para um laboratório de música, um deles está no seu começo de carreira, enquanto o mais velho já se encontra sem esperança dentro desse ramo, mesmo tendo tido uma carreira conhecida no passado. Até o resultado do concurso ser anunciado no final do dia, ambos andam pelas ruas de Fortaleza e conversando sobre sua vida e seus desafios. 

O filme consegue não transformar o drama da vida artística em um exagero dramático e nem o romantizando seguindo a falsa meritocracia propagada pelo capitalismo, tem seus pés no chão em mostrar uma realidade plausível sobre a dificuldade de ser um músico no Brasil, além das questões como família, casamento, que são afetados por essa escolha de trabalho. Sem contar as diferenças mostradas por questões geracionais e pontos de vista sobre o cenário musical. 

Tuca, o músico de 50 anos, já se mostra exausto e sem uma visão futura nesse ramo onde ele teve sua história, mas não consegue mais ter forças em enxergá-la indo em frente. Enquanto Kaio, que tem 18 anos, saiu da casa de sua mãe e está fazendo de tudo para fazer o seu sonho, de ser um músico conhecido, virar realidade. Ambos conseguem fazer uma atuação satisfatória para oque o roteiro propõe. Até mesmo nos momentos que se exige mais drama, não se encontra em nenhuma das atuações algo fora do básico. 

A obra também é afetada por conta de como a direção condensa cenas mais dramáticas e carregadas de diálogo com as cenas de Tuca tocando e cantando. A direção e a escolha da montagem se perde um pouco nisso em questão de volume, pois as cenas não se diferem tanto uma da outra em questão de conteúdo proposto. Logo, a narrativa se torna uma espiral autoexplicativa e sem muito sentimento ali realmente envolvido. 

Para quem sabe como funciona o mundo da música, como o autor que vos escreve, consegue se sentir dentro daquela situação, onde é recheada de frustração, cansaço e cheio de magia ao compor uma música. Mas a obra é dirigida para um caminho sem muita expressão realmente, mesmo tendo bons elementos de enquadramento e o desenvolver das ambições de cada um deles. 

Toda a obra no quesito técnico e de interpretação dos atores é funcional, não é um filme que tenta se arriscar em nada, nem mesmo nos dramas propostos dentro do desenvolvimento dos personagens. O roteiro tenta utilizar em alguns momentos o elemento do humor, mas nunca realmente funciona, além de seguir uma linha de condução relativamente parecida com oque Richard Linklater faz na trilogia Before, tendo a câmera acompanhando os dois para todos os lados e sempre conversando sobre suas vidas e música. 

A obra conclui de forma otimista e com um ar esperançoso sobre como a união dos artistas faz a força, mas de forma corrida e morna como todo o resto do filme. Os pequenos detalhes em seus diálogos, quando entram numa loja de discos ou instrumentos, e quando estão compondo juntos faz a obra ser uma grande homenagem e um forte abraço aos músicos independentes. Mas, mesmo com esse toque, Centro Ilusão é uma obra que não se arrisca e não consegue ter a potencia sentimental humana que existe dentro de qualquer artista. 

TEXTO DE ADRIANO JABBOUR.

sexta-feira, 18 de outubro de 2024

Maximiliano Kolbe e Eu – O mártir da caridade

Maximiliano Kolbe e Eu | Kolbe Arte
 

Maximiliano Kolbe e Eu é daqueles filmes que costumo chamar de filme-afago! Daqueles que transformações ocorrem tanto na trama, como na vida de quem assiste.

Uma animação mexicana que tem como pano de fundo a vida do Padre polonês Maximiliano Kolbe, conhecido por seus atos de amor, devoção e caridade durante a Segunda Guerra Mundial. Kolbe foi preso e enviado ao campo de concentração de Auschwitz por proteger principalmente judeus. Lá, realizou o que se considera o maior dos sacrifícios: voluntariou-se para substituir um prisioneiro desconhecido condenado à morte, salvando a vida desse homem ao custo de sua própria.

A vida de Kolbe é narrada a partir da história de dois personagens considerados diametralmente opostos, que são DJ, um garoto em idade escolar, possuidor de uma rebeldia tal que sequer retira os fones de ouvidos para conversar e, Gunter, um idoso que também tem lá suas transgressões e que vive dividido entre sua casa e a igreja.

A história de ambos se cruza em determinado momento e a partir desse encontro, uma teia de sentimentos, sensações e inspiração entre eles e Maximiliano Kolbe é formada. Gunter faz questão de contar toda a história do Padre, do início ao fim, para DJ que, interessado, se comove e passa a se inspirar nas ações do Padre.

O cenário da vida do então Raimundo Kolbe, uma criança filha de uma família com pouquíssimos recursos financeiros e temente a Deus, era uma Polônia fria, acuada e escura (não importa se era dia ou não), em um período de guerras e entraves com a Alemanha nazista. O ar, cada vez mais rarefeito, era o próprio medo e invadia os pulmões de quem só queria exercer sua fé livremente.

Mesmo antes de se transformar no Padra Maximiliano Maria Kolbe, Raimundo já dava sinais de sua resistente fé na humanidade, sempre guiado por Maria Imaculada. Diante do cenário de guerra, ele tenta espalhar a palavra do amor e acolhimento a qualquer pessoa, independente da crença (ou descrença) religiosa, por confiar que na própria natureza humana existe um desejo contínuo de se aperfeiçoar.

Ao se entregar no lugar de um prisioneiro condenado à morte, o Padre reforça a total devoção à Maria Imaculada e aceita o que ele acredita ser os desígnios de Deus, condenando-se, ele próprio, à morte. Apesar disso, Max Kolbe não teme a morte. Aos seus olhos, fez o que deveria fazer.

A animação mexicana é dirigida por Donovan Cook e possui personagens fortes e interessantes. Apesar de ter um enredo, digamos que, conhecido, a forma como a vida do Padre foi narrada, acredito que prende o expectador até o fim, sedento pelo desfecho do filme. Os diálogos não são densos, mas cumprem bem o papel a que se destinam.

O mote do filme é fortalecer valores como fé, amor, caridade e, sobretudo, devoção. Talvez, depois de assistir ao filme, em alguma situação de angústia, é possível que se pergunte: “O que Max faria?”. Se isso acontecer, o propósito do filme foi atingido.

Maximiliano Kolbe foi canonizado pelo Papa João Paulo II e morreu como mártir. Com estreia prevista para 17 de outubro de 2024, essa é uma história vale a pena ser vista - e sentida.


Autora:


Lá em 2004 participei do meu primeiro filme. Ali apaixonei pelo cinema, mas como toda boa paixão, à la Jack e Rose, naufragou. A vida toma rumos e acabei seguindo outra área. Mas nada apaga uma boa paixão, né isso? Me chamo Carol Sousa e hoje falo e escrevo sobre cinema, quem sabe isso quer dizer amor...

Sorria 2 - A Sequência que Ultrapassa o Original em Perturbação e Qualidade

Sorria 2 | Paramount Pictures

Prestes a embarcar em uma nova turnê mundial, a sensação pop global Skye Riley começa a vivenciar eventos cada vez mais aterrorizantes e inexplicáveis. Sobrecarregada pelos horrores e pressões crescentes da fama, ela deve enfrentar seu passado sombrio para retomar o controle de sua vida antes que ela saia do controle.

Enquanto o primeiro filme abordava traumas pessoais e uma entidade sobrenatural que se manifestava através de sorrisos perturbadores, essa sequência introduz temas como a fama, a pressão psicológica e o terror de um passado sombrio. O enredo original focava em uma maldição ligada a traumas e culpa, mas a continuação expande essa premissa ao explorar os desafios emocionais da vida sob os holofotes e o terror psicológico decorrente das pressões públicas. A trama mistura elementos sobrenaturais com uma crítica social sobre a cultura das celebridades. Essa mudança de cenário levanta questões sobre como o terror pode servir para criticar a indústria do entretenimento e a exploração da imagem pública. Contudo, há o risco de que o foco em uma figura famosa possa diluir a profundidade emocional do primeiro filme, que se destacou pelo tratamento sensível de temas universais e pessoais.


O filme evita jumpscares gratuitos, aqueles que surgem sem uma construção adequada de tensão ou relevância para a trama. Aqui, os sustos são astutos, eficazes graças ao uso cuidadoso de efeitos visuais e sonoros, além dos diversos artifícios que a entidade utiliza para gradualmente desestabilizar sua vítima, levando-a ao limite da sanidade. Esses momentos funcionam não apenas pelo choque imediato, mas também pela forma inteligente com que a tensão é construída. A entidade manipula o ambiente ou surge em momentos estrategicamente calculados, criando uma atmosfera opressiva e constante. Cada aparição vai além de ser apenas um susto, servindo como uma peça de um complexo quebra-cabeça psicológico, que desestabiliza a protagonista e faz o público compartilhar de sua paranoia e desespero crescentes. O terror não se limita ao susto passageiro, mas se estende, deixando o espectador em constante estado de alerta, preso em um medo duradouro e difícil de escapar.


O filme peca por alongar demais seu ritmo, tornando-se cansativo em vários momentos e prejudicando a fluidez da narrativa. Sequências que poderiam ser mais ágeis acabam se estendendo sem propósito claro, fazendo com que o espectador perca o envolvimento com a trama.


Naomi Scott está excepcional no papel, entregando com maestria o medo e o sofrimento que sua personagem enfrenta. Seu olhar expressa o terror de maneira marcante, caracterizado por uma combinação poderosa de sutilezas e intensidade. O olhar assombrado dela é uma verdadeira janela para a vulnerabilidade da personagem, capturando a inquietação e o desespero que a situação provoca. Além disso, Naomi utiliza o silêncio e a pausa de forma eficaz, criando momentos de tensão que permitem ao espectador absorver a gravidade da situação. Essa entrega genuína transforma sua atuação em um dos pontos altos do filme, tornando-a memorável e impactante, enquanto sua vulnerabilidade ressoa profundamente com o público.


Sorria 2 se destaca pela expansão inteligente dos temas de seu antecessor, misturando terror sobrenatural com uma crítica afiada à cultura da fama e às pressões psicológicas que acompanham o estrelato. A nova abordagem adiciona uma camada de profundidade à narrativa, ao explorar como o horror se manifesta em um contexto de celebridade, trazendo novos elementos que enriquecem a trama. Ao fazer essa transição, o filme não apenas mantém o suspense e o terror psicológico, mas também amplia a discussão sobre os impactos da fama na saúde mental. Dessa forma, consegue superar seu antecessor ao combinar sustos eficazes com uma crítica social relevante e atual.


Autor:


Meu nome é João Pedro, sou estudante de Cinema e Audiovisual, ator em formação e crítico cinematográfico. Apaixonado pela sétima arte e pela cultura nerd, dedico meu tempo a explorar e analisar as nuances do cinema e do entretenimento.

MARIAS - Documentário que se aprofunda em apenas uma MARIA

Marias | Descoloniza Filmes


O documentário “Marias”, dirigido por Ludmila Curi, estreou em outubro de 2024. O filme é um "road movie" que viaja pelo Brasil e pela Rússia, destacando a vida de Maria Prestes, uma importante ativista nordestina que foi companheira do líder comunista Luís Carlos Prestes. Maria se engajou na luta pela reforma agrária e passou 40 anos ao lado de Luís Carlos, criando uma família e vivendo em exílio em Moscou. A obra, além de retratar sua trajetória, celebra outras figuras femininas que também marcaram a história, como Maria Bonita, Dilma Rousseff, Olga Benário e Marielle Franco.

O filme, por mais que se autointitule “Marias”, não se aprofunda, além da figura de Maria Prestes, como nas outras mulheres brasileiras: Dilma Rousseff, Olga Benário e Marielle Franco. Esta última, mesmo tendo tanta relevância nos últimos anos, é citada apenas nos minutos finais do documentário, como se fosse um recorte adicionado de última hora, limitado a um tempo de reportagem que provavelmente já assistimos no "Fantástico" da Rede Globo.

No que diz respeito à persona de Maria Prestes, o documentário consegue cumprir seu papel, retratando suas vivências desde a infância até o relacionamento com o famoso líder revolucionário Luís Carlos Prestes. A narradora consegue entrevistar Maria e, ao mesmo tempo, nos transportar a partir de manchetes e notas de jornais da época para nos localizar historicamente. Desde jovem, Maria já era ligada a pautas comunistas devido ao seu pai, João Rodrigues Sobral (conhecido como “Camarada Lima”).

Mas em nenhum momento o documentário sugere que Maria foi influenciada por seus familiares e marido em seus ideais políticos. Pelo contrário, ele reforça e afirma a autonomia que essa grande mulher pernambucana teve em suas atitudes e ativismo no decorrer de sua vida. Inclusive, em um trecho, o documentário faz questão de relatar um momento de conflito que ela teve durante atos de protestos e, mesmo assim, teve a certeza de continuar em sua luta política.

Através da entrevista com Mariana Prestes em 2017, filha de Maria Prestes (quando ambas moravam no interior do Piauí), podemos descobrir sobre a rotina da família durante o primeiro exílio de Luís Carlos Prestes. Mariana conta sobre as dificuldades que sofreram na época em sua infância, ela e mais oito irmãos (dois deles do primeiro casamento de Maria com Antônio Andrade).

Sua casa era constantemente vigiada devido à relação da mãe com um comunista exilado e, por isso, eles não tinham uma liberdade total para trafegar nas ruas e até mesmo adentrar em alguns terrenos que eram vigiados pelo governo. Isso demonstra como os filhos de Maria também foram afetados pelas perseguições políticas que seus pais sofreram e tiveram que se adaptar à realidade familiar. Apesar disso, Mariana soube contar momentos cômicos de sua vida jovem,mostrando que isso não prejudicou sua infância e que conseguia, mesmo nessa realidade, se divertir com seus irmãos como qualquer outra família.

Durante o segundo exílio de Luís Carlos Prestes, quando aconteceu a temida ditadura militar na Era Vargas, Maria teve que novamente se adequar a outra realidade, tendo que se exilar com seus nove filhos e seu marido na antiga União Soviética (URSS), onde passou nove anos de sua vida até receber a anistia brasileira e poder retornar ao seu país. Isso demonstra ainda mais a capacidade de resiliência dessa mulher, esposa e mãe que precisou fazer o que era melhor para sua família e se ambientar em uma língua e cultura totalmente diferente da sua.

A história de Maria é um espelho da sociedade brasileira. Quando percebemos o relato de Mariana, logo é possível notar a ausência do pai por questões de perseguições que vivenciava no período. A mesma diz, em um momento da entrevista, que não teve muito contato com ele, mas que o respeitava muito. Isso não exclui o fato de que tanto Mariana quanto seus irmãos tiveram um genitor ausente em sua família e que Maria Prestes foi uma mãe solo e uma mulher guerreira que teve que educar e sustentar nove filhos, passando por diversas adversidades ao mesmo tempo.

A falta da presença física de Maria no documentário durante as conversas não prejudicou sua história, só reforçou e deu mais visibilidade à sua trajetória –uma visibilidade que, muitas vezes, não é contada, retratada, ouvida de mulheres importantes no âmbito histórico brasileiro. Altamira Rodrigues Sobral Prestes (Maria Prestes) foi um símbolo de determinação nacional. Ela é só mais uma entre milhares de outras “Marias” nesse Brasil que passaram também pelas mesmas dificuldades e conseguiram ser resistentes perante as divergências da vida.

Isso me fez lembrar da minha mãe, também chamada Maria, e que também nasceu no Nordeste e foi mãe solo, precisando cuidar de quatro filhos e, ao mesmo tempo, trabalhar para arcar com as despesas de casa. Histórias como essas existem várias em nosso cotidiano, e cabe à sociedade desmitificar estereótipos de gênero, pois além das mulheres serem mães, esposas e profissionais, todas elas carregam a mesma humanidade, inseguranças e incertezas da vida que todos possuem.

“Marias” é um bom documentário no que tange à narração da vida de Maria Prestes, mas peca ao escolher o seu título e ao querer citar outras mulheres revolucionárias no espectro da esquerda política, pois não tem a mesma profundidade histórica desenvolvida como a de Maria Prestes. Todas elas foram grandes símbolos de ativismo político brasileiro, e não há como disponibilizar um tempo de tela para uma e apenas pincelar de forma rasa outras identidades tão influentes quanto foram para o país.



Autor:

Meu chamo Leonardo Veloso, sou formado em Administração, mas tenho paixão pelo cinema, a música e o audiovisual. Amante de filmes coming-of-age e distopias. Nas horas vagas sou tecladista. Me dedico à exploração de novas formas de expressão artística. Espero um dia transformar essa paixão em carreira, sempre buscando me aperfeiçoar em diferentes campos criativos.


terça-feira, 15 de outubro de 2024

Salão de Baile - Rio de Janeiro's Burning

Salão de Baile | Couro de Rato

Salão de Baile conta a trajetória do movimento Ballroom que nasceu nos Estados Unidos nos anos 1960, e que acabou chegando no Brasil nos anos 2000 (se tornando popular a partir de 2015). O movimento consiste em ser um espaço de liberdade de expressão Queer e LGBTQIA+ para poderem fazer performances de dança entre outras se baseando em artistas da música pop e nas poses e estéticas que se encontravam na Revista Vogue. O filme conta como esse movimento se encontra hoje no Rio de Janeiro. 

A direção em nenhum momento foge de mostrar sua inspiração pelo filme Paris is Burning da Jennie Livingston, lançado em 1990, que conta a mesma narrativa, porém em Nova York. Sem contar, claramente, que Nova York foi o berço do movimento Ballroom e a obra foi executada nos anos 90, onde a homofobia e a descriminação eram muito mais presentes do que os dias atuais. Mas isso seria um problema? Não, até pelo fato de que a direção utiliza tal obra simplesmente como inspiração, mas não a utiliza como uma bengala para o filme funcionar. 

Até porque a obra mostra esse cenário dentro da cidade do Rio de Janeiro, oque já é um ponto que traz muita diferença com a obra estrangeira citada, e o longo tempo de diferença de 40 anos até chegar ao nosso país. A obra mostra a ideia do Ballroom como uma resistência de existência e artística de todo um grupo marginalizado, entrevistando uma por uma das personagens contando suas realidades e como chegaram àquele espaço no qual elas encontravam liberdade. 

O filme também tem um foco na resistência afro no Rio de Janeiro, que vai no quesito estético, até mesmo na movimentação de seu corpo em suas performances. Mesmo o filme apontando os vários tipos de resistências presentes dentro do Ballroom, esses tópicos não colocam de lado a Ballroom que é o foco narrativo proposto. Mas, ao contrário, complementa ainda mais esse tema dentro do cenário carioca. 

A direção utiliza de várias linguagens para ligar a proposta do Ballroom com um espetáculo televisivo dos anos 90. Utilizando elementos estéticos, humor e os depoimentos de cada uma das personagens presentes para contextualizar o movimento e também fazer o espectador imergir para essa realidade tão pouco falada no cotidiano. A direção consegue de forma contundente misturar a explicação do que é o Ballroom, a vida de cada uma das participantes do movimento e o Ballroom que é mostrado durante o filme. Não só as performances chamam bastante a atenção do público, mas o como elas se conectam as suas personagens. 

A obra aponta questões como homofobia e o abandono familiar por conta da sexualidade, mas nunca coloca esses pontos em foco na obra, pois o filme prefere mostrar suas personagens quase como modelos da Vogue, e não transformar a imagem delas como apenas um grupo de vítimas da sociedade. Oque a obra consegue fazer de forma bem sucedida. 

Um dos poucos problemas que se encontra na condução desse filme, é perto da sua conclusão, onde os personagens começam a explicar sobre questões de gênero ao espectador. Isso destoa por completo do que era proposto. Não que falar sobre o tópico seja um problema, é necessário até por conta da conexão intrínseca com a origem do Ballroom, mas acaba sendo meia hora de didática escolar para o espectador. Oque se torna algo decepcionante, pelo fato da obra ser um grande espetáculo em conjunto com as vidas daquelas personagens que estão ali participando. 

É quase como se o filme olhasse para o espectador e o tratasse com pena em não entender alguns pontos ligados ao mundo LGBTQIA+ dentro do Ballroom, isso quebra a ligação do espectador com o espetáculo proposto. Mesmo isso sendo uma grande problemática, não afeta o total da obra, que continua tendo performances marcantes, como também mostra um cenário de expressão que muitos não conhecem, ou fingem não ver.

Salão de Baile consegue elaborar de forma clara oque significa a Ballroom no Rio, e aquelas que fazem parte dela. Tendo uma direção que consegue conectar uma montagem inteligente com o espetáculo filmado e mostrando a expressão daqueles que a todo tempo são marginalizados. Mesmo o filme perdendo sua força em alguns momentos, e não acreditando na capacidade de entendimento de seu espectador, o filme segue sendo uma porta para um lugar onde algumas pessoas conseguem encontrar liberdade finalmente. 

TEXTO DE ADRIANO JABBOUR.

Ainda não é Amanhã - "Se os Homens engravidassem, seria possível fazer aborto no Caixa Eletrônico."

Ainda não é Amanhã | Espreita Filmes

O primeiro longa metragem da diretora Milena Times conta a história de uma jovem estudante de direito que acaba engravidando acidentalmente. Janaína, nossa protagonista, está decidida em realizar um aborto, mas no Brasil é considerado crime, obrigando Janaína a fazer oque puder para acabar com essa gravidez. A atriz Mayara Santos recebeu o prêmio de melhor atriz no Festival do Rio 2024.

A obra começa sendo direta mostrando Janaína indo até a faculdade no ônibus, com uma mulher sentada à sua frente carregando o próprio filho. Simbolizando que Janaína já carrega um feto em seu ventre, mesmo sem ela perceber. E isso se conecta com a primeira sequência do filme onde Janaína e sue namorado vão ter um ato sexual e todo o caminho até o ato é moldado no "silêncio", que é o estado da personagem durante a narrativa. 

Quando Janaína descobre sua gravidez, o trabalho da atriz consegue fazer o espectador sentir a angústia que a mesma sofre ao longo do filme todo. Prevalece na atmosfera da obra um incômodo de aquele problema não ser resolvido de forma segura. Para a protagonista, não existe a opção clínica de aborto, até pelo fato de que ela faz parte de uma família com baixa renda, não sendo possível pagar uma clínica segura. 

E em torno desse tormento de Janaína em saber que está grávida, o resto de seus compromissos continuam acontecendo sem ela poder fazer nada e sendo atrapalhada pela pressão e pela a angústia da gravidez. Podendo trazer consequências à sua bolsa de estudos, sua monitoria e na relação com sua família, que não sabe que ela está grávida. 

O leitor pode se lembrar de um filme, de 2019, que conta uma narrativa parecida, o filme "Nunca, Raramente, às Vezes, Sempre" da diretora Eliza Hittman, mas aqui a obra acontece com uma menor necessidade de mostrar problemas em volta do mundo feminino ligados ao aborto. O principal foco narrativo é a tensão de uma adolescente conseguir fazer um aborto sem sua família perceber, e isso sendo em um cenário brasileiro, na cidade de Pernambuco. 

É uma obra que tenta mais se conecta ao realismo da situação do que colocar o sofrimento dessa situação em holofote. Não existe a ideia de colocar o sofrimento em um pedestal para se apreciar a obra de forma apelativa, mas uma tensão que certa parcela do povo sabe o quão difícil é ter que fazer um aborto em um país que não é permitido e que os métodos são dificílimos de conseguir. Diferente do outro filme citado que é um sintoma do cinema Norte Americano em necessitar construir uma atmosfera pessimista a toda volta da protagonista, aqui é o oposto. 

O filme não conta com tamanhas pirotecnias técnicas, mas consegue dar espaço para a personagem desenvolver sua angústia a cada momento que passa. É necessário dizer que o filme executa o tema com o tempo que realmente precisa, a direção não se perde em elaborar os outros personagens. Além da Mãe que consegue ser um dos pontos que faz a obra ser finalizada de forma consistente

Diferente do filme Kasa Branca de Luciano Vidigal, que também fez parte do Festival do Rio de 2024, o filme em nenhum momento utiliza o elemento de humor que é costumeiro do cinema brasileiro atual, nem mesmo nos diálogos. Existe um cansaço explícito em todos ali presentes, principalmente na Avó e na Mãe da protagonista. E esse peso aumenta quando a protagonista fala "quando eu ganhar meu dinheiro, você pode finalmente se aposentar, e viver da costura que é oque você gosta." e logo depois descobre sua gravidez. 

É quase como se a obra fosse um desabafo de um mundo onde não se tem tempo para sonhar, mas que concluí com uma resposta otimista de forma que não destoa de todo o tom proposto pelo filme. Ainda não é Amanhã segue uma linguagem quase hiper-realista sobre as dificuldades de ser uma mulher com uma gravidez indesejada no cenário brasileiro sem necessitar abranger a discussão para os outros demônios que fazem parte desse resultado final, mas que foca na angústia intrapessoal da protagonista que não sabe que caminho tomar e nem se terá o apoio de quem ela mais ama.  

TEXTO DE ADRIANO JABBOUR.

 

Sting: Aranha Assassina - Quando o Terror Se Perde em Tentativas de Humor e Drama Familiar

Sting - Aranha Assassina | Diamond Filmes Em Sting - Aranha Assassina, uma noite fria e tempestuosa em Nova York, um objeto misterioso cai d...